Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:027/10
Data do Acordão:06/02/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
CONCESSIONÁRIO
DIREITO DE SUPERFÍCIE
Sumário:Adquirindo o concessionário ou subconcessionário o estatuto de proprietário das construções que edificou no exercício do direito de uso privativo do terreno do domínio público, as quais são objecto de descrição autónoma tanto no registo predial como na matriz predial, como prédios urbanos, é ele sujeito passivo de IMI, nos termos do nº 1 do art. 8º do Código do IMI.
Nº Convencional:JSTA00066460
Nº do Documento:SA220100602027
Data de Entrada:01/18/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IMI.
Legislação Nacional:CCIV66 ART1524.
DL 468/71 DE 1971/11/05 ART17 ART20 ART21 N1 N2 ART25 ART26 ART28 N2 ART31.
LGT98 ART4 N2 ART11 N3 N4.
CIMI03 ART8 N1 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPROC46706 DE 2001/02/13.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VII PAG944.
ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ O DOMÍNIO PÚBLICO - O CRITÉRIO E O REGIME JURÍDICO DA DOMINIALIDADE.
DIOGO LEITE DE CAMPOS E OUTROS LGT COMENTADA E ANOTADA 3ED PAG75.
FREITAS DO AMARAL A UTILIZAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO PELOS PARTICULARES PAG266.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. “A…, S.A.” recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação por aquela deduzida contra as liquidações de IMI dos anos de 2007.
1.2. A recorrente formula alegações que remata com as Conclusões seguintes:
IV - Conclusões
Em primeiro lugar,
450. A R. celebrou tão só uma “Escritura de subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico que o Município de Viana do Castelo faz à firma A…, Lda.”.
451. Tal “subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico” efectuou-se “com subordinação ao regime legal instituído pelo Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro”.
452. E ainda “às disposições constantes do Regulamento das Condições de Concessão do Uso Privativo, aprovado pela Assembleia Municipal...”, conforme consta da referida escritura pública.
453. Ora, é sobre a parcela de TERRENO (lote) do domínio público hídrico, que o Fisco sempre considerou, no limite, a R. com a qualidade de “Tipo de proprietário – 04 – Superficiário”.
454. Tal enquadramento (como superficiário) resultou apenas do facto de a R. assim o ter declarado, ainda que de forma indevida, mas também porque as hipóteses que decorrem dos próprios modelos de inscrição (Modelo 1) não consentem a inscrição de qualquer prédio para uma ocupação a título de subconcessionário de um lote de terreno do domínio público (!?).
Em segundo lugar,
455. Para além disso, a R. foi autorizada, pela referida escritura pública e Regulamento de Concessão de Uso Privativo, a proceder à implantação de INSTALAÇÕES para desenvolver nelas uma actividade económica com cariz de utilidade pública (estabelecimento aberto ao público), ainda que também limitada no tempo, isto é, 30 anos, tantos quantos o prazo da subconcessão daquela parcela de terreno – lote.
456. Porém, é sobre estas mesmas INSTALAÇÕES que o Fisco também pretende cobrar IMI, agora relativo ao ano de 2007, conforme decorre da liquidação impugnada, porque considera que a R. será agora também “Tipo de proprietário - 04 - Superficiário” (!).
457. Todavia, ao proceder à inscrição matricial das referidas instalações (ainda que de forma indevida, como já se referiu, dada a natureza do contrato celebrado não o devia ter feito, tão pouco os serviços fiscais o deviam ter aceite) fê-lo também na qualidade de SUPERFICIÁRIO, conforme está expresso na respectiva declaração Modelo 1: “Tipo de proprietário: 04 – Superficiário” e consta certamente do processo administrativo.
Todavia,
458. Tendo em vista a defesa dos seus legítimos direitos e, em particular, o que dispõem os arts. 9°/1/2 e 95° da Lei Geral Tributária e o art. 96°/1 do Código do Procedimento e Processo Tributário – reflexos de um princípio de tutela jurisdicional efectiva e da consequente garantia de acesso ao direito e aos tribunais, aliás, constitucionalmente consagrados, v.g. art. 20°/1 da CRP –, deduziu a R. oportunamente a correspondente Impugnação Judicial.
459. Tal Impugnação Judicial mereceu douta sentença, supra referida (Ponto 1), e da qual aqui se recorre, nos termos do despacho oportunamente exarado pelo Digníssimo Juiz do tribunal a quo.
POSTO ISTO,
460. A R. não é SUPERFICIÁRIO porque não tem um qualquer “direito de superfície” sobre a parcela de TERRENO do domínio público hídrico, sendo que apenas tem, de facto e até por imposição da lei que regulamenta aquele domínio público, o “uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico”, conforme resulta do referido contrato e seus anexos,
461. Ainda que haja sido inscrita matricialmente como tal, em termos que a identificaram como “Tipo de proprietário – 04 – Superficiário”.
