Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0909/12
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
FIANÇA
RECUSA
Sumário:I - A expressão constante do nº 1 do artº 199º do CPPT “ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente”, não só não exclui a fiança como modalidade legal de prestação de garantia, como leva a incluí-la naquela expressão, já que constitui uma modalidade de garantia a favor do credor.
II - Oferecida fiança para garantir a dívida, deve ser apreciada a idoneidade desta no caso concreto, tendo em atenção a suscetibilidade de o património do fiador responder na totalidade pela dívida exequenda e pelo acrescido.
III - O órgão de execução fiscal não pode recusar a prestação de garantia por fiança com o fundamento de que esta não dá absoluta nem rápida garantia de cobrança do crédito, louvando-se ainda no facto de que património do fiador poder desvalorizar de um momento para o outro, ficando na situação de não poder vir a pagar a dívida.
Nº Convencional:JSTA00067790
Nº do Documento:SA2201209190909
Data de Entrada:08/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART177 ART199
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0208/12 DE 2012/03/14; AC STA PROC0654/12 DE 2012/06/27; AC STA PROC0126/12 DE 2012/02/15
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Aveiro, que julgou procedente a reclamação deduzida por A……, SGPS, SA, contra a decisão do órgão da execução fiscal que lhe indeferiu o seu pedido de constituição de garantia da dívida exequenda e do acrescido, no montante global de 1.645.326,06 euros, por meio de fiança prestada por A’……, SGPS, SA, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª). Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal deduzida contra o despacho proferido em 0410412012, pelo órgão de execução fiscal, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3441201201004875, que corre termos no Serviço de Finanças da Feira 2 e que indeferiu a prestação de garantia para efeito de suspensão da execução através de fiança, por inidoneidade da mesma;

2ª). O despacho reclamado concluiu que tal pedido merecia indeferimento, por considerar que a garantia assim oferecida (fiança) não consubstancia uma garantia que proporcione o necessário grau de liquidez, atendendo, quer à prossecução do interesse público da regular cobrança dos tributos devidos ao Estado, quer ao facto do valor monetário que lhe está subjacente não ser realizável de forma certa e célere, em sede da respetiva execução, não sendo assim a fiança uma garantia idónea;

3ª). A douta sentença recorrida julgou então a presente reclamação procedente, com a consequente anulação do despacho reclamado, por entender que o mesmo se encontrava inquinado pelo vício de violação de lei, sustentando tal conclusão nas considerações constantes da transcrição de extrato do douto acórdão proferido pelo STA de 14/03/2012, proferido no processo n.° 0208/12;

4ª). Contrariamente ao sentenciado, e com o devido respeito que nos merece a fundamentação expendida pelo Venerando Tribunal superior, perfilha a Fazenda Pública o entendimento, já defendido na sua contestação, de que não padece o ato controvertido de qualquer ilegalidade, sofrendo a sentença recorrida de erro de julgamento de direito;

5ª). Vejamos, o artigo 52.° da LGT, nos seus nºs 1 e 2, permite a suspensão da cobrança da prestação tributária efetuada no processo de execução fiscal nos casos de reclamação graciosa ou impugnação judicial da liquidação desde que acompanhada da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias;

6ª). Por sua vez, o artigo 169.° do CPPT condiciona a suspensão da execução à constituição de garantia, em conformidade com o artigo 195.° do mesmo diploma, à sua prestação, nos termos do disposto no artigo 199°, também do CPPT, ou à penhora em bens suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e respetivo acrescido;

7ª). Especifica este último preceito que a garantia a prestar deverá ser idónea, consistindo em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos da Fazenda Pública;

8ª). No n.° 1 do artigo 199.° do CPPT, o legislador enuncia expressamente os três tipos de garantia que a Administração Tributária terá de aceitar como idóneas: garantia bancária, caução, seguro- caução, terminando, no entanto, a redação desse n.° 1 com um conceito aberto “qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente”, que importa então concretizar;

9ª). Concretização essa, no nosso entendimento, que acontece logo de seguida, no nº 2 desse mesmo preceito “a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da Administração Tributária, em penhor ou hipoteca voluntária”;

10ª). E no n.° 4 acrescenta uma última situação passível de integrar o conceito de garantia idónea “vale como garantia para os efeitos do n° 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado”;

11ª). A redação do artigo 199º do CPPT define então com exatidão os tipos de garantia aceitáveis;

12ª). No n.° 1 refere especificamente a garantia bancária, a caução e o seguro-caução, e acrescenta o conceito aberto, não para mostrar que se trata de uma configuração meramente exemplificativa (se assim fosse, seria desnecessário o nº 2, pois a hipoteca e o penhor seriam incluídas no nº 1 por qualquer intérprete que prosseguisse a leitura com mais exemplos de garantias), mas para dizer que além destes três tipos existem outros, que o legislador especifica nos números seguintes;

13ª). Ou seja, entendemos, ao contrário do entendimento vertido na sentença recorrida, que o n.° 2 e o n.° 4 do artigo 199.° do CPPT, serviram para o legislador especificar, então, o que se entende por “qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente”,

14ª). Desde logo porque em ambos os números é feita referência ao n.° 1: quer no nº 2, onde se diz que “a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda”, quer no n.° 4, dizendo que “vale como garantia para efeitos do n.° 1”;

