Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:092/17
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:MAGISTRADO JUDICIAL
JUBILAÇÃO
CÁLCULO DA PENSÃO
Sumário:I - O cálculo da pensão dos magistrados judiciais aposentados/reformados que se jubilam obedece ao disciplinado no artigo 67º do EMJ, o qual contém uma regra de indexação à remuneração dos magistrados em efectividade de funções.
II - Não existe fundamento legal para a alegada necessidade de dedução da percentagem de quota para a CGA para efeitos do cálculo da pensão dos magistrados em questão.
Nº Convencional:JSTA000P22066
Nº do Documento:SA120170629092
Data de Entrada:03/06/2017
Recorrente:CGA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [CGA] interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 07.10.2016, que, concedendo provimento ao recurso de apelação interposto pelo Juiz Conselheiro - jubiladoA…………., julgou totalmente procedente a «acção administrativa especial» [AAE] em que este pedia a sua «condenação à prática do acto considerado legalmente devido».

Conclui assim as suas alegações:

1- Está em causa, no presente recurso, a interpretação do disposto nos artigos 67º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ], a qual convém esclarecer para melhor aplicação no futuro, atendendo ao importante grupo profissional a que se reporta, assumindo assim uma particular relevância comunitária, estando em causa uma verdadeira alteração de paradigma no que concerne à determinação do montante da pensão de aposentação ou remuneração de jubilado, que passa, na interpretação defendida pelo TCAN a ser relativamente autónoma e independente da carreira contributiva;

2- Não existe qualquer fórmula de cálculo de pensão específica para magistrados jubilados para além da descrita no artigo 68º do EMJ;

3- Refere a primeira parte do nº6 do artigo 67º do EMJ que a pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo... - se assim é, a pensão terá de ser proporcional à carreira contributiva, a qual, na perspectiva da CGA, resulta precisamente da fórmula prevista no artigo 68º do EMJ;

4- Aquela fórmula é precisamente a que se encontrava vigente no artigo 53º, nº1, do Estatuto da Aposentação [EA] para a generalidade dos subscritores que se aposentaram até 31.12.2005, salientando-se que a pensão de aposentação dos magistrados jubilados sempre foi determinada de acordo com aquela mesma fórmula de cálculo, sendo que a única especificidade prendia-se com o regime de actualização da pensão por indexação;

5- A partir de 01.01.2006, foram sendo sucessivamente alteradas as fórmulas de cálculo previstas no EA orientadas, por um lado, pelo princípio da convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral de segurança social, e, por outro, pela necessidade da sustentabilidade e equilíbrio financeiro do sistema de pensões;

6- Manteve-se, no entanto, a fórmula prevista no artigo 51º, nº1, do EA, até 31.12.2005, para os magistrados que se aposentassem com o estatuto de jubilados. Simultaneamente, porém, em termos sintéticos e por todos conhecidos, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo não ser de aplicar o gradual aumento de idade e de tempo de serviço, previstos no artigo 37º, nº1, do EA, na redacção dada pela Lei nº60/2005, de 29.12, necessários para aceder ao estatuto de jubilado/pensionista, assinalando, então, nos respectivos estatutos sócio profissionais das magistraturas, pela primeira vez, uma remissão estática para aquele artigo 37º, nº1, do EA, no que se referia às condições de idade legal e tempo de serviço necessários para a aposentação voluntária;

7- Em 2011, surge então a Lei nº9/2011, de 12.04, cuja finalidade era adaptar os Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, no tocante ao regime de aposentação/jubilação, aos princípios de convergência dos regimes de protecção social [da CGA e do regime geral da segurança social] - que, aliás, se encontra prevista numa Lei de valor reforçado: a Lei de Bases da Segurança Social - prevista na Lei nº4/2007, de 16.01 - e equidade, visando garantir simultaneamente a sustentabilidade dos sistemas de segurança social;

8- Sublinhe-se que apesar de nem a convergência, nem a necessidade de garantir a sustentabilidade financeira dos sistemas de segurança social implicarem um tratamento igualitário dos vários regimes de protecção social, pretender-se-á, no entanto, uma harmonização das regras tendentes à formação de direitos e de atribuição das respectivas pensões que aproxime aqueles regimes de protecção social e não que os afastem;

