Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01056/07
Data do Acordão:03/06/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO JUDICIAL
LEGITIMIDADE
GERENTE
REVERSÃO DA EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:Em processo de contra-ordenação fiscal, o gerente executado por reversão não tem legitimidade para, por si, interpor recurso judicial da decisão de aplicação de coima à sociedade executada originária.
Nº Convencional:JSTA00064886
Nº do Documento:SA22008030601056
Data de Entrada:12/18/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART3 B.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART59 N2.
LGT98 ART22 N4.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A... vem interpor recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferido nos presentes autos de contra-ordenação fiscal, de indeferimento liminar do recurso judicial contra a decisão de aplicação de coima pela autoridade administrativa.
1.2 Em alegação, o recorrente formula as seguintes conclusões.
A .Vem o presente recurso do douto despacho que considerou o recorrente parte ilegítima, no recurso que interpôs da decisão que aplicou uma coima à firma B..., Lda e que contra ele se encontra em execução.
B. Tal como resulta da decisão de que se recorre, a legitimidade para recorrer é definida pela aplicação do direito subsidiário previsto no art.º 3.º, alínea b) do RJIT, que remete para o art.º 41.º do DL. 433/82, de 27/10, o qual, por sua vez, remete para a norma do art.º 401º do Código de Processo Penal.
C. Assim, não estão aqui em causa as normas dos artigos 7.º e 8.º do RGIT, que são de direito substantivo.
D. Do regime do art. 401.º do CPP, particularmente da sua alínea d), resulta que tem legitimidade para recorrer a todos os que forem condenados ao pagamento de quaisquer importâncias... ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.
E. A legitimidade para recorrer da decisão que aplicou a coima pela prática de uma contra-ordenação não pode restringir-se à pessoa que a praticou, mas a todos aqueles que a lei responsabilize pelo seu pagamento.
F. Aliás, também o artigo 680.º, n.º 2 do CPC é claro ao estabelecer que «Mas também as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias».
G. Do mesmo modo, também o art.º 22.º da LGT aponta no mesmo sentido, apesar de não ser a norma que regula directamente a situação.
H. Sendo certo que o art.º 22.º da LGT tem de ser interpretado de forma coerente com o sistema, permitindo os mesmos meios de defesa ao devedor principal e ao solidário e subsidiário.
I. Além do que nada no texto ou no espírito da lei permite distinguir entre “dívida de liquidação” e dívida de coima. De qualquer forma:
J. Importa ter bem claro que o recurso interposto para o TAF de Braga, foi o primeiro acto pelo qual o recorrente reagiu contra a decisão que contra ele se pretende executar.
K. E reagiu contra ele porque, pela primeira vez foi tomada contra si uma medida que afecta os seus direitos - tanto assim é que foi ordenada a sua citação.
L. Assim, o recorrente tem a sua legitimidade para impugnar essa decisão expressamente prevista na lei.
M. E tendo reagido logo que teve conhecimento dos actos em causa, o seu recurso foi apresentado atempadamente, não valendo contra si qualquer citação efectuada à devedora principal, até porque a citação é um acto pessoal.
Qualquer norma que diga o contrário é manifestamente inconstitucional.
O. Nomeadamente, os artigos 7.º e 8.º do RGIT bem como a norma que resulta da conjugação do seu artigo 3.º, com o art.º 41.º do DL. 433/82, de 27/10 e o art. 401º do CPP, ou ainda o art.º 680.º do CPC e o art.º 22.º da LGT, são inconstitucionais quando interpretados no sentido de negar legitimidade activa para interpor recurso judicial da decisão proferida em processo de contra-ordenação que condene no pagamento de uma coima que a eles se pretenda cobrar.
P. E igualmente são inconstitucionais quando interpretados no sentido de fazer contar em relação ao responsável solidário e subsidiário os prazos de recurso do responsável principal.
Q. Inconstitucionalidade essa que resulta da violação dos artigos 20.º, 32.º, n.º 10 e 268.º da Constituição da República Portuguesa. Acresce que:
R. Apesar da evidência das questões supra suscitadas, entende o recorrente que existe uma outra que, por ser de conhecimento oficioso, poderia e devia ter sido apreciada pelo TAF de Braga.
S. Na verdade, estamos perante uma decisão proferida num processo de contra - ordenação contra uma sociedade comercial, mas cuja coima se pretende cobrar ao aqui recorrente.
T. Ora, está documentalmente demonstrado nos autos que a firma infractora foi dissolvida por sentença proferida no processo 2148/04.3 TJVNF do 2.º Juízo Cível de V.N. de Famalicão, transitado em julgado em 28/04/2005.
U. Consequentemente, tem de considerar-se extinto o processo por contra-ordenação ou, pelo menos, a coima nele aplicado, em conformidade com os artigos 61.º e 62.º do RGIF - o que não sucedeu.