15ª). Entendendo nós que aquele “ainda” só pode significar “para além da garantia bancária, caução e seguro-caução”, sendo ilógico e contraditório entender como “para além de todos os meios suscetíveis de assegurar os créditos do exequente”, onde já se incluiriam o penhor e a hipoteca que o legislador de seguida repetia;

16ª). O quadro então definido é de tipificação das garantias atendíveis, com um tratamento diferenciado que se justifica pela posição da Administração Tributária em relação a cada uma: - garantia bancária, caução e seguro-caução, estando a Administração Tributária vinculada à sua aceitação, sempre que o valor assegure o cumprimento da obrigação; - penhor e hipoteca voluntária, mediante concordância da Administração Tributária, e; - penhora, por atuação da Administração Tributária na constituição da garantia;

17ª). Pelo que concluímos não ser de incluir a fiança como uma garantia admitida pelo legislador nos exatos termos em que preceituou no artigo em análise;

18ª). Porém, sem prescindir, e caso se considere ser de improceder este entendimento da Fazenda Pública, importa então analisar se, admitidas outras garantias que não as elencadas do artigo 199.° do CPPT, a fiança se inclui como uma garantia idónea em sede de execução fiscal com vista à suspensão do processo executivo, desde que preenchidos os demais requisitos;

19ª). Entendemos que não, pois, a configuração legal no que a esta matéria concerne, parece indiciar uma justificada preferência, atribuída pelo legislador às garantias com maior grau de liquidez, que melhor asseguram o cumprimento da obrigação, como acontece com a garantia bancária, caução e seguro-caução;

20ª). Com a utilização da expressão “garantia idónea”, pretende-se então significar que nem todas as garantias serão sempre adequadas e que a indicação exemplificativa dos meios de garantia bancária, caução ou seguro-caução, antes da alternativa “qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente”, tem de entender-se como uma restrição pretendida pelo legislador dos demais meios que poderão enquadrar-se no conceito de garantia idónea;

21ª). Isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução;

22ª). Do disposto no n.° 2 do artigo 199.° do CPPT, decorre que a Administração Tributária, expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la, uma vez que o critério pelo qual se há de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respetivo acrescido em tempo útil;

23ª). O que implicará sempre um ato de avaliação ou apuramento do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspetiva de adequação ao montante do crédito do exequente e de mais fácil realização do crédito;

24ª). Também por isso a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá de ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser, diretamente proporcional ao quantitativo em causa, afastando qualquer suscetibilidade de variação ou indefinição dos valores em que traduza;

25ª). Uma garantia apenas se pode considerar idónea caso, vindo a verificar-se o incumprimento por parte do devedor original, a entidade garante possa assegurar o pagamento da dívida ao credor em tempo útil, pois decorre da exigência estabelecida no n.° 2 do artigo 200.° do CPPT que essa liquidez se deve verificar no prazo de 30 dias;

26ª). De facto, sendo a expressão “garantia idónea” um conceito impreciso indeterminado, confere-se ao órgão competente para a direção do processo o poder de apreciar, no caso concreto, a adequação do meio oferecido para assegurar a cobrança efetiva da dívida exequenda, abrindo, apenas neste ponto, uma margem de discricionariedade à Administração, e na falta de uma definição legal, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efetiva cobrança dos créditos garantidos, devendo sempre ser balizado pelo interesse público da regular cobrança dos tributos legalmente devidos ao credor tributário e que se encontram em cobrança coerciva;

27ª). Na verdade, a arrecadação da receita fiscal, já em fase de cobrança coerciva, implica a realização, no processo de execução fiscal, do princípio da efetividade da tutela Judicial do direito do credor do imposto, que preside àquele processo judicial tributário, e necessariamente aos meios admissíveis de garantir a cobrança coerciva da dívida tributária em vista da suspensão da execução, entendimento esse que, de resto, é reforçado pela vinculação da Administração Tributária ao princípio da proibição da moratória no pagamento das dívidas tributárias, expresso no n.° 3 do artigo 36.° da LGT, bem como do n.° 3 do artigo 85.° do CPPT, e a necessária proibição de suspensão da execução, fora dos casos previstos legalmente, bem como ao princípio da indisponibilidade do crédito tributário, constante do n.° 2 do artigo 30.° da LGT, sob pena de violação do princípio da prossecução do interesse público, do princípio da legalidade e do princípio da legalidade;

28ª). Assim, as características da fiança não se coadunam com o princípio da celeridade que norteia o processo de execução fiscal, nos termos do artigo 177.° do CPPT, pois sendo a característica da liquidez em tempo útil intrínseca à idoneidade da garantia, esta será tanto menor quanto maior for a probabilidade de incumprimento no prazo legal após citação para o efeito.