9- Ora, a interpretação segundo a qual os magistrados jubilados têm direito a uma pensão que mais não é do que a remuneração que vinham recebendo no activo, que resulta do acórdão recorrido, afasta decisivamente o regime de protecção social aplicável aos magistrados do regime de protecção social convergente [que inclui outros regimes especiais], como do regime geral de segurança social, em clara divergência com o princípio da convergência que tem norteado toda a reforma de segurança social;

10- Além disso, a interpretação do acórdão recorrido parece não ter em consideração o facto de um magistrado jubilado poder ter uma grande parte da carreira contributiva afecta a um regime de protecção social que não o da CGA, e que não se refere sequer a funções exercidas como magistrado;

11- Há, com efeito, magistrados que podem aceder à jubilação sem possuir o requisito dos 25 anos de tempo de serviço na magistratura - aqueles que tinham mais de 40 anos de idade na data de admissão ao Centro de Estudos Judiciários ou os Conselheiros não oriundos da magistratura - ver artigo 67º, nº13, do EMJ;

12- Nestes casos, os magistrados têm forçosamente uma carreira contributiva noutros regimes de protecção social, seja o regime geral de segurança social, seja o regime de protecção social convergente ou outros;

13- Na interpretação defendida no acórdão recorrido estes magistrados jubilados terão direito a uma pensão líquida correspondente ao seu vencimento no activo [o que designamos por remuneração de jubilado] apesar de proporcionalmente terem efectuado menos contribuições pela carreira de magistrado;

14- Significa isto, no limite, que poderão existir magistrados jubilados com 5 anos de carreira no exercício destas funções, com uma pensão completa/remuneração de jubilado a que poderá acrescer uma outra pensão pela carreira contributiva que realizou noutro regime;

15- Acaba, assim, por se ficcionar uma carreira contributiva completa como magistrado sem que tenham sido transferidos para a CGA quaisquer direitos do regime para o qual o interessado verdadeiramente contribuiu, em clara violação do princípio da contributividade previsto no artigo 54º da Lei de Bases da Segurança Social, bem como do disposto nos artigos 61º nºs 1 e 2, 62º, nºs 1 e 2, e 63º dessa Lei de Bases, quanto às condições de atribuição e determinação do montante das prestações e aos condicionalismos a que deve obedecer o quadro legal das pensões;

16- Trata-se assim claramente de uma interpretação que, como já dissemos, não só diverge do princípio da convergência como cria uma desigualdade não justificada entre magistrados;

17- Note-se que a especialidade do regime de aposentação/jubilação dos magistrados reflecte-se já na fórmula de cálculo prevista no artigo 68º do EMJ, a qual não se encontra sujeita, por exemplo, ao factor de sustentabilidade, previsto no artigo 64º da Lei de Bases das Segurança Social, o que constitui, por si só, um desvio e discriminação positiva [e de todo justificável] face ao restante universo de pensionistas [da CGA e do regime geral de segurança social];

18- Por isso, tem defendido a ora recorrente que o estatuto de jubilado permite antecipar o acesso à pensão de aposentação, mas não quer dizer que a pensão seja correspondente a uma carreira contributiva completa;

19- Esta situação não é diferente da que já se encontrava em vigor no anterior regime de aposentação/jubilação - quando, por exemplo, para completar os 36 anos de tempo de serviço o magistrado recorria a períodos contributivos do regime geral de segurança social, nos termos do regime da pensão unificada previsto no DL nº361/98, de 18.11;

20- E, mais importante, não difere da actualmente vigente para o regime geral. Com efeito, para aceder actualmente a uma pensão de aposentação, basta que um subscritor possua 65 anos de idade e 15 anos de tempo de serviço. Porém, a pensão é calculada tendo por referência os 40 anos de serviço, correspondentes à carreira completa;

21- Acresce que os magistrados aposentados ou reformados que não beneficiem do estatuto de jubilado continuam, por força do disposto no artigo 69º do EMJ, e do princípio da convergência com o regime geral de segurança social, a ver as suas pensões calculadas de acordo com o regime previsto no EA;

