Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0984/16
Data do Acordão:10/12/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DÍVIDA À SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
SUCESSÃO DE FACTOS INTERRUPTIVOS
Sumário:I - O prazo de prescrição de dívidas por contribuições à segurança social interrompe-se “por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” (artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000).
II - Constituem factos interruptivos do prazo de prescrição de dívidas à segurança social a notificação do potencial revertido para audiência prévia à reversão bem como a citação deste para a execução fiscal, sendo que este segundo facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.
III - O n.º 3 do artigo 49.º da LGT é aplicável aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social que tenham não apenas efeito instantâneo, como também o efeito duradouro de impedir que o novo prazo comece a correr enquanto não findar o processo.
Nº Convencional:JSTA00069846
Nº do Documento:SA2201610120984
Data de Entrada:08/22/2016
Recorrente:SECÇÃO DE PROCESSOS DE LEIRIA DO IGFSS, IP
Recorrido 1:A...
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART49 N1 N3.
L 53-A/2006.
L 4/2007 DE 2007/01/16 ART60 N3.
CCIV66 ART327 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01500/14 DE 2015/05/20.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PAG57-58 E PAG69-72.
Aditamento:
Texto Integral: 1— RELATÓRIO

A………….., executado no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1001200701149784, instaurado no IGFSS, veio deduzir reclamação de actos do órgão de execução fiscal, nos termos do disposto no art. 276.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na sequência do despacho, datado de 14.03.2016, do Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS, que indeferiu o pedido de prescrição da dívida exequenda no âmbito do mencionado processo.

Por decisão judicial foi julgada procedente a reclamação e anulado o acto reclamado.

Não se conformando interpôs o IGFSS, recurso para este STA onde concluiu do seguinte modo:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls… dos presentes, nos termos do qual o Tribunal a quo decidiu julgar procedente por provada a reclamação deduzida e em consequência julgou procedente a reclamação e ordenou a anulação da decisão reclamada.

2. Entendeu-se na douta sentença que, o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos, porém, entendeu-se também que, nos termos do art. 49º n.º 3 da Lei Geral Tributária, que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar, e que os factos interruptivos da prescrição - notificação da dívida em 04-07-2007 e a citação em 26-02-2008 já ocorreram na vigência dessa redação, donde, a citação realizada nem 26-02-2008, não é suscetível de desencadear uma nova interrupção do prazo de prescrição.

3. Ora, em 04-07-2007 o recorrente foi notificado para pagamento da dívida, na qualidade de trabalhador independente, referente ao período compreendido entre 12/2002 e 04/2007.

4. Com efeito, a citação pessoal efetuada em 26.02.2008 interrompeu novamente o prazo de prescrição.

5. A citação do recorrido para a execução fiscal tem uma eficácia duradoura (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.

6. De facto, o n.º 3 do art.º 49 da L.G.T., determina que a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar, porém, tal dispositivo legal não se aplica à Segurança Social.

7. À data dos factos a Lei de Base da Segurança Social no n.º 3 do art.º 60.º (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), e atualmente o n.º 2 do art. 187.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, determina que, “o prazo de prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida”

8. Donde, considerando-se que a lei geral não derroga lei especial que já exista, a não ser que o faça expressamente, a citação ocorrida em 26-06-2007 interrompeu o prazo de prescrição em curso.

9. Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra no sentido de manter a instância processual contra o recorrido, como parece ser legal e de inteira justiça.

Nestes termos, e nos que mais V. Exc.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente ser substituída por outra no sentido de manter a instância processual contra o recorrido, e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida.


Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste STA emitiu parecer do seguinte teor:

Questiona a Recorrente o acerto da sentença do TAF de Leiria de 5.07.2016 que, considerando prescritas as dívidas exequendas, anulou o despacho reclamado.

Argumenta, no essencial, que a norma do n.º 3, do art. 49.º da LGT não é aplicável à Segurança Social. Mas não tem razão, salvo melhor entendimento.