29ª). E só a disponibilidade financeira e patrimonial nesse momento e até a vontade de cumprimento da fiadora, que são fatores relativamente aleatórios e desconhecidos da Administração Tributária, poderão estar na origem do cumprimento no prazo de 30 dias após citação para efetuar o pagamento, sob pena de ser executada no processo;

30ª). No caso de inexistir disponibilidade financeira e patrimonial (recorde-se que o património da fiadora pode ter sofrido oscilações importantes desde o momento da constituição da garantia) ou de existir animus litigandi da parte da fiadora, esta poderá incumprir o pagamento no prazo legal para tal fixado, levando apenas a que seja mais um executado no processo de execução fiscal, que não tendo património no momento dessa posição, nada acrescenta à boa cobrança do crédito;

31ª). Ou seja, o facto de, no caso de incumprimento da obrigação de pagamento pela fiadora, a lei permitir a execução do garante no processo de execução do devedor principal, isto é, a penhora e venda do património do garante até ao montante em dívida, pode ter pouco significado se tal património tiver sido entretanto liquidado ou dissipado;

32ª). Operações cujo desenrolar é dificilmente controlável, para não dizer, impossível, pela Administração Tributária;

33ª). Pois, não constituindo a fiança qualquer tipo de direito real efetivo sobre o património da sociedade garante, nada impede que a mesma “esvazie” o seu ativo com vista à frustração dos créditos tributários, algo aliás extremamente simples de ocorrer na generalidade, ainda mais face à natureza dos ativos envolvidos no caso em concreto - participações sociais e créditos exclusivamente sobre participadas, ou até mesmo ocorra a extinção da empresa para a qual foi prestada a garantia;

34ª). Não se concebe então a possibilidade da fiança ter os mesmos efeitos da garantia bancária, caução e seguro-caução, por, desde logo, ser uma garantia geral sobre todo o património da fiadora, sem a eficácia absoluta própria dos direitos reais e que sofre todas as oscilações, para mais ou para menos, desse património;

35ª). No plano cível, prevalece a noção de que a fiança - negócio jurídico pelo qual a fiadora se compromete, pessoalmente, a pagar uma dívida de outrem -, não é prestada no interesse do devedor, mas sim no do credor, que tem a faculdade de aceitar as que lhe sejam oferecidas, nomeadamente segundo um juízo casuístico de conveniência, pois que o credor não pode ser constrangido a receber de terceiro a prestação se a substituição o prejudicar, conforme se extrai do n.° 2 do artigo 767.° do CC;

36ª). Por via da prestação da fiança é, pois, suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios - o do devedor que responde por uma dívida própria e o da fiadora que responde por uma dívida alheia, como resulta do artigo 627.° do CC;

37ª) Não obstante, em relação a ambos os patrimónios, o credor tem de concorrer com os restantes credores, sem que, para segurança da mesma dívida, haja garantia real constituída, o que, por si só, pode significar que a massa patrimonial da fiadora é insuficiente para o cumprimento das suas obrigações, desconhecendo-se os restantes credores detentores de garantia geral sobre esse mesmo património;

38ª). É então desde logo, e pelas características próprias do seu regime legal, uma garantia mais frágil para o credor, por comparação com o que sucede com as garantias reais e a garantia bancária, caução ou seguro-caução.

39ª). Deste modo, a maior ou menor segurança, certeza e celeridade que uma forma de garantia oferece para o credor pode ser medida objetivamente em função da determinação, em termos objetivos, da possibilidade de incumprimento da obrigação de pagamento após interpelação para o efeito, tendo em conta o respetivo regime jurídico, o que decorre da prestação de uma fiança sem qualquer outra garantia associada;

40ª). Uma garantia visa, no limite, assegurar que o credor receba o valor em dívida, pelo que a característica da liquidez em tempo útil se encontra intrínseca à idoneidade da mesma;

41ª). Por todo o exposto, cremos que a fiança (pelo tipo de garantia que é, sem sequer se equacionar o valor no caso em concreto), não pode ser aceite como capaz de ter um efeito suspensivo da execução fiscal, por não constituir uma garantia idónea para a suspensão da execução fiscal;
42ª). Por outro lado, resulta do n.° 3 do artigo 200.° do CPPT, a obrigação de, no processo de execução fiscal, se fazer constar os bens que foram dados em garantia, preceito impossível de cumprir no caso da fiança (uma vez que se trata da totalidade do património da fiadora),indicador de que o legislador tinha em mente apenas aquelas garantias que expressamente enunciou;

43ª). Mais, ao abrigo das normas citadas que regulam a idoneidade da garantia, requisito para a sua aceitação pelo serviço de finanças para suspender o processo executivo, o ónus da prova de que a garantia no caso concreto é idónea compete ao executado;

44ª). Ora, o que se constatou é que a Reclamante não logrou efetuar a prova da idoneidade da garantia oferecida, de harmonia com o consagrado no artigo 74.° da LGT, bem como no artigo 342.° do CC, pois não demonstrou a inexistência de qualquer ativo capaz de servir de garantia da dívida exequenda nem a sua total insusceptibilidade de obter crédito no mercado, esclarecendo a sua capacidade de endividamento de acordo com os critérios habitualmente utilizados para o efeito pelas entidades financeiras, além de que chegou mesmo a apresentar em 2610412012 uma garantia bancária;

45ª). Desta forma, ainda que se considere a fiança como tipo de garantia válida, e abstratamente idónea, o que não se aceita, não tendo a executada e aqui Reclamante provado a suficiência financeira da entidade garante, naturalmente o órgão de execução fiscal não poderia senão considerar a fiança apresentada como garantia inidónea;

46ª). Por fim, ainda que assim não se entenda, do que não se prescinde, constata-se que é impossível avaliar a idoneidade em concreto da fiança como garantia, pois qualquer avaliação que se faça carece de sentido útil face à impossibilidade de determinar a data em que a fiadora poderá ser chamado ao processo, tendo em conta as oscilações patrimoniais decorrentes do dinamismo da atividade económica e do ambiente económico-financeiro em que opera;

