Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0492/16.6BELRA 0358/18
Data do Acordão:10/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:DUPLICAÇÃO DE COLECTA
Sumário:A duplicação de colecta, só ocorre, tal como definida pelo n.º 1 do art. 205.º do CPPT, «quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo», o que significa que a duplicação de colecta exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) o facto tributário ser o mesmo, ii) ser idêntica a natureza do imposto já pago e o que, de novo, se exige, iii) referirem-se ambos os impostos ao mesmo período temporal.
Nº Convencional:JSTA000P25047
Nº do Documento:SA2201910230492/16
Data de Entrada:04/11/2018
Recorrente:A......
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……….., inconformado, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Leiria) datada de 16 de Outubro de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos períodos 0909T, 0912T, 1003T, 1006T, 1009T e 1012T, respectivamente n.°s 14007658, 14007659, 14007660, 14007661, 14007662, 14007663, 14007664, 14007665, 14007666, 14007667, 14007668, 14007669, no montante total de €191.043,51.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1 — Em causa no presente recurso jurisdicional está a sentença do TAF de Leiria que, julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada pelo recorrente.
2 — Revertendo ao caso sub judice constata-se que o Senhor Juiz a quo se limitou, quanto aos factos provados e não provados, a exarar o seguinte: “Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, referidos a propósito de cada alínea do probatório.”
3 — No caso em apreço. Com efeito, ao utilizar o conceito de exclusão como mecanismo declarativo dos factos não provados o Senhor Juiz a quo delimitou, ainda que de modo bastante impreciso, o acervo de factos que considerou não provados. Por isso a fórmula utilizada permite - ainda que com pouco rigor - estabelecer com maior ou menor acerto o conjunto de factos não provados que o Mm.° juiz a quo teve em mente ao exarar a fórmula que utilizou. Isto é, ao referir-se de forma genérica aos factos não provados a sentença em crise não padece de falta de fundamentação mas apenas de deficiente exteriorização do iter cognoscitivo do julgador.
4 — Ora o vício de que padece a Douta Sentença, ora em crise, gera pois irregularidade de natureza instrutória, uma vez que se constata existir uma deficiência a este nível associada à escassa exteriorização dos factos não provados, com reflexos na própria compreensibilidade da sentença.
5 — Concluindo, verifica-se uma situação de défice instrutório impõe-se a baixa dos autos ao tribunal a quo (art.° 662.°, n.° 2, al. c), do CPC) tendo em vista a supressão da irregularidade cometida.
6 — A sentença carece de fundamentação de facto, ainda que sumária, que evidencie de molde concretizado a ponderação dos meios probatórios e o modo como, com base neles, o julgador formou a sua convicção.
7 — O que gera a nulidade da Douta Sentença.
8 — As liquidações impugnadas assentam na desconsideração das facturas emitidas pela sociedade B………...
9 — Estamos perante uma presunção dos SPIT que vem qualificada de correcção aritmética.
10 — Na realidade não estamos perante uma correcção aritmética mas sim perante uma avaliação indirecta da matéria tributável.
11 — Numa situação como esta, a informação constante do relatório dos SPIT não se encontra devidamente fundamentada, podemos mesmo dizer que, face à exigência legal, ela é manifestamente omissiva.
12 — Perante esta factualidade que atinge inapelavelmente o acto tributário, afigura-se evidente que este padece de vício de forma, por falta de fundamentação.
13 — Para além disso, o acto tributário sofre de erro quanto aos pressupostos de facto em que se baseou, porque parte de proposições erradas e insusceptíveis de justificar as conclusões retiradas pelos SPIT.
14 — Os indícios recolhidos pela administração tributária não permitirem suportar, objectivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da recorrente e proceder à liquidação em litígio.
15 — O ora impugnante apenas com a notificação do despacho de reversão teve conhecimento das liquidações, não tendo sido notificado das mesmas nem das notas de cobrança.
16 — Também a sociedade não foi validamente notificada das liquidações e notas de cobrança.
17 — Não tendo sido notificada, validamente, de tais documentos até à presente data.
18 — Ora, referindo as demonstrações de liquidação em nota a margem que “A Demonstração de Compensação e a correspondente nota de cobrança seguem em envelope separado.
19 — E estando-se perante liquidação resultante de correcções à matéria tributável precedidas de notificação para exercício do direito de audição, estava a AF legitimada ao abrigo do disposto no art° 38.°, n.°3 do CPPT a remeter as liquidações com recurso a carta registada.
20 — Para além de que a notificação da nota de cobrança não recai sobre a regra do art.° 38.º, n.°3 do CPPT, sendo requisito a notificação por carta registada com aviso de recepção (art.° 38.°, n.°1 do CPPT).
21 — O sujeito passivo não foi ainda validamente notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 102/1/2 do CIRC, da liquidação e da obrigação de proceder ao pagamento voluntário em prazo legal da importância de IRC que lhe foi liquidada.
22 — Com a notificação da liquidação (ou depois, mas nunca antes), tinha (e tem) de lhe ser fixado um prazo de 30 dias para eventual pagamento voluntário, e, também só pode contar-se o prazo ou prazos para o sujeito passivo poder reagir contra o acto tributário a partir do termo desse prazo para pagamento voluntário.
23 — Quando a DGCI proceda à liquidação de IRC por sua iniciativa, deve notificar o contribuinte, nos termos do CPPT (cfr. art. 102° do CIRC), quer da liquidação do imposto quer da compensação e da liquidação de juros, comunicando-lhe (para além dos demais requisitos da notificação) que tem 30 dias a contar da notificação para proceder voluntariamente ao pagamento.