462. A R. também não é (não pode muito menos ser vista como) PROPRIETÁRIO das INSTALAÇÕES implantadas naquela parcela de terreno do domínio público hídrico a que corresponde o artigo matricial 2553,
463. Ainda que também haja sido inscrita matricialmente como tal, em termos que a identificaram também como “Tipo de proprietário - 04 - Superficiário”, conforme resulta da mesma inscrição matricial e certamente do processo administrativo.
464. Aliás, diga-se em abono da verdade, a R. nunca poderia ter qualquer outra forma de uso ou utilização daquele domínio público hídrico que não fosse, como foi, por contrato de subconcessão (porque o próprio Município de Viana do Castelo é, ele próprio e por sua vez, concessionário da mesma parcela por contrato de concessão com o Instituto Portuário do Norte), dado que, em geral, assim o impõe a legislação quanto à afectação de bens que pertençam àquele domínio público.
465. Isto é, não pode o domínio público em geral, e em particular o domínio público hídrico aqui em causa, ser objecto de uma qualquer forma de apropriação privada que não seja apenas por um tipo contratual específico e único: um contrato de concessão ou um contrato de subconcessão, como é o caso concreto.
466. Por isso, labora a douta sentença em nulidade por oposição entre os factos a decisão, bem como em erro de julgamento, por vício de violação de lei, v.g. artigos 660°/2, 668°/1/c do CPC, ex vi art° 2°/e) e 125°/1 do CPPT e ainda dos art°s 17° e 18°/1/2 do DL 468/71, de 5 de Novembro.
Sem prescindir,
467. A douta sentença procede, nos termos em que o faz, a uma integração analógica das normas de incidência, ou seja, do conteúdo do art. 8°/2 do CIMI, pois, só nesses termos é que é possível admitir que a atribuição de um uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico (parcela de TERRENO), possa “transformar” ou fazer “equivaler” aquela qualidade (“uso privativo”) a um qualquer SUPERFICIÁRIO, sendo que apenas estes se mostram abrangidos pela norma subjectiva de incidência em causa.
468. Por isso, labora a douta sentença em manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, v.g. art. 9º e art. 1524°, ss. do Código Civil, art. 8°/2 do CIMI, art. 8° da LGT, art. 103°/2/3 e art. 165°/1/i, art. 204° e art. 266° da CRP, e ainda art. 11°/1/2/4 da LGT.
Sem prescindir,
469. A douta sentença procede, nos termos em que o faz, a uma nova integração analógica das normas de incidência, ou seja, agora do conteúdo do art. 8°/1 do CIMI, pois, só nesses termos é que é possível admitir que a atribuição de um uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico (parcela de TERRENO), ainda que autorizado a implantar INSTALAÇÕES, por período determinado de tempo (30 anos), e para o exercício de uma actividade com cariz de utilidade pública (estabelecimento aberto ao público), possa “transformar” ou fazer “equivaler” aquela qualidade (direito de “uso privativo”) a um qualquer PROPRIETÁRIO, sendo que apenas este se mostra abrangido pela norma subjectiva de incidência em causa.
470. Porém, como já se referiu, tão pouco o Fisco consignou à R. um enquadramento desse tipo (?), antes considerou que a sua natureza matricial sempre seria do “Tipo de proprietário – 04 – Superficiário”, tal como constará do processo administrativo, pelo que daqui haverá que retirar, naturalmente, as devidas ilações.
471. Por isso, labora a douta sentença em manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, v.g. art. 9°/2 e art. 1302°, ss., art. 1304° e art. 1305° do Código Civil, art. 8°/1 do CIMI, art. 8° da LGT, art. 103°/2/3 e art. 165°/1/i, art. 204° e art. 266° da CRP, e ainda art. 11°/1/2/4 da LGT.
Sem prescindir,
472. A douta sentença interpreta erradamente o conteúdo dos artigos 11°/3 da LGT e 8°/1/2 do CIMI, porquanto:
473. A “substância económica dos factos tributários” não pode ser primeiro argumento para a interpretação, bem pelo contrário, a “dúvida” terá que ser deslindada, em primeira linha, pelas regras gerais de interpretação, e só depois, se ainda assim “persistir dúvida” sobre o sentido das normas, é que se justificaria o recurso à disposição contida no art. 11°/3 da LGT.
