Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0847/14
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:MATÉRIA DE FACTO
INCOMPETÊNCIA
Sumário:O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, sendo o STA incompetente em razão da matéria para dele conhecer, quando questione matéria factual não fixada na sentença recorrida.
Nº Convencional:JSTA000P22108
Nº do Documento:SA2201707050847
Data de Entrada:07/08/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DE CANTANHEDE
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A……………, Lda., intentou impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra contra o Município de Cantanhede do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa, contra a nota de liquidação da taxa de publicidade, tendo peticionado:
«a) Julgar procedente a presente acção de impugnação e ordenada a anulação do acto de liquidação no montante de €957,33, considerando a violação das seguintes normas: 1º, n.º 1 da Lei n.º 97/98, de 17 de Agosto, e artigo 12º, n.º 1, alíneas b) e k) do Regulamento Municipal de Afixação, Inscrição, Instalação e Difusão de Publicidade e Propaganda;
b) Ordenar o reembolso do valor já pago pela impugnante, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 30.º e 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, contados a partir da data em que o valor do acto de liquidação foi indevidamente pago pela impugnante.».
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1.2. Por sentença de 19/03/2013 (fls.110/116), aquele Tribunal concedeu:
«… provimento à presente impugnação, anulando-se o acto recorrido e as liquidações nele suportadas, condenando-se o Impugnado ao reembolso do montante pago … a que se alude nos presentes autos, acrescido de juros indemnizatórios nos termos peticionados.».
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1.3. Inconformado o Município de Cantanhede interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por decisão do relator de 13/12/2013 (fls. 189/191), decidiu: «… julgar este tribunal hierarquicamente incompetente para conhecer do presente recurso e competente para o efeito a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.».
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1.4. Em face desta decisão o ora recorrente requereu a remessa dos autos para este Supremo Tribunal (fls. 208) o que foi deferido por despacho de 29/05/2014 (fls. 238).
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1.5. O recorrente finalizou as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«A) A sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação com o fundamento de que, no caso concreto, “existe mera afixação de marcas e/ou designações comerciais dentro do universo de que é composto o estabelecimento comercial da Impugnante, vulgarmente designado como posto de abastecimento de combustíveis. Ora, a dita afixação de tais sinais distintivos do comércio inseridos no âmbito do estabelecimento comercial em que os mesmos são comercializados, não constitui em si mesmo um convite ao seu consumo, mas antes servem o seu propósito básico distintivo dos demais produtos e serviços existentes no mercado”.
B) Salvo devido respeito, o conceito de publicidade adoptado é restrito e para além de não corresponder à realidade nem sequer tem cobertura legal.
C) A publicidade comercial é a forma de comunicação feita no âmbito de uma actividade comercial com o objectivo directo ou indirecto de promover bens ou serviços, ideias, princípios, iniciativas ou instituições e o termo “publicidade” refere-se exclusivamente à propaganda de cunho comercial. É uma comunicação de carácter persuasivo que visa defender os interesses económicos de uma indústria ou empresa, distinguindo-se da “propaganda” pois esta tem um significado mais amplo, pois refere-se a qualquer tipo de comunicação tendenciosa (as campanhas eleitorais são um exemplo, no campo dos interesses políticos).
D) A publicidade ajuda a identificar o significado e o papel dos produtos fornecendo informação sobre as marcas, companhias e organizações. Para a maior parte dos gestores e profissionais de marketing a publicidade ajuda a vender um produto e constrói a reputação de uma marca ou empresa.
E) A impugnante, no caso concreto, através do anúncio luminoso, dos cartazes e dos dísticos colantes e outros, pretende dar a conhecer um conjunto de produtos que comercializa, no caso concreto, produtos da marca B……., com o objetivo de os vender, aproveitando o nome da marca – B…… – que lhos fornece pelo que é, por demais evidente uma forma de publicidade comercial, pois visa o desenvolvimento dos negócios da impugnante e dos seus fornecedores que se encontram a montante dela e aproveitando o nome comercial que a fornecedora dos combustíveis tem no mercado, para conseguir angariar o máximo possível de clientes.