47ª). Pois, a aferição da idoneidade em concreto da fiança passaria pela prévia determinação da data em que a fiadora poderia vir a ser chamado a cumprir em lugar do primitivo devedor e pelo apuramento do património e da concreta situação económico-financeira do garante nessa data futura e indeterminada, e sendo essa data ignorada e de difícil previsão, uma vez que depende de uma atuação do tribunal, que não se domina nem de todo se pode influenciar, a avaliação da idoneidade da fiança em concreto torna-se impossível de efetuar;

48ª). Ora, a douta sentença ora em recurso imputa ao despacho reclamado o vício de violação de lei, porque, segundo afirmado, a Administração Tributária aferiu a idoneidade da fiança, utilizando critérios que não têm suporte legal, no que a Fazenda Pública diverge do sentido da douta decisão judicial;

49ª). O despacho que fundamentou a não aceitação da fiança está devidamente fundamentado, de facto e de direito, espelhando as razões da não aceitação da garantia oferecida, tendo por referência a sua inidoneidade;

50ª). Descendo ao caso concreto, o despacho reclamado apreciou, pois, a pretensão da Reclamante, ora Recorrida, à luz do fim legal do processo de execução fiscal, tendo entendido que a garantia apresentada não deveria ser aceite por falta de idoneidade;

51ª). Entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casa, mais concretamente as que regem a prestação da garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, mais concretamente o artigo 52.° da LGT, o n.° 1 do artigo 74.° LGT, bem como o artigo 342.° do CC, e por fim, os artigos 169.°, 199.° e 200.°, todos do CPPT.

Nos termos vindos de expor e nos que V. Ex.as, sempre mui doutamente poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a douta decisão recorrida por outra que declare improcedente a presente reclamação do ato do órgão de execução fiscal, conforme se apresenta mais consentâneo com o Direito e a Justiça.

2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 198, manifestando concordância com o parecer do Magistrado do MºPº, emitido em 1ª instância, e do qual resulta que o recurso deve improceder.

3. Cumpre decidir.

4. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

1º). Em 17.02.201 2, no Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira, 2, contra a executada A……, SGPS, S.A., foi instaurado o Processo de Execução Fiscal 3441201201004875-cfr. fls. 3 dos autos;

2º). Este Processo de Execução Fiscal visava a cobrança coerciva de €1 295 946, 64, devidos a título de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 2009 - cfr. certidão de dívida de fls. 4 do autos;

3º). O executado foi citado para a execução tendo, em 29.02.2012 dirigido ao Processo de Execução Fiscal identificado em 1. pedido de suspensão da execução, por ainda se encontrar em curso o prazo de Impugnação ou de Reclamação -cfr. Ofício dirigido ao Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira, 2, constante de fls. 7;

4º). No ofício mencionado em 3. o Reclamante requereu a fixação do valor de garantia a prestar, de forma a suspender os autos executivo comprometendo-se a informar a instauração da Reclamação Graciosa -cfr. fls. 7 dos autos;

5º). Por ofício emitido pelo Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira, 2, datado de 06.03.2012, foi o Executado informado que o valor da garantia a prestar seria de €1.645.326, 06, que deveria consistir em garantia bancária, caução, seguro-caução tendo em vista a suspensão da execução, em virtude de ter demonstrado intenção de proceder à entrega de Reclamação/Impugnação à liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 2009 que deu origem ao processo executivo -cfr. fls. 12 dos autos;

6º). A Executada apresentou-se ao Processo de Execução Fiscal a prestar garantia através de uma fiança da sociedade A’…… SGPS, S. A., informando que a mesma tem um capital social de €104 904 515 e um património múltiplo deste, pelo que “fica sobejamente assegurado o crédito do montante que está em causa” -cfr. fls. 13 e seguintes dos autos;

7º). Por despacho datado de 04.04.2012, o Chefe de Finanças, em Substituição Legal, recusou a fiança oferecida pelo executado por falta de idoneidade da mesma como garantia, razão pela qual é insuscetível de produzir o efeito suspensivo pretendido -cfr. despacho de fls. 20 e seguintes dos autos;

8º). Serve de fundamento ao despacho mencionado em 7.: “a fiança não consta expressamente do artº. 199° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Solução que se compreende (...) o legislador apenas vem exigir autorização administrativa tributária para a prestação de penhor e da hipoteca voluntária, deve-se ao facto de não pretender incluir, como idóneas, outras formas de garantia consideradas mais débeis, como é o caso da fiança.” e, mais adiante: “tendo ainda em atenção que a sociedade fiadora é uma sociedade gestora de participações sociais, não se pode ignorar o facto de estas não deterem, muitas vezes, outro património que não seja as participações sociais nas sociedades participadas. Esta ausência de estrutura física (e humana) de suporte, assim como o facto de as participações sociais constituírem um tipo de ativos altamente volátil, tendo em conta a sua oscilação em termos de valor de mercado, traduz-se numa possibilidade de liquidação quase instantânea deste tipo de sociedades. Deste ponto de vista, a fiança prestada por uma sociedade deste género poderá surgir como especialmente inadequada e inidónea para assegurar, com algum grau de segurança, os créditos afiançados. De notar ainda que, com a prestação da garantia em análise, apenas fica vinculado, em caso de execução, o património da sociedade garante propriamente dito, e não o do grupo de empresas que encabeça, motivo pelo qual apenas podem relevar as contas individuais e não as consolidadas, uma vez que estas últimas refletem não apenas o património da sociedade garante, propriamente dita, mas também o valor e património das restantes empresas que compõem o grupo de consolidação”-cfr. despacho de fis. 20 e seguintes dos autos;

9º). Este despacho está assinado pelo Chefe de Finanças, em substituição legal -cfr. parte final do mesmo a fls. 22 dos autos;

5. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se a fiança constitui modalidade de garantia admissível para efeito de suspensão da execução fiscal, nos termos do artº 199º do CPPT e se, no caso concreto, a mesma foi bem ou mal recusada pelo órgão da execução fiscal.