22- De outra forma, aliás, salvo o devido respeito, mal se perceberia porque razão deveria a pensão de um magistrado jubilado corresponder à remuneração ilíquida de um magistrado no activo, já que, dessa forma, sem deduzir à pensão [ou ao seu cálculo] a percentagem de quota para efeitos de aposentação, a pensão liquida dos jubilados resulta em montante superior à remuneração dos magistrados da mesma categoria no activo;

23- O que contraria o disposto no artigo 68º, nº6, do EMJ, segundo o qual A pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no activo de categoria idêntica;

24- A interpretação efectuada no acórdão recorrido ofende, com o devido respeito, o disposto nos artigos 67º, nº6, e 68º, nº6, do EMJ, na redacção da Lei nº9/2011, de 12.04, por contrariar o disposto nos artigos 54º, 61º, nºs 1 e 2, 62º, nºs 1 e 2, e 63º da Lei de Bases de Segurança Social, aprovada pela Lei nº4/2007, de 16.01.

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso de revista, com as legais consequências.

2. O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

I. Pelas razões referidas no ponto I destas «contra-alegações», a presente revista deve ser liminarmente rejeitada, por se não verificarem os pressupostos previstos no artigo 150º, nº1, do CPTA;

II. O acórdão recorrido, revogando o acórdão do TAF, julgou a presente acção procedente, por provada, com fundamento no vício de violação de lei invocado na petição, traduzido na ilegal dedução da percentagem de quota para a CGA na determinação da pensão do autor, tendo considerado que a demandada ao deduzir na remuneração relevante para efeitos de fixação da pensão de aposentação do autor, Juiz Conselheiro jubilado, a percentagem da quota para a CGA, violou directamente a norma legal do artigo 67º, nº6, do EMJ, na redacção dada pela Lei nº9/2011, de 12.04;

III. O acórdão recorrido decidiu correctamente a questão, ao declarar sem fundamento legal e violadora do artigo 67º, nº6, do EMJ, a dedução para a CGA efectuada pela ora recorrente na determinação da pensão do autor, como se deixou demonstrado nos pontos II - 2 e 3 destas contra-alegações [que incorporam, por reprodução, o teor da alegação do autor, no recurso por si interposto, para o TCAN, da decisão proferida em 1ª instância] pelo que deve ser mantido na íntegra.

Termina pedindo que o recurso de revista não seja admitido e, de todo o modo, lhe seja negado provimento.

3. Mas a «revista» foi admitida por este STA - formação a que alude o artigo 150º, nº5, do CPTA - com este fundamento:

[…]

«3.2. O acórdão recorrido seguiu, no essencial, o acórdão deste STA de 28.01.2016, proferido no processo 0840/15. Está em causa, como refere a recorrente, a interpretação dos artigos 67º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, mais concretamente, os termos em que é calculada a pensão de jubilação. Entendeu o acórdão recorrido, seguindo o citado acórdão do STA, que a dedução da quota para aposentação, defendida pela CGA, no valor das pensões por jubilação, para operar, teria de estar expressamente prevista no EMJ, como estava na proposta inicial. Daí que tenha concluído não haver fundamento legal para a CGA efectuar a dedução da percentagem da quota para aposentação no cálculo da pensão.

3.3. Esta formação tem admitido o recurso excepcional de revista relativamente a questões idênticas, argumentando que estamos perante uma questão de complexidade jurídica superior ao comum, cuja solução se não colhe imediatamente do texto legal, e que assume relevância social, como é próprio da sua natureza estatutária e de respeitar ao regime de previdência de uma classe profissional relativamente numerosa. É manifesto que, ressalvadas as vicissitudes processuais que possam reflectir-se sobre a extensão do seu conhecimento a questão é susceptível de repetição nos mesmos exactos termos relativamente a todos os actos de fixação da pensão de jubilação dos magistrados, pelo que é patente a virtualidade de expansão da controvérsia. Tanto basta para admitir a revista, à semelhança do que tem sido jurisprudência em casos de natureza semelhante [ver AC de 08.04.2015, Processo 317/15, e AC de 14.07.2015, Processo 800/15].