Senão vejamos:

Não é controvertido que o prazo da prescrição a considerar é, no caso das dívidas em causa, o prazo de 5 anos fixado pela Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (art. 63º, n.º 2), a contar da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida, prazo esse que se manteve com a Lei n.º 32/2002, de 20 de Dez. (art. 49º, n.º 1), com a Lei n.º 4/2007, de 16 de Jan. (art. 60.º, n.º 3) e com o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (art. 187.º, n.os 1 e 2).

No quadro legal a considerar a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (nº 3 do art. 63º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, art. 49.º, n.º 2 da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dez., art. 60.º, n.º 4 da Lei n.º 4/2007, de 16 de Jan. e art. 187.º, n.º 2 do CRCSPSS).

Como é jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal as causas de interrupção atendíveis para o cômputo do prazo da prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2, do art. 12º do C.Civil.

Para este efeito serão diligências administrativas, como explica o douto acórdão deste STA de 1-10-2008, in Rec n.º 0661/08, “todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor”.

No caso em apreço, é inquestionavelmente facto interruptivo da prescrição aquele que consta da alínea A dos factos provados.

A ocorrência do facto interruptivo tem, em regra, efeito instantâneo. Inutiliza para a prescrição todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir do facto interruptivo (art. 326.º, n.º 1 do C.Civil).

Só assim não será, tendo a interrupção efeito duradouro, quando a mesma resultar de acto previsto no n.º 1 do art. 327º, do C. Civil, caso em que não terá início novo prazo de prescrição enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Assim, interrompendo-se o prazo prescricional com a notificação a que alude a alínea A dos factos provados e começando a correr novo prazo de 5 anos após essa notificação, facilmente se concluirá que operou, no caso, a prescrição das dívidas exequendas.

É certo que em 26.02.2008 o Reclamante, ora Recorrido, foi citado para a execução (alínea C dos factos provados) e esse acto constitui, sem dúvida, facto interruptivo duradouro do prazo prescricional. Porém, como o acto de citação, bem como a notificação a que alude a alínea A dos factos provados já ocorreram na vigência da actual redacção do n.º 3 do art. 49.º da LGT, introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, o mesmo não é susceptível de desencadear nova interrupção do prazo da prescrição. E essa disposição legal, ao invés do que sustenta a ora Recorrente, é aplicável às dívidas à Segurança Social.

Com efeito, como pondera Jorge Lopes de Sousa, in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária”, 2.ª edição, 2010, pág. 126, embora a matéria relativa à prescrição das dívidas à Segurança Social esteja submetida a um regime especial serão de aplicar, no que não está especialmente regulado, “as regras dos arts. 48.º e 49.º da LGT, atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico-tributárias, afirmada no seu art. 1.”. Nesse sentido igualmente se pronunciou o douto acórdão deste STA de 20.05.2015, in Rec n.º 01500/14, onde a questão da aplicabilidade do disposto no n.º 3 do artigo 49.º da LGT às dívidas à Segurança Social foi expressa e desenvolvidamente examinada.

Concluo, assim, sem mais delongas, pela improcedência do presente recurso e, em consequência, pela manutenção do julgado.

É o meu parecer.

