Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01536/15
Data do Acordão:05/11/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do disposto no art.º 28.º do CIRS a determinação dos rendimentos empresariais pode fazer-se com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade.
II - O regime regra é que a tributação dos rendimentos empresariais é feita com base na contabilidade.
III - Os contribuintes podem optar pelo regime simplificado quando não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000.
IV - Não há qualquer requisito específico quanto ao valor dos rendimentos auferidos para que os mesmos possam optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.
V - Tendo os contribuintes optado por serem tributados com base na sua contabilidade não pode a Administração Tributária vir a enquadra-los no regime simplificado de tributação.
Nº Convencional:JSTA00069703
Nº do Documento:SA22016051101536
Data de Entrada:11/24/2015
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS01 ART28 N6.
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Tributário de Lisboa
. 24 de Junho de 2015


Julgou procedente a impugnação, e anulou a liquidação de IRS do ano de 2010, no montante de € 28.270,47.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública, veio interpor recurso da sentença supra referida proferida no processo nº 1461/11.8BEPRT de impugnação deduzidos por A……………….. e B……………….., cujo objecto é a liquidação adicional de IRS, com o n.º 2013.5005459294, relativa ao ano de 2009, que, se contabiliza agora em € 28.270,47 (vinte e oito mil, duzentos e setenta euros e quarenta e sete cêntimos), tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I. Como refere a sentença recorrida, a impugnante iniciou em 2009 a sua atividade como empresária em nome individual, com o CAE 47730 “Farmácia”, tendo optado expressamente, mediante o preenchimento do quadro 19 da declaração de início de atividade pelo regime de contabilidade organizada. No entanto, há que ter em atenção a premissa também constante nesse quadro que faz depender essa opção da reunião dos “ pressupostos de inclusão no regime simplificado de tributação constantes no art.º 28.º do CIRS…”, o que desde já se diga que não seria o caso.

II. Tal encontra-se comprovado à data, pelo facto de a impugnante ter indicado no quadro 09 relativo à atividade esperada um volume de negócios estimado em € 230 000,00 para o período de 6 meses, que se iniciava em Julho de 2009. Este valor anualizado implicaria pois que a mesma tivesse que possuir contabilidade organizada por exigência legal, sendo in casu a sua opção indiferente.

III. Contudo, como se encontra assente e comprovado nos autos, no ano de 2009 a impugnante apurou rendimentos brutos globais apenas no valor de € 69 496,44 – conforme declarações suas: Declaração de Rendimentos do ano de 2009 e Informação Empresarial Simplificada.

IV. No primeiro trimestre de 2010, a impugnante não efetuou qualquer comunicação à AT a solicitar a alteração do respetivo enquadramento fiscal, erradamente, considerando que iria continuar enquadrada naquele regime da contabilidade durante um período mínimo de 3 anos, cujo termo final ocorreria no términus de 2011.

V. A sentença recorrida entendeu que, pelo facto de não ter comunicado à AT até final de Março do ano de 2010, não pretendia a alteração do regime de contabilidade organizada para o regime simplificado e, como tal deveria aí ter permanecido, nos termos do n.º 5 do artigo 28.º do Código do IRS.

VI. Ao decidir assim, foi violada a norma constante do n.º 2 do artigo 28.º do CIRS.

VII. A interpretação a fazer na presente circunstância deve ter em conta a interpretação conjugada e sistemática de todos os normativos previstos nesse artigo.

VIII. E da interpretação conjugada desses preceitos resulta que a prorrogação do regime simplificado de tributação (manutenção para o período de tributação seguinte) apenas se opera, por declaração expressa do sujeito passivo, caso não ocorram quaisquer das situações consignadas no n.º 2 do mesmo, isto é, caso não seja excedido o limite do volume de negócios aí previsto.

IX. E, em sede de IRS o enquadramento do sujeito passivo depende do valor anual ilíquido de rendimentos que tenha sido atingido, sendo certo que, sublinhe-se, o n.º 1 do artigo 28.º deve ser interpretado de acordo não com apenas com a opção do s.p. mas tendo por base o regime decorrente da aplicação das regras legais constantes nesse mesmo artigo. Tal não foi ponderado pela sentença proferida pelo TT ad quo.

X. Ora, no caso do valor de rendimentos relativos a vendas previsto ser superior a € 149 739,37 ou quando os restantes rendimentos da categoria ultrapassem o valor de € 99 759,58, o sujeito passivo fica obrigatoriamente abrangido pelo regime de contabilidade organizada, não necessitando nem devendo preencher o quadro 19 que, apenas serve para o exercício da opção pelo regime de contabilidade organizada mas, a exercer pelos sujeitos passivos que fiquem aquém desses valores, ou seja quando a lei aí não os obrigue a permanecer.