24 — Analisado o relatório podemos verificar que atentas as datas de início e de conclusão as acções inspectivas se prolongaram além dos seis meses legalmente previstos.
25 — Embora susceptível de ser prorrogado essa eventualidade carecia de despacho fundamentado o que não aconteceu.
26 — O que só por si afecta todos os actos administrativos que lhe sucederam, incluindo as liquidações aqui impugnadas, também elas ilegais por esse motivo.
27 — A AF em sede de relatório classifica as facturas que estão na origem das liquidações adicionais de operações simuladas o que não se concede.
28 — A AF procede à liquidação adicional de IVA com base nas facturas recolhidas em sede de inspecção aos sujeitos passivos identificados nos pontos 6 e 7 do Relatório.
29 — Sucede que se no âmbito das inspecções aos sujeitos passivos identificados nos pontos 6 e 7 do Relatório as facturas foram desconsideradas e também estes sujeitos passivos foram alvo de liquidações adicionais de IVA atenta a desconsideração do IVA das facturas existe duplicação de colecta.
30 — Ora no relatório não são mencionadas as conclusões das acções de inspecção aos sujeitos passivos identificados em 6 e 7.
31— Se as facturas que estão na origem das liquidações ora impugnadas foram desconsideradas na contabilidade dos sujeitos passivos de 6 e 7, e consequentemente emitidas também para estes sujeitos passivos liquidações adicionais, tal configura uma inadmissível duplicação de colecta.
32 — Pelo que o Relatório ao não demonstrar que as facturas agora consideradas para efeitos de liquidação adicional de IVA foram efectivamente deduzidas pelos sujeitos passivos id. em 6 e 7 padece pois de falta de fundamentação.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se concluindo, “(…)A sentença recorrida não padece do vício de nulidade, por falta de fundamentação de facto, nem de erro de julgamento na apreciação das questões que lhe foram colocadas pelo impugnante e aqui Recorrente, motivo pelo qual, ainda que com outra fundamentação, se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso e mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados.(…)”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Impugnante é uma sociedade por quotas que exerce a actividade de “Transportes Rodoviários de Mercadorias”, inscrita com o CAE 49410, estando enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável, e em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral (cfr. relatório de inspecção constante a fls. 7 do Anexo 1, ao Processo Administrativo de Reclamação Graciosa (PARG) apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
B) Por sentença do 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Benavente, de 04-06-2012, foi declarada a insolvência da sociedade “B………..., Lda”, no processo que correu termos sob o n.° 712/12.6TBBNV, tendo sido proferida decisão de encerramento do mesmo em 13-10-2012 por “insuficiência de massa” (cfr. fls. 5 e 6 do Anexo 1, ao PARG apenso, idem);
C) Em 31-05-2013, foi iniciada pelos serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém, acção inspectiva externa à ora Impugnante, incidente sobre IRC e IVA referentes aos exercícios de 2009, 2010 e 2011, ao abrigo das Ordens de Serviço n.°s OI201201061, datada de 2012-07-02, OI201300137 e OI201300138, ambas datadas de 2013-01-29 (cfr. fls. 56 a 61 do Processo Administrativo Tributário (PAT) apenso, ibidem);
D) Em 31-05-2013, o Impugnante recusou-se a receber e assinar as Ordens de Serviço referidas em C), tendo as mesmas sido assinadas por 2 testemunhas (cfr. fls. 56 a 61 do Processo Administrativo Tributário (PAT) apenso, ibidem);
E) Em 04-09-2013, foi instaurado o processo de inquérito criminal n.°139/2013.2IDSTR, o qual corre termos na Instância Local — Secção Criminal — J1 de Benavente, Comarca de Santarém, e que diz respeito entre outros impostos, às liquidações de IVA dos anos de 2009 e 2010, em apreciação nos presentes autos, o qual se encontra suspenso até à decisão do presente processo e de outros respeitantes a outros sujeitos passivos (cfr. fls. 59 a 62 dos autos e 30 do PARG apenso, ibidem);
F) Em 31-10-2013, foi emitida informação pela Divisão de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, com o seguinte teor: “(...)
Assunto: Pedido de prorrogação do prazo do procedimento de inspecção nos termos do artigo 36° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 413/98 de 31 de dezembro.
Na sequência da emissão das Ordens de Serviço n°s OI201201061, OI201300137 e OI201300138, de âmbito geral, para os exercícios/períodos de 2009, 2010 e 2011, por esta Direcção de Finanças, para o sujeito passivo supra identificado, foi iniciado o procedimento inspectivo em 2013-05-31, estando ainda a decorrer o mesmo. Considerando que:
- a atividade do sujeito passivo se enquadra num setor de atividade com elevado risco de evasão fiscal, e a existência nessa actividade de indícios de operações simuladas, relativamente a alguns clientes;
- a análise da situação tributária do contribuinte, apresenta um grau de especial complexidade, atendendo ao elevado número de clientes de serviços (serviços com indícios de serem simulados) e sua dispersão geográfica;
torna-se necessário realizar procedimentos inspetivos adicionais, com o consequente dispêndio de tempo, pelo que se propõe a prorrogação das ações inspectivas, nos termos das alíneas a) e b) do n.° 3 do artigo 36.° do RCPIT, por mais três meses a contar de 2013-11-30, estando a conclusão da mesma prevista para 2014-02-28.
À consideração superior.
Santarém, 2013-10-31.
(...)” (cfr. fls. 63 do PAT apenso, ibidem);
G) Em 31-10-2013, a informação referida em F) foi sancionada por Parecer emitido pelo Chefe de Equipa, do qual resulta o seguinte:
Visto. Concordo com a proposta de prorrogação da acção inspectiva em curso, ao abrigo das Ordens de Serviço n°s OI201201061, OI201300137 e OI201300138, por mais três meses, com conclusão prevista para 28 de Fevereiro de 2014, por motivo de situação tributária de especial complexidade e ocultação dolosa de factos ou rendimentos, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 3 do artigo 36° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.
Proceda-se, para efeitos do n° 4 do mesmo artigo, à notificação do sujeito passivo.
(…)” (cfr. fls. 62 do PAT apenso, ibidem);
H) A informação e o Parecer referidos em F) e G) foram sancionados por Despacho de 31-10-2013, da Chefe de Divisão da Inspecção Tributária, por delegação de competências do Director de Finanças de Santarém (cfr. fls. 62 do PAT apenso, ibidem);
I) Por oficio n.° 6331, de 31-10-2013, da Direcção de Finanças de Santarém, enviado através de correio registado sob o n.° RM 9876 2515 7 PT, foi comunicado ao Impugnante a prorrogação da acção inspectiva referida em C) por mais 3 meses (cfr. fls. 64 do PAT apenso, ibidem);
J) Em 01-11-2013, a carta referida em I) veio devolvida ao remetente, com indicação de “recusada na morada” (cfr. fls. 65 e 66 do PAT apenso, ibidem);
K) Por ofício n.° 6993 de 04-12-2013, da Divisão de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, remetido via postal registado à sociedade “B………..., LDA”, foi dado conhecimento do seguinte: “(...)
Assunto: NOTIFICAÇÃO DE NOTAS DE DILIGÊNCIA - ORDENS DE SERVIÇO N°S OI201201061, OI201300137 E OI201300138
Em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 2° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 413/98 de 31 de dezembro, e no âmbito das Ordens de Serviço n°s OI201201061, OI201300137 e OI201300138 da Direcção de Finanças de Santarém, relativas ao procedimento inspectivo externo aos períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011, iniciado em 2013-05-31, e em face da impossibilidade de realização de notificação pessoal, nos termos do artigo 38°, n° 2 do RCPIT, notifica-se a sociedade, para os efeitos previstos no artigo 61° do RCPIT, que os atos de inspeção referentes às Ordens de Serviço supra referidas terminaram em 2013-12-04, juntando-se em anexo as respetivas Notas de Diligência.
(...)” (cfr. fls. 68 a 71 do PAT apenso, ibidem);
L) Em 13-12-2013, a carta referida em K) veio devolvida ao remetente, com indicação de “Avisado/Não Atendeu — objecto não reclamado” (cfr. fls. 72 e 73 do PAT apenso, ibidem);
M) Em 30-12-2013, em resultado da acção inspectiva referida em C), foi emitido o respectivo relatório final, do qual consta o seguinte: “(...)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III.1- Exercícios de 2009, 2010 e 2011
III.1.1 - IVA indevidamente mencionado nas faturas
1- No decurso do procedimento inspetivo efetuou-se consulta á base de dados da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira), tendo-se verificado que a sociedade B………...Lda., revela uma situação fiscal bastante irregular, nomeadamente encontra-se em situação de incumprimento declarativo, quer em sede de IVA (a última declaração periódica entregue foi a do período 2009 03T) quer em sede de IRC (a (mima declaração de rendimentos modelo 22 entregue respeita ao ano de 2008, assim como a última declaração anual/IES).
No entanto, constam do sistema informático da AT, para os exercícios de 2009, 2010 e 2011 declarações oficiosas de rendimentos, datadas de 2010-11-30, 2011-11-30 e 2012- 11-17 respetivamente, todas com a fixação de lucro tributável no montante de € 35.666,54, com enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável.
2- Tomou-se conhecimento que a sociedade B………...Lda. foi adquirida, em 2009-04-13, por A……….., NIF ………., e que à data da transmissão, apenas lhe foi entregue peles anteriores sócios os livros de faturas e recibos, dado que o único ativo da sociedade era uma viatura ligeira de passageiros de marca Rover, com a matrícula ………, que foi penhorada no âmbito dum processo promovido pelo Centro Distrital da Segurança Social de Santarém, e ficou em poder dos ex sócios-gerentes por terem sido nomeados fiéis depositários da mesma.
3- Constatou-se junto da Segurança Social que a sociedade B………...Lda só teve trabalhadores até março de 2009 e que os rendimentos auferidos por estes nos meses de janeiro a março de 2009 foram os que os próprios declararam, para efeitos de IRS, como tendo sido recebidos da B………... Lda. No sistema Informático da AT nenhum outro trabalhador declarou ter recebido rendimentos pagos pela B………...Lda nos anos de 2009, 2010 e 2011.
4- Apurou-se ainda que a sociedade B………...Lda. requereu insolvência tendo esta sido decretada em 2012-06-01 no processo que correu termos no 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Benavente com o nº 712/12.6TBBNV. Consultado o referido processo verificou-se ter a requerente declarado que “A empresa encontra-se sem atividade desde 31 de Dezembro de 2008 (…)”, o que vem confirmar em requerimento posteriormente apresentado; cfr folhas 47, 53 e 54 do processo de insolvência que se juntam Como anexo IV.
Contudo, constatou-se que no período compreendido entre 01/01/2009 e 09/04/2009, ou seja, em período anterior à transmissão da sociedade ao Sr. A……….., o sujeito passivo realizou transações comerciais as quais constam da declaração periódica de IVA do período 200903T.
5- Não consta do sistema informático da AT quaisquer vendas ou prestações de serviços declaradas por terceiros à sociedade B………...Lda., nos exercícios de 2009, 2010 e 2011.
6- No entanto, na consulta efetuada à aplicação informática “Inspeção Tributária/Cruzamentos Declaração Anual — Anexos O/P” da AT, verificou-se terem sido declarados valores no anexo P (Fornecedores) da declaração anual de informação contabilística e fiscal de entidades terceiras, relativos a aquisições efectuadas ao sujeito passivo “B………...Lda”, nos exercidos de 2009 e 2010, conforme abaixo se expõe:

- Exercício de 2009

(a) — O valor declarado respeita a aquisições de serviços de transporte efetuadas no período compreendido entre 01/01/2009 e 09/04/2009, ou seja, em período anterior à transmissão da sociedade ao Sr. A……….., tendo o mesmo sido declarado na declaração periódica de IVA do período 200903T.

- Exercício de 2010

7- Foi ainda identificada uma fatura emitida pelo sujeito passivo, em ação inspetiva de análise de reembolso de IVA, realizada por estes serviços ao sujeito passivo abaixo identificado:

8- Efetuou-se ação inspetiva aos sujeitos passivos identificados nos pontos 6 e 7, tendo-se procedido à recolha de cópia das faturas (anexo V) emitidas pela sociedade B……… Lda, nos exercícios de 2009 e 2010, as quais abaixo se discriminam:
- Exercício de 2009


- Exercício de 2010



9- Dos quadros apresentados no ponto anterior retira-se que as faturas deles constantes não são sequenciais, no entanto desconhece-se se as faturas em falta terão sido emitidas em virtude de apenas serem declaráveis no anexo P os volumes de negócios superiores a € 25.000,00.
10- Em resultado das ações inspetivas efetuadas às entidades mencionadas nas faturas da sociedade B……… Lda., descritas no ponto 8, apurou-se que:
10.1- Consta das faturas emitidas pelo sujeito passivo às sociedades C……….. Lda., D………… Lda. e …………………. Lda, a designação de serviços de transporte, pelo que foram solicitadas as respetivas guias de transporte.
Apenas a D………… apresentou guias de transporte, as quais referiu respeitarem às faturas da B……….. Lda., concluindo-se na análise das mesmas que os veículos nelas mencionados não pertencem à sociedade B………. Lda nem ao seu único sócio e gerente, conforme quadros infra:

- Exercício de 2009:

- Exercício de 2010:

10.2- Quanto às restantes entidades, dada a diversidade dos serviços descritos nas faturas, foi-lhes solicitado que comprovassem a efetivação dos mesmos, não tendo estas contudo apresentado quaisquer elementos.
11- No que concerne aos pagamentos efetuados pelas entidades identificadas no ponto 8, apurou-se que o valor total das faturas emitidas pela B………. Lda. a estas entidades, relativo aos exercícios de 2009 e 2010 ascende a € 986.872,82.
Ora, desse montante apenas 31,83% foi pago por cheque, sendo a maior parte, ou seja, 68,17% pago em numerário, facto que não é normal tendo em conta o elevado valor das mesmas e que contraria o disposto no n.° 3 do artigo 63° C da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual “Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima devem ser efetuados através do meio de pagamento que permitia a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto”.
12- Importa ainda referir que a sociedade B……….. Lda. tem registada na Base de Dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para o exercício da sua atividade, a conta bancária com o NIB n.° ……………… da Caixa Geral de Depósitos, conforme estabelece o n.° 1 do artigo 63°-C da Lei Geral Tributária (LGT): “Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida”.
No entanto, verificou-se durante o procedimento inspetivo que os cheques dados em pagamento, foram levantados ou depositados em contas diferentes da supra identificada, conforme abaixo se demonstra:

Tendo em conta os factos anteriormente expostos, nomeadamente que:
- A sociedade B……….. Lda é não declarante em IRC desde 2009 inclusive e em IVA desde o 1.° Trimestre de 2009, ou seja, desde que ocorreu a cessão de quotas em 13/04/2009;
- O novo e único sócio-gerente da B……….. Lda., A……….., ao tornar-se dono desta empresa apenas recebeu, do ex-sócio-gerente …………, os livros de faturas e de recibos;
- A única viatura ligeira de passageiros, marca rover e matrícula ………, pertencente à B………. Lda, foi penhorada ficando seus fiéis depositários os ex-sócios-gerentes;
- A sociedade B………….. Lda não tinha nos anos de 2009 e 2010 nenhuma viatura pesada de mercadorias nem nenhum trator para realizar os serviços descritos nas faturas emitidas;
- A sociedade B……… Lda apenas teve trabalhadores até março de 2009;
- O único sócio e gerente da sociedade B………. Lda., declarou no âmbito do processo de insolvência que “A empresa encontra-se sem atividade desde 31 de Dezembro de 2008 (...)”, constatando-se contudo que, em período anterior à transmissão da sociedade ao atual sócio, a mesma realizou transações comerciais;
- Não há empresas ou qualquer outro tipo de sujeitos passivos a declararem ter efetuado vendas ou prestações de serviços à B………. Lda. nos anos de 2009 e 2010;
- As viaturas que efetuaram os serviços de transporte faturados à C………. Lda., D………….. Lda. e …………… Lda., não pertencem à empresa B………… Lda. nem ao seu único sócio;
- Quanto aos restantes serviços descritos nas faturas, as entidades ai mencionadas não apresentaram quaisquer elementos comprovativos da sua efetiva realização;
- A maioria das faturas foi alegadamente paga em numerário. Os cheques dados em pagamento das restantes faturas não foram depositados na conta que a B……….. Lda. afetou ao exercício da sua atividade.
Considera-se que os mesmos constituem indícios fortes e credíveis de que as prestações de serviços faturadas pela empresa B………… Lda. correspondem a operações simuladas e não a transações reais pelo que, se propõe:
Em sede de IRC
Em face da impossibilidade de analisar a contabilidade e conhecer a situação tributária real do sujeito passivo B………… Lda. propõe-se a aceitação do lucro tributável fixado oficiosamente para os períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011.
Em sede de IVA
Perante o descrito no presente projeto de conclusões, os factos verificados e os elementos recolhidos no decurso da presente ação levam a concluir que os documentos emitidos pela B……….. Lda., mencionados no ponto 8, não correspondem a transmissões de bens e/ou prestações de serviços efetivamente realizadas, pelo que o IVA foi indevidamente liquidado.
Contudo, estando o sujeito passivo enquadrado no regime normal trimestral, trata-se de imposto liquidado e não entregue nos cofres do Estado de acordo com o n.° 1 do artigo 27.° do CIVA, pelo que se procede ao apuramento do imposto em falta no valor total de € 40.678,49 e € 128.094,51 para os exercícios de 2009 e 2010 respetivamente, por período de imposto, com base nas faturas emitidas pelo sujeito passivo, conforme quadros infra:
- Exercício de 2009
- Exercício de 2010

IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos
Não aplicável.
V. Critérios e cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos
Não aplicável.
VI. Regularizações efetuadas pelo sujeito passivo no decurso da ação de inspeção
Não aplicável.
VII. Infrações verificadas
Tendo em conta o descrito no presente projeto relatório foram detetadas as seguintes infrações:

Foram levantados os competentes autos de notícia pelas infrações verificadas, dois por crime fiscal, sendo um relativo ao período 2009/09T e o outro relativo aos períodos 2010/03T, 2010/06T, 2010/09T e 2010/12T, e um por contraordenação dolosa, relativo ao período 2009/12T.
VIII. Outros elementos relevantes
Durante o procedimento inspetivo efetuou-se consulta à aplicação SEFWEB existente nestes Serviços, verificando-se que o Sujeito Passivo tem dívidas para com a Administração Fiscal no valor de €243.444,38.
IX. Direito de Audição - Fundamentação
Para os efeitos e nos termos do artigo 60.° da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 60.° do Regime Complementar do Procedimento de inspeção Tributária (RCPIT), foi o sujeito passivo notificado, para o seu domicílio fiscal, para, no prazo de 15 (quinze) dias, querendo, exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório, através do nosso oficio n.° 7127 de 2013-12-11.
A notificação foi efetuada por carta registada (registo n.° RM847330704PT), tendo a mesma sido devolvida com a menção dos CTT de “Recusado na morada indicada”, pelo que presume-se notificado o sujeito passivo, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 43° do RCPIT.
IX.1 - Conclusões
Não tendo o sujeito passivo exercido o direito de audição, mantêm-se as propostas de correção descritas no capítulo III
Eis o que nos cumpre informar e propor à consideração superior,
Santarém, 30 de dezembro de 2013