474. Porém, no caso concreto, não se vislumbram:
475. Por um lado, nem “dúvida” sobre o sentido das normas de incidência, dado que a norma em causa (art. 8°/1/2 do CIMI) não a oferece, isto é, é bem clara sobre o que pretende tributar: o PROPRIETÁRIO e, eventualmente, o SUPERFICIÁRIO, qualquer uma das qualidades que a R. não tem, tão pouco pode ter, dado que se está a falar sobre uma eventual afectação privada do domínio público.
476. Por outro lado, se aquela “dúvida” não existe, como parece claro, como pode ela “persistindo” para que então se pudesse recorrer ao art. 11°/3 da LGT?
477. A doutrina citada demonstra à exaustão o sentido com que a norma deve ser aplicada.
478. E muito menos tem razão para o ser no caso concreto, quando é certo que, por um lado, as partes celebraram o contrato pretendido, e, por outro lado, não podiam sequer celebrar qualquer outro de natureza diferente do contrato de subconcessão, porque a legislação em vigor tal não consente.
479. Por isso, labora a douta sentença em erro de julgamento, v.g. art. 9º, 1302°, ss., art. 1524°, ss., do Código Civil, art. 11°/1/2/3 da LGT e art. 8º/1/2 do CIMI e art. 17°, 18° e 19° do DL 468/71.
Sem prescindir,
480. A R. não detém qualquer PATRIMÓNIO, em termos de poder computar-se “o valor patrimonial”, correspondente a PRÉDIOS, nos termos em que estes conceitos jurídico-fiscais se mostram consignados no art. 1º e 2° do CIMI, pelo que, em razão de não preencher, desde logo, estes pressupostos objectivos de incidência, não pode também ser sujeito passivo (incidência subjectiva) do imposto, por força do que dispõe o art. 8°/1/2 do CIMI.
481. Assim sendo, a douta sentença interpreta erradamente as normas constantes destes artigos, pelo que labora em consequente erro de julgamento, v.g. art. 1º e art. 2° do CIMI, arts. 9°/1/2 e 202°/2 do Código Civil, 84° da CRP e art. 11°/1/2/ da LGT.
Sem prescindir,
482. A R. entende, também no sentido explanado pela douta doutrina, que a tributação consignada no CIMI para os direitos reais menores é inconstitucional, mormente quanto ao “direito de superfície” – que apesar de tudo e em face do exposto, entende que não tem, nem pode ter, como ficou supra explanado -, que se lhe pretende imputar, tal qual o entendimento do Fisco, que consigna à R. a qualidade de “Tipo de proprietário - 04 - Superficiário” -,
483. Tendo em vista que “Sendo assim, nestes casos, os usufrutuários, os superficiários, os titulares do direito de uso na propriedade resolúvel, os titulares de direitos reais de uso e de habitação, são obrigados a pagar imposto sobre capacidade contributiva que não têm, pelo que, estes tributos, enquanto impostos sobre o património, são inconstitucionais.”
484. E é, assim, inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e da propriedade privada, v.g. arts. 13°/2, 104°/3 e 62°/2 da CRP.
485. Também por isso, a douta sentença labora em ilegalidade e erro de julgamento ao não consignar o reconhecimento dessa inconstitucionalidade, como o determina o melhor entendimento doutrinário e do próprio Tribunal Constitucional, em violação do que dispõe o art. 204° da CRP.
Termina pedindo o provimento do recurso.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer no qual se pronuncia pelo não provimento do recurso, apresentando a seguinte fundamentação:
«Entendemos que a decisão recorrida não merece censura por ter feito uma correcta interpretação e aplicação da lei. Com efeito, preceitua o nº 2 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro que “se a utilização permitida envolver a realização de obras ou alterações, o direito do uso privativo abrange poderes de construção, transformação ou extracção, conforme os casos, entendendo-se que tanto as construções efectuadas como as instalações desmontáveis se mantêm na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respectivo prazo. Uma vez expirado o prazo, aplica-se o disposto no artigo 26º”.
Aliás, o intróito daquele diploma legal salienta que o aspecto que se mostra mais relevante no novo regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico é “a substituição de um regime de estabilidade ao regime puramente precário em que os particulares efectuavam, até aqui, os seus investimentos em iniciativas de utilidade pública nos terrenos do domínio hídrico.
Se realmente certo uso privativo é requerido para um fim de utilidade pública – aproveitamento de águas públicas para abastecimento de povoações, ou edificação de um hotel com interesse para o turismo, por exemplo –, não faz sentido, nem é justo, submetê-lo ao regime da licença precária, revogável a todo o tempo e sem que o interessado tenha direito a qualquer indemnização, como vinha sucedendo até hoje.
Determinou-se, portanto, que se adoptará antes o regime da concessão – o que acarreta, nomeadamente, em caso de rescisão, o dever de indemnizar o custo das obras e das instalações fixas que ainda não possa estar amortizado – sempre que se trate de usos privativos que exijam a realização de investimentos em instalações indesmontáveis e sejam considerados de utilidade pública.”