F) Por sua vez, o art.º 3.º, n.º 1 do Código da Publicidade aprovado pelo Dec. Lei n°. 275/98, de 9 de Setembro, “considera-se publicidade qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços”.
G) Demonstrado que a impugnante é uma sociedade comercial, que exerce a actividade de “comercialização de produtos da marca B…… e sob a sua insígnia e logótipo comerciais” facto este alegado no art.º 1.º da petição inicial e não impugnado, dúvidas não há que o conhecimento público dessa sua actividade feito com recurso a meios que tornam visível o estabelecimento em causa é publicidade.
H) Ao dar a conhecer, através dos anúncios junto da via pública a sua existência, bem como que vende combustíveis e produtos com eles relacionado, a ora impugnante visa conseguir que os cidadãos os adquiram, sobretudo ao comunicar ao público-alvo que esses produtos são da marca B……., a ora impugnante pretende que esse público adquira esses produtos que pertencem a uma marca de renome internacional.
I) Por sua vez, o Regulamento Municipal de Publicidade, no seu artigo 1.º, definindo o respectivo objecto e âmbito de aplicação, determina que “o presente Regulamento aplica-se a todos os meios ou suportes de afixação, inscrição ou difusão de mensagens publicitárias em locais públicos ou destes perceptíveis, na área do Município de Cantanhede”.
J) O referido Regulamento Municipal, ao estabelecer os conceitos gerais do mesmo regulamento, define Publicidade, como sendo qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços, bem como ideias, princípios, iniciativas ou instituições.
K) Verifica-se uma total e absoluta coincidência entre as definições legal e regulamentar sobre o conceito de publicidade, pelo que o conceito de publicidade comercial basta-se com a actividade profissional dedicada à difusão pública de ideias associadas a empresas, produtos ou serviços, especificamente, propaganda comercial, deste modo, se compaginando o que se deixa alegado respeitante quer ao Dec. Lei n.º 275/98, de 9 de Setembro, que aprovou o Código da Publicidade, quer o Regulamento de Publicidade do Município de Cantanhede, o conceito de publicidade comercial referido no art.º 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.
L) Existe publicidade comercial em qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços bem como ideias, princípios, iniciativas ou instituições.
M) Por isso, o Regulamento de Publicidade do Município de Cantanhede aplica-se a todos os meios ou suportes de afixação, inscrição ou difusão de mensagens publicitárias em locais públicos ou destes perceptíveis, na área do Município de Cantanhede, não obstando a tal, o facto de os painéis de publicidade do posto de abastecimento de combustíveis da impugnante estarem colocados em prédio particular não impede a aplicação do citado regulamento pois os mesmos são claramente visíveis da via pública e é essa a sua função.
N) Verifica-se assim que a sentença recorrida viola de forma flagrante por erro de interpretação e de aplicação o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 do Código da Publicidade aprovado pelo Dec Lei n.º 275/98, de 9 de Setembro e 1.º do Regulamento Municipal de Publicidade do concelho de Cantanhede, pelo que tem de ser revogada e substituída por outra decisão que julgue improcedente a presente impugnação, como é de lei e de JUSTIÇA».
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1.6. A recorrida apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:
a) Veio o impugnado apresentar recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, alegando que esta viola de forma flagrante por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 3º/1 do Código de Publicidade e o artigo 1.º do Regulamento Municipal de Publicidade do Concelho de Cantanhede.
b) Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Recorrente.
c) De acordo com o disposto no artigo 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, a “afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial obedece às regras gerais sobre publicidade e depende do licenciamento prévio das autoridades competentes (sublinhado nosso).
d) Da interpretação do citado comando normativo resulta, de forma clara, que somente a afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial e, portanto, com um escopo de angariação, promoção ou apelo ao consumo de bens e serviços, se mostra dependente da obtenção de prévia licença camarária.
e) Ora, os elementos de imagem e marca existente no posto do abastecimento em questão não comportam qualquer referência comercial susceptível de se considerar como publicitária, para efeitos de aplicação disposto na Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.
