Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02421/15.5BEPRT
Data do Acordão:02/02/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
IRC
DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS
Sumário:I - Despesa não documentada é aquela a que falta em absoluto o comprovativo documental.
II - Falando a lei em despesa não documentada, está a reportar-se à documentação do ato pelo qual o sujeito passivo suporta a despesa que é suscetível de afetar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC, não relevando nesse âmbito a documentação do destino da despesa, ou da identificação do seu beneficiário.
Nº Convencional:JSTA000P28917
Nº do Documento:SA22022020202421/15
Data de Entrada:12/30/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………., LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que A………………, Lda., com os demais sinais dos autos, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, deduziu contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.ºs 2013 8310003193, 2013 8610003210 e 2013 8310012496, respeitantes aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
“A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação que a “ A…………….., Lda.”, com os demais sinais dos autos, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa e recurso hierárquico, deduziu contra as liquidações adicionais de IRC n.º 2013 8310003193, 2013 8610003210 e 2013 8310012496, dos exercícios de 2009, 2010 e 2011, respetivamente, no valor global de € 74 987,54, mas apenas na medida do decaimento da Fazenda Pública, ou seja, com referência às tributações autónomas no montante de € 32 053,02.
B. O acto de liquidação, na parte em que a AT procedeu à tributação autónoma, resultou de correções de natureza meramente aritmética efetuadas em sede de acção inspectiva à impugnante, aos exercícios de 2009 a 2011, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI201202921, conforme descrição no capítulo III-C.1. do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e que se reportam a “gastos relacionados com artigos para oferta”.
C. Correcção essa, efectuada nos termos das normas conjugadas dos artigos 23.º, n.º 1, 42.º, n.º 1 g) e 88.º, n.º 1 do Código do IRC, tendo como ponto de partida as “Ofertas” registadas na contabilidade da impugnante como gastos relacionados com artigos para oferta, cfr. listagem do Anexo 8 ao RIT, tratando-se de artigos adquiridos para oferta, mas que não são de pequeno valor, não tendo a impugnante apresentado qualquer esclarecimento acerca desses gastos, designadamente a identificação dos beneficiários ou os fundamentos das respectivas ofertas.
D. A impugnante invoca, em sede de impugnação judicial, a ilegalidade da liquidação por violação dos artigos 23.º, n.º 1 e 88.º do CIRC, alegando que os gastos com artigos para oferta foram indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a impostos e para a manutenção da fonte produtora e que se trata de encargos que teve que suportar para o desenvolvimento da sua actividade, essencialmente junto de clientes e colaboradores, com impossibilidade de identificar os beneficiários respectivos, pelo que estão documentados e os documentos não sofrem de rasuras ou vícios que os invalidem.
E. Refira-se que esteve bem o Tribunal ao julgar improcedente a pretensão da impugnante quanto à violação do art. 23.º do CIRC, uma vez que, quer da prova documental (ou falta dela), quer da prova testemunhal, cfr. ponto 1) dos factos não provados, resulta que “a prova testemunhal não revelou conhecimento direto das quantidades, valores, anos e destinatários das ofertas em causa nos presentes autos (anexo 8 do RIT)”, mas o mesmo não se poderá dizer quanto à alegada violação do art. 88.º do CIRC – tributação autónoma de despesas não documentadas, matéria sobre que versa o presente recurso.
F. Entendeu o Tribunal a quo quanto à questão da tributação autónoma das despesas confidenciais ou não documentadas, nos termos do art. 88.º do CIRC,
Ora no caso dos autos, não está em causa a falta de suporte documental, conhecendo-se a sua natureza, origem e finalidade, apenas se desconhecendo a identidade das pessoas que segundo a Impugnante terão recebido tais produtos a título de ofertas, pelo que as despesas não podem ser consideradas não documentadas ou confidenciais, à luz do disposto no art.º 88.º, n.º 1 do CIRC, pelo que não há lugar a tributação autónoma.
Assim, as liquidações são ilegais, na parte em que consideraram existir tributação autónoma, por violação do art.º 88.º, n.º 1 do CIRC devendo ser anuladas, nesta parte.”
G. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, com fundamento em erro de julgamento - sobre a matéria de direito - relativamente à correcção constante dos autos, pelas razões que passa a expender.
H. Dispõe o art. 88.º, n.º 1 e 2 do CIRC, na redacção vigente à data, que, “1-As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º”.
I. Conforme refere Rui Miguel Zeferino Ferreira in “O Informador Fiscal” sob o tema A tributação autónoma: o caso particular das despesas não documentadas, “para que se esteja perante uma despesa não documentada, torna-se necessário, por um lado, que exista uma despesa suportada pelo sujeito passivo e, por outro, que essa despesa não esteja documentada ou comprovadamente documentada.”