É verdade que já existe uma decisão deste STA, mas tal não é suficiente para se considerar estabilizado o entendimento ali acolhido.

4. Face ao exposto admite-se a revista.»

[…]

4. Ouvido - nos termos do artigo 146º, nº1, do CPTA - o Ministério Público pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso de revista.

5. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir este recurso de revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos vêem das instâncias:

1- O autor é magistrado judicial, jubilado como Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e em 06.08.2014, tinha 62 anos de idade e 43 anos e um mês de serviço e de descontos para a ré - documento 2 com a petição inicial;

2- O direito do autor à aposentação foi reconhecido por despacho de 06.08.2014 da Direcção da CGA, tendo sido considerada a sua situação existente em 06.08.2014 nos termos do artigo 43º do Estatuto da Aposentação e fixada uma pensão para o ano de 2014, de 5.455,67€, com base nos seguintes elementos:

Remuneração base 6.129,97€, remuneração total 5.455,67€. A remuneração total considerada resultou da dedução, à remuneração base, da percentagem da quota para a Caixa Geral de Aposentações de 11% - documento 2 com a petição inicial, que aqui se dá como integralmente reproduzido;

3- O autor foi desligado do serviço para efeitos de aposentação/jubilação por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 09.09.2014 - documento 3 junto com a petição inicial;

4- Por carta da ré, de 08.04.2015, o autor foi notificado nos seguintes termos:

«Assunto: Audiência Prévia artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo

Informo V. Exa. que da análise dos elementos constantes do processo e em face da legislação em vigor, o valor da pensão de aposentação irá, em princípio, ser alterado de 5.455,67€ para 4.910,10€, com base nos seguintes fundamentos:

• A pensão a partir de 01.10.2014 passa a ser de 4.910.10€ e em 01.01.2015 de 5.019.22€.

• As alterações acima indicadas devem-se à indexação ao vencimento do activo por força das reduções remuneratórias previstas nos artigos 2º e 4º da Lei 75/2014, de 12 de Setembro.

Todavia, nos termos dos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL nº442/91, de 15 de Novembro, tem V. Exa. o prazo de 10 dias úteis a contar desta notificação para, querendo, informar do que se lhe oferecer sobre o assunto, assistindo-lhe ainda o direito de consulta do respectivo processo, nesta Caixa, na morada abaixo indicada.» - PA, a folha 128;

5- Por despacho de 04.05.2015, da Direcção da CGA, a pensão do autor foi alterada nos sobreditos e preconizados termos - PA, a folha 131;

6- Em 12.09.2014, no DR, I série, foi publicada a Lei nº75/2014 com a epígrafe: «Estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão» - diploma cujo teor aqui se dá como reproduzido, com destaque para os artigos 2º e 4º.

III. De Direito

1. O autor da AAE pediu ao TAF de Coimbra que anulasse o despacho da CGA, de 04.05.2015, a que se refere o ponto 5 da matéria provada, na parte em que fixa a sua pensão no valor de 4.910,10€ a partir de 01.10.2014, e em 5.019,10€ a partir de 01.01.2015, em consequência da dedução da percentagem da quota para a CGA, e condenasse esta entidade a fixar, com efeitos retroactivos, a sua pensão, tendo em consideração «a remuneração base de Juiz Conselheiro sem dedução da percentagem da quota para aposentação no âmbito do regime da CGA», e bem assim a pagar-lhe todas as diferenças resultantes daquela ilegal dedução, com juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Invocou, como causa de pedir, que o referido despacho, na parte impugnada, incorre em «erro nos pressupostos de direito» na medida em que deduz à sua remuneração base a percentagem da quota para a CGA, fazendo com que receba menos do que aquilo que deveria receber. Doutro modo: o quantum da pensão de jubilação foi-lhe fixado «por aplicação de disposições legais que lhe não são aplicáveis, pelo que é inferior ao que deveria ser».