f) Com efeito, os elementos que a entidade impugnada identifica, como estando sujeitos ao pagamento de taxa de publicidade, resumem-se à simples indicação da marca ou qualidade aposta nos artigos à venda nos referidos postos de abastecimento, sendo que, a identificação dos postos de abastecimento passa geralmente pela identificação da empresa que abastece — que é definida por cor, logótipo e marca que é afixada em vários elementos (placas, chapas e inscrições) que são colocadas dentro dos limites dos postos de abastecimento (como sucede nos presentes autos), cfr. D.L. n.º 170/2005, de 10/10, alterado pelo D.L 120/2008, de 10/07.
g) Adianta, ainda, o recorrido que a sentença proferida pelo MM Juiz a quo incorre em errada interpretação e aplicação da norma contida no artigo 1.º do Regulamento Municipal de Publicidade, nos termos do qual o mesmo se aplica a “todos os meios ou suportes de afixação, inscrição ou difusão de mensagens publicitárias em locais públicos ou deste perceptível, na área do Município de Cantanhede”.
h) Todavia sempre se dirá que é o próprio o artigo 4°/2, alínea a) do Regulamento Municipal de Publicidade da Câmara Municipal de Cantanhede que refere que não carecem de licenciamento “as marcas, objectos, anúncios e quaisquer referências a bens ou produtos colocados ou afixados dentro de estabelecimento comercial (...) quando forem respeitantes a bens ou serviços ali fabricados ou comercializados” (sublinhado nosso).
i) Ora, conforme acima se deixou demonstrado de forma suficiente, a simples indicação da marca ou da qualidade aposta nos artigos à venda nos mencionados postos de abastecimento é ao que se resume o conjunto dos elementos identificados no citado “formulário de renovação de licença de publicidade”.
j) Todos, por conseguinte, sob a previsão do artigo 4º/2, alínea a) do Regulamento Municipal de Publicidade da Câmara Municipal de Cantanhede e, nessa medida, dispensados de licenciamento e consequentemente do pagamento de taxa.
k) Termos em que se impõe concluir que a douta sentença recorrida procedeu a uma correcta interpretação e aplicação do disposto no art. 3° do Código da Publicidade e bem assim das normas contidas no Regulamento Municipal de Publicidade do Município de Cantanhede».
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1.6. A fls. 243 o MP promoveu que se convidasse o recorrente a indicar qual o valor total dos pedidos para verificar se o valor da causa excede o valor da alçada de € 1250.
Veio o recorrente, fls. 249, afirmar que o pedido corresponde à quantia paga e também aos juros indemnizatórios já vencidos ou seja € 1301,97 (€ 957, 33 + 344,64).
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1.7. O Ministério Público pronunciou-se nos termos seguintes (fls. 251):
Põe em causa o Município de Cantanhede a sentença que julgou procedente a impugnação quanto à taxa de publicidade para 2011 com o entendimento tido segundo o qual o conceito de “mensagem” a que alude o art. 1.º n.º 1 da Lei 97/88, na versão aplicável à data dos factos, não pode ser preenchido pela “afixação de marcas/ou designações comerciais dentro do universo de que é composto o estabelecimento comercial” - “posto de abastecimento de combustíveis”.
«2. E para tal invoca ter ocorrido através da marca “B……”.
3. É de aceitar que o conceito de mensagem no âmbito da atividade comercial não seja diferente do de “publicidade” previsto no Código de Publicidade aprovado pelo Dec-Lei n. 275/98, de 9/9 — “qualquer forma de comunicação feita no âmbito de atividade comercial com o objeto direto ou indireto de a promover (…)” e que o mesmo possa ser preenchido através de anúncio da marca ou designação comercial.
4. Com efeito, estas, ainda que de uma forma indireta, constituem uma forma angariar clientela ou ter em vista a alienação de bens e serviços.
5. Por outro lado, se é certo que o estabelecimento comercial envolve um conceito normativo em que se inclui a marca, o mesmo corresponde com razoável segurança ao de instalação de caráter fixo onde com certa permanência é exercida atividade comercial, conforme desde logo resulta do art. 95.º ponto 2.º do C. Comercial.