2- FUNDAMENTAÇÃO:
A decisão de 1ª instância deu como assente a seguinte matéria de facto que não sofre contestação.
A. Através do ofício datado de 01.06.2007, recebido a 04.07.2007, o Reclamante, A……………, foi notificado pelo Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social para, no prazo de 15 dias, proceder à regularização das contribuições devidas à Segurança Social, na qualidade de trabalhador independente, referentes ao período compreendido entre 12.2002 e 04.2007, no valor de € 7.461,61, acrescido de juros de mora (cfr. ofício e aviso de recepção, a fls. 15 a 17 dos autos, que se dão por reproduzidos);
B. Em 29.12.2007, foi autuado no IGFSS em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.° 1001200701149784, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de contribuições, no valor de € 2.174,11 (cfr. fls. 2 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
C. Através do ofício datado de 13.02.2008. recebido a 26.02.2008, o Reclamante foi citado pelo IGFSS, no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea antecedente, para pagar a quantia exequenda de € 8.225,49, relativa a contribuições, dos meses de Dezembro de 2012 a Julho de 2007, acrescida de juros (cfr. citação, certidões de dívida e aviso de recepção, a fls. 3 a 9 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
D. Em 10.08.2015, o Reclamante apresentou no IGFSS requerimento a solicitar a extinção do processo por prescrição das dívidas (cfr. requerimento, a fls. 11 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);
E. Por despacho do Coordenador da Secção de Processo Executivo do IGFSS, datado de 14.03.2016, foi indeferido o requerimento referido na alínea antecedente, com os fundamentos constantes da informação elaborada nos Serviços, da qual consta, na parte relevante o seguinte:
“(...) 1. Factos
Data da interrupção/suspensão da prescrição: 04-06-2007 notificação da dívida pelo Centro Distrital de Leiria (...) e *citação no âmbito do processo executivo em 26-02-2008.
(…)
(*) A citação do(a) executado(a) para a execução fiscal tem eficácia duradoura (artigo 327.º, nº 1 do Código Civil, aplicável ex vi artigo 2 alínea e) da CPPT), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal) (...)".
(cfr. decisão e informação, a fls. 19 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
F. A decisão referida na alínea antecedente foi notificada ao Reclamante a coberto do ofício n.° 1GF003269, de 14.03.2016 (cfr. ofício a fls 20 dos autos).

3- DO DIREITO:
Para se decidir pela procedência da reclamação considerou a decisão recorrida o seguinte que se apresenta por súmula:

(…) Nos presentes autos, cumpre aferir da prescrição das dívidas exequendas.
Como referido anteriormente, a presente reclamação não foi contestada.
Advogou o Reclamante que se encontram prescritas as dívidas referentes aos meses de 12.2002 a 06.2007, nos termos previstos no n° 2 do art. 327.° do Código Civil.
Vejamos:
O instituto da prescrição, regulando o conteúdo das relações jurídico-materiais (porque contende com os elementos extintivos das obrigações), assume natureza substantiva, e tem vindo a ser sujeito a alterações, quer quanto aos prazos prescricionais, quer quanto às causas de interrupção.
No caso dos autos, as dívidas exequendas reportam-se aos períodos de Dezembro de 2002 a Julho de 2007 (cfr. alínea C. dos factos provados).
A Lei n.° 17/2000, de 8 de Agosto, que entrou em vigor em 08.02.2001 (180 dias após a data da publicação atento o disposto no artigo 119°), veio estabelecer um prazo de prescrição de 5 anos (cfr. artigo 63°, n.° 2, do mencionado diploma), prazo este que se mantém inalterado no artigo 49.° da Lei n.° 32/02, de 20 de Dezembro), que definiu as bases gerais em que assenta o sistema da Segurança Social.
Como estabelecem os n°s. 2 e 3 do artº. 63.° da Lei n° 17/2000, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que aquela contribuição devia ter sido cumprida, e interrompe-se pela realização de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida.
Para este efeito, “diligências administrativas” serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (cfr., nesse sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.01.2009, processo n.° 835/08, disponível em www.dgsi.pt). Como refere Jorge Lopes de Sousa “Assim, terão efeito interruptivo não só os actos praticados no processo de liquidação de que seja dado conhecimento ao devedor (como as notificações para exercício do direito de audiência e da liquidação), mas também os actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária de que é dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide.).” — cfr. “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária - Notas Práticas”, 2. Edição - 2010, p. 128.
O prazo de prescrição conta-se, in casu, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, ou seja, a partir da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida (cf. Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2. edição, pág. 126), que no caso de contribuições para a Segurança Social é o dia 15 do mês seguinte a que respeita (cf artigo 10°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 199/99, de 8 de Junho).
No que não está especialmente regulado quanto ao prazo de prescrição serão de aplicar as regras dos artigos 48.° e 49.° da LGT (neste sentido, vide Jorge Lopes de Sousa, in Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2. edição, pág. 126) e ainda sobre os efeitos da interrupção da prescrição as disposições do Código Civil, uma vez que, nem a LGT, nem a lei da segurança social dispõem especialmente sobre esta matéria.
Retomemos o caso dos autos.
Neste caso, o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos, de acordo com o disposto no referido artigo 63°, n.° 2 da Lei n.° 17/2000, de 8 de Agosto.
Este prazo interrompeu-se com a notificação que foi efectuada ao Reclamante em 04.07.2007 (cfr. alínea A. dos factos provados).
Esta primeira interrupção da prescrição tem um efeito instantâneo, de inutilizar para a prescrição o tempo até então decorrido e de determinar o início de novo prazo, nos termos previstos no art. 326.° do Código Civil, por não haver suporte legal para que lhe seja atribuído igualmente o efeito duradouro, apenas previsto excepcionalmente para os casos elencados no n.° 1 do seu artigo 327.° (cfr., neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 01500/14, de 20.05.2015, disponível em www.dpsi.pt)
A citação para o processo executivo, ocorrida em 26.02.2008 (cfr. alínea C. dos factos provados), tem um efeito interruptivo da prescrição, instantâneo, mas também duradouro, inutilizando para a prescrição o tempo antes decorrido, não começando novo prazo de prescrição a correr enquanto não findar o processo executivo no qual aquela interrupção se verificou, nos termos previstos no n.° 1 do art. 327.° do Código Civil.
Ao contrário do que pretende o Reclamante, não pode aplicar-se, neste caso, o regime do n.° 2 do art. 327.° do Código Civil, porquanto, não tendo o mesmo deduzido oposição ou impugnação judicial, não houve lugar a desistência, absolvição ou deserção da instância.
Devendo as obrigações em causa ter sido cumpridas no dia 15 do mês seguinte ao que dizem respeito, em 04.07.2007, quando o ISS notificou o Reclamante da existência da dívida ainda não estavam prescritas as contribuições que se encontravam em dívida em Dezembro de 2002 (e que deviam ter sido cumpridas em 15 de Janeiro de 2003), por não ter decorrido ainda o prazo de 5 anos (que terminaria a 16 de Janeiro de 2008). Não se encontrando prescrita a dívida mais antiga, por maioria de razão, não se encontravam prescritas as dívidas mais recentes.
Considerando, no entanto, que, nos termos previstos no art. 49°, n.° 3 da LGT (na redacção dada pela Lei n.° 53-A/2006, de 29/12), a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar e que os factos interruptivos da prescrição (neste caso, a notificação da dívida e a citação) já ocorreram na vigência dessa redacção, a citação realizada não é susceptivel de desencadear uma nova interrupção do prazo de prescrição (cfr., neste sentido, igualmente o acórdão do STA anteriormente citado).
Desta forma, tendo-se iniciado um novo prazo de prescrição em 05.07.2007 em 06.07.2012 prescreveram as dívidas exequendas, por ter decorrido o prazo de prescrição de 5 anos.
Em conformidade, devem considerar-se prescritas as dívidas exequendas, pelo que procedem as alegações do Reclamante.
IV - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se julgar a presente reclamação, apresentada por A………………., procedente, por provada, e, em consequência, anular a decisão reclamada.

DECIDINDO NESTE STA:
A questão que se coloca no recurso consiste em primeiro lugar por saber se a dívida à Segurança Social se mostra prescrita o que implica analisar se o disposto no n.º 3 do art.º 49 da L.G.T (preceito que determina que a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar) se aplica às dívidas à Segurança Social.

Para defender a sua posição de que a dívida em causa nos autos ainda não prescreveu defende o IGFSS que tal dispositivo legal não se aplica à Segurança Social pois que à data dos factos a Lei de Base da Segurança Social no n.º 3 do art.º 60.º (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), e actualmente o n.º 2 do art. 187.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, dispunha que, “o prazo de prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” e assim no seu entendimento porque a lei geral não derroga lei especial que já exista, a não ser que o faça expressamente, no seu modo de ver a citação ocorrida em 26/06/2007 interrompeu o prazo de prescrição em curso.

Adiantamos já que embora com distinta fundamentação acaba por assistir razão ao recorrente, como procuraremos demonstrar.

A questão suscitada já não é nova, pois que este STA no acórdão de 20/05/2015 tirado no recurso nº 01500/14, expressou jurisprudência em sentido contrário à posição defendida pelo referido Instituto, quanto à inaplicabilidade do artº 49º nº 3 às dívidas da Segurança Social assim sumariado:

I - O prazo de prescrição de dívidas por contribuições à segurança social interrompe-se “por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” (artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000).