A tese jurídica do autor da AAE, ora recorrido, alicerça-se, fundamentalmente, numa interpretação hermenêutica da actual redacção dos artigos 67º e 68º do Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ na redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei nº9/2011, de 12.04], da qual retira que os pressupostos da jubilação e da aposentação, e bem assim o modo de cálculo da respectiva pensão, são diferentes, e que uma dessas diferenças é a de que na pensão de jubilação não deverá ser deduzida a percentagem da quota para a CGA.

O TAF reduziu a questão jurídica a apreciar a uma única, que enunciou assim:

- A pensão de jubilação de Magistrado Judicial deve ser calculada, e determinada, considerando um valor de remuneração líquido ou ilíquido da quota de 11% para a CGA?

Essencialmente com base na interpretação da 2ª parte do nº6 do artigo 67º do referido EMJ entendeu que deve ser considerada, para tal efeito, a remuneração líquida dessa quota, e nessa conformidade negou razão ao autor e julgou o seu pedido improcedente.

Conhecendo de «recurso de apelação» que foi interposto pelo autor da acção, o TCAN revogou a sentença da 1ª instância e julgou totalmente procedente o pedido formulado. Fê-lo na sequência de jurisprudência anterior desse mesmo tribunal, que citou, do TCA Sul, e do Supremo Tribunal Administrativo [AC do TCAS de 16.04.2015, Rº11821; AC TCAN de 04.12.2015, Rº360/13; AC STA de 28.01.2016, Rº0840/15; AC TCAN de 15.07.2016, Rº851/14], da qual não viu razão para se afastar, uma vez que «Quer os antecedentes históricos das alterações ao artigo 67º do EMJ quer a dualidade manifestamente existente entre o estatuto de magistrado jubilado e o estatuto de magistrado aposentado, ou reformado, impõe que se adopte o entendimento defendido pelo autor, ora recorrente, contra o entendimento da CGA».

A CGA, recorrente na revista, vem apontar «erro de julgamento de direito» ao acórdão do TCAN, e pugnar pela manutenção do decidido pela 1ª instância.

Impõe-se-nos, portanto, a reapreciação de matéria já debatida, e decidida, pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores e de uma forma tendencialmente coincidente.

2. Na verdade, são quatro já os acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal sobre a «questão de direito» que o TAF enunciou bem, e que acima citamos - AC STA de 28.01.2016, Rº0840/15; AC STA de 16.03.2017, Rº01146/16; AC STA de 30.03.2017, Rº01323/16; e AC STA de 11.05.2017, Rº0358/16].

A interpretação jurídica do regime e normas em questão, bem como as «razões» em que a mesma se sustenta, são, nesses quatro acórdãos, fundamentalmente as mesmas. Segui-los-emos de perto, pois, na sucinta exposição que passamos a fazer.

3. O Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ] de 1985 - Lei nº21/85 de 30.07 - criou a figura do magistrado judicial «jubilado», a qual não existia no estatuto anterior, de 1977 - Lei nº85/77, de 13.12 -, onde se estipulava que a aposentação dos magistrados judiciais se rege pelas disposições legais que regulam a aposentação na função pública [artigo 63º].

E nesse EMJ de 1985, o regime da «aposentação» fixado para a função pública passou a constar como regime supletivo e subsidiário - ver artigo 69º da Lei nº21/85 - sendo que na décima sexta e última redacção dada a este preceito legal - pela Lei nº9/2011, de 12.04 - se mantém a «remissão» para diversa legislação - nomeadamente para o «Estatuto da Aposentação» [EA] - que, a título subsidiário, deve regular aspectos do regime de aposentação/reforma dos magistrados judiciais «não disciplinados pelo EMJ».

Constata-se, pela consulta das diversas alterações por ele sofridas, que desde a entrada em vigor do EMJ de 85, não tem havido coincidência entre os requisitos da aposentação voluntária e da jubilação.

Do que fica dito, extraem-se, no último dos quatro referidos arestos do STA - AC do STA de 11.05.2017, Rº0358/16 -, as seguintes duas ideias-chave: «…a de que o regime da aposentação/reforma dos magistrados judiciais actualmente vigente é um regime próprio, o que pressupõe a existência de especificidades por comparação, desde logo, com o regime normal de pensões da CGA aplicável aos servidores públicos que adquiriram essa qualidade antes de 01.09.93; e a de que existe uma condição de magistrado judicial jubilado à qual corresponde um estatuto próprio.»