6. E não é de afastar que no exterior do mesmo possam ser apostos anúncios nomeadamente, quanto à marca/ou designação comercial.
7. Contudo, na procedência do recurso interposto, mas não havendo elementos que permitam concluir não ter sido violado o art. 4.º n.º 1 do Regulamento Municipal do Município de Cantanhede, invocado pelo impugnante, é ainda de mandar ampliar a matéria de facto a fim de se apurar a que se nos 3 processos de licenciamento de que foi pedida a renovação estava em causa a afixação da dita marca ou designação comercial, sendo de proferir nova decisão em função do que resultar e do que melhor é de entender quanto ao direito aplicável, conforme acima referido.».
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1.8. Notificado o recorrente para se pronunciar sobre a questão suscitada pelo MP afirmou o mesmo que:
“1. Segundo se percebe o objetivo da ampliação da matéria de facto visa aferir se nos anos anteriores em que requereu o licenciamento, o impugnante já considerou que aquele concreto tipo de publicidade e os meios utilizados correspondem a publicidade, carecida de licenciamento.
2. Em consequência, segundo interpretamos o parecer do MP, visa aferir-se se face aos anteriores pedidos de licenciamento, a impugnante mudou de entendimento apenas para efeitos dos presentes autos.
3. por isso, atentas as razões indicadas, o ora impugnado/recorrente concorda com o parecer do MP”.
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1.9. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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1.10. Notificadas as partes, do despacho do relator, para se pronunciarem sobre a eventual incompetência deste STA, por o recurso questionar matéria de facto nas conclusões c, d, e, g, h e l) veio o recorrente defender:
Que o despacho do relator do TCA transitou em julgado pelo que “supunha o ora recorrente que, esse despacho constituía caso julgado formal, quanto ao tribunal competente, pelo que pensava o STA já não poderia discutir essa questão da competência”.
Que, face a este novo despacho, perante as mesmas conclusões, “temos dois entendimentos antagónicos de tribunais superiores sobre a mesma situação concreta e, ainda por cima, um caso julgado formal”.
Que não parece ao recorrente que se trate de matéria de facto a apurar, pois que tudo quanto nelas se afirma, corresponde, no entender do recorrente, a conhecimentos de conhecimento geral e de experiência comum de vida relativa à generalidade de situações de publicidade e aos objetivos desta, pelo que não parece ao recorrente que haja fundamento para declarar a incompetência do STA.
Que deverá indicar-se o tribunal hierarquicamente competente para conhecer do presente recurso, “pois não pode haver denegação de justiça por parte dos tribunais”.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
“A – A Impugnante recebeu ofício do Impugnado sob o assunto «Renovação do Licenciamento de Publicidade para 2011», do qual se extrai que: “[…] Assim sendo, venho pela presente solicitar a V. Exa. (s), que nos /informe(m), se deseja(m) que seja(m) renovada(s) para o ano de 2011, a(s) licença(s) n.º(s) 19960003, 20050410 e 20070136 — Anúncios Luminosos, Cartazes, Dísticos Colantes e outros semelhantes […]” (cf. doc. a fls. 19 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B – A Impugnante recebeu um ofício do Impugnado, datado de 17.06.2011, sob o assunto «Débito de Taxas de Publicidade» do qual se retira que: “[…] Na sequência dos vários telefonemas efectuados a V. a Ex.ª por esta Câmara Municipal, a fim de pagar as taxas de publicidade em débito, fica notificado para no prazo de 10 dias úteis proceder ao pagamento do valor em dívida que importa em 957,33€ […]” (cf. doc. a fls. 18 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C – Em 22.09.2011, deu entrada nos serviços do Impugnado uma exposição escrita firmada pelo Advogado da Impugnante e em nome desta no qual a final se solicitava a “revisão da liquidação reclamada e a consequente anulação, na totalidade […]” (cf. doc. a fls. 9 a 1 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D – Em informação dos serviços do Impugnado, datada de 25.08.2011. retira-se que: “[…] 1 — Relativamente ao primeiro fundamento apresentado, verifica-se que do formulário para a renovação das licenças em causa constam os seguintes valores:
€ 848,68, referente a um anúncio luminoso com a medida total de 40,62m2 e €100,11 referente a 4 Cartazes, Dísticos colantes e outros semelhantes com a medida total de 66 m2.