5.1. A recorrente Fazenda Pública, em defesa da tese da Administração Tributária, veio deduzir a seguinte argumentação:

No n.° 1 do artigo 199.° do CPPT, o legislador enuncia expressamente os três tipos de garantia que a Administração Tributária terá de aceitar como idóneas: garantia bancária, caução, seguro- caução, terminando, no entanto, a redação desse n.° 1 com um conceito aberto “qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente”, que importa então concretizar;

Concretização essa, que acontece logo de seguida, no nº 2 desse mesmo preceito “a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da Administração Tributária, em penhor ou hipoteca voluntária”, acrescentando o nº 4 uma última situação passível de integrar o conceito de garantia idónea “vale como garantia para os efeitos do n° 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado”;

Daqui resulta então que o artigo 199º do CPPT define com exatidão os tipos de garantia aceitáveis, deles estando afastada a fiança.

É que a configuração legal no que a esta matéria concerne, parece indiciar uma justificada preferência, atribuída pelo legislador às garantias com maior grau de liquidez, que melhor asseguram o cumprimento da obrigação, como acontece com a garantia bancária, caução e seguro-caução.

Com a expressão “garantia idónea”, pretende-se significar que nem todas as garantias serão sempre adequadas e que a indicação exemplificativa dos meios de garantia bancária, caução ou seguro-caução, antes da alternativa “qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente”, tem de entender-se como uma restrição pretendida pelo legislador dos demais meios que poderão enquadrar-se no conceito de garantia idónea.

Isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores concretos, aqueles que pela sua natureza financeira tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.

Do disposto no n.° 2 do artigo 199.°do CPPT, decorre que a Administração Tributária, expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la, uma vez que o critério pelo qual se há de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respetivo acrescido em tempo útil;

Também por isso a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá de ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser, diretamente proporcional ao quantitativo em causa, afastando qualquer suscetibilidade de variação ou indefinição dos valores em que traduza;

Assim, as características da fiança não se coadunam com o princípio da celeridade que norteia o processo de execução fiscal, nos termos do artigo 177.° do CPPT, pois sendo a característica da liquidez em tempo útil intrínseca à idoneidade da garantia, esta será tanto menor quanto maior for a probabilidade de incumprimento no prazo legal após citação para o efeito.

E só a disponibilidade financeira e patrimonial nesse momento e até a vontade de cumprimento da fiadora, que são fatores relativamente aleatórios e desconhecidos da Administração Tributária, poderão estar na origem do cumprimento no prazo de 30 dias após citação para efetuar o pagamento, sob pena de ser executada no processo.

Operações cujo desenrolar é dificilmente controlável, para não dizer, impossível, pela Administração Tributária.

Pois, não constituindo a fiança qualquer tipo de direito real efetivo sobre o património da sociedade garante, nada impede que a mesma “esvazie” o seu ativo com vista à frustração dos créditos tributários, algo aliás extremamente simples de ocorrer na generalidade, ainda mais face à natureza dos ativos envolvidos no caso em concreto - participações sociais e créditos exclusivamente sobre participadas, ou até mesmo ocorra a extinção da empresa para a qual foi prestada a garantia;

Não se concebe então a possibilidade da fiança ter os mesmos efeitos da garantia bancária, caução e seguro-caução, por, desde logo, ser uma garantia geral sobre todo o património da fiadora, sem a eficácia absoluta própria dos direitos reais e que sofre todas as oscilações, para mais ou para menos, desse património;

Quanto à fiança em si, no caso concreto, a Reclamante não logrou efetuar a prova da idoneidade da garantia oferecida, de harmonia com o consagrado no artigo 74.° da LGT, bem como no artigo 342.° do CC, pois não demonstrou a inexistência de qualquer ativo capaz de servir de garantia da dívida exequenda nem a sua total insusceptibilidade de obter crédito no mercado, esclarecendo a sua capacidade de endividamento de acordo com os critérios habitualmente utilizados para o efeito pelas entidades financeiras, além de que chegou mesmo a apresentar em 26/04/2012 uma garantia bancária;

Desta forma, ainda que se considere a fiança como tipo de garantia válida, e abstratamente idónea, não tendo a executada e aqui Reclamante provado a suficiência financeira da entidade garante, naturalmente o órgão de execução fiscal não poderia senão considerar a fiança apresentada como garantia inidónea;

Por fim, constata-se que é impossível avaliar a idoneidade em concreto da fiança como garantia, pois qualquer avaliação que se faça carece de sentido útil face à impossibilidade de determinar a data em que a fiadora poderá ser chamado ao processo, tendo em conta as oscilações patrimoniais decorrentes do dinamismo da atividade económica e do ambiente económico-financeiro em que opera.