4. Em face disto, e antes de mais, vejamos o que dizem então as actuais normas do EMJ aqui chamadas à colação.

Artigo 67º - «Jubilação» - «1- Consideram-se jubilados os magistrados judiciais que se aposentem ou reformem, por motivos não disciplinares, com a idade e o tempo de serviço previstos no anexo ii da presente lei e desde que contem, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos 5 tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação, excepto se o período de interrupção for motivado por razões de saúde ou se decorrer do exercício de funções públicas emergentes de comissão de serviço. 2- Os magistrados jubilados continuam vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria e podem assistir de traje profissional às cerimónias solenes que se realizem no referido tribunal, tomando lugar à direita dos magistrados em serviço activo. […] 6- A pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão líquida do magistrado judicial jubilado ser superior nem inferior à remuneração do juiz no activo de categoria idêntica. 7- As pensões dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção em função das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação. […]

Artigo 68º - «Aposentação ou reforma» - «A pensão de aposentação ou reforma dos magistrados aposentados ou reformados é calculada com base na seguinte fórmula: R x T1/C em que: R é a remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação, deduzida da percentagem da quota para aposentação e pensão de sobrevivência no âmbito do regime da Caixa Geral de Aposentações; T1 é a expressão em anos do número de meses de serviço, com o limite máximo de C; e C é o número constante do anexo iii.»

Artigo 69º - «Regime subsidiário» - «As matérias não expressamente reguladas no presente Estatuto, nomeadamente as condições de aposentação dos magistrados judiciais e o sistema de pensões em que devem ser inscritos, regem-se pelo que se encontrar estabelecido para a função pública, nomeadamente no Estatuto da Aposentação, nas Leis nºs 60/2005, de 29 de Dezembro, 52/2007, de 31 de Agosto, 11/2008, de 20 de Fevereiro, 3 3-B/2010, de 28 de Abril.»

Temos, assim, que o citado artigo 67º contém o essencial dos pressupostos de aquisição e das prerrogativas do estatuto de magistrado judicial jubilado [nº1 e 2], bem como uma regra específica para o cálculo da pensão dos jubilados [nº6].

Dizemos uma «regra específica» porque, a ser a pensão de jubilação calculada de acordo com a fórmula prevista no artigo 68º, e designadamente na parte em que refere «…deduzida da percentagem da quota para aposentação», tal regra resultaria totalmente esvaziada de sentido. E o mesmo acontecendo caso se aplicasse - como defende a recorrente CGA - a primeira parte do nº6 do artigo 67º, que, segundo diz, deve ser interpretada no sentido de que «a pensão terá de ser proporcional à carreira contributiva», a qual resulta, na perspectiva da CGA, precisamente da fórmula prevista no artigo 68º do EMJ.

Em ambos os casos, escreve-se no referido acórdão de 11.05.2017, «…estar-se-ia a negar aquilo que, como se disse já, é claro no actual quadro legal, ou seja, a existência de uma regra de indexação específica para o cálculo do montante da pensão de velhice dos magistrados judiciais jubilados. No que respeita à melhor, porque mais lógica [atenta, desde logo, a leitura conjugada dos artigos 67º e 68º], interpretação da primeira parte do nº6 do artigo 67º do EMJ, tem razão o ora recorrido quando afirma que ela há-de ser lida com o sentido de que, para o cálculo da pensão de jubilação, a menção a todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, releva, apenas, para efeito de preenchimento do requisito tempo de serviço, estabelecido no anexo II, por remissão do nº1 do mesmo artigo 67º.»

