Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01397/04.9BEPRT
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:ESTATUTO
BENEFÍCIOS FISCAIS
DIVIDENDOS
LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO
Sumário:I - Os artigos 63.º e 65.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à prática fiscal de um Estado-Membro segundo a qual, para efeitos da determinação da matéria colectável do imposto sobre o rendimento de um contribuinte, os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação no mercado bolsista desse Estado-Membro só contam por 50% do seu montante, ao passo que os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação nos mercados bolsistas dos outros Estados-Membros são tomados em conta na totalidade.
II – Do artigo 31.º do EBF não pode resultar uma diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacionais e os que o sejam das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa de outros países da União Europeia. Ambos têm de beneficiar do mesmo regime fiscal mais favorável consagrado naquela norma do EBF, em conformidade com as regras dos artigos 63.º e 65.º do TFUE.
Nº Convencional:JSTA00071286
Nº do Documento:SA22021102701397/04
Data de Entrada:01/07/2019
Recorrente:A...................
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC
Área Temática 2:EBF
Legislação Nacional:EBF (red. L39-B/94, de 27/12) ART 31.º
Legislação Comunitária:TFUE ART 63.º
TFUE ART 65.º
Jurisprudência Internacional:AC TJUE 29/04/2021 PROC C-480/19
AC TJUE 09/09/2021 PROC C-449/20
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I. Relatório

1. A…………….., S.A., com os sinais dos autos, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 29 de Junho de 2018, na parte em que a sua impugnação foi julgada improcedente.


2. A Impugnante e aqui Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]
i. Sem prejuízo de a Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial da impugnação judicial em apreço, importa salientar o seguinte:
ii. O presente recurso pretende contestar a decisão do Tribunal a quo por erro de julgamento na matéria de Direito apenas relativamente à questão da dedução ao resultado líquido respeitante aos períodos de 1999 e 2000 de dividendos auferidos com as ações estrangeiras, nos termos do artigo 31.º do EBF, com a redação à época dos factos, nomeadamente, porque considerou que a dedutibilidade aí prevista apenas se aplica aos dividendos auferidos com ações admitidas à negociação de bolsa portuguesa, excluindo a dedução aos dividendos auferidos com ações admitidas à negociação de bolsa estrangeira;
iii. As normas fiscais devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais da hermenêutica jurídica, isto é, aplicando os critérios previstos no artigo 9.º do Código Civil;
iv. O que significa que a letra da Lei tem de ser a principal referência e ponto de partida de (qualquer) intérprete e que nas Leis há uma racionalidade operante que o intérprete deve esforçar-se por reconstruir:
v. Na interpretação não se pode transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado ou destrinça que não se encontra expressa;
vi. Neste sentido, se na norma e no seu preâmbulo não existe qualquer referência à origem dos dividendos (ações nacionais ou estrangeiras), não pode o intérprete efetuar tal distinção;
vii. Além do mais, qualquer distinção nesse sentido mostrar-se-ia contrária ao Direito da União Europeia, no caso de ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa comunitários,
viii. Pois, faz depender a aplicação do benefício fiscal da origem nacional da ação em clara violação do princípio da livre circulação de capitais (artigos 63.º e seguintes do TFUE),
ix. Bem como em clara violação do princípio da neutralidade na exportação de capitais, pois estar-se-ia a privilegiar fiscalmente o residente fiscal que obtém rendimentos em território nacional em detrimento daquele que obtém rendimentos no exterior;
x. Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida não fez um correto enquadramento das normas que constituem o fundamento jurídico aqui em causa (artigo 31.º do EBF), pois o Tribunal a quo concluiu que o benefício fiscal previsto no artigo 31.º do EBF apenas é aplicável aos dividendos auferidos em ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacional, sem que da letra da Lei e do seu preâmbulo decorra esse sentido;
xi. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, por conseguinte, o pedido subjacente à impugnação judicial em apreço, relativamente a esta questão, deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada totalmente procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!
«[…]

3. Não foram produzidas contra-alegações.

4. O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, tendo em conta que a “(…) “ratio legis” que norteia o disposto no artigo 31.º do E.B.F. consiste em estabelecer uma medida que visa incentivar o mercado de capitais, na bolsa portuguesa.”