Consta também do mencionado formulário a seguinte nota: “Taxas sujeitas a alterações de acordo com o n.º 1 do Regulamento e Tabela de Taxas pela concessão de Licenças e Prestação de Serviços Municipais de Cantanhede.” (conforme fotocópia que se junta em anexo).
Ora, de acordo como o n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento supra identificado “As taxas previstas na tabela anexa serão automaticamente actualizadas no dia 1 de Janeiro de cada ano, em função dos índices de preços no consumidor, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, considerando a variação média durante os últimos 12 meses, contados de Novembro a Outubro, inclusive.”
Assim, efectuada a respectiva actualização das taxas em causa por parte dos Serviços do Atendimento Geral — Taxas e Licenças deste Município, constata-se que as taxas a cobrar referente ao ano de 2011 são as seguintes:
a) Anúncios Luminosos por ano €21,27 m2;
b) Cartazes, Dísticos colantes e outros semelhantes por mês 3,19 m2.
Atento ao supra descrito, resulta claramente que o valor peticionado na nota de liquidação € 957,33 (€856,33+€101,01) corresponde efectivamente ao valor da taxa legal em vigor para o ano de 2011 da publicidade em causa, encontrando-se o acto de liquidação sustentado juridicamente ao abrigo do Regulamento da Tabela de Taxa pela Concessão de Licenças e Prestação de Serviços da presente edilidade.
2 – Relativamente ao segundo fundamento apresentado, cumpre referir o seguinte:
De acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento da Publicidade do Município de Cantanhede “Não carecem de licenciamento municipal as marcas, objectos, anúncios e quaisquer referências a bens ou produtos colocados ou afixados dentro dos estabelecimentos ou no interior das montras de exposição destes, quando forma (forem) respeitantes a bens e/ou produtos ali fabricados e ou comercializados”
Ora, atenta a publicidade em causa verifica-se que a mesma se encontra ao ar livre no exterior do estabelecimento perfeitamente visível a partir do espaço público.
Face ao exposto, é manifesto que a isenção aludida não se destina ao tipo de publicidade em causa.
3 – No que concerne ao 3.º fundamento alegado, entende-se que o mesmo também não tem qualquer sustentabilidade no caso concreto, porquanto o dispositivo legal invocado apenas entra em vigor com a existência e funcionamento do Balcão do Empreendedor ou no máximo até 2 de Maio de 2012, o que significa que até 2 de Maio de 2012 todos os Municípios deverão ter aderido ao Balcão do Empreendedor data em que o licenciamento zero se aplicará integralmente a todo o território nacional […]” (cf. doc. a fls. 11 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E – Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Vereador da Câmara Municipal de Cantanhede (cf. doc. a fls. 11 a 16 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
F – O despacho e a informação referidas nos dois números anteriores foram remetidas por ofício do Impugnado dirigido ao Advogado da Impugnante e por este recebido a 09.06.2011 (cf. docs. a fls. 11 a 17 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
G – Em 06.07.2011, a Impugnante procedeu ao pagamento das taxas referidas na alínea «B» (cf. docs. a fls. 72 a 73 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H – A petição inicial do presente meio processual foi remetida pelo Advogado da Impugnante para este Tribunal por correio registado expedido em 07.11.2011 (cfr. fls. 1 a 29 dos autos). ”.
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3.1. Sustenta o recorrente (ponto1.10) que o despacho do relator do TCA transitou em julgado pelo que “supunha o ora recorrente que, esse despacho constituía caso julgado formal, quanto ao tribunal competente, pelo que pensava o STA já não poderia discutir essa questão da competência”.