J. Mais refere que “A introdução do mecanismo tributário foi justificado, por um lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial e, por outro, tendo em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas precedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários. Assim, teve também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscal.”
K. Ou seja, também as despesas confidenciais são qualificáveis como despesas não documentadas, visto que pela sua própria natureza deva ser a conclusão a retirar, porque não são especificadas ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade, estando, assim, sujeitas a tributação autónoma, nos termos do art. 88.º, n.º 1 do CIRC.
L. No caso dos autos, existem documentos de suporte que identificam a aquisição de um determinado bem como sejam os artigos para “oferta” da listagem anexa ao RIT (anexo 8) que se constata serem artigos em cristal, perfumes, relógios, colares, pulseiras, canetas …………, cartões presente, perfumes, bacalhau, jarras ou vinho, mas aqueles documentos apenas nos atestam que estes bens foram adquiridos em nome da empresa, mas não podemos aceitar que as despesas estejam justificadas quanto à sua natureza e finalidade.
M. Mais, a despesa que a impugnante pretende ver reconhecida como um gasto contabilístico, consubstanciado na saída dos artigos da empresa, justificada como oferta, não podem sequer considerar-se como documentados, porque não existem quaisquer documentos que o atestem. Prova essa que os depoimentos das testemunhas não lograram fazer.
N. A tributação autónoma prevista na norma do art. 88.º do CIRC, constituindo uma verdadeira cláusula anti-abuso, tem como escopo obstar a que os sujeitos passivos, designadamente empresas, disponham de verbas, através de despesas, para fins alheios aos interesses societários, antes tendo como finalidade ou destino os interesses particulares dos seus administradores, seus familiares ou até terceiros estranhos à actividade empresarial.
O. Aquelas, embora levadas à contabilidade através de documento (venda a dinheiro ou fatura), não podem deixar de se considerar como despesas confidenciais e não documentadas, uma vez que no momento da saída dos artigos da empresa (alguns de luxo e valor bastante elevado), com a justificação de “oferta”, passam a constituir despesas sem documento por se desconhecer se tiveram sequer um destinatário.
P. Documentos de ofertas que poderiam, além de identificar os destinatários, esclarecer a razoabilidade de ofertas como (cfr. anexo 8 ao RIT) um “Relógio ………..”, no valor de € 1 350,00, um “Relógio ………………”, no valor de € 3 480,00, “Relógio”, no valor € 3 500,00 “Canetas ………..”, no valor de € 6 950,00, € 4 350,00 e € 1 800,00 ou até € 7 020,00 em “Libras em Ouro”. Tudo despesas que a impugnante quis manter confidenciais.
Q. E tal como refere a douta sentença sob recurso, que cita acórdão do STA, de 5/07/2000, proferido no recurso n.º 24 632, “Estaremos perante uma despesa confidencial quando não é revelada a sua natureza, origem e finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente.
R. Mas ao contrário do que se refere na douta sentença, na situação dos autos existe confidencialidade da despesa, uma vez que, embora se conheça a origem, não se conhece a natureza e a finalidade da oferta.
S. Está precisamente em causa a falta de suporte documental, uma vez que além de se desconhecer em absoluto a identidade de todas as pessoas que terão recebido aqueles artigos a título de ofertas (não é razoável desconhecer a quem se oferece artigos de luxo como os referidos supra), não são conhecidas a sua natureza, origem e finalidade.
T. Pelo que, as despesas em causa só podem considerar-se não documentadas ou confidenciais, e assim, tributadas autonomamente nos termos do art. 88.º do CIRC.
U. Ou seja, conforme resulta da leitura do RIT, melhor contextualizada quer com os documentos juntos, quer com as decisões dos meios tutelares administrativos, o que está na origem das correcções efectuadas, pelos SIT, é o (concreto) enquadramento dos gastos não aceites, porque não comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23.º, n.º 1 do CIRC.
V. Mas além disso, e porque se trata de despesas confidenciais e por via disso, não documentadas ou não comprovadamente documentadas, também está em causa a consequente tributação autónoma dessas despesas e, com o devido respeito por perspectiva diferente da nossa, parece-nos que as correções levadas a efeito pela inspeção tributária estão correctas, no sentido de que se dá cumprimento ao escopo da norma contida no artigo 88.º do CIRC.
W. Aliás, parece-nos claro que no presente caso, em consequência da não comprovação dos destinatários das ofertas pela impugnante, não se pode considerar as despesas como devidamente documentadas por não se conhecer a finalidade ou o destino dado aos artigos, havendo completa ausência de documentação relativamente às supostas ofertas, o que nos conduz à sua qualificação de despesas confidenciais.
X. Em suma, a decisão recorrida enferma, na parte em que julgou procedente a impugnação, relativamente à procedência da invocada ilegalidade das liquidações, na parte em que se considerou existir tributação autónoma, por violação do art. 88.º, n.º 1 do CIRC, do erro de julgamento que a RFP lhe imputa, carecendo, por isso, nessa medida, de ser revogada.
