Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01397/04.9BEPRT |
Data do Acordão: | 10/27/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | ESTATUTO BENEFÍCIOS FISCAIS DIVIDENDOS LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO |
Sumário: | I - Os artigos 63.º e 65.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à prática fiscal de um Estado-Membro segundo a qual, para efeitos da determinação da matéria colectável do imposto sobre o rendimento de um contribuinte, os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação no mercado bolsista desse Estado-Membro só contam por 50% do seu montante, ao passo que os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação nos mercados bolsistas dos outros Estados-Membros são tomados em conta na totalidade. II – Do artigo 31.º do EBF não pode resultar uma diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacionais e os que o sejam das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa de outros países da União Europeia. Ambos têm de beneficiar do mesmo regime fiscal mais favorável consagrado naquela norma do EBF, em conformidade com as regras dos artigos 63.º e 65.º do TFUE. |
Nº Convencional: | JSTA00071286 |
Nº do Documento: | SA22021102701397/04 |
Data de Entrada: | 01/07/2019 |
Recorrente: | A................... |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF PORTO |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR FISC |
Área Temática 2: | EBF |
Legislação Nacional: | EBF (red. L39-B/94, de 27/12) ART 31.º |
Legislação Comunitária: | TFUE ART 63.º TFUE ART 65.º |
Jurisprudência Internacional: | AC TJUE 29/04/2021 PROC C-480/19 AC TJUE 09/09/2021 PROC C-449/20 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A…………….., S.A., com os sinais dos autos, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 29 de Junho de 2018, na parte em que a sua impugnação foi julgada improcedente. 2. A Impugnante e aqui Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] i. Sem prejuízo de a Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial da impugnação judicial em apreço, importa salientar o seguinte: ii. O presente recurso pretende contestar a decisão do Tribunal a quo por erro de julgamento na matéria de Direito apenas relativamente à questão da dedução ao resultado líquido respeitante aos períodos de 1999 e 2000 de dividendos auferidos com as ações estrangeiras, nos termos do artigo 31.º do EBF, com a redação à época dos factos, nomeadamente, porque considerou que a dedutibilidade aí prevista apenas se aplica aos dividendos auferidos com ações admitidas à negociação de bolsa portuguesa, excluindo a dedução aos dividendos auferidos com ações admitidas à negociação de bolsa estrangeira; iii. As normas fiscais devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais da hermenêutica jurídica, isto é, aplicando os critérios previstos no artigo 9.º do Código Civil; iv. O que significa que a letra da Lei tem de ser a principal referência e ponto de partida de (qualquer) intérprete e que nas Leis há uma racionalidade operante que o intérprete deve esforçar-se por reconstruir: v. Na interpretação não se pode transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado ou destrinça que não se encontra expressa; vi. Neste sentido, se na norma e no seu preâmbulo não existe qualquer referência à origem dos dividendos (ações nacionais ou estrangeiras), não pode o intérprete efetuar tal distinção; vii. Além do mais, qualquer distinção nesse sentido mostrar-se-ia contrária ao Direito da União Europeia, no caso de ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa comunitários, viii. Pois, faz depender a aplicação do benefício fiscal da origem nacional da ação em clara violação do princípio da livre circulação de capitais (artigos 63.º e seguintes do TFUE), ix. Bem como em clara violação do princípio da neutralidade na exportação de capitais, pois estar-se-ia a privilegiar fiscalmente o residente fiscal que obtém rendimentos em território nacional em detrimento daquele que obtém rendimentos no exterior; x. Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida não fez um correto enquadramento das normas que constituem o fundamento jurídico aqui em causa (artigo 31.º do EBF), pois o Tribunal a quo concluiu que o benefício fiscal previsto no artigo 31.º do EBF apenas é aplicável aos dividendos auferidos em ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacional, sem que da letra da Lei e do seu preâmbulo decorra esse sentido; xi. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, por conseguinte, o pedido subjacente à impugnação judicial em apreço, relativamente a esta questão, deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais. Pedido: Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada totalmente procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA! «[…] 3. Não foram produzidas contra-alegações.
4. O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, tendo em conta que a “(…) “ratio legis” que norteia o disposto no artigo 31.º do E.B.F. consiste em estabelecer uma medida que visa incentivar o mercado de capitais, na bolsa portuguesa.”
5. Por acórdão de 1 de Julho de 2020, este Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao TJUE a seguinte questão: «[…] É violador da liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E., que, nos termos dos artigos 31.º e 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), liquidado à recorrente quanto a 1999 e 2000, sejam dedutíveis a 50% os dividendos obtidos nas bolsas nacionais (portuguesas) e entender-se excluído da dita dedução os dividendos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia? […]».
6. Por acórdão de 9 de Setembro de 2021, o TJUE, no processo C-449/20, esclareceu o seguinte: «[…] Os artigos 63.º e 65.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à prática fiscal de um Estado-Membro segundo a qual, para efeitos da determinação da matéria colectável do imposto sobre o rendimento de um contribuinte, os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação no mercado bolsista desse Estado-Membro só contam por 50% do seu montante, ao passo que os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação nos mercados bolsistas dos outros Estados-Membros são tomados em conta na totalidade. […]».
7. Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o teor do acórdão do TJUE antes mencionado, nada disseram.
II. Fundamentação III - 1.1 - Correcções à matéria tributável - IRC III - 1.1.1 - Benefícios Fiscais O sujeito passivo considerou no cálculo da dedução para eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos Imposto sobre Sucessões e Doações (ISD). Da análise efectuada ao Mapa de Reintegrações e Amortizações do Exercício mod. 32 constatou-se que o sujeito passivo não acresceu no Q07 da Decl. Rendim. mod. 22 o montante de 284,84 € (57.105$00). Da análise efectuada ao Mapa de Provisões mod. 30 e aos demais elementos fornecidos pelo sujeito passivo, verificou-se a existência de um reforço da provisão para créditos de cobrança duvidosa, no montante de 20.256.510$00, reflectido na conta de custos 691213 – Outros devedores, contudo foi apenas acrescido pelo sujeito passivo, no Q07/C208 da Declaração de Rendimentos mod. 22, o montante de 20.000.000$00. III - 2 - Exercício de 2000 III - 2.1 - Correcções à matéria tributável - IRC III - 2.1.1 - Benefícios Fiscais Da análise efectuada ao Mapa de Reintegrações e Amortizações do Exercício mod. 32 constatou-se que o sujeito passivo não acresceu no Q07 da Decl. Rend. mod. 22 o montante de 14,95 € (2.997$00). Este valor refere-se ao apuramento de reintegrações praticadas para além do período máximo de vida útil, relativamente a máquinas não especificadas (código 2295 da Tabela II do Dec. Reg. 2/90, de 12 de Janeiro) pertencentes ao imobilizado corpóreo do sujeito passivo, procedendo-se, deste modo, ao acréscimo ao resultado fiscal declarado o montante citado nos termos da alínea d), do n.° 1 do artigo 32.° do CIRC. - Ver Anexo 2 Da análise efectuada à conta 6811411 - Patroc./Eventos, verificou-se não existir suporte documental legal para o montante de 374,10 f (75.000$00) referente a um patrocínio. Deste modo, o montante citado por se tratar de despesas não documentadas, conforme previsto na alínea h) do n.° 1 do artigo 41.º do CIRC, foi acrescido ao resultado tributável declarado, nos termos do artigo 23.0 do mesmo código. - Ver Anexo 5 Da correcção efectuada no ponto 2.1.7 deste relatório no montante de 75.000$00, por consubstanciar-se com despesas confidenciais fica sujeito à tributação autónoma de 32% nos termos do Decreto-lei n.° 192/90, de 9 de Junho, actualizado pela Lei n.° 3- B/00, de 4 de Abril (OE para 2000), pelo que se apurou imposto em falta no valor de 119,71 € (24.000$00). Foram validados os saldos, constantes no balancete sintético, das contas referentes a viaturas ligeiras de passageiros, tendo sido detectado que o sujeito passivo não levou em conta para o apuramento da tributação autónoma dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros o valor de - 1.955.492$00, relativo a “rendas e alugueres de automóveis” contabilizado na conta 68108200 (saldo 14.523.727$00), contrariando o disposto no DL n.° 192/90, de 9.06, actualizado pela Lei n.° 3-B/00, de 04.04 (OE 2000). – relatório de fls 45 e seguintes dos autos;
2. De direito: Isto significa que as diferenças de tratamento criadas ao abrigo da referida alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE só serão conformes com a norma se “respeitarem a situações que não sejam comparáveis objectivamente ou que sejam justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral”, em linha com a jurisprudência firmada no acórdão Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö, de 29 de Abril de 2021, no processo C-480/19. O acórdão do TJUE proferido no âmbito do presente reenvio prejudicial analisou, primeiro, a previsão normativa do artigo 31.º do EBF e concluiu que entre um contribuinte que procede a investimentos em acções admitidas à negociação no mercado bolsista português e outro que procede a investimentos em acções admitidas à negociação em mercados bolsistas estrangeiros, investimentos dos quais, segundo aquela disposição do EBF, resulte uma situação em que apenas os primeiros beneficiam da isenção sobre os dividendos obtidos, determina que estamos perante uma diferença de tratamento entre situações objectivamente comparáveis, o que significa que essa diferença de tratamento não é juridicamente sustentável ao abrigo do artigo 65.º, n.º 1, al. a) do TFUE, de acordo com a interpretação fixada no referido acórdão Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö. Em segundo lugar, o acórdão emitido neste processo de reenvio analisa se a finalidade de “incentivar e desenvolver o mercado bolsista português” pode ser qualificada como “uma razão imperiosa de interesse geral” que legitime a medida. E concluiu, primeiro, que a medida contemplada no artigo 31.º do EBF esvazia o conteúdo do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE, e, segundo, que um Estado-membro não pode, no exercício da sua autonomia fiscal, adoptar uma medida de natureza puramente económica que restrinja uma liberdade fundamental do Tratado, como é a liberdade de circulação de capitais. E acrescenta ainda que o Estado português não apresentou qualquer argumento que permitisse justificar que, se o benefício fosse aplicável a todos os dividendos, a finalidade de promoção do mercado bolsista português seria afectada.
III. Decisão: Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular o acto de liquidação adicional de IRC do exercício de 1999 e 2000 (liquidação nº 2003 8310011058 e 2003 8310011056), na parte em que o mesmo ainda subsistia. * * Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - José Gomes Correia. |