Que, face a este novo despacho, perante as mesmas conclusões, “temos dois entendimentos antagónicos de tribunais superiores sobre a mesma situação concreta e, ainda por cima, um caso julgado formal”.
Que deverá indicar-se o tribunal hierarquicamente competente para conhecer do presente recurso, “pois não pode haver denegação de justiça por parte dos tribunais”.
O artigo 5º nº 2 do ETAF resolve a questão que o recorrente suscita ao afirmar que “existindo, no processo, decisões divergentes sobre questão de competência, prevalece a do tribunal superior”.
Daí que se este STA vier a entender que, no recurso, se questiona matéria de facto poderá o recurso ser apreciado pelo TCAN.
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3.2. Notificadas as partes, do despacho do relator, para se pronunciarem sobre a eventual incompetência deste STA, por o recurso questionar matéria de facto, nas conclusões c, d, e, g, h e l), defende o recorrente que não lhe parece que se trate de matéria de facto a apurar, pois que tudo quanto nelas se afirma, corresponde, no entender do recorrente, a conhecimentos de conhecimento geral e de experiência comum de vida relativa à generalidade de situações de publicidade e aos objetivos desta, pelo que não parece ao recorrente que haja fundamento para declarar a incompetência do STA.
Nas conclusões C,D,E,G,H e L afirma o recorrente que:
“C) A publicidade comercial é a forma de comunicação feita no âmbito de uma actividade comercial com o objectivo directo ou indirecto de promover bens ou serviços, ideias, princípios, iniciativas ou instituições e o termo “publicidade” refere-se exclusivamente à propaganda de cunho comercial. É uma comunicação de carácter persuasivo que visa defender os interesses económicos de uma indústria ou empresa, distinguindo-se da “propaganda” pois esta tem um significado mais amplo, pois refere-se a qualquer tipo de comunicação tendenciosa (as campanhas eleitorais são um exemplo, no campo dos interesses políticos).
D) A publicidade ajuda a identificar o significado e o papel dos produtos fornecendo informação sobre as marcas, companhias e organizações. Para a maior parte dos gestores e profissionais de marketing a publicidade ajuda a vender um produto e constrói a reputação de uma marca ou empresa.
E) A impugnante, no caso concreto, através do anúncio luminoso, dos cartazes e dos dísticos colantes e outros, pretende dar a conhecer um conjunto de produtos que comercializa, no caso concreto, produtos da marca B…….., com o objetivo de os vender, aproveitando o nome da marca – B….. – que lhos fornece pelo que é, por demais evidente uma forma de publicidade comercial, pois visa o desenvolvimento dos negócios da impugnante e dos seus fornecedores que se encontram a montante dela e aproveitando o nome comercial que a fornecedora dos combustíveis tem no mercado, para conseguir angariar o máximo possível de clientes.

G) Demonstrado que a impugnante é uma sociedade comercial, que exerce a actividade de “comercialização de produtos da marca B…… e sob a sua insígnia e logótipo comerciais” facto este alegado no art.º 1.º da petição inicial e não impugnado, dúvidas não há que o conhecimento público dessa sua actividade feito com recurso a meios que tornam visível o estabelecimento em causa é publicidade.
H) Ao dar a conhecer, através dos anúncios junto da via pública a sua existência, bem como que vende combustíveis e produtos com eles relacionado, a ora impugnante visa conseguir que os cidadãos os adquiram, sobretudo ao comunicar ao público-alvo que esses produtos são da marca B………., a ora impugnante pretende que esse público adquira esses produtos que pertencem a uma marca de renome internacional.
I) Por sua vez, o Regulamento Municipal de Publicidade, no seu artigo 1.º, definindo o respectivo objecto e âmbito de aplicação, determina que “o presente Regulamento aplica-se a todos os meios ou suportes de afixação, inscrição ou difusão de mensagens publicitárias em locais públicos ou destes perceptíveis, na área do Município de Cantanhede”.
O próprio recorrente reconhece que nestas conclusões, das suas alegações, se questiona matéria de facto ao referir que o que nelas se afirma, corresponde, “a conhecimentos de conhecimento geral e de experiência comum de vida relativa à generalidade de situações de publicidade e aos objetivos desta”.