II - Constituem factos interruptivos do prazo de prescrição de dívidas à segurança social a notificação do potencial revertido para audiência prévia à reversão bem como a citação deste para a execução fiscal, sendo que este segundo facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.

III - O n.º 3 do artigo 49.º da LGT é aplicável aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social que tenham não apenas efeito instantâneo, como também o efeito duradouro de impedir que o novo prazo comece a correr enquanto não findar o processo.

A fundamentação então expressa mantém-se actual pelo que com a devida vénia nos permitimos destacá-la. Ali se expressou:

(…) Não se vê, contrariamente ao alegado pelo recorrido IGFSS, que não haja lugar à aplicação subsidiaria às dívidas da segurança social do disposto no n.º 3 do artigo 49.º da LGT, porquanto a especialidade do regime da prescrição das dívidas à segurança social respeita apenas ao prazo (5 anos e não 8), respectivo dies a quo (a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida) e factos interruptivos (quaisquer diligências administrativas, realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducentes à liquidação ou à cobrança bem como, desde a entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, a apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação), sendo de aplicar as regras da LGT no que não está especialmente regulado atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico-tributárias, afirmada no seu artigo 1.º (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª ed., 2010, p. 126).

Só assim não seria se o legislador, no domínio da Segurança Social, tivesse afastado a aplicação dessa norma, o que não fez - nem aquando da aprovação da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007), nem aquando da aprovação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, cuja aprovação e entrada em vigor ocorreram já após a alteração ao artigo 49.º n.º 3 da LGT introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 -, ou se o regime especial previsto para tais obrigações fosse incompatível com a aplicação da norma do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, o que não é o caso porquanto o facto de no domínio da segurança social serem factos interruptivos da prescrição quaisquer diligências administrativas tendentes à liquidação ou à cobrança da dívida de que seja dado conhecimento ao responsável pelo pagamento apenas significa que o legislador se dispensou de, em concreto, as enumerar, preferindo utilizar como técnica legislativa uma cláusula geral, ou, finalmente, se se descortinassem razões pelas quais se fosse levado a entender que o regime que vale para a generalidade das obrigações tributárias desde 1 de Janeiro de 2007 não deve valer igualmente para as dívidas à segurança social, o que também se não descortina.

Acresce que sempre entendeu a jurisprudência, que os n.ºs 2 e 3 do artigo 48.º da LGT, bem como o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, revogado pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro, são disposições subsidiariamente aplicáveis às dívidas à Segurança Social, em conformidade, aliás, com o âmbito de aplicação que a LGT define para si própria (cfr. o seu artigo 1.º) e com a natureza jurídica tributária das dívidas à segurança social – cfr., a título de exemplo, os Acórdãos deste STA de 12 de Abril de 2012, rec. n.º 115/12, de 9 de Maio de 2012, rec. n.º 282/12 e de 31 de Outubro de 2012, rec. n.º 761/12. (…)

Anota-se ainda, e destaca-se, que o legislador não afastou a aplicação do nº 3 do artº 49 da LGT nem aquando da aprovação da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007), nem aquando da aprovação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, cuja aprovação e entrada em vigor ocorreram já após a alteração ao artigo 49.º n.º 3 da LGT introduzida pela Lei n.º 53-A/2006.

Mas, apesar de neste segmento carecer de razão a alegação do recorrente IGFSS acresce referir que a sentença recorrida deu relevo indevido ao facto interruptivo, destacado na alínea A) do probatório da sentença, ocorrido em 04/07/2007, já depois da entrada em vigor do art. 49°, n.° 3 da LGT (na redacção dada pela Lei n.° 53-A/2006, de 29/12). Sendo certo que a notificação da dívida ocorreu na data acabada de referir não teve, porém, como consequência impedir o efeito interruptivo que a posterior citação teve ao desencadear uma nova interrupção do prazo de prescrição pois que tal notificação que deve ser entendida como uma diligência administrativa (vide J. Lopes de Sousa in Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária) não consta do elenco de factos interruptivos tipificado no nº 1 do artº 49º da LGT. É que este preceito tem de ser lido/interpretado com respeito pela harmonia que decorre do seu conjunto normativo. O seu número 3) tem uma ligação intrínseca ao seu número 1) onde não se integra a notificação do valor da dívida exequenda (diligência administrativa que tem efeito interruptivo sim, mas sem a limitação decorrente do nº 3 do artigo 49º da LGT). Ou seja: esta norma é aplicável à interrupção da prescrição das dívidas à segurança social, porém com adaptações, decorrentes de estarem tipificadas ou não no referido número um do preceito a que nos vimos referindo.