N) Em 06-01-2014, o relatório de inspecção referido em M), foi sancionado por despacho do chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária, por delegação de competências do Director de Finanças de Santarém (cfr. fls. 1 do Anexo 1 ao PARG apenso, ibidem);
O) Em 29-07-2015, o Impugnante apresentou Reclamação Graciosa, no Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos (cfr. fls. 2 a 5 do PARG apenso, ibidem);
P) Em 18-12-2015, foi proferido despacho pela chefe de Divisão da Justiça Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, por delegação de competências do Director de Finanças, a indeferir a Reclamação Graciosa referida em O) supra (cfr. fls. 57 do PARG apenso, ibidem);
Q) Por ofício n.° 3480, de 18-12-2015, enviado através de correio registado com aviso de recepção, foi dado conhecimento à mandatária do Impugnante do despacho referido em P) e dos respectivos meios de defesa contra aquela decisão (cfr. fls. 58 do PARG apenso, ibidem);
R) Em 30-12-2015, foi assinado o aviso de recepção da carta referida em Q) supra (cfr. fls. 60 do PARG apenso, ibidem);
S) O Impugnante apresentou Oposição à execução fiscal que lhe foi revertida na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “B………, Lda”, pelas dívidas em apreciação nos presentes autos, à qual coube o processo n.° 1073/15.7BELRA (cfr. fls. 35 a 55 do PAT apenso, ibidem);
T) Em 10-11-2016 foi proferida sentença no processo referido em S), a qual já transitou em julgado, e que na parte que aqui interessa resulta o seguinte:
(…)
Antes de mais cumpre salientar que a falta de notificação do ato de liquidação, antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, consubstancia um caso de ineficácia daquele ato tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal.
Efectivamente, “nas situações em que a notificação do acto de liquidação nunca ocorreu ou, pelo menos, não ocorreu antes da instauração da execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT” (cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Setembro de 2013, processo n.° 0578/13, disponível em www.dgsi.pt).
No presente caso, conforme se infere do probatório, foi o Oponente notificado no dia 01 de abril de 2014, aquando da sua citação em reversão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 22°, n.° 4 da LGT, das liquidações de IVA reportado aos exercícios de 2009 e 2010 e não entregue aos cofres do Estado, referentes à sociedade devedora originária “B………., Lda” [ 16.].
Desta forma, foi o Oponente validamente notificado da liquidação em cobrança coerciva, sendo, dessa forma, a dívida exequenda exigível.
(...)
Pelo exposto, não tem cabimento a argumentação do Oponente no sentido de que a dívida exequenda é inexigível por falta de notificação da liquidação e da obrigação de proceder ao pagamento voluntário em prazo legal, já que a liquidação foi-lhe validamente notificada e foi o mesmo citado para proceder ao pagamento da dívida exequenda, improcedendo, por isso, tal alegação. (...)” (cfr. fls. 48 do PAT apenso, ibidem).
FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, todos objecto de análise concreta, não se provou que os serviços constantes das facturas concretamente identificadas no relatório de inspecção tributária tivessem ocorrido, uma vez que o Impugnante não apresentou qualquer prova ou indício da sua realização.
O Impugnante também não provou que tivesse pago o IVA constante das facturas emitidas pela Sociedade “B………, Lda”, e que foram consideradas falsas pela Inspecção Tributária, nem o IVA constante das liquidações adicionais ora impugnadas, uma vez que não juntou nenhum documento para prova desse facto.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Leiria que julgou improcedente a impugnação intentada contra o ato de liquidação adicional de IVA, relativo aos anos de 2009 e 2010, e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 191.043,51 euros.
Alega o Recorrente que a sentença padece de défice instrutório, nos termos do disposto no artigo 662º, n.º 2, alínea c), do CPC, e que nessa medida se impõe a baixa dos autos com vista à supressão da irregularidade cometida.
Na sentença recorrida ao referir-se de forma genérica os factos não provados incorreu-se em deficiente exteriorização do iter cognoscitivo do julgador.
Considera igualmente o Recorrente que a sentença padece do vício de nulidade, por falta de fundamentação da matéria de facto.
Também se insurge contra o entendimento sufragado na sentença em relação às questões de falta de fundamentação e erro sobre os pressupostos de facto que inquinam o ato tributário, à falta de notificação da liquidação, para efeitos de pagamento, à falta de fundamentação da prorrogação da ação inspetiva e à verificação de duplicação de colecta.

Vejamos, então.
Na sentença deu-se como assente que na sequência de uma ação inspetiva realizada à recorrida com incidência nos exercícios de 2009 e 2010, a AT concluiu que as prestações de serviços documentadas pela faturação emitida pela sociedade "B………, Lda." não correspondiam a operações reais, pelo que desconsiderou o IVA nelas liquidado e que havia sido deduzido pelo sujeito passivo, de que resultou imposto apurado e não liquidado, que deu lugar às liquidações adicionais agora impugnadas.
Para se decidir pela improcedência da ação considerou o tribunal "a quo", em síntese, que a AT havia recolhido elementos bastantes que punham em causa a credibilidade da contabilidade da impugnante, pelo que entendeu o tribunal que recaía sobre o sujeito passivo o ónus da prova sobre a materialidade das operações postas em causa pela AT. Mais considerou o tribunal "a quo" que essa prova não foi feita, o que legitimava a AT a proceder às correções em sede de IVA e apurar o imposto devido.