Y. Não se verificando o vício sentenciado, padece a douta sentença de erro de julgamento em matéria de direito, conforme acima explanado, por ter violado o disposto o disposto no artigo 88.° do CIRC, devendo considerar-se válido o acto tributário impugnado e, como tal, manter-se o mesmo na ordem jurídica.
Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer que se transcreve na parte relevante:
“(….)
DO MÉRITO DO RECURSO
Salvo o devido respeito por diversa posição, afigura-se-nos não caber aqui razão à Recorrente.
Vejamos.
“Esta disciplina teve como antecedente a tributação das então denominadas “despesas confidenciais ou não documentadas”, que foi iniciada pelo artigo 4.º do Decreto-lei n.º 192/90, de 9 de junho, à taxa autónoma de 10%, incrementada para 25% pelo artigo 29.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado – “LOE” – para 1995).
Mais tarde, o artigo 6.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, aditou ao Código do IRC o artigo 69.º-A que, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma”, passou a integrar esta matéria no Código, determinando a respetiva tributação à taxa agravada de 50%, ao abrigo do seu n.º 1. Foi simultaneamente revogada, pelo artigo 7.º, nº 11 daquela Lei [n.º 30-G/2000], a norma avulsa constante do artigo 4.º do citado Decreto-lei n.º 192/90.
Com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (LOE para 2008), foi eliminada a referência a despesas confidenciais, passando o artigo 81.º (atual artigo 88.º) do Código do IRC a contemplar apenas a expressão “despesas não documentadas”, mantendo-se a taxa de 50%.
A eliminação das despesas confidenciais do elenco dos factos sujeitos a tributação autónoma, mantendo-se, no entanto, o mesmo regime de tributação sob a categoria de despesas não documentadas, das quais as primeiras são um subconjunto, limitou-se a remover uma redundância, pois a despesa confidencial é também uma despesa não documentada, sendo “duvidoso que a distinção entre as duas figuras tenha tido alguma relevância no nosso regime fiscal enquanto existiu”, como assinala a decisão arbitral n.º 7/2011-T, de 20 de setembro de 2012 (ponto 12).” (cfr. Dec. Arbitral do CAAD de 03.12.2020 – Proc. nº 213/2020-T )
As Tributações Autónomas encontram-se assim atualmente previstas na mencionada norma prevista no art. 88º do CIRC, norma essa a que se tem vindo a atribuir um carácter anti abuso e de prevenção de práticas de evasão e fraude, cometidas precisamente através de despesas confidenciais ou não documentadas.
A intenção do legislador terá sido a de obstar a que o sujeito passivo disponha de verbas para fins não empresariais, ou destinadas a remunerações encapotadas, como forma de evasão fiscal.
A nosso ver e salvo melhor, estará aqui em causa a interpretação a dar à expressão “despesas não documentadas” constante do referido dispositivo legal.
A Autoridade Tributária não questiona o facto de as despesas em causa se encontrarem identificadas quanto à sua origem.
Com efeito, existem documentos que atestam a proveniência das despesas, tendo sido as mesmas efetivamente realizadas pelo sujeito passivo.
Sabe-se ainda quais os “artigos”, e respetivo valor, e que os mesmos se destinam a ofertas a fornecedores e seus funcionários.
Entende, contudo, a Recorrente que, não se conhecendo os beneficiários de tais gastos, as despesas são confidenciais, o que terá levado à sua desconsideração como custos fiscais e à sua tributação autónoma, aqui sob análise.
Todavia, a nosso ver e salvo melhor, entendemos que o desconhecimento da identidade dos beneficiários dos referidos encargos havidos, não implica a confidencialidade das despesas, o que só aconteceria se se desconhecesse a sua origem, natureza e finalidade.
Pertinente se nos afigura o seguinte trecho (indicado da Sentença recorrida) de um comentário ao aresto do STA proferido no recurso nº24 632, trecho esse da autoria de António Moura Portugal (in A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, 2004, Coimbra Editora, págs. 224 e 225.):
«(…) Por isso, o aresto vai mais longe ao ponto de também distinguir as despesas confidenciais dos casos em que o contribuinte apenas não logrou provar quem foi o destinatário da despesa. Como ali se refere, “estando a despesa devidamente documentada, conhecendo-se a sua natureza, origem e finalidade, e apenas se desconhecendo a identidade das pessoas que a receberam, não pode atribuir-se às mesmas a qualificação de despesas confidenciais.”»
A nosso ver, e salvo melhor entendimento, a despesa será não documentada quando não existir prova documental que demonstre o encargo efetivamente suportado pelo sujeito passivo.
No caso em análise, existem suportes documentais, apenas se desconhecendo a quem se destinavam tais “ofertas”.
Assim, afigura-se-nos que as despesas em causa não podem ser tidas como não documentadas, ou sequer confidenciais; razão pela qual entendemos ilegal a respetiva Tributação Autónoma.
CONCLUSÃO.
Pelo exposto, e a nosso ver, não deve ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a Sentença recorrida na Ordem Jurídica.”