Pois, a aferição da idoneidade em concreto da fiança passaria pela prévia determinação da data em que a fiadora poderia vir a ser chamado a cumprir em lugar do primitivo devedor e pelo apuramento do património e da concreta situação económico-financeira do garante nessa data futura e indeterminada, e sendo essa data ignorada e de difícil previsão, uma vez que depende de uma atuação do tribunal, que não se domina nem de todo se pode influenciar, a avaliação da idoneidade da fiança em concreto torna-se impossível de efetuar;

5.2. A decisão recorrida, por sua vez, entendeu diferentemente, louvando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente no acórdão de 14.03.2012, proferido no Processo nº 208/12.

Em resumo, tal fundamentação consiste no seguinte:
a) O artº 199º do CPPT contém uma enumeração meramente exemplificativa das formas admissíveis como garantia para efeito de suspensão da execução fiscal;
b) A fiança constitui em abstrato um meio idóneo de assegurar o pagamento da dívida e do acrescido, sendo que no caso dos autos a fiadora renunciou ao benefício da excussão prévia;
c) A fundamentação do indeferimento assenta em parâmetros irrelevantes no juízo da aferição da idoneidade da garantia.

Vejamos então qual destes entendimentos colhe o apoio legal.

5.3.Recordando aqui o despacho recorrido, temos que o mesmo se desdobra em duas partes, sendo que na primeira defende a inaplicabilidade da fiança como modalidade de garantia no processo de execução fiscal e na segunda acaba por concluir, com meros fundamentos abstratos e conclusivos, não apoiados em quaisquer factos, pela inidoneidade da fiadora.

5.3.1.Quanto à inaplicabilidade da fiança, ficou escrito no referido despacho, para além do mais, o seguinte:

“O regime legal a que está sujeita a fiança tem especificidades próprias que diminuem a sua eficácia garantística, nomeadamente:
A natureza pessoal deste tipo de garantia que consiste apenas na possibilidade de o património de outra pessoa servir de garantia ao pagamento de uma dívida. Trata-se de uma garantia idêntica à garantia geral das obrigações, dado que também o património do devedor é a garantia geral da obrigação e a lei não lhe confere a qualificação de garantia suscetível de poder suspender a execução;
A possibilidade de oscilação do património do fiador (o calcanhar de Aquiles da fiança, no dizer de Antunes Varela), que responde perante o(s) seu(s) credor(es), assim como perante o credor(es) do(s) afiançado (s).
A possibilidade de o fiador se recusar ao cumprimento, podendo opor ao credor tanto os meios de defesa que competem ao devedor principal, bem como aqueles que lhe são próprios.
As especificidades enunciadas podem conduzir à conclusão de que esta forma de garantia não assegura de forma suficiente os créditos do exequente no curto prazo (30) dias que se encontra legalmente previsto para pagamento após citação (artº 200º do CPPT), pelo que não deverá ser considerada idónea. No mesmo sentido, a redação do número 3 do artº 200º do CPPT, que obriga a que, no processo de execução se façam constar os bens que foram dados em garantia, preceito impossível de cumprir no caso da fiança (uma vez que se trata da totalidade do património do fiador), indicador de que o legislador tinha em mente apenas aquelas garantias que expressamente enunciou”.

Desde já se anotará que, estando o CPPT em vigor desde 01.01.2000, só recentemente a Administração Tributária terá chegado à tese agora defendida.

Porém, este Supremo Tribunal teve já ocasião de demonstrar a ilegalidade deste entendimento, nomeadamente nos acórdãos de 14.03.12 e de 27.06.2012,proferidos nos Processo nºs 0208/12 e 0654/12, respetivamente.

No primeiro dos citados arestos ficou escrito, para além do mais, o seguinte:

“No caso subjudice, a Executada, manifestando a intenção de impugnar graciosa ou contenciosamente a liquidação de IRC ora em cobrança coerciva, disse pretender constituir garantia em ordem à suspensão da execução fiscal e, na sequência da notificação que lhe foi feita pelo órgão de execução fiscal do montante da garantia a prestar, veio oferecer a fiança documentada a fls. 16 dos presentes autos.
Sustenta a Recorrente que a fiança não constitui forma admissível de prestação da garantia porque não está como tal prevista no artº. 199.º do CPPT.

Recordemos a redação dos n.ºs 1, 2 e 4 daquele artigo:

«1. Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente.
2. A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
[…]
4. Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7».