O Recorrente começa por invocar o vício de nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e défice instrutório.
Para o efeito alega, após exposição teórica sobre o tema da fundamentação da sentença, que ao "utilizar o conceito de exclusão como mecanismo declarativo dos factos não provados o senhor juiz a quo delimitou, ainda que de modo bastante impreciso, o acervo de factos que considerou não provados". E conclui o Recorrente: «…ao referir-se de forma genérica aos factos não provados a sentença em crise não padece de falta de fundamentação, mas apenas de deficiente exteriorização do iter cognoscitivo do julgador», Acrescentando de seguida: «… verifica-se uma situação de défice instrutório impõe-se a baixa dos autos ao tribunal a quo (art. 662.°, n.º 2, al. c), do CPC) tendo em vista a supressão da irregularidade cometida».
Ora, é manifesta a contradição das alegações do Recorrente, pois embora reconheça que a sentença não padece de "falta de fundamentação", mas apenas de deficiente exteriorização do juízo valorativo do julgador sobre a matéria de facto, invoca como suporte do vício de nulidade assacado à sentença a falta de fundamentação de facto, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, o próprio Recorrente adere ao entendimento jurisprudencial no sentido de que "só a absoluta falta de fundamentação gera nulidade". De todos os modos, carece o Recorrente de razão na alegação de que o senhor juiz "a quo" delimitou de modo bastante impreciso o acervo de factos que considerou não provados. Na verdade, como se alcança da sentença recorrida e foi evidenciado no despacho de sustentação proferido pelo senhor juiz, este, ao fundamentar os factos não provados, não utilizou uma expressão genérica de exclusão, mas antes especificou a matéria fatual relativamente à qual, no entender do tribunal, não foi feita prova bastante da sua verificação.
Por último, o Recorrente não esclarece que factualidade foi alegada pelas partes com relevância para a decisão da causa que se impunha referenciar pelo julgador como "provada" ou "não provada" de modo a concluir pela verificação de "défice instrutório".
Temos, assim, que concluir não se verificar a apontada deficiência na fundamentação da matéria de facto e muito menos que a mesma configure o vício de nulidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Em segundo lugar, o Recorrente assaca diversos vícios ao ato tributário, que já haviam sido invocados na petição que apresentou ao tribunal "a quo", embora não evidencie em que termos o tribunal errou na sua apreciação.
Dado que o Recorrente apresenta uma argumentação confusa, ao misturar argumentação e fundamentos que nada têm a ver com o objeto da presente ação, passamos a apreciar o âmbito de cada uma das questões suscitadas, com base no entendimento de que ao suscitar-se a apreciação da mesma questão em sede de recurso o recorrente manifesta a sua discordância com o entendimento sufragado na sentença recorrida.
Considera, o Recorrente que o ato tributário padece do vício de falta de fundamentação e de erro sobre os pressupostos de facto, pois, ao contrário do que consta no relatório dos SPIT, a AT não procedeu a correções aritméticas, mas sim a avaliação indireta da matéria tributável.
Entende o Recorrente que os factos invocados pelos Serviços de Inspeção respeitam a terceiras pessoas e não ao impugnante, motivo pelo qual não pode ser responsabilizado pelo comportamento de terceiros. E que «todos os indícios de que a AF se socorreu, sem exceção, são completamente alheios à reclamante e nenhum deles é suficiente para que se possa ter por fortemente indiciado que as facturas que aquela contabilizou não correspondem a serviços prestados pelo seu emitente».
Decorre da sentença recorrida que as liquidações de IVA impugnadas respeitam a faturas emitidas pela sociedade "B………., Lda.", por alegados serviços de transporte prestados a outras sociedades, e que a AT considerou não terem ocorrido, com o fundamento de a referida sociedade não ter viaturas nem pessoal e estar inativa desde data anterior à emissão das faturas.
Mais resulta que o impugnante e aqui Recorrente foi citado em execução fiscal, na qualidade de responsável subsidiário, e na sequência dessa citação apresentou oposição à execução e reclamação graciosa tendo por objeto os atos tributários que deram origem à dívida exequenda.
Em face dos elementos fixados na sentença recorrida pode concluir-se que as liquidações oficiosas impugnadas resultam do facto de ter sido liquidado imposto em faturas emitidas pela sociedade "B………, Lda." e que não foi objecto de declaração por parte desta sociedade. Daí que a argumentação do Recorrente para desvalorizar a fundamentação aduzida pela AT para descredibilizar a realização das operações, no sentido de que os factos relatados pelos Serviços de Inspeção «... não respeitam à impugnante, mas sim a uma sociedade terceira – B………., Lda.», não faça sentido. Ou seja, a argumentação das alegações do Recorrente a este propósito faria algum sentido se as liquidações de IVA respeitassem a operadores económicos a quem alegadamente foram prestados os serviços de transporte, e não, como é o caso, à própria prestadora dos serviços, pois o Recorrente intervém no processo na qualidade de revertido, por ter exercido funções de gerente da sociedade "B……….., Lda." no período a que respeitam as operações e foram emitidas as faturas, e que nos termos do n.º 5 do artigo 22.º da LGT, a lei lhe dá a possibilidade de impugnar os atos tributários que deram origem à dívida exequenda.
Ora, no relatório dos Serviços de Inspeção apurou-se que a sociedade "B………, Lda." emitiu faturas no decurso do 3.º e 4.º trimestre de 2009 e no ano de 2010, nas quais liquidou IVA no valor de € 40.678,49 euros e € 128.094,51 euros, respetivamente. Mais apuraram aqueles Serviços de Inspeção Tributária que a sociedade " B………, Lda." não apresentou qualquer declaração periódica relativa a esses períodos, nem efetuou qualquer pagamento de IVA. O Recorrente não põe em causa de qualquer forma a emissão de tais faturas e a liquidação do imposto, nem tão pouco que não tenha recebido o montante pecuniário que lhe corresponde. De modo que a argumentação aduzida está votada ao insucesso.
O Recorrente insurge-se igualmente contra a sentença por nela ter sido dada como válida a notificação dos atos de liquidação.
Para o efeito alega, em síntese, que nem o Recorrente nem a sociedade " B………, Lda." foram validamente notificados das liquidações, motivo pelo qual as mesmas carecem de eficácia, não podendo a AT exigir o seu pagamento, o que configura inexigibilidade da divida.
Como se depreende de tal argumentação, a invocação de tal fundamento faz sentido em sede de oposição, em que se coloca a questão da exigibilidade da dívida, face à cobrança coerciva da mesma. Já o mesmo não faz sentido em sede de impugnação do ato tributário. Mostra-se evidente que o Recorrente mistura fundamentação e argumentos, o que torna as alegações de recurso confusas e incompreensíveis.
Por outro lado, a questão que na sentença foi apreciada e conexa com a notificação das liquidações prendia-se com a caducidade do direito de liquidação. E nesta parte, independentemente da bondade ou não da apreciação que foi feita pelo tribunal "a quo", certo é que essa apreciação não é posta em causa pelo Recorrente.
Motivo pelo qual se deve julgar igualmente improcedente o fundamento invocado nesta parte.