Daqui resulta que os concessionários e subconcessionários gozam de estatuto em tudo semelhante ao do superficiário privado que se torna proprietário das construções implantadas em terreno alheio.
Entendemos, por isso, como se julgou na sentença recorrida que “é de interpretar a referência contida no art. 8º nº 2 do CIMI ao “direito de superfície” no sentido de abranger todas as situações em que a alguém é proporcionado um direito de gozo (real ou pessoal) sobre um prédio alheio cujo conteúdo faculta a possibilidade de construir ou manter nesse prédio uma obra ou uma plantação e, neste pressuposto, é de considerar que se enquadra na referida norma de incidência o concessionário de uso privativo de domínio público que envolva poderes de edificação.”
O acórdão do STA de 2/12/2009, processo nº 720/09, ainda que a propósito de outra questão de direito, adoptou o entendimento que se vem defendendo. Afirma-se no mesmo que “no caso sub judicio, sendo certo que o sujeito passivo do IMI tanto pode ser o proprietário, como o usufrutuário ou o superficiário (artigo 8º, nºs 1 e 2), qualidade esta em que se apresenta a impugnante decorrente do facto de ser concessionária de parcela de domínio hídrico municipal (cfr. Artigo 1254º do CC)...”
1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir
FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
a) No dia 11 de Janeiro de 2002, através de escritura pública foi celebrado um acordo de “subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico” entre o Município de Viana do Castelo e a Impugnante.
b) De acordo com essa escritura, cujo teor consta de fls. 32 a 36 dos presentes autos e aqui se dá por reproduzido, o Município de Viana do Castelo declarou subconcessionar à Impugnante, pelo prazo de 30 anos, contado do início de vigência do Contrato de Concessão de Uso Privativo do Domínio Público Hídrico outorgado entre a Câmara Municipal de Viana do Castelo e o Instituto Portuário do Norte, o lote do Parque Empresarial da Praia Norte, com a área de sete mil e oitocentos metros quadrados e área coberta de mil e seiscentos metros quadrados (...).
c) A Impugnante, através da referida escritura declarou obrigar-se a efectuar os pagamentos das taxas iniciais de ocupação do lote, no mês seguinte ao da emissão da licença de utilização, pela Câmara Municipal, e nos anos subsequentes até ao fim de idêntico mês, da forma a seguir discriminada (...).
d) Mais declarou a Impugnante aceitar a subconcessão nos precisos termos que consta da referida escritura.
e) Em 15 de Março de 2006, através da internet, a Impugnante enviou ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a Declaração Modelo 1 para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz.
f) Essa declaração reporta-se a um prédio urbano omisso na matriz e a que foi atribuído o artigo 2553, situado na freguesia de …, …, …, Lote … com afectação a “Serviços”, 4 pisos e 60 divisões.
g) A data da licença de utilização do referido prédio é a de 27 de Maio de 2005.
h) O prédio referido na alínea f) foi edificado no lote de terreno que se menciona supra na alínea b).
i) Em 13 de Março de 2008, a administração tributária procedeu à liquidação de IMI relativa ao ano de 2007 e respeitante ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 2553 supra referido, conforme consta da demonstração de fls. 26 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
j) O prazo para pagamento voluntário da primeira prestação das quantias liquidadas terminou em 30 de Abril de Janeiro de 2008.
k) A presente impugnação judicial foi apresentada em 17 de Julho de 2008.
2.2. Quanto a factos não provados a sentença exarou o seguinte:
«Do que era relevante para a decisão da causa, não há matéria de facto que importe registar como não provada.»
3. Enunciando como questão a decidir a de saber se a Impugnante é sujeito passivo do imposto liquidado, a sentença recorrida veio, em síntese, a considerar que, utilizando aquele normativo um conceito de direito privado - o de “direito de superfície” – por um lado, segundo as regras de interpretação aplicáveis, será de considerar, para efeito de tributação em sede de IMI, que aquele conceito «abrange as situações em que alguém é titular de um direito de superfície em sentido estrito, enquanto direito real limitado com a configuração que lhe é conferida pelo normativo do art. 1524° do Código Civil, mas também aquelas outras em que alguém é titular de um direito cujo conteúdo é, do ponto de vista do aproveitamento económico do prédio, idêntico, assuma ou não a natureza de direito real e que consista em facultar ao seu titular a faculdade de construir ou manter uma obra em terreno alheio» e, por outro lado, «encontra-se justamente nessa situação aquele que beneficia de uma concessão de domínio público para uso privativo como aquela que se verifica em relação à Impugnante.»