A leitura do artigo revela inequivocamente que a enumeração feita no n.º 1 não é taxativa, mas meramente exemplificativa, como resulta da sua parte final, onde expressamente se prevê a possibilidade da garantia ser prestada por «qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente».
Salvo o devido respeito, não faz sentido sustentar, como o faz a Recorrente, que naquele conceito aberto cabem apenas as formas de prestação de garantia previstas nos n.ºs 2 – penhor ou hipoteca voluntária – e 4 – penhora já efetuada ou a efetuar em bens suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido – do mesmo artigo. A ser assim, o legislador por certo teria optado por outra redação que traduzisse essa sua intenção e não faria sentido algum a referência feita no n.º 1 do preceito a «qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente», sobretudo antecedida da conjunção disjuntiva ou (cfr. Artº. 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC)). Na verdade, na interpretação que a Recorrente preconiza para o art. 199.º, de que as únicas formas de prestação de garantia legalmente admissíveis são as aí expressamente aludidas, por que teria o legislador incluído no n.º 1 tal referência? A aceitar-se a tese da Recorrente, essa referência seria absolutamente redundante, pois a interpretação do artigo sempre seria a mesma, ainda que no n.º 1 não se tivesse incluído aquela passagem. Por outro lado, que sentido faria o recurso ao conceito aberto em face da completa determinação das situações fácticas suscetíveis de o preencherem, ademais tão escassas?
Manifestamente, a lei, apesar de especificar algumas das formas por que pode ser prestada a garantia, fá-lo a título meramente exemplificativo, enunciando as mais comuns; mas, como resulta clara e inequivocamente do teor do n.º 1 do art. 199.º do CPPT, podendo a garantia ser constituída por qualquer outro meio que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (Nesse sentido: na jurisprudência, o acórdão de 9 de abril de 1997 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 21.021, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de outubro de 2000, págs. 886 a 890, sendo embora que o aresto se refira ao artº. 282.º do Código de Processo Tributário, este artigo tem hoje correspondência no artº 199.º do CPPT; na doutrina, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 199.º, pág. 411.).
Nesse conceito aberto – «qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente» – cabe, designadamente, a fiança.
Pela fiança, que é uma das garantias especiais das obrigações, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor a satisfazer o direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se, assim, o fiador como verdadeiro devedor do credor e respondendo, em princípio, com todo o seu património (cfr. Artº. 627.º, n.º 1, do CC).
A obrigação do fiador é acessória da do devedor, o que significa que a obrigação daquele tem o mesmo conteúdo da obrigação deste, como resulta do disposto no art. 634.º do CC, que dispõe: «A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor».
Por outro lado, embora, por regra, a fiança tenha natureza subsidiária, o que significa que o fiador tem o direito de se opor à execução dos seus bens enquanto não estiver excutido o património do devedor principal pode o fiador renunciar a esse benefício, como resulta do disposto no artº. 640.º, alínea a), do CC e como sucedeu no caso subjudice (cfr. n.ºs 5 e 11 dos factos provados).
Note-se, no entanto, que a característica da subsidiariedade da fiança nunca conflitua com a sua característica essencial – a acessoriedade –, pois o fiador nunca deixa de ser pessoalmente obrigado a garantir com o seu património a satisfação do crédito (cfr. o já referido artº. 627.º do CC), podendo ser chamado a cumprir mesmo antes mesmo do devedor (cfr. art. 641.º do CC.
Assim, em abstrato e na medida em que a fiança constitui um meio de assegurar convenientemente o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, temos que admiti-la como um meio legalmente admissível de constituição de garantia.…
Isto, obviamente, sem prejuízo do juízo que venha a ser efetuado em concreto relativamente à capacidade e idoneidade do fiador (cfr. art. 633.º, n.º 1, do CC.
Não podemos, pois, concordar com a Recorrente quando esta sustenta que o artº. 199.º do CPPT exclui a possibilidade da garantia se constituir mediante a prestação de fiança.
Note-se ainda que, como bem salientou a Recorrida, quando o legislador entendeu restringir as formas de garantia admissíveis, enumerou clara e taxativamente as que eram aceites, como sucede no artº. 193.º do Código Aduaneiro Comunitário, e nem aí excluiu a fiança.
Aliás, como bem se salientou no referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30 de novembro de 2011, mal se compreenderia que se privilegiasse a garantia bancária, a caução ou o seguro-caução de entidade bancária, instituição financeira de crédito, sociedade financeira, seguradora ou outra legalmente habilitada a exercer a atividade de concessão de garantias, que se encontrasse em situação de grandes dificuldades financeiras, sobre uma fiança prestada por pessoa de reconhecida solvabilidade e grande robustez económica, apenas porque ali se oferece uma forma de caução e aqui temos uma fiança. Na verdade, como aí ficou dito, não é a forma abstrata da prestação da garantia ou a atividade prosseguida por quem a presta que, por si só, atesta a sua idoneidade.
Esta há de resultar, isso sim, da avaliação que for efetuada em concreto sobre a suscetibilidade de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido”.

Então, atento o que ficou dito, do artº 199º do CPPT não resulta a exclusão da fiança como modalidade de garantia destinada a suspender o processo de execução fiscal.

5.3.2. Relativamente à apreciação feita quanto à idoneidade da fiança, ficou escrito no despacho recorrido o seguinte:

“Tendo ainda em atenção que a Sociedade fiadora é uma Sociedade Gestora de Participações sociais não se pode ignorar o facto de estas não deterem, muitas vezes outro património que não seja as participações sociais nas sociedades participadas. Esta ausência de estrutura física (e humana) de suporte, assim como o facto de as participações sociais constituírem um tipo de ativos altamente volátil, tendo em conta a oscilação em termos do valor de mercado traduz-se numa possibilidade de liquidação quase instantânea deste tipo de sociedades. Deste ponto de vista, a fiança prestada por uma sociedade deste género poderá surgir como especialmente inadequada e inidónea para assegurar com algum grau de segurança os créditos afiançados. De notar ainda que, com a prestação da garantia em análise, apenas fica vinculado, em caso de execução, o património da sociedade garante propriamente dita e não o do grupo de empresas que encabeça, motivo pelo qual apenas pode relevar as contas individuais e não as consolidadas, uma vez que esta últimas refletem não apenas o património da sociedade garante propriamente dita mas também o valor e património das restantes empresas que compõem o grupo de consolidação”.