XI. Ao estimar no início de atividade um volume de negócios anualizado no montante € 420 000,00, nunca seria possível aplicar o regime simplificado por imposição legal. Logo, como a impugnante não reunia os pressupostos para o enquadramento no regime simplificado, na declaração de início de atividade não podia optar pelo regime de contabilidade organizada, portanto, aí ficaria enquadrada por imposição legal.

XII. Acontece que, como o volume de negócios estimado foi inferior ao expectado, no ano seguinte, face ao n.º 2 do artigo 28.º, a impugnante por força desse n.º 2 do artigo 28.º cairia no regime simplificado.

XIII. Este “re-enquadramento” resultante da previsão legal poderia no entanto ter sido alterado caso a impugnante tivesse manifestado a sua intenção, ou seja tivesse procedido à entrega de declaração de alterações e, aí optasse pelo regime de contabilidade organizada, o que é permitido pelo n.º 3 do artigo 28.º do CIRS. Caso o tivesse feito, entregue a respetiva declaração, a mesma teria produzido efeitos a partir do próprio ano em que fosse entregue, desde que o tivesse sido até ao final do mês de março. Todavia, tal não aconteceu.

XIV. Como se conclui finalmente, se o sujeito passivo ficou enquadrado no regime de contabilidade organizada no ano de início de atividade pelo facto de o valor dos rendimentos estimado ser superior aos limites estabelecidos no n.º 2 do art.º 28 do CIRS (a contrario), mas os rendimentos efetivamente obtidos nesse ano foram inferiores àqueles limites, ficará enquadrado no regime simplificado no ano posterior a esse, por previsão legal, a não ser que até ao final do mês de março, opte pelo regime de contabilidade organizada, mediante a apresentação de uma declaração de alterações. É o que resulta também do n.º 3 do art.º 28.º uma vez que a impugnante deixou de se encontrar abrangida pelo regime de contabilidade organizada.

XV. Apenas após esta análise poderia a sentença recorrida aplicar o n.º 5 do artigo 28.º do CIRS concluindo que a impugnante enquadrada no regime simplificado face ao volume de negócios, não tendo optado pela contabilidade organizada, aí deveria restar durante três anos, excepto se por hipótese se verificasse a previsão do n.º 6 do art.º 28.º.

XVI. Ora a sentença recorrida baseou a sua interpretação baseando-se no facto de que a impugnante se encontrava enquadrada no regime simplificado por opção, o que fez com lapso manifesto, uma vez que deveria ter concluído ao invés que esse seu enquadramento derivava de imposição legal.

XVII. Rematando, quando o n.º 6 do art.º 26.º diz que cessa a aplicação do regime simplificado, caso sejam ultrapassados os limites que permitem o enquadramento no regime simplificado derroga o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes previstos no n.º 1, pelo que, como se conclui, o que prevalece, salvo melhor interpretação, não é a opção do sujeito passivo nem o período de permanência mas o regime legal que leva à conclusão de que apenas os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar por outro regime que não esse (n.º 3 do artigo 28.º) e, ainda que apenas nesse caso em que concretizem essa opção, se lhes aplica o n.º 5 do artigo 28.º ou seja o período mínimo de permanência quer com base na alínea a), quer com base na alínea b).

Neste sentido e salvo melhor entendimento, deveriam as normas jurídicas ter sido interpretadas e aplicadas,


O Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer no sentido da improcedência do recurso por entender que: «No caso em análise, tendo a recorrida optado pelo regime de contabilidade organizada, logo no início de actividade, no ano de 2009, e não tendo, mediante apresentação de declaração de alterações, comunicado a alteração do regime pelo qual se encontrava abrangida, mantem-se em tal regime pelo período de 3 anos, prorrogáveis se, não for comunicada a alteração de regime».

A Sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
a) A Impugnante mulher iniciou em 2009 a sua actividade como empresária em nome individual, com o CAE 47730 “Farmácia”, tendo optado expressamente, mediante o preenchimento do quadro 19 da declaração de Início de Actividade, apresentada em 10/07/2009, pelo regime de contabilidade organizada - declaração de Início de Actividade, junta de fls. 14 a fls. 17 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

b) Na declaração, referida na alínea anterior, a Impugnante mulher indicou um volume de negócios estimado em € 230.000,00 para o período de 6 meses, que se iniciava em Julho de 2009; contudo, no ano de 2009, apurou rendimentos brutos globais no valor de € 69.496,44 - citada Declaração de Início de Actividade, Declaração de Rendimentos do ano de 2009 e Informação Empresarial Simplificada de fls. 51 a fls. 53 do PA, apenso aos autos e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

c) No primeiro trimestre de 2010, a impugnante mulher não efectuou qualquer comunicação à AT a solicitar a alteração do respectivo enquadramento fiscal, para efeitos da actividade referida em a) - facto admitido por acordo das partes.

d) Em 31/05/2011, os impugnantes entregaram a respectiva Declaração de Rendimentos, referente ao ano de 2010, contendo o respectivo anexo C (Contabilidade Organizada), mas a AT não aceitou a declaração, exigindo a substituição do Anexo C, pelo Anexo B, por na sua perspectiva, os rendimentos da impugnante mulher, referentes à actividade descrita em a) se encontrarem enquadrados no regime simplificado no ano de 2010 - expediente de fls. 33 a fls. 45 do PA anexo aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

e) Efectivamente, de acordo com a interpretação da AT do regime previsto no artigo 28.º do CIRS, nomeadamente n.ºs 2 e 5 do artigo 28.º do CIRS, “sendo o valor do volume de negócios estimado, na declaração de início de actividade, superior ao previsto no n.º2 do artigo 28.º do CIRS, o enquadramento no exercício do início de actividade será no regime geral por imposição legal, não sendo legalmente possível exercer a opção prevista no quadro 19 da declaração de início de actividade.

f) No exercício seguinte, o enquadramento far-se-á de acordo com o valor anualizado dos proveitos efectivos obtidos no exercício do início de actividade. Assim, se esse valor for igual ou inferior ao previsto no n.º2 do artigo 28.º do CIRS, deverá, caso pretenda ser enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável, formular a opção por esse regime no prazo previsto na alínea b) do n.º4 do mesmo artigo e diploma legal (…)”- decisão do procedimento gracioso de reclamação junto de fls. 31 a fls. 34 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

g) Na sequência do descrito em d) e e), e não tendo os impugnantes acedido ao convite da AT, para apresentar o Anexo B do Modelo 3 de IRS, relativo aos contribuintes sujeitos ao regime simplificado, a AT preencheu oficiosamente a Declaração Mod. 3, relativa ao ano de 2010, com os elementos de que dispunham nas suas bases de dados, integrando na categoria B os rendimentos da impugnante relativos à actividade descrita em a), mas determinados de acordo com as regras do regime simplificado de tributação - citada decisão da Reclamação Graciosa e Declaração Oficiosa de fls. 104 e segs. do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e facto admitido por acordo.

h) Na sequência do procedimento descrito na alínea antecedente e, após deferimento parcial do procedimento de reclamação graciosa, oportunamente intentado pelos impugnantes, foi emitida a liquidação ora em crise, no valor de € 28.270,47 - expediente de fls.107 e segs. do PA e liquidação de fls. 12 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.



Nos termos do disposto no art.º 28.º do CIRS a determinação dos rendimentos empresariais pode fazer-se com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade.
Se a permanência no regime simplificado implica que os sujeitos passivos, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000, não há qualquer requisito específico quanto ao valor dos rendimentos auferidos para que os mesmos possam optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.
Na presente situação os recorridos, na sua declaração de 2009 optaram pela tributação com base na contabilidade tendo, desde então mantido essa opção, como resulta das suas declarações, mesmo quando o montante anual ilíquido de rendimentos foi inferior a (euro) 200 000.
Assim, a Administração Tributária não podia ter-se substituído aos contribuintes nessa opção, porque não foi ultrapassado o período mínimo de permanência no regime escolhido, mas, sobretudo, porque apenas os sujeitos passivos podem optar por diverso regime, excepto quando estando enquadrados no regime simplificado excederem o montante de rendimentos antes indicado por dois períodos sucessivos – art.º 28.º, n.º 6 do CIRS.
A regra da tributação dos rendimentos empresariais é com base na contabilidade que deve espelhar, segundo as regras contabilísticas internacionais a realidade empresarial.
Tal tem vindo a ser a interpretação conferida ao referido preceito por diversas decisões do Supremo Tribunal Administrativo de que são exemplo as mencionadas na sentença recorrida.
A sentença recorrida fez, pois, uma adequada interpretação e aplicação do direito aos factos provados, não enfermando do erro de julgamento que lhe fora apontado, a determinar a sua confirmação.



Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).


Lisboa, 11 de Maio de 2016. - Ana Paula Lobo (relatora) - Dulce Neto - Ascensão Lopes.