Com efeito os factos que se relacionam com esses conhecimentos gerais e da experiência comum não se encontram fixados na sentença recorrida.
Em todas as conclusões referidas se afirma, de forma direta ou indireta, matéria factual que a sentença recorrida não fixou.
É particularmente clara a conclusão E em que o recorrente afirma que “a impugnante, no caso concreto, através do anúncio luminoso, dos cartazes e dos dísticos colantes e outros, pretende dar a conhecer um conjunto de produtos que comercializa, no caso concreto, produtos da marca B………, com o objetivo de os vender, aproveitando o nome da marca – B……. – que lhos fornece pelo que é, por demais evidente uma forma de publicidade comercial, pois visa o desenvolvimento dos negócios da impugnante e dos seus fornecedores que se encontram a montante dela e aproveitando o nome comercial que a fornecedora dos combustíveis tem no mercado, para conseguir angariar o máximo possível de clientes”.
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3.3. Resulta da al. b) do artigo 26º e da al. a), do artigo 38º do ETAF e do nº 1 do artigo 280° do CPPT que a competência do Supremo Tribunal Administrativo para apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários restringe-se, exclusivamente, a matéria de direito.
Esta questão constitui uma excepção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo, ao qual compete (cfr. al. a) do artigo 38º) conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26°.
Nesta perspetiva o nº 1 do artigo 280° do CPPT afirma que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Compete, por isso, ao Supremo Tribunal Administrativo o papel de tribunal de revista, com intervenção reservada para os casos em que a matéria de facto controvertida no processo esteja estabilizada e apenas se discuta o direito em apreciação.
Para apreciar a competência, em razão da hierarquia, do STA deve atender-se às conclusões das alegações do recurso.
Na verdade são aquelas que definem o objeto do mesmo e delimitam o seu âmbito (cfr. Artigo 635º 4 do CPC).
Importa, por isso, verificar se, perante as conclusões referidas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, a sua apreciação implica a necessidade de dirimir questões de facto.
Com efeito importa verificar se o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, ou se diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, ou, ainda, se invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstrato, indiferentes para o julgamento da causa.
Torna-se, por isso, necessário confrontar as conclusões com a própria substância das alegações do recurso, nomeadamente, se nestas se afrontar expressamente a factualidade que suporta a decisão.
Se o recorrente suscitar qualquer questão de facto, o recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito, ficando, desde logo, definida a competência do Tribunal Central Administrativo, independentemente da eventualidade de, por fim, este Tribunal vir a concluir que a discordância sobre a matéria fáctica, ou que os factos não provados mas alegados são irrelevantes para a decisão do recurso.
E para efeitos da mesma competência, há, ainda, que verificar, sendo caso disso, se em sede de contra-alegações, vem requerida a ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do disposto no artigo 636º do CPC.
Neste recurso, como se referiu, o recorrente questiona nas ditas conclusões, um circunstancialismo factual que não se encontra refletido na matéria de fato o que tem relevância para a decisão a proferir quanto à sujeição ou não à indicada taxa.
Ou seja, questiona, no essencial, a matéria de facto que não se encontra fixada na sentença recorrida.
Estando, assim, a competência deste Supremo Tribunal excluída por força do recurso interposto, uma vez que se pretende discutir a referida matéria fatual, a competência para o seu conhecimento é do Tribunal Central Administrativo Norte e não deste Supremo Tribunal.
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O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, sendo o STA incompetente em razão da matéria para dele conhecer, quando questione matéria factual não fixada na sentença recorrida.
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4. Termos em que se acorda em julgar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do recurso interposto nestes autos e em declarar (nº 3 do artigo 18° do CPPT) competente o Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário).
Os autos serão remetidos a este Tribunal caso o recorrente venha a requerer essa remessa, nos termos do artigo 18.º n.º 2 do C.P.P.T.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

Lisboa, 5 de Julho de 2017. – António Pimpão (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.