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
«A) A Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva credenciada pela OI201202921, com início em 09/07/2012 e término em 19/06/2013, que abrangeu os exercícios de 2009 a 2011 - cf. fls. 12 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) No âmbito da ação inspetiva mencionada na alínea antecedente foi elaborado, em 08/07/2013, relatório inspetivo no qual os SIT concluíram por correções em sede de IRC no valor de € 57.715,18 (2009), € 34.569,22 (2010) e € 48.702,59 (2011), de cujo RIT se extrai o seguinte, no que ao caso releva :

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[…]

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[…]

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[…]

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[…]

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[…]

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Cf. fls. 12 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Na sequência das conclusões referidas no RIT vindo a referenciar, a AT emitiu, em 29/7/2013 a liquidação adicional de IRC n.º 2013 8310003193, do ano de 2009, no valor de € 25.719,69 e respetivos juros compensatórios n.º 2013 2065152 no valor de € 3.196,28, num total de € 28.915,97 (nota de cobrança n.º 2175417), nos seguintes termos:

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- Cf. fls. 104 do PA apenso aos autos e fls. 101, 106 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Na sequência das conclusões referidas no RIT vindo a referenciar, a AT emitiu, em 12/08/2013 a liquidação adicional de IRC n.º 2013 8610003210, do ano de 2010, no valor de + € 82.056,31 e respetivos juros compensatórios n.º 2013 2131226 no valor de € 1.029,87, de cuja nota resultou um valor a pagar de € 14.228,76 (nota de cobrança n.º 2638170), nos seguintes termos:

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- Cf. fls. 105 do PA apenso aos autos e fls. 102, 106 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido .
E) Na sequência das conclusões referidas no RIT vindo a referenciar, a AT emitiu, em 29/08/2013 a liquidação adicional de IRC n.º 2013 8310012496, do ano de 2011, no valor de € 30.495,98 e respetivos juros compensatórios n.º 2013 2196692 no valor de € 1.346,83, de cuja nota resultou um valor a pagar de € 31.842,81 (nota de cobrança n.º 3007368), nos seguintes termos:

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- Cf. fls. 106 do PA apenso aos autos e fls. 103, 106 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido .
F) Em 06/01/2014, a Impugnante reclamou graciosamente das liquidações vindas a referenciar - Cf. Fls. 1 e ss do PA (RG) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Por despacho de 20/02/2014 foi projetado o indeferimento da reclamação graciosa nos seguintes termos:

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Cf. Fls. 43-A e ss do PA (RG) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Por despacho de 07/04/2014, a Sr. Chefe da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da DF do Porto indeferiu a reclamação graciosa nos termos constantes do aludido projeto em virtude de a Impugnante não ter exercido o direito de audição- Cf. Fls. 59 e ss do PA (RG) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) A Impugnante foi notificada do despacho a que se alude na alínea antecedente em 09/04/2014- Cf. Fls. 60 e ss do PA (RG) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Em 06/05/2014, a Impugnante interpôs recurso hierárquico reagindo contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa - Cf. Fls. 1 e ss do PA (RH) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) Por despacho de 30/06/2015 foi indeferido o recurso hierárquico nos seguintes termos:

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Cf. Fls. 57 e ss do PA (RH) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) A Impugnante foi notificada do despacho a que se alude na alínea antecedente em 30/07/2015 - Fls. 64 e ss do PA (RG) apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
J) A presente Impugnação deu entrada em 01/10/2015 - Cf. Fls. 19 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
K) A Impugnante não identificou os beneficiários dos gastos com artigos para oferta constantes da listagem do anexo 8 ao RIT.
L) No ano de 2009, os veículos com a matrícula ………. e …………. eram da propriedade de um dos gerentes, só tendo sido registada a propriedade a favor da Impugnante em Março de 2010 – facto não controvertido - cf. RIT, pág. 19/22 e petição inicial, bem como fls. 98 e ss do PA apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
M) As faturas mencionadas no quadro de fls. 19 do RIT em causa nos presentes autos no valor de € 7.461,60, € 6.864,00 e € 167,04, num total de € 14.992,14 referem-se a reparação das viaturas ……… e ………. - Cf. Fls. 23 e 101 e ss do PA apenso aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

3. Fundamentação de direito
A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida contra as liquidações de IRC dos anos de 2009, 2010 e 2011, e considerou ilegais as tributações autónomas, no valor de €32.053,02, respeitantes a gastos relacionados com artigos para oferta.
Considerou o tribunal recorrido a esse respeito: «Ora no caso dos autos, não está em causa a falta de suporte documental, conhecendo-se a sua natureza, origem e finalidade, apenas se desconhecendo a identidade das pessoas que segundo a Impugnante terão recebido tais produtos a título de ofertas, pelo que as despesas não podem ser consideradas não documentadas ou confidenciais, à luz do disposto no art.º 88.º, n.º 1 do CIRC, pelo que não há lugar a tributação autónoma. // Assim, as liquidações são ilegais, na parte em que consideraram existir tributação autónoma, por violação do art.º 88.º, n.º 1 do CIRC devendo ser anuladas, nesta parte.»
A Fazenda Pública discorda do assim decidido por entender que os documentos de suporte que identificam a aquisição dos bens em causa, apenas atestam que eles foram adquiridos em nome da empresa, mas não servem para que se considere as despesas justificadas quanto à sua natureza e finalidade. E defende que tais despesas se devem considerar não documentadas porque «embora levadas à contabilidade através de documento (venda a dinheiro ou factura), não podem deixar de se considerar como despesas confidenciais e não documentadas, uma vez que da saída dos artigos da empresa (alguns de luxo e de valor bastante elevado, com a justificação de “oferta”, passam a constituir despesas sem documento por se desconhecer se tiveram sequer um destinatário» (conclusão “O” das alegações de recurso).
Não obstante todo o esforço argumentativo, a Recorrente carece de razão.
O artigo 88.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação em vigor ao tempo dos factos, estipula:
«1- As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º».
A letra da lei é clara no sentido de que a tributação autónoma incide sobre despesas não documentadas.
O que se deve entender por despesas não documentadas não é questão nova neste Tribunal, que tem vindo a afirmar que despesa não documentada é aquela a que falta em absoluto o comprovativo documental (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/04/2017, proferido no processo 01320/16). A despesa é contabilizada pelo sujeito passivo sem suporte documental. Ora, esta não é manifestamente a situação dos autos em que as despesas foram registadas na contabilidade com apoio em documentos (vendas a dinheiro e faturas), o que é, aliás, reconhecido pela Recorrente, que acaba, em defesa da sua tese, por sustentar que a documentação se deve reportar à saída dos bens da empresa, designadamente quanto ao destinatário, e que se assim não acontecer, a despesa documentada deve ter-se por não documentada. Ora, falando a lei em despesa não documentada, está a reportar-se à documentação do ato pelo qual o sujeito passivo suporta a despesa que é suscetível de afetar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC, não relevando nesse âmbito a documentação do destino da despesa, ou da identificação do seu beneficiário. Despesa não documentada é uma despesa sem documento e só estas o legislador sujeitou a tributação autónoma.
Naturalmente que apesar de a despesa estar documentada e, por isso, não estar sujeita à tributação autónoma, tal não significa que passe o crivo da “indispensabilidade”, ao ponderar-se a atividade do sujeito passivo, a natureza e valor dos bens adquiridos para “oferta”, e a não identificação dos beneficiários desses bens, e seja aceite como gasto ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC (cf. o n.º 1 do citado artigo 88.º do Código do IRC), como bem entendeu o Tribunal recorrido dando nesta parte razão à Administração Tributária.

A sentença recorrida, não merece, pois, censura.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 02 de fevereiro de 2022. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.