Ora, desde logo se vê que tendo a recorrida oferecido a garantia por fiança,e tendo a fiadora declarado que possuía património mais do que suficiente para garantir a totalidade da dívida e do acrescido, era sobre este pedido em concreto que o órgão da execução fiscal deveria ter-se debruçado, nomeadamente solicitando os elementos que entendesse para apurar da capacidade da fiadora para garantir a dívida. Mas não foi isso que foi feito, limitando-se o despacho recorrido a considerações genéricas sobre as SGPS, o seu capital, responsabilidade em geral etc., o que leva a concluir, desde logo, que nunca será de admitir fiança prestada por um SGPS, o que é absolutamente ilegal.

Com efeito, um pedido de garantia tem de ser apreciado em concreto, de modo a verificar-se se a garantia oferecida é capaz ou não de garantir a dívida e o acrescido, o que no caso concreto não foi feito. Um pedido desta natureza implica que se aprecie a idoneidade do fiador, o que não se basta com a indicação abstrata que foi feita sobre as SGPS, antes implicando saber, por exemplo, qual o seu património no momento da prestação da fiança, cumprimento das suas obrigações fiscais, cumprimento das obrigações para com os credores, solidez financeira, etc. Só após esta apreciação concreta é lícito formular um juízo sobre a idoneidade do fiador e da fiança.

No acórdão deste Supremo Tribunal de 15.02.2012 –Processo 0126/12, ficaram bem claros os termos em que deve ser apreciada a idoneidade da garantia na perspetiva do equilíbrio interesse do credor/interesse do executado.

Com efeito, ali se escreveu o seguinte:

«[n]a execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afetar de forma grave os interesses legítimos do executado. Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.
Assim se compreende que o legislador tenha consagrado no arº. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.
Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.).
No mesmo sentido, estando em causa um pedido de substituição de bens penhorados por garantia bancária, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7/12/2011, proc nº 1006/11, ficou consignado que tal substituição seria admissível, ponto é que “a garantia cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, atenta a previsível duração do processo, pois apenas a garantia da totalidade da dívida exequenda controvertida e acrescido garantem a suspensão da execução até à decisão do pleito”».

Temos portanto que, o que é relevante é que no momento em que é oferecida a garantia esta seja suficiente para garantir a totalidade da dívida e do acrescido, sendo irrelevantes acontecimentos futuros e incertos que possam alterar o montante dessa garantia. Para esses acontecimentos a Administração Tributária dispõe da possibilidade de reforço da garantia, assim como o executado goza do direito de a ver reduzida, nomeadamente em caso de redução da dívida ou, por exemplo, de valorização dos bens dados em garantia.

Ora, no caso concreto, se é certo que pode haver “volatilidade” das ações, com diminuição do seu valor, também é certo que pode haver valorização. Aliás, esta situação ocorre também com imóveis, sendo certo que na época actual é notória a desvalorização dos imóveis. Por isso, a valer a tese da FP, parece que também não poderia ser aceite hipoteca de imóveis já que estes poderiam desvalorizar no futuro.

Terminaremos transcrevendo mais uma passagem do acórdão de 14.03.2012 que espelha com toda a clareza as razões da ilegalidade do despacho acima transcrito:
“É inegável que as diversas formas de prestação de garantia não têm a mesma qualidade ou eficácia, sendo que algumas conferem à AT, enquanto credora, uma maior garantia, na medida em que podem dispensar ou, pelo menos, reduzir ulteriores diligências ou procedimentos com vista à sua execução. Porém, como ficou dito no citado aresto, o legislador não pretendeu dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de garantia idónea, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista. Não pode perder-se de vista que prestar garantia não é efetuar o pagamento, mas tão-só vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Assim, como deixámos já dito, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objetivas relacionadas com a suscetibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não podendo a AT fundamentar essa recusa em aspetos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do artº. 199.º do CPPT.
A interpretação subscrita pela Recorrente permitiria à AT estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar todas as que não assegurassem imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.
Voltando ao caso dos autos, o órgão decisor reconhece que nem sequer procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida, que rejeitou exclusivamente com o fundamento que este tipo de garantia – fiança – não seria admissível, apenas com o argumento da sua maior segurança e qualidade (liquidez imediata), o que significa que não há interesse público que justifique o sacrifício dos interesses da Executada. Note-se que a AT deve pautar a sua atuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, art. 55.º da LGT, art. 46.º do CPPT e art. art. 5.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo), o que aponta para a necessidade da ponderação dos interesses em jogo de molde a não sacrificar nenhum deles”.

Por tudo o que ficou dito, a decisão recorrida merece confirmação, quer na parte em que entendeu que a fiança é legalmente admissível como modalidade de garantia prevista no artº 199º do CPPT, quer na parte em que concluiu que a decisão de recusa de garantia da fiança assentou em parâmetros que não integram o critério legal de aferição da idoneidade dessa garantia, seguindo assim, jurisprudência deste STA.

6. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, com a consequente anulação do despacho reclamado.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de Setembro de 2012. – Valente Torrão (relator) – Pedro Delgado – Ascensão Lopes.