V. Tanto mais que, conforme é entendimento pacífico, a dissolução das pessoas colectivas é equiparada à morte, conforme se pode ver no Ac. STA, de 21/1/2003 (www.dgsi.pt, proc. 01895/02), onde se salienta a opinião de Alfredo de Sousa Paixão e Jorge Sousa, no sentido de que «é essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas para a administração tributária.
W. Em sentido concordante, podem ver-se também os acórdãos do STA, de 6/10/2005, 12/01/2005 e 19/01/2005, todos em www.dgsi.pt
X. Assim, sendo, podia e devia o TAF de Braga - e pode agora este alto Tribunal - ter conhecido da questão em causa e, por via disso, ter considerado extinto o processo de contra-ordenação e a coima nele aplicado - art.º 61.º e 62.º do RJIF.
Y. Ao entender de forma diversa, a decisão recorrida violou os citados preceitos legais;
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra conforme ao supra alegado, considerando o recorrente parte legítima e ordenando a extinção dos autos, por extinção do processo de contra-ordenação.
1.3. Não houve contra-alegação.
1.4. O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que «o recurso não merece provimento e a decisão impugnada deve ser confirmada», dizendo o seguinte.
1. A decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima à sociedade, da qual o recorrente era sócio gerente (sentença fls. 28/32), atingiu o rendimento/património da sociedade arguida e não o rendimento/património pessoal do recorrente; este pressuposto consequência a solução normativa, que apenas confere ao arguido legitimidade para a interposição de recurso (art.º 59° n° 2 RGCO aplicável ex vi art. 3° al. b) RGIT; cf. neste sentido Jorge Lopes de Sousa/Manuel Simas Santos Regime Geral das Infracções Tributárias anotado 2ª edição 2003 p.477).
2. No caso sub judicio a convolação do pedido de recurso e respectivas alegações em petição de oposição à execução (onde poderiam ser apreciadas as questões da prescrição da dívida exequenda e da ilegitimidade substantiva do recorrente por inexistência de responsabilidade pelo pagamento da coima) está prejudicada em consequência de:
a) inadequação deste meio processual ao pedido formulado de revogação da decisão aplicativa de coima
b) intempestividade da apresentação da petição em 22.01.2007, face à citação do recorrente em 2.08.2006, por carta registada com aviso de recepção assinado pelo filho (alegações n° 2 fls. 18; informação fls. 34; art.º 203° n° 1 al. a) CPPT)
3. É espúria a apreciação da constitucionalidade das normas enunciadas na conclusão O), na medida em que nenhuma delas constitui suporte jurídico da decisão impugnada de indeferimento liminar do recurso (com excepção do art.º 22° n° 4 LGT).
A norma constante do art.º 22° n° 4 LGT, interpretada no sentido enunciado na citada conclusão O), não viola os princípios e garantias constitucionais do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva e do direito de defesa (arts.º 20°, 32° n° 10 e 268° n° 4 CRP) porque:
a) o responsável solidário ou subsidiário por coima resultante de infracção tributária pode convocar a tutela jurisdicional mediante dedução de oposição à execução (embora não possa apresentar impugnação judicial para discussão da legalidade da coima)
b) em processo de contra-ordenação a garantia constitucional do direito de audiência e de defesa, incluindo o recurso, é assegurada apenas ao arguido.
1.5 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor do despacho recorrido, em que «indefere-se liminarmente o presente recurso, por o recorrente ser parte ilegítima e por ser extemporâneo da sua interposição» – a questão que, antes de todas, aqui se coloca é a de saber se, no caso, o ora recorrente goza, ou não, de legitimidade para a interposição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima pela autoridade administrativa.
2.1 O despacho recorrido apresenta o seguinte teor integral.
A... veio recorrer judicialmente da decisão proferida no processo de contra-ordenação instaurado contra B..., Lda., que aplicou uma coima no valor de 1 379.51 €.
A decisão foi proferida pela entidade administrativa em 11.11.2002 e notificada à arguida em 22.01.2003.
Não foi paga a coima nem interposto recurso pelo que a decisão administrativa transitou em julgado em 19.02.2003.
Em 22.01.2007, A... na qualidade de responsável subsidiário e ao abrigo do n° 4 do art.º 22° da Lei Geral Tributária (LGT) recorreu da decisão da contra-ordenação.
Alega que os responsáveis subsidiários podem reclamar e impugnar a dívida nos mesmos termos do devedor principal, por maioria de razão também podem contestar os factos que motivaram a decisão proferida nos processos de contra-ordenação.
Nos termos 62° n.° 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), ex vi do art.º 3° al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias foram os autos com vista ao Ex. Magistrado do Ministério Público o qual emitiu o parecer alegando que o recorrente não é parte legítima para recorrer da decisão aplicada à arguida e que a decisão administrativa há muito que transitou em julgado, sendo certo que o recorrente embora possa responsabilizado pelo pagamento da coima, nos termos previstos no art. 8° do RGIT, não é parte no processo de contra - ordenação pelo que o recurso deve ser indeferido.