5. Por acórdão de 1 de Julho de 2020, este Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao TJUE a seguinte questão:

«[…]

É violador da liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E., que, nos termos dos artigos 31.º e 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), liquidado à recorrente quanto a 1999 e 2000, sejam dedutíveis a 50% os dividendos obtidos nas bolsas nacionais (portuguesas) e entender-se excluído da dita dedução os dividendos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia?

[…]».

6. Por acórdão de 9 de Setembro de 2021, o TJUE, no processo C-449/20, esclareceu o seguinte:

«[…]

Os artigos 63.º e 65.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à prática fiscal de um Estado-Membro segundo a qual, para efeitos da determinação da matéria colectável do imposto sobre o rendimento de um contribuinte, os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação no mercado bolsista desse Estado-Membro só contam por 50% do seu montante, ao passo que os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação nos mercados bolsistas dos outros Estados-Membros são tomados em conta na totalidade.

[…]».

7. Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o teor do acórdão do TJUE antes mencionado, nada disseram.


Cumpre apreciar e decidir

II. Fundamentação


1.De facto.

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria factual:

1) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção efetuada em cumprimento das ordens de serviço n.º 02/01/273 e 02//1/274, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto relativa ao exercício de 1999 e 2000, da qual resultaram correções ao resultado fiscal desse exercício, no montante de € 5.055,88 (ano de 1999) e € 15.816,85 (ano de 2000), no total de € 20.872,73 – fls 45 e seguintes dos autos;
2) Tais correções, além de outras, consistiram na não aceitação como custo fiscal do exercício da provisão para créditos de cobrança duvidosa no montante de €1.253,35 e € 27.050,71 (ano de 1999 e 2000 respetivamente) e de correções à matéria coletável no valor de €10.196,54 (ano de 1999) e € 13.406,62 (ano de 2000) – fls 45 e seguintes dos autos;
3) A fundamentação de tal correção consta do relatório de inspeção tributária junto a fls. 45 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e onde se escreveu, designadamente, o seguinte:
“(...) III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E APURAMENTO DO IMPOSTO EM FALTA
As áreas contabilístico-fiscais inspeccionadas de acordo com os procedimentos em uso e com a profundidade considerada adequada nas circunstâncias, deram origem às seguintes correcções:
III - 1 - Exercício de 1999

III - 1.1 - Correcções à matéria tributável - IRC III - 1.1.1 - Benefícios Fiscais
10.778,46 € (2.160.888$15), montante a corrigir a favor da Administração Fiscal a seguir discriminado: - Ver Anexo 1
10.196,54 € (2.044.222$75) - Da análise efectuada à base de cálculo dos rendimentos que beneficiam da dedução prevista para as acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa, nos termos do artigo 31.º do EBF, verificou-se que o sujeito passivo considerou os dividendos brutos auferidos com acções portuguesas e com acções estrangeiras.
No entanto, tendo em consideração o conceito de benefício fiscal, e uma vez que o benefício em causa foi criado com o objectivo de dinamizar o mercado bolsista nacional, só deveriam ter sido considerados os dividendos auferidos com as acções admitidas à negociação na bolsa de valores nacional, pelo que se procedeu à correcção do montante elencado, ao abrigo do preceito legal citado;
471,25 € (99.477$60) - No apuramento do lucro tributável declarado foi considerado como benefício o rendimento total obtido com o Título de Participação CPP/89 e não os 20% do rendimento obtido, conforme estipula o artigo 4.° do Dec-Lei n.° 215/89, pelo que se acresce o seu diferencial;
10,92 € (2.188$80), valor referente ao benefício indevidamente calculado sobre o Rendimento do Título de Dívida Pública Externo 1ª Série - 1902. Dado que este título foi emitido antes de 1989 não se enquadra no artigo 2.° do DL n.° 143-A/89.
99,75 € (19.998$00), montante referente ao erro efectuado pelo sujeito passivo no preenchimento do Q07/C234 da Declaração de Rendimentos Mod. 22.
III - 1.1.2 - Eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos

O sujeito passivo considerou no cálculo da dedução para eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos Imposto sobre Sucessões e Doações (ISD).
Como nos termos do n.° 1 e 2 do artigo 45.° do CIRC a eliminação prevista tem por base rendimentos líquidos de ISD reapurou-se o seu cálculo ascendendo a 1.385.943$29.
Assim, o benefício a que o sujeito passivo tem direito é no montante de 1.316.646$12 e não de 1.428.700$00, pelo que, nos termos do preceito legal citado corrigiu-se a diferença no montante de 558,92 € (112.053$88). - Ver Anexo 1
III - 1.1.3 - Reintegrações e amortizações do exercício

Da análise efectuada ao Mapa de Reintegrações e Amortizações do Exercício mod. 32 constatou-se que o sujeito passivo não acresceu no Q07 da Decl. Rendim. mod. 22 o montante de 284,84 € (57.105$00).
Este valor refere-se ao apuramento de reintegrações praticadas para além do período máximo de vida útil, relativamente a artigos de conforto e decoração (código 2400 da Tabela II anexa ao Dec. Reg. 2/90, de 12 de Janeiro) pertencentes ao imobilizado corpóreo do sujeito passivo, procedendo-se, deste modo, ao acréscimo ao resultado fiscal declarado da correcção citada nos termos da alínea d), do n.° 1 do artigo 32.° do CIRC. - Ver Anexo 2
III.1.1.1 - Provisões não dedutíveis

Da análise efectuada ao Mapa de Provisões mod. 30 e aos demais elementos fornecidos pelo sujeito passivo, verificou-se a existência de um reforço da provisão para créditos de cobrança duvidosa, no montante de 20.256.510$00, reflectido na conta de custos 691213 – Outros devedores, contudo foi apenas acrescido pelo sujeito passivo, no Q07/C208 da Declaração de Rendimentos mod. 22, o montante de 20.000.000$00.
O diferencial de 256.510$00 é constituído por provisões para cheques sem provisão em processo judicial (5.236$00, registados na subconta 6912131 – Outros créditos) e mediadores (251.274$00, registados na subconta 6912130 – actividade normal).
Esta provisão (mediadores), não se enquadra no âmbito da alínea a) do nº1 do art. 33º do CIRC, porque o que está em causa é a dívida do mediador para com a empresa. Os clientes desde que procedam ao pagamento atempado dos prémios ao mediador, liberam-se de tal obrigação perante a seguradora e o contrato de seguro mantém-se de igual modo vigente, donde se conclui que não se está em presença de créditos de cobrança duvidosa quando o mediador não entrega à seguradora os prémios cobrados. Assim, como os referidos créditos não pertencem aos tomadores de seguro da A´…………., não podem os mesmos integrar a base de cálculo da provisão para créditos de cobrança duvidosa, por contrariarem o preceituado legal referido, pelo que se corrige o montante de 1.256,35€ (251.274400), nos termos da alínea h) do n° 1 do artigo 23° do CIRC.
(...)