Com efeito, como já foi referido no Acórdão 1500/14 de 20.05.2015, é verdade que enquanto os factos interruptivos da prescrição das dívidas tributárias elencados no n.º 1 do artigo 49.º da LGT têm todos eles efeito duradouro (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária pp.57/58 e 69/72) , assim não é quanto aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social, de regra com efeito instantâneo) com excepção da citação para a execução que tem efeito duradouro, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil.

Assim, deve entender-se que a limitação a uma das interrupções da prescrição das dívidas à segurança social apenas valha para os factos interruptivos referidos no artigo 49º nº 1 da LGT designadamente a citação para os termos do processo executivo.

Ora, verifica-se que, no caso dos autos, a primeira interrupção da prescrição, decorre não da citação mas antes da notificação para pagamento, concretizada em 04/07/2007 mas, porque não prevista no nº 1 do artº 49º da LGT, não lhe é aplicável a norma do n.º 3 do artigo 49.º da LGT e daí que não possa desconsiderar-se a citação para os termos da execução fiscal ocorrida em 26/02/2008. Esta, tem efeito interruptivo da prescrição, e efeito duradouro, já que com esta nova interrupção da prescrição, se inutiliza o tempo antes decorrido, não começando novo prazo de prescrição a correr enquanto não findar o respectivo processo executivo.

E, do probatório resulta que o processo executivo ainda não findou alíneas D) e E) onde se referencia a data de 14/03/2016. Assim sendo, é manifesto que a prescrição ainda não se verificou.

Está pois desacertada a decisão que julgou prescrita a dívida exequenda, razão pela qual não se pode manter.

4- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso revogando a decisão recorrida e mantendo na ordem jurídica o despacho reclamado.

Custas a cargo do recorrido apenas em 1ª Instância dado não ter contra-alegado.

Lisboa, 12 de Outubro de 2016. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo, vencida conforme voto em anexo. - Casimiro Gonçalves.

Voto de vencida

Não acompanho a decisão adoptada, porque entendo que, na situação em análise há muito que está prescrita a obrigação tributária em causa nestes autos, pelas razões que passo a enunciar:
Apesar de estarem em causa dívidas de contribuições obrigatórias para a Segurança Social, com um regime de prescrição próprio quer quanto ao prazo de prescrição, cinco anos, quer quanto aos factos interruptivos da prescrição, L. n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, na falta de regulamentação própria deve aplicar-se o disposto na Lei Geral Tributária, neste caso o art.º 49.º, dada a vocação deste diploma para regular as relações jurídico tributárias – art.º 1.º da LGT -.
A utilização em direito tributário de disposições do Código Civil é meramente subsidiária, em conformidade com o disposto no art.º 2.º do CPPT.
Assim, a citação ocorrida em processo executivo é causa interruptiva da prescrição.
Na aplicação do disposto no art.º 49.º da LGT a este caso resulta que a citação sendo o segundo facto interruptivo verificado é o primeiro dos que constam do elenco do n.º 1 do art.º 49.º da LGT, daí a sua relevância.
Porém, sendo a citação facto interruptivo, não é facto suspensivo do prazo de prescrição por não constar do elenco de factos suspensivos constantes do n.º 4 e 5 do referido artigo.
A pendência do processo de execução não tem qualquer efeito suspensivo a menos que seja deduzida oposição, impugnação, reclamação ou recurso hierárquico, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida – art.º 49.º, n.º 4 da LGT.
Confirmaria, pois a sentença recorrida por há muito se ter completado o prazo de prescrição.

Ana Paula Lobo