A questão que se põe é a de saber se por força do n° 4 do art.º 22° da LGT, o requerente, responsável subsidiário, tem poderes para contestar os factos que motivaram a decisão proferida em processo de Contra - Ordenação.
O n° 4 do art.º 22° da LGT determina que «As pessoas solidárias ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.”
Resulta da interpretação do referido preceito que os responsáveis solidário e subsidiários somente podem reclamar ou impugnar dívida da qual resulte de uma liquidação, ou seja é-lhe permitido discutir a legalidade da dívida exequenda.
Assim, não se pode fazer uma interpretação extensiva, do referido normativo, na qual abranja as coimas aplicadas.
As coimas, consubstanciam-se na violação de uma regra de conduta determinada por lei.
Assim sendo não é permitido, aos responsáveis subsidiários vir contestar os a decisão de aplicação de coimas nos termos do n° 4, do art.º 22° da LGT.
Acresce referir que o recorrente, fundamenta o recurso de contra - ordenação com base na prescrição e na ausência de culpa.
Assim, sendo a recorrente pode alegar tais factos em sede de oposição, nos termos do art. 204° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Importa ainda verificar se os presentes autos, podem ser objecto de revisão de sentença, nos termos do art. 85° do RGIT.
Resulta da conjugação desse normativo com o art.º 80° do RGCO e art.º 449° do Código do Processo Penal (CPP) que os fundamentos apresentados pelo requerente não se enquadram nos referidos e que só tem legitimidade para requerer a revisão, a arguida, Ministério Público e a autoridade administrativa.
Sendo o recorrente um responsável subsidiário não podem os autos serem convolados em processo de revisão, embora estejam dentro do prazo de 5 anos, a que se refere o art.º 86° do RGIT.
Face ao exposto indefere-se liminarmente o presente recurso, por o recorrente ser parte ilegítima e por ser extemporâneo a sua interposição.
Custas pelo recorrente fixando-se a Taxa de Justiça em 2 UCS, nos termos da alínea c) do art.º 87° do Código das Custas Judiciais.
Notifique-se a recorrente do presente despacho e o Ministério Público.
2.2 Às contra-ordenações fiscais e respectivo processamento é aplicável
subsidiariamente o regime geral do ilícito de mera ordenação social – por força da alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral da Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho).
O artigo 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 356/89 de 17 Outubro, e do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro) preceitua que «A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial» (n.º 1); e que «O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor» (n.º 2).
E «As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal (…)» – nos termos do n.º 4 do artigo 22.º da Lei Geral Tributária.
No caso sub judicio, o ora recorrente veio, em 22 de Janeiro de 2007, nas suas próprias palavras, «recorrer judicialmente da decisão proferida no processo de contra-ordenação à margem referenciado que aplicou a coima de 1.379,51 euros e custas referente a falta de apresentação da declaração periódica de IVA do período de Janeiro a Dezembro de 2000, em que é devedora originária a B..., L.da» – cf. fls. 18.
Em face do que no Tribunal a quo, e pelo despacho aqui em crise, foi decidido essencialmente que «indefere-se liminarmente o presente recurso, por o recorrente ser parte ilegítima».
E, por tal sinal, está bem decidido.
Com efeito, o ora recorrente não é a pessoa arguida neste processo de contra-ordenação. A pessoa arguida no presente processo de contra-ordenação fiscal é a sociedade “B..., L.da”.
Como assim – e de acordo com o n.º 2 do artigo 59.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, por remissão do artigo 3.º do Regime Geral da Infracções Tributárias – ao ora recorrente falece legitimidade para, por si, interpor o recurso judicial que nestes autos interpôs da decisão de aplicação de coima à sociedade “B..., L.da”.
O ora recorrente fala ainda de extinção do «processo por contra-ordenação»; e da «manifestamente inconstitucional» «qualquer norma que diga o contrário». No entanto, e como é sabido, os recursos jurisdicionais não se destinam a conhecer de “questões novas”, não apreciadas no Tribunal a quo. É certo que a falada questão da extinção do «processo por contra-ordenação» poderia provocar o conhecimento oficioso deste Tribunal, se se verificasse, v.g., a prescrição da coima, o que não vem sequer alegado, nem os presentes autos de contra-ordenação propiciam os elementos necessários ao conhecimento de tal questão, sendo que a prescrição da coima pode e deve ser conhecida na execução fiscal, onde o revertido, ora recorrente, tem a legitimidade processual que aqui lhe falece para invocar essa e outras questões inclusivamente as de inconstitucionalidade que aventa.
Estamos deste modo a dizer, sem necessidade de mais alargados considerandos, e em resposta ao thema decidendum, que, no caso, o ora recorrente não goza de legitimidade para a interposição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima pela autoridade administrativa – razão por que deve ser negado provimento ao recurso.
E, então, havemos de concordar que, em processo de contra-ordenação fiscal, o gerente executado por reversão não tem legitimidade para, por si, interpor recurso judicial da decisão de aplicação de coima à sociedade executada originária.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 6 de Março de 2008. - Jorge de Lino (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.