E continua esse acórdão: «É certo que a versão original do nº6, do artigo 67º, era bem mais explícita na sua intenção [na intenção do legislador], aí se prescrevendo que a pensão de aposentação será calculada, sem qualquer dedução no quantitativo apurado, em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo [artigo 68º, nº2, da Lei nº21/85, na sua primeira versão]. Mas também não deixa de ser certo que a intenção do legislador era a de estabelecer [1985] e de manter [2011] a regra de indexação em apreço. Prova disso são as vicissitudes descritas pelo ora recorrido na sua petição inicial, vicissitudes relativas às tentativas infrutíferas de alteração da regra em causa. Assim, é mencionada a proposta de lei nº45/XI/2ª [GOV], apresentada pelo Governo então em funções, a qual propunha a seguinte solução: Estabelece-se inovatoriamente que a pensão líquida dos magistrados jubilados não pode ser inferior à remuneração do magistrado no activo de categoria idêntica, líquida da quota para a aposentação e pensão de sobrevivência no âmbito do regime da Caixa Geral de Aposentações. Esta proposta, porém, não vingaria, tendo sido elaborado um texto de substituição que estabelecia uma outra solução, o qual foi submetido à apreciação e votação na Assembleia da República, e deu origem à redacção do nº6 do artigo 67º que presentemente vigora […]. É igualmente relevante, para este efeito, a circunstância, mencionada no acórdão do STA de 28.01.16, Processo nº840/15 […] de que, mais recentemente, com a Lei do Orçamento para o ano de 2012, [PL nº27/XII de 13.10.2011] se ter voltado a prever expressamente uma proposta de alteração do artigo 67º do EMJ, onde se propunha a reintrodução do segmento anteriormente retirado da proposta de EMJ, e nunca aprovado, onde se considerava que o valor da pensão de jubilação seria “líquida das quotas para a Caixa Geral de Aposentações”, sendo que tal alteração não veio a ser aprovada, vindo a ser retirada pelos seus proponentes, optando pela manutenção da redacção em vigor [Proposta de eliminação nº27/XII/1ª].

Indiciadora da vontade do legislador de criar dois regimes distintos para o cálculo do montante da pensão dos magistrados judiciais jubilados e da dos aposentados/reformados sem condição de jubilados é, ainda, e como também salientado pelo ora recorrido, a circunstância de se ter previsto no artigo 68º, da Lei nº9/11, o modo de cálculo da pensão de aposentação ou reforma destes últimos, quando antes de 2011 apenas havia uma remissão para o regime geral da aposentação. Com esta opção do legislador, pode constatar-se, de imediato, a existência de uma regra de indexação específica, aplicável ao cálculo do montante da pensão dos magistrados judiciais jubilados.

Em suma, é verdade que o regime das pensões de velhice dos servidores públicos tem vindo ao longo das últimas décadas a sofrer sucessivas alterações, nomeadamente, no sentido da convergência de pensões entre o regime da Caixa Geral de Aposentações e o da Segurança Social, e, igualmente, no sentido da extinção de regimes especiais previstos para determinadas categorias de pensionistas subscritores. Mas, também é verdade que ainda persistem regimes especiais, como é notoriamente o caso do regime jurídico de aposentação/reforma dos magistrados judiciais jubilados, como já visto, com a sua regra de indexação à remuneração dos magistrados em efectividade de funções, para efeitos de cálculo do montante da pensão. Esta específica regra constituirá, precisamente, o corolário lógico, entre outras coisas, da manutenção da vinculação dos magistrados jubilados aos deveres estatutários inerentes ao exercício efectivo da função.

Portanto, não existem, no momento presente, motivos para nos afastarmos da orientação jurisprudencial contida em recentes arestos deste STA que trataram questão em tudo idêntica à dos presentes autos […]. Mais concretamente, subscrevemos a conclusão a que se chegou logo no acórdão de 28.01.2016, nos termos da qual «não há fundamento legal para efectuar a dedução da percentagem da quota para a aposentação, no cálculo da pensão da autora/ora recorrida, sendo manifesta a intenção do legislador no sentido que a atribuição da pensão por jubilação não seria líquida das quotas para a Caixa Geral de Aposentações».

5. Não vemos razões para alterar esta posição jurisprudencial, e tão pouco são invocados pela recorrente CGA novos argumentos que abram e imponham novas abordagens desta questão de direito.

Assim sendo, manteremos o decidido pelo acórdão recorrido, porque o mesmo não incorre no erro de julgamento de direito que lhe foi imputado nesta revista.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento a este recurso de revista, e, em conformidade, manter o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 29 de