Isto porque, segundo o que decorre do DL nº 468/71, de 5/11 (nomeadamente dos seus arts. 21º/1 e 31º) e conforme a jurisprudência e doutrina que cita (ac. do STA, de 13/2/2001, proc. 46706; Marcello Caetano, Manual, II, pág. 944 e sgts.; e Ana Raquel Gonçalves Moniz, O Domínio Público – O critério e o Regime Jurídico da Dominialidade), caracterizando-se o uso privativo do domínio público por ser consentido a uma ou algumas pessoas determinadas, com base num título jurídico individual e pressupondo esse uso um conjunto de características que o identificam [(i) exclusividade: enquanto vigorar o título jurídico-administrativo que constitui o pressuposto necessário para o reconhecimento ao particular do uso privativo de bens dominiais, aquele detém uma posição jurídica que se impõe a terceiros, em termos de estes não poderem perturbar o gozo da utilidade privativa; (ii) estabilidade: embora limitada à duração do período constante do título; (iii) rentabilidade: para a administração porque aufere uma determinada prestação pecuniária sob a forma de taxa (cfr. art. 4º, nº 2 da LGT) e para o particular, já que a duração do título há-de ser suficientemente longa para que as expectativas económicas do beneficiário se cumpram], então, de forma semelhante «ao que sucede com o superficiário privado também o concessionário se torna proprietário das construções implantadas em terreno alheio». Ou seja, «é de interpretar a referência contida no art. 8°, nº 2 do CIMI ao “direito de superfície” no sentido de abranger todas as situações em que a alguém é proporcionado um direito de gozo (real ou pessoal) sobre um prédio alheio cujo conteúdo faculta a possibilidade de construir ou manter nesse prédio uma obra ou uma plantação e, neste pressuposto, é de considerar que se enquadra na referida norma de incidência o concessionário de uso privativo de domínio público que envolva poderes de edificação.»
Sendo que, «também aponta no sentido exposto a substância económica dos factos tributários pois que entre um superficiário (em sentido estrito) de um terreno do domínio privado do Estado e um concessionário do uso privativo do domínio público com poderes de edificação, por exemplo, não se vislumbra, do ponto de vista da substância económica das respectivas posições, diferença bastante para justificar diverso tratamento ao nível da tributação – cfr. art. 11º, nº 3 da LGT.»
Em suma, conclui a sentença recorrida, que «Estando em causa a tributação de um prédio urbano constituído por um edifício que é propriedade privada da impugnante implantado num terreno do qual a mesma é superficiária, não se vislumbra razão para considerar que a mesma não se encontra sujeita a IMI, nos termos previstos no art. 8°, n°s 1 e 2 do respectivo Código.»
4. Além do mais, a recorrente também vem alegar (Conclusões 460 a 466) que a sentença enferma de nulidade «por oposição entre os factos a decisão».
Porém, como se vê de tais Conclusões, não especifica as circunstâncias concretas que integram essa oposição entre os factos e a decisão.
E o que se verifica é que a sentença recorrida parte do entendimento de que no caso ocorre a situação da existência de um direito de superfície da impugnante, para decidir pela bondade da liquidação impugnada – no que não se vê qualquer «oposição entre os factos e a decisão».
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença.
5. Nas restantes Conclusões a recorrente substancia a sua divergência com o decidido em termos que se reconduzem, no essencial, à alegação de erro de julgamento por parte da sentença recorrida, porquanto assenta numa interpretação analógica da norma constante do nº 2 do art. 8º do CIMI, já que apenas com recurso a tal interpretação é possível admitir que a atribuição do uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico possa ser equiparada a um direito de superfície.
A questão a decidir resume-se, portanto, à de saber se ocorre este invocado erro de julgamento.
Vejamos.
5.1. No art. 8° do CIMI dispõe-se:
«1 – O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar.
2 – Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.
3 – No caso de propriedade resolúvel, o imposto é devido por quem tenha o uso e fruição do prédio.
4 – Presume-se proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n° 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio.
5 – Na situação prevista no artigo 81º o imposto é devido pela herança indivisa representada pelo cabeça-de-casal.»
5.2. As liquidações respeitam, como se refere na sentença, a um prédio urbano (a que foi atribuído o artigo 2553 da respectiva matriz), constituído por um edifício implantado numa parcela de terreno integrante do domínio público hídrico e cujo uso privativo foi subconcessionado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo à impugnante.
Aliás, é manifesto que, como a sentença também diz, em relação à parcela de terreno, não se pode falar de qualquer direito de propriedade por parte da impugnante, dado que tal parcela integra o domínio público hídrico.