III - 2 - Exercício de 2000

III - 2.1 - Correcções à matéria tributável - IRC III - 2.1.1 - Benefícios Fiscais
Da análise efectuada à base de cálculo dos rendimentos que beneficiam da dedução prevista para as acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa, nos termos do artigo 31.º do EBF, verificou-se que o sujeito passivo considerou os dividendos brutos auferidos com acções portuguesas e com acções estrangeiras.
No entanto, tendo em consideração o conceito de benefício fiscal, e uma vez que o benefício em causa foi criado com o objectivo de dinamizar o mercado bolsista nacional, só deveriam ter sido considerados os dividendos auferidos com as acções admitidas à negociação na bolsa de valores nacional, pelo que se procedeu à correcção do montante de 13.406,62 € (2.687.785$80), ao abrigo do preceito legal citado. - Ver Anexo 7
III - 2.1.2 - Eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos
O sujeito passivo levou em conta no cálculo da dedução para eliminar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos Imposto sobre Sucessões e Doações (ISD) e dividendos distribuídos por entidades não residentes.
Como, nos termos do n.° 1 e 2 do artigo 45.° do CIRC, a eliminação prevista tem por base lucros distribuídos por entidades com sede e direcção efectiva em território nacional líquidos de ISD reapurou-se o seu cálculo ascendendo a 3.477.090$00.
Assim, o benefício a que o sujeito passivo tem direito é no montante de 3.303.235$50 e não de 6.690.284$37, pelo que, nos termos do preceito legal citado corrigiu-se a diferença no montante de 16.894,53 € (3.387.048$87). - Ver Anexo 7
III - 2.1.3 - Reintegrações e amortizações do exercício

Da análise efectuada ao Mapa de Reintegrações e Amortizações do Exercício mod. 32 constatou-se que o sujeito passivo não acresceu no Q07 da Decl. Rend. mod. 22 o montante de 14,95 € (2.997$00). Este valor refere-se ao apuramento de reintegrações praticadas para além do período máximo de vida útil, relativamente a máquinas não especificadas (código 2295 da Tabela II do Dec. Reg. 2/90, de 12 de Janeiro) pertencentes ao imobilizado corpóreo do sujeito passivo, procedendo-se, deste modo, ao acréscimo ao resultado fiscal declarado o montante citado nos termos da alínea d), do n.° 1 do artigo 32.° do CIRC. - Ver Anexo 2
III - 2.1.6 - Erros efectuados pelo Sujeito Passivo no preenchimento da Decl. Rendim. Mod. 22
O sujeito passivo inscreveu no Q07/C237, incorrectamente o montante de 105.045.593$00, referente ao apuramento das valias potenciais e dos contratos de locação financeira. O valor correcto a inscrever é de 104.775.593$00, conforme justificação apresentada pelo Sujeito Passivo, pelo que foi acrescido ao lucro tributável declarado o montante de 1.346,75 € (270.000$00) nos termos do n.° 1 do artigo 17.° do CIRC.
III - 2.1.7 - Patrocínios e Eventos

Da análise efectuada à conta 6811411 - Patroc./Eventos, verificou-se não existir suporte documental legal para o montante de 374,10 f (75.000$00) referente a um patrocínio. Deste modo, o montante citado por se tratar de despesas não documentadas, conforme previsto na alínea h) do n.° 1 do artigo 41.º do CIRC, foi acrescido ao resultado tributável declarado, nos termos do artigo 23.0 do mesmo código. - Ver Anexo 5
III - 2.2 - Imposto em falta - IRC III - 2.2.1 - Tributação Autónoma
III - 2.2.1.1 - Despesas não documentadas

Da correcção efectuada no ponto 2.1.7 deste relatório no montante de 75.000$00, por consubstanciar-se com despesas confidenciais fica sujeito à tributação autónoma de 32% nos termos do Decreto-lei n.° 192/90, de 9 de Junho, actualizado pela Lei n.° 3- B/00, de 4 de Abril (OE para 2000), pelo que se apurou imposto em falta no valor de 119,71 € (24.000$00).
III - 2.2.1.2 - Encargos com viaturas ligeiras de passageiros

