Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02364/20.0BEPRT
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
FUMUS BONI JURIS
DESPEJO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir a revista quando, ante pronúncias convergentes das instâncias, está em causa saber se, perante a factualidade concretamente provada ou indiciada, se mostra preenchido ou não o requisito do fumus boni juris de que o n.º 1 do art. 120.º do CPTA faz depender a concessão da providência, por não se suscitarem questões de alcance geral da tutela cautelar e a matéria em questão, sem evidência de erro manifesto ou preterição de princípios processuais fundamentais, virá a ser objeto de um novo ciclo de decisões no processo principal.
Nº Convencional:JSTA000P28147
Nº do Documento:SA12021090902364/20
Data de Entrada:08/12/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………., invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 18.06.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 704/728 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso pelo mesmo interposto e que manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/PRT] que havia julgado improcedente a pretensão cautelar deduzida contra o MUNICÍPIO DO PORTO de suspensão de eficácia do despacho proferido pelo Vereador da Câmara Municipal do Porto com os Pelouros da Habitação, Coesão Social e Educação, em 20.02.2020, que determinou a desocupação e entrega voluntária, no prazo de 30 dias, da casa sita na Alameda …………….., Bloco ……, Entrada ….., Casa ….., ………., Porto.

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 736/757], ao que se infere na alegação produzida, para efeitos de uma «melhor aplicação do direito» [fundada no erro de apreciação do requisito do fumus boni juris, com violação do disposto nos arts. 120.º, n.º 1, do CPTA, 23.º, n.º 2, do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município do Porto, 65.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 07.º, n.º 2, 10.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA/2015), e, bem assim, do demais quadro principiológico invocado], pugnando pelo deferimento da pretensão cautelar requerida já que preenchidos os requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA.

3. O ente requerido devidamente notificado não produziu contra-alegações [cfr. fls. 758 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PRT negou a tutela cautelar peticionada pelo aqui recorrente, tendo considerado que in casu não estava preenchido o requisito do fumus boni juris previsto e exigido pelo n.º 1 do art. 120.º do CPTA [cfr. fls. 630/655], juízo que foi mantido pelo TCA/N no acórdão sob impugnação.

7. O requerente cautelar, aqui ora recorrente, funda a necessidade de admissão da presente revista para uma melhor aplicação do direito, acometendo-o de incurso em erro de julgamento, sustentando estarem verificados os requisitos para a decretação da providência, nomeadamente o requisito do fumus boni juris.

8. O caráter excecional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência desta Formação, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido.

9. Com efeito, a orientação jurisprudencial desta Formação de Admissão Preliminar tem sido a de que não se justifica admitir revista de decisões de segunda instância, salvo quando se discutam aspetos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais.

10. Entrando na análise do preenchimento dos pressupostos da revista sub specie impõe-se referir, desde logo, que não nos deparamos ante uma situação em que a admissão do recurso se imponha por ser clara a sua necessidade para efeitos de melhor aplicação do direito, nem se descortinam suscitadas questões de relevância jurídica e social.

11. Com efeito, as instâncias convergiram no sentido da ausência do preenchimento do concreto do requisito do fumus boni iuris inserto do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, entendendo que, presentes os fundamentos de ilegalidade invocados, não se vislumbrava como provável a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, sendo de notar que nesse âmbito as questões que o recorrente pretende ver reapreciadas nesta sede são as mesmas que se apresentam como centrais na e para a solução definitiva do litígio na ação administrativa principal.

12. E para além do manifesto interesse que a concreta decisão assume na esfera jurídica do ora recorrente, não se vislumbra nos autos e nas questões nele colocadas nem uma especial relevância jurídica, por a mesmas não revestirem de elevada complexidade jurídica em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, nem também uma qualquer relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso e daquilo que constitui a sua singularidade.

13. Por outro lado, a alegação expendida pelo aqui recorrente não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que as instâncias decidiram com pleno acerto, tanto mais que o juízo inteiramente consonante firmado pelas mesmas não evidencia erro grosseiro ou manifesto, observando, quanto aos contornos e âmbito dos critérios da concessão das providências, aquilo que são os critérios que jurisprudencialmente vêm sendo sedimentados na aplicação do n.º 1 do art. 120.º do CPTA.

14. Nessa medida, mostrando-se as questões apreciadas em sede cautelar em dois graus de jurisdição e que há-de iniciar-se e ulteriormente seguir-se um novo ciclo de decisões sobre elas no quadro do processo principal, e que nenhuma razão se vislumbra, à luz do n.º 1 do art. 150.º do CPTA, para que este Supremo Tribunal seja chamado a emitir pronúncia na providência cautelar com o carácter provisório que é próprio das decisões em tal sede, temos que a presente revista revela-se ser inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo do requerente/recorrente, tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia.
D.N..

Lisboa, 09 de setembro de 2021
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, a Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa e o Conselheiro José Augusto de Araújo Veloso] Carlos Luís Medeiros de Carvalho