Insurge-se igualmente o Recorrente quanto à questão do prazo da ação inspetiva, por ter sido excedido o prazo de 6 meses, sem que tivesse sido fundamentada a prorrogação do prazo, o que no seu entender se repercute sobre a validade dos atos de liquidação.
Na sentença recorrida considerou o tribunal "a quo" ao contrário do alegado pelo impugnante e aqui recorrente foi proferido despacho de prorrogação do prazo pela entidade competente, com a devida fundamentação, o qual foi regularmente comunicado à sociedade " B………, Lda.", factos estes que não são postos em causa pelo Recorrente.
Assim sendo, mostra-se igualmente improcedente nesta parte a argumentação do Recorrente.

Invoca por último o Recorrente que se verifica" duplicação de coIeta" ao ser exigido o pagamento do imposto liquidado nas faturas à sociedade emitente das faturas e o mesmo ser desconsiderado para efeitos de dedução no caso das sociedades adquirentes dos serviços.
Nesta parte considerou-se na sentença recorrida que não se verificava tal vício, atento que não se mostram reunidos os requisitos de tal figura jurídica previstos no n.º 1 do artigo 205.º do CPPT, designadamente por não ter sido demonstrado o pagamento do imposto exigido à sociedade. E de facto assim é, pois nos termos do citado preceito legal só haveria duplicação de coleta se estivesse a ser exigido à sociedade " B………, Lda." imposto já pago e referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, o que manifestamente não ocorre no caso concreto.
Por outro lado, o facto de a AT ter considerado, no caso das sociedades que figuram nas faturas como adquirentes dos serviços, o imposto indevidamente deduzido, e ao mesmo tempo exigir, no caso da sociedade emitente das faturas, o pagamento do imposto liquidado, não é ilegal ou contraditório, no pressuposto de que neste último caso o imposto tenha sido efetivamente pago e recebido.
Como decorre do acórdão do TJUE de 18/06/2009 (proc. C-566/07): «Ao estabelecer que o IVA mencionado na factura é devido independentemente de qualquer obrigação de o pagar por uma operação sujeita ao IVA, o artigo 21.°, n.º 1, alínea e), da Sexta Directiva visa eliminar o risco de perda de receitas fiscais que pode decorrer do direito à dedução previsto no artigo 17.º da Sexta Directiva (v., neste sentido, acórdãos Schmeink & Cofreth e Strobel, já referido, n.º 57 e 61; de 6 de Novembro de 2003, Karageorgou e o., C-78/02 a C-80/02, Colect., p. 1-13295, n.º 50 e 53, bem como Reemtsma Cigarettenfabriken, já referido, n.º 23)».

Em suma, não se pode concluir que a sentença recorrida padece do vício de nulidade, por falta de fundamentação de facto, nem de erro de julgamento na apreciação das questões que foram colocadas ao TAF de Leiria pelo impugnante e aqui Recorrente.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
D.n.

Lisboa, 23 de Outubro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Paulo Antunes.