Foram validados os saldos, constantes no balancete sintético, das contas referentes a viaturas ligeiras de passageiros, tendo sido detectado que o sujeito passivo não levou em conta para o apuramento da tributação autónoma dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros o valor de - 1.955.492$00, relativo a “rendas e alugueres de automóveis” contabilizado na conta 68108200 (saldo 14.523.727$00), contrariando o disposto no DL n.° 192/90, de 9.06, actualizado pela Lei n.° 3-B/00, de 04.04 (OE 2000).
Assim, foi reapurado o cálculo da tributação autónoma dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, obtendo-se o valor de 2.704.376$96, pelo que existe uma correcção a favor da Administração Fiscal no montante de 624,26 € (125.151$96), nos termos do preceito legal citado, uma vez que o sujeito passivo apenas acresceu, o montante de 2.579.225$00, no Ql0/C365 da Declaração de Rendimentos Mod.22. - Ver Anexo 8
(..)”

relatório de fls 45 e seguintes dos autos;

4) Através do ofício nº 2596 de 11-06-2003 o impugnante foi notificado do relatório de inspeção tributária – fls 44 dos autos;
5) No seguimento, a Administração Fiscal emitiu a liquidação de IRC n.º 2003 8310011058 e 2003 8310011056, referentes ao ano de 1999 e 2000, de que resultou um valor de imposto a reembolsar de € 92.107,83 - cfr. fls. 26 e 27 dos autos.
6) A impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações indicadas em 5) em 25-09-2003 – fls 28 dos autos;
7) A presente impugnação foi apresentada em 21-06-2004 – fls 2 dos autos.

2. De direito:

2.1. No recurso aqui em apreço, tal como se destacou no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Julho de 2020, impunha-se saber se a sentença do TAF do Porto tinha errado na parte em que deu razão à AT quanto à interpretação do artigo 31.º do EBF no sentido de excluir daquele benefício fiscal os dividendos referentes às acções admitidas à negociação em bolsas de valores estrangeiras, incluindo europeias.

2.1.1. A norma em crise – o artigo 31.º do EBF, na redacção da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro – dispunha, à data (1999 e 2000), o seguinte: “Os dividendos distribuídos das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa contam apenas por 50% do seu quantitativo para fins de IRS ou de IRC”.
E a AT fundamentava a sua interpretação – no sentido de excluir do âmbito deste benefício fiscal os dividendos referentes às acções admitidas à negociação em bolsas de valores estrangeiras, incluindo europeias – da seguinte forma “o benefício em causa foi criado com o objectivo de dinamizar o mercado bolsista nacional” e, por isso, “só deveriam ter sido considerados os dividendos auferidos com as acções admitidas à negociação na bolsa de valores nacional”.

2.1.2. O alegado erro de direito vinha suportado pelo Recorrente em dois argumentos: i) erro na interpretação jurídica do disposto no artigo 31.º do EBF; e ii) violação das regras do direito europeu, incluindo dos artigos 63.º e 65.º do TFUE, em matéria de livre circulação de capitais.

2.1.3. Com o intuito de esclarecer a conformidade da interpretação da norma do direito interno (o artigo 31.º do EBF) com as normas do direito europeu, este STA decidiu, no já mencionado aresto de 1 de Julho de 2020, suspender a instância e formular ao TJUE a seguinte questão prévia: “É violador da liberdade de circulação de capitais a que se referem os artigos 63.º e segs. do T.F.U.E., que, nos termos dos artigos 31.º e 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e para efeitos de imposto sobre as pessoas colectivas (IRC), liquidado à recorrente quanto a 1999 e 2000, sejam dedutíveis a 50% os dividendos obtidos nas bolsas nacionais (portuguesas) e entender-se excluído da dita dedução os dividendos auferidos nas demais bolsas de países da União Europeia?”.

2.1.4. Em resposta vertida no acórdão de 9 de Setembro de 2021 (proc. C-449/20), o TJUE esclareceu que “Os artigos 63.º e 65.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à prática fiscal de um Estado-Membro segundo a qual, para efeitos da determinação da matéria colectável do imposto sobre o rendimento de um contribuinte, os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação no mercado bolsista desse Estado-Membro só contam por 50% do seu montante, ao passo que os dividendos auferidos com acções admitidas à negociação nos mercados bolsistas dos outros Estados-Membros são tomados em conta na totalidade”.


