Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0182/07
Data do Acordão:06/06/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
EXTINÇÃO DE TRIBUNAL
TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE 1 INSTÂNCIA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL
Sumário:I – A competência dos tribunais administrativos e fiscais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública, sem qualquer distinção do nível do interesse público subjacente a qualquer tipo de competência, pelo que às decisões judiciais de incompetência se aplica subsidiariamente o regime previsto no processo civil para a incompetência absoluta, mesmo à incompetência em razão do território.
II – Nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, é competente para o conhecimento de um recurso contencioso da competência de tribunais tributários de 1.ª instância, que estava pendente no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa no momento da sua extinção, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa.
Nº Convencional:JSTA00064282
Nº do Documento:SA2200706060182
Data de Entrada:03/01/2007
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO E PORTO
Recorrido 1: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA SUSCITADO ENTRE O TAF DE LISBOA
Recorrido 2:TAF DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO DE COMPETÊNCIA TAF LISBOA - TAF PORTO.
Decisão:DECL COMPETENTE TAF LISBOA.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:LPTA85 ART3 ART97 N3.
ETAF84 ART62 N1 E ART63 N1.
CPC96 ART101 ART102 N1 ART206 ART107 ART109 N1 ART110 N3 ART111 N1 N2 ART115 N2.
DL 325/2003 DE 2003/12/29 ART10 N1 N2 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC253/05 DE 2005/006/22.; AC STA PROC851/04 DE 2005/02/02.; AC STA PROC983/04 DE 2005/02/09.; AC STA PROC1003/04 DE 2005/02/23.; AC STA PROC854/04 DE 2005/05/04.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL 1 ED PAG215.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo vem requerer a resolução do conflito negativo de competência gerado entre o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa e o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto relativamente a um processo de recurso contencioso em matéria tributária que foi instaurado no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, antes de 1-1-2004,
O Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, para onde foi remetido processo na sequência da extinção do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, por despacho de 15-4-2004, declarou-se a incompetente em razão do território para conhecer de considerando competente o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e enviando-lhe o processo.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por despacho de 22-3-2007, declarou-se também incompetente, em razão do território, considerando competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa.
As referidas decisões transitaram em julgado (fls. 3).
A Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pronunciou-se sobre o conflito, mantendo a posição assumida no despacho em que declarou a incompetência territorial deste Tribunal.
Com dispensa de vistos, por se tratar de questão já várias vezes apreciada neste Supremo Tribunal Administrativo, vêm os autos à conferência para decidir.
2 – As decisões referidas foram proferidas num processo de recurso contencioso, na vigência do E.T.A.F. de 1984 e da L.P.T.A..
Assim, por força do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 13/2002, de 29 de Fevereiro, e do art. 5.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, são aqueles os diplomas aplicáveis.
Não havendo norma especial na L.G.T. ou no C.P.P.T. sobre conflitos de competência entre tribunais tributários (O n.º 3 do art. 97.º do C.P.P.T., estabelece que são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos os conflitos de competências entre tribunais tributários e tribunais administrativos e entre órgãos da administração tributária do governo central, dos governos regionais e das autarquias locais), há que fazer apelo às normas do E.T.A.F. de 1984 e da L.P.T.A., por força do disposto no art. 2.º, alínea c), do C.P.P.T..
A L.P.T.A. remete, no seu art. 97.º, para o disposto na lei de processo civil, no que não está expressamente regulado nos artigos seguintes.
Nos termos do n.º 2 do art. 115.º do C.P.C. «há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão».
É isso que ocorre no caso em apreço e, por isso, não pode deixar de entender-se que se está perante um conflito de competência que importa resolver.
Como já foi decidido por este Supremo Tribunal Administrativo em vários arestos, não tem aplicação no contencioso tributário (e também no contencioso administrativo) o regime do art. 111.º, n.º 2, do CPC, em que se estabelece que «a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada».(Neste sentido, pode ver-se, por exemplo, o acórdão de 22-6-2005, recurso n.º 253/05.)
Com efeito, no C.P.C. prevêem-se regimes distintos para incompetência absoluta (competência internacional, em razão da hierarquia e em razão da matéria) e para a incompetência relativa (em razão do valor ou do território).
O regime da incompetência absoluta caracteriza-se por
a) ser sempre de conhecimento oficioso (art. 102.º, n.º 1, do C.P.C.);
b) poder ser conhecida até ao trânsito em julgado da sentença proferida sobre o fundo da causa (art. 102.º, n.º 1, do C.P.C.);
c) a decisão sobre incompetência absoluta do tribunal, embora transite em julgado, não tem valor algum fora do processo em que foi proferida, salvo nos casos de incompetência em razão da matéria e da hierarquia em que a decisão seja proferida pelo S.T.J. ou pelo Tribunal dos Conflitos (arts. 106.º e 107.º do C.P.C.).
O regime da incompetência relativa é o seguinte:
a) nem sempre é de conhecimento oficioso (arts. 109.º, n.º 1, e 110.º do C.P.C.);
b) não pode ser conhecida até ao trânsito em julgado da sentença, podendo, em regra, ser arguida apenas pelo réu até ao termo do prazo para a contestação (art. 109.º, n.º 1) ou ser suscitada pelo tribunal, quando for de conhecimento oficioso, até ao despacho saneador, ou, quando ele não existir, até ao primeiro despacho subsequente aos articulados, excepto no que concerne à incompetência do tribunal singular, por o julgamento da causa competir a tribunal colectivo, que pode ser suscitada pelas partes ou oficiosamente conhecida até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento (art. 110.º do C.P.C.);
c) a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada (art. 111.º do C.P.C.).
A justificação para a distinção, no domínio do processo civil, entre os regimes da incompetência absoluta e da incompetência relativa, previstos nos arts. 101.º e seguintes do C.P.C., assenta na natureza das normas de competência: se a violação é de normas de interesse e ordem pública a incompetência é absoluta; se se trata de violação de meras normas de interesse e ordem particular a incompetência é relativa (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 215.).
É precisamente a natureza diferente dessas normas de competência, no domínio do processo civil, que está subjacente ao regime do art. 100.º, em que se estabelece que «as regras de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 110.º».
É certo que, neste art. 110.º se prevêem algumas situações em que a apreciação da incompetência relativa é de conhecimento oficioso o que, aliado à proibição de afastamento convencional da competência, revela que algumas regras de competência em razão do território serão também de ordem pública.
No entanto, as normas de competência em razão do território que são de ordem pública serão apenas essas expressamente referidas no art. 110.º e, mesmo em relação a estas, o interesse público subjacente será de segunda ordem, uma vez que se fazem limitações à possibilidade de conhecimento oficioso, que só pode ser efectuado até ao despacho saneador ou, se ele não existir, até ao primeiro despacho subsequente ao termos dos articulados (art. 110.º, n.º 3, do C.P.C.) ou, no caso de se tratar de incompetência do tribunal singular, por o julgamento da causa competir a tribunal colectivo, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.
Porém, no contencioso administrativo prevê-se no art. 3.º da L.P.T.A. que «a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria».
Em face da referida razão da distinção entre os regimes da incompetência absoluta e da incompetência relativa, esta afirmação do interesse de ordem pública generalizado das regras de competência, sem qualquer distinção entre interesses de primeira e segunda ordem, tem de ser interpretada como sendo uma manifestação legislativa da intenção de aplicar a todos os tipos de incompetência o regime da incompetência absoluta.
Por isso, é de afastar a aplicabilidade à situação em apreço, do regime previsto no art. 111.º, n.º 1, do C.P.C..
3 – Nos termos do art. 62.º, n.º 1, alínea e) e 63.º, n.º 1, do E.T.A.F. os recursos de actos administrativos relativos a questões fiscais para cujo conhecimento não sejam competentes o Supremo Tribunal Administrativo ou o Tribunal Central Administrativo são da competência do tribunal da área da autoridade que praticou o acto.
No momento em que foi interposto o recurso contencioso, era competente para tal o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, por ser em Lisboa a sede da Direcção-Geral de Impostos.
O Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa foi extinto, nos termos do art. 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, com a entrada em funcionamento do novo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, na sequência da Portaria n.º 1418/2003, de 30 de Dezembro.
De harmonia com o disposto nos n.ºs 2 e 3 daquele art. 10.º, «os livros, processos e papéis findos, assim como os que se encontrem pendentes em cada tribunal tributário de 1.ª instância à data da respectiva extinção, transitam para o novo tribunal tributário da correspondente área de jurisdição» e «os processos pendentes nos juízos tributários de Lisboa e Porto são redistribuídos pelos Tribunais Tributários de Lisboa, de Loures e de Sintra, e do Porto e de Penafiel, respectivamente, de acordo com as novas regras de competência territorial».
Assim, resulta claramente destas normas que não há qualquer viabilidade legal de processos do extinto Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa serem redistribuídos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que seria competente à face das novas regras de competência territorial, pois todos os processos que existiam naquele primeiro Tribunal apenas podem transitar para os Tribunais Tributários de Lisboa, de Loures e de Sintra.
Neste sentido tem decidido uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 2-2-2005, proferido no recurso n.º 851/04;
– de 2-2-2005, proferido no recurso n.º 853/04;
– de 9-2-2005, proferido no recurso n.º 983/04;
– de 23-2-2005, proferido no recurso n.º 1003/04;
– de 4-5-2005, proferido no recurso n.º 854/04;
– de 22-6-2005, recurso n.º 253/05.
Termos em que acordam neste Secção do Contencioso Tributário em decidir o presente conflito no sentido de ser territorialmente competente para o conhecimento do recurso contencioso o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Junho de 2007. – Jorge de Sousa (relator) – Baeta de Queiroz – Pimenta do Vale.