Porém, embora no seguimento da argumentação a sentença refira que a impugnante foi tributada não como proprietária mas na qualidade de superficiária dessa parcela de terreno, logo explicita que se trata, não do conceito de direito de superfície em sentido estrito, mas, antes, de um conceito de “direito de superfície” que abrange todas as situações em que a alguém é proporcionado um direito de gozo (real ou pessoal) sobre um prédio alheio cujo conteúdo faculta a possibilidade de construir ou manter nesse prédio uma obra ou uma plantação e, neste pressuposto, é de considerar que se enquadra na referida norma de incidência o concessionário de uso privativo de domínio público que envolva poderes de edificação. Ou seja, não se caracteriza a impugnante como superficiária estrita: a sentença caracteriza-a, enquanto subconcessionária de um terreno do domínio público hídrico, como titular de um direito enquadrável no conceito amplo de direito de superfície. E daí conclui que a liquidação é legal, uma vez que a norma de incidência contida no nº 2 do art. 8º do CIMI abrange não só o titular do direito de superfície em sentido estrito (enquanto direito real com a configuração que lhe é conferida pelo normativo do art. 1524° do Código Civil), mas, também, todas as situações em que alguém é titular de um direito de conteúdo idêntico ao direito de superfície (do ponto de vista do aproveitamento económico do prédio), mesmo que esse direito não assuma a natureza de direito real e consista num mero direito pessoal de gozo ou na faculdade de construir ou manter uma obra em terreno alheio.
E é precisamente deste entendimento que a recorrente discorda (cfr. conclusões 467º e seguintes).
5.3. A noção legal do direito de superfície vem estabelecida no art. 1524° do Código Civil: consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.
Trata-se de um direito que, como diz a sentença recorrida, citando Pires de Lima – Antunes Varela, se desdobra em duas vertentes: «Por um lado, o superficiário é, ou virá a ser, proprietário da obra ou plantação. É de um verdadeiro direito de propriedade, sujeito à respectiva disciplina, que se trata. (...) A outra face do estatuto real do superficiário é a que se refere ao direito deste em relação ao terreno ou solo, no qual ficam implantadas a obra ou as árvores que lhe pertencem (...). O art. 1524° do Código Civil aponta inequivocamente como elemento fundamental (típico, específico) da superfície a relação do superficiário com o solo. É esse, de facto, não só o aspecto essencial, mas o elemento irredutível da superfície, visto a propriedade superficiária não existir enquanto a obra se não constrói ou a plantação se não faz».
No caso, a sentença interpreta o nº 2 do art. 8º do CIMI com o sentido de que, apesar de a norma referir apenas como sujeitos passivos deste imposto o proprietário, usufrutuário e o superficiário, ali se englobam também o concessionário e subconcessionários do uso privativo do domínio hídrico, dado que o conceito de “direito de superfície” tem o sentido de abranger todas as situações em que a alguém é proporcionado um direito de gozo (real ou pessoal) sobre um prédio alheio cujo conteúdo faculta a possibilidade de construir ou manter nesse prédio uma obra ou uma plantação e, neste pressuposto, é de considerar que se enquadra na referida norma de incidência o concessionário de uso privativo de domínio público que envolva poderes de edificação.
Ora, atentando no disposto no art. 11º da LGT e considerando que o art. 8º do CIMI se insere no âmbito das normas de incidência de tal imposto, não sofre dúvida que tal preceito legal não é passível de integração analógica. A exigência de que a disciplina dos elementos essenciais do imposto conste da lei (parlamentar) decorre do próprio princípio constitucional da legalidade fiscal e obsta a que o legislador deixe para o aplicador das leis - a administração tributária ou o juiz – qualquer possibilidade de colmatação de lacunas, seja através do recurso à analogia, seja por qualquer outro modo de preenchimento de lacunas. Daí a regra inserida no nº 4 deste art. 11º da LGT.
Por outro lado, também parece, hoje, assente que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica, prevalecendo, mesmo no âmbito tributário, a aplicação dos critérios reconhecidos pelo art. 9º do CCivil. Como referem Diogo Leite de Campos e Outros (LGT, Anotada, 3ª Edição, Anotação 2 ao art. 11º, pags. 75 e sgts.), «… É bem conhecido que o Direito fiscal utiliza conceitos recebidos do ordenamento jurídico privado, do Direito administrativo e de outros ramos de Direito. Haverá, assim, a tendência de sujeitar a interpretação das normas tributárias aos critérios admitidos, nos outros ramos de Direito. E, também, a qualificar os conceitos recebidos do modo porque o são no ramo de Direito de origem.