2.1.5. E fundamentou esta conclusão no facto de “uma prática segundo a qual o tratamento fiscal vantajoso de dividendos estar sujeito ao requisito de as acções geradoras desses dividendos estarem admitidas à negociação no mercado bolsista nacional conduzir, pela própria natureza desse requisito, a que os investimentos em sociedades residentes fossem favorecidos e, portanto, os investimentos em sociedades não residentes fossem desfavorecidos”. E ainda, na circunstância de a alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, que admite derrogações ao princípio da livre circulação de capitais, ter de ser interpretada e aplicada em conformidade com o disposto no artigo 65.º, n.º 3 do TFUE, de onde resulta que aquela norma não é fonte habilitadora de um meio de discriminação arbitrária, a qual é expressamente proibida.

Isto significa que as diferenças de tratamento criadas ao abrigo da referida alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE só serão conformes com a norma se “respeitarem a situações que não sejam comparáveis objectivamente ou que sejam justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral”, em linha com a jurisprudência firmada no acórdão Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö, de 29 de Abril de 2021, no processo C-480/19.

O acórdão do TJUE proferido no âmbito do presente reenvio prejudicial analisou, primeiro, a previsão normativa do artigo 31.º do EBF e concluiu que entre um contribuinte que procede a investimentos em acções admitidas à negociação no mercado bolsista português e outro que procede a investimentos em acções admitidas à negociação em mercados bolsistas estrangeiros, investimentos dos quais, segundo aquela disposição do EBF, resulte uma situação em que apenas os primeiros beneficiam da isenção sobre os dividendos obtidos, determina que estamos perante uma diferença de tratamento entre situações objectivamente comparáveis, o que significa que essa diferença de tratamento não é juridicamente sustentável ao abrigo do artigo 65.º, n.º 1, al. a) do TFUE, de acordo com a interpretação fixada no referido acórdão Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö.

Em segundo lugar, o acórdão emitido neste processo de reenvio analisa se a finalidade de “incentivar e desenvolver o mercado bolsista português” pode ser qualificada como “uma razão imperiosa de interesse geral” que legitime a medida. E concluiu, primeiro, que a medida contemplada no artigo 31.º do EBF esvazia o conteúdo do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE, e, segundo, que um Estado-membro não pode, no exercício da sua autonomia fiscal, adoptar uma medida de natureza puramente económica que restrinja uma liberdade fundamental do Tratado, como é a liberdade de circulação de capitais. E acrescenta ainda que o Estado português não apresentou qualquer argumento que permitisse justificar que, se o benefício fosse aplicável a todos os dividendos, a finalidade de promoção do mercado bolsista português seria afectada.


2.1.6. Impõe-se, pois, assegurar a efectividade da interpretação do direito nacional em conformidade com o direito europeu à luz do acórdão do TJUE proferido na sequência do reenvio prejudicial e, em concreto, determinar que do artigo 31.º do EBF não pode resultar uma diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacionais e os que o sejam das acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa de outros países da União Europeia. Ambos têm de beneficiar do mesmo regime fiscal mais favorável consagrado naquela norma do EBF, em conformidade com as regras dos artigos 63.º e 65.º do TFUE.

2.1.6. Assim, há que revogar a sentença do TAF do Porto no segmento que vem impugnado, bem como anular a liquidação na parte que havia ficado salvaguarda por aquela decisão.

III. Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular o acto de liquidação adicional de IRC do exercício de 1999 e 2000 (liquidação nº 2003 8310011058 e 2003 8310011056), na parte em que o mesmo ainda subsistia.


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Custas pela Entidade Recorrida.
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Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - José Gomes Correia.