São particularmente importantes os conceitos provenientes do direito privado, quanto ao direito dos impostos em especial. E os conceitos provenientes do direito administrativo, nas normas de procedimento administrativo. (…)
Assim, os ramos do Direito tributário de mais ampla tradição civilística, como os impostos sobre a transmissão dos bens e os impostos sobre as sucessões, estão assentes em conceitos do Direito privado. (…)
Não está em causa que o Direito tributário possa qualificar qualquer conceito com o sentido que considere conveniente. Mas não é menos certo que, normalmente, tais conceitos apresentarão, no âmbito tributário, um sentido semelhante ou muito próximo do que lhes é atribuído nos seus ramos de origem.
A pesquisa prévia sobre o sentido dos conceitos nos seus ramos de origem terá, além disso, duas grandes vantagens: primeiro permitir salvaguardar a unidade do Direito; depois, favorecer o avanço técnico do Direito tributário, através da recolha de conceitos já longamente estudados noutros ramos de direito, o que permitirá uma maior certeza e segurança das relações jurídicas tributárias.» (…)
«Há que distinguir interpretação extensiva e aplicação analógica. Parece que entre interpretação extensiva e aplicação analógica não existe uma diferença qualitativa mas sim quantitativa. Limitando-se a primeira a estender o significado dos conceitos utilizados para além do sentido literal dos mesmos; enquanto que, através da aplicação analógica se estendem os conceitos utilizados a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.» (Ibidem, Anotação 5)
5.4. Retornando, então, à alegação da recorrente, julgamos que, independentemente da questão de saber se estamos aqui perante uma interpretação que entra no domínio da integração analógica (proibida pela lei) ou se contém, ainda, no âmbito da interpretação extensiva (que não é proibida pela LGT), a situação dos autos não se resolve mediante o recurso a essa elaboração jurídica.
5.4.1. É, certo que é inquestionável que o terreno onde a impugnante procedeu à edificação do prédio constitui um terreno do domínio público hídrico.
Ora, o direito de superfície (isto é, a concessão para plantar ou edificar em terreno alheio) é um direito real inerente a um imóvel, na maioria dos casos um prédio rústico, e que, no caso vertente, teria necessariamente de incidir sobre a parcela de terreno do domínio público.
E, como é sabido, os terrenos do domínio público não podem ser objecto de contratos de natureza privatística, designadamente de contratos de constituição de direito de superfície. Eles apenas podem ser objecto de contratos administrativos de concessão, como resulta expressamente do DL nº 468/71, de 5/11, que prevê o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico.
Mas, embora sendo discutível se o direito do concessionário tem natureza jurídica de um verdadeiro direito real sobre coisa alheia, ou se tem natureza jurídica de direito pessoal de gozo sobre coisa pública (questão a que, aliás, a sentença recorrida dá resposta – afirmando, com suporte na jurisprudência e doutrina ali citadas, que pode qualificar-se como um direito pessoal de gozo de natureza pública), ou, ainda, se tem natureza jurídica de um mero direito obrigacional (cfr. Freitas do Amaral, A Utilização do Domínio Público pelos Particulares, Lisboa, 1965, 266 e sgts. – devendo ter-se em conta, apesar de tudo, que esta obra é anterior à reformulação do regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, operada pelo DL nº 468/71), o que nos parece manifesto é que os contratos de concessão de uso privativo do domínio hídrico por particulares não conferem a estes o estatuto de superficiários (direito real típico previsto no art. 1524º e sgts. do CCivil), estando os respectivos concessionários sujeitos a um regime jurídico autónomo e diferenciado daquele a que está sujeito o superficiário (embora os respectivos regimes possam ter algumas semelhanças em determinados aspectos).
Pelo que, não sendo a impugnante, nem podendo ser, titular de qualquer direito de superfície sobre a dita parcela de terreno, que integra o domínio público hídrico, e não podendo, igualmente, de acordo com as regras de interpretação das normas jurídicas tributárias, reconduzir-se o conceito de superficiário inserto no nº 2 do art. 8º do CIMI ao conceito de concessionário, não acompanhamos a fundamentação da sentença recorrida.
O que, todavia, não impede que, a nosso ver, se deva confirmar a decisão.
5.4.2. Com efeito, também é certo que a dominialidade pública não obsta a que parcelas determinadas dos terrenos públicos sejam «destinados a usos privativos» (art. 17º do citado DL 468/71). Utilização privada essa que, atribuída mediante contrato administrativo, fica, como se disse, sujeita a um regime jurídico próprio, previsto no citado diploma legal e que é bem distinto do regime previsto no Código Civil para o direito de superfície.
Ora, de acordo com tal regime, as concessões, enquanto se mantiverem, conferem aos seus titulares «o direito de utilização exclusiva, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, das parcelas dominiais a que respeitam», abrangendo poderes tais como os de «construção, transformação ou extracção» (art. 20º) e caso a utilização permitida envolver a realização de obras ou alterações, o direito do uso privativo abrange poderes de construção, transformação ou extracção, conforme os casos, «entendendo-se que tanto as construções efectuadas como as instalações desmontáveis se mantêm na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respectivo prazo» (nº 2 do art. 21º, com sublinhado nosso), podendo mesmo, embora com autorização da entidade que conferiu a concessão, transmitir para outrem essas construções ou hipotecá-las (art. 25º), tendo direito, em caso de rescisão da concessão, a uma indemnização equivalente ao custo das obras realizadas e das instalações fixas que ainda não possa estar amortizado (nº 2 do art. 28º) e sendo que uma vez expirado esse o prazo «as obras executadas e as instalações fixas revertem gratuitamente para o Estado» (art. 21º e 26º, todos do citado DL).
Ou seja, em termos de conteúdo do direito de uso privativo, o direito do concessionário sobre os edifícios ou prédios que tenha construído na área afectada ao seu uso privativo é, nos termos da lei, um verdadeiro direito de propriedade.
E, assim sendo, adquirindo o concessionário ou subconcessionário o estatuto de proprietário das construções que edificou no exercício do direito de uso privativo do terreno do domínio público, as quais são objecto de descrição autónoma tanto no registo predial como na matriz predial, como prédios urbanos, torna-se inquestionável que ele é o sujeito passivo de IMI, nos termos do nº 1 do art. 8º do Código do IMI, segundo o qual «O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar», não havendo qualquer interpretação extensiva ou aplicação analógica do preceito (só ocorre interpretação extensiva quando a solução para uma determinada hipótese não está contida no texto da lei mas é abrangida pelo seu espírito e só ocorre integração analógica quando a solução de determinada hipótese não se encontra nem na letra nem no espírito da norma) nem, consequentemente se verificando as invocadas inconstitucionalidades.
Em conclusão, a sentença recorrida é de confirmar, com a presente fundamentação, pelo que improcedem as Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e, com a presente fundamentação, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 2 de Junho de 2010. – Casimiro Gonçalves (relator por vencimento) – Dulce Neto – Jorge Lino. (Vencido, nos termos da declaração anexa).
Voto de Vencido
1. Nos termos do artigo 1524º do Código Civil, “o direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações”.
O direito de superfície – que incide sobre o solo e permite a construção em terreno alheio e o direito sobre a coisa implantada – é equiparável a um verdadeiro direito de propriedade.
O direito de superfície, no entanto, é definido no Código Civil como um direito real menor, por oposição ao direito de propriedade – pois da definição legal resulta que o direito de superfície é um direito que incide sobre o solo ou a superfície de um prédio, pressupondo que um terceiro tem a propriedade sobre o referido solo ou prédio.
Nos termos da lei, o direito de superfície pode constituir-se por contrato, testamento ou usucapião, podendo também resultar da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo.
2. Perante o que consta das alíneas b), f) e h) do probatório do presente acórdão, a liquidação em causa foi operada respeitantemente a um prédio urbano, de que a impugnante, ora recorrente, se disse titular em termos decorrentes de um contrato de subconcessão sobre o solo do prédio.
Com efeito, a tributação (rectius: a liquidação) em causa diz respeito a um prédio urbano, da titularidade da impugnante, ora recorrente, em moldes derivados de um contrato de subconcessão, de acordo com o qual a ora recorrente seguramente não é proprietária do solo em que o prédio está instalado.
Segundo o teor, em especial das conclusões 455. a 457. e 469. e 470. do presente recurso, a impugnante, ora recorrente, não aceita (e compreensivelmente, a meu ver) que a liquidação e a sentença recorrida tenham por objecto ou se baseiem na “propriedade” do prédio dito em b), f) e h) do probatório.
Na verdade, a construção, em terreno alheio (subconcessionado), do prédio dito em b), f) e h) do probatório do presente acórdão, constituirá o exercício de uma faculdade própria inscrita no direito de superfície, de que, por via contratual, será titular a impugnante, ora recorrente.
Não fora, no caso, o direito de superfície sobre o solo subconcessionado, no exercício do qual a impugnante, ora recorrente, nesse solo construiu o prédio em foco, e o IMI respeitante a esse prédio teria de incidir e ser suportado (não havendo isenção) pelo proprietário do solo em que foi implantado o prédio.
Como assim, a impugnante, ora recorrente, em relação à tributação do prédio dito em b), f) e h) do probatório (“obra construída em terreno alheio”), não é sujeito passivo de IMI, na qualidade de proprietária – devendo prefigurar-se a hipótese de poder ser tributada na qualidade de superficiária.
3. Termos que me afasto da tese que fez vencimento no presente acórdão.
Lisboa, 2 de Junho de 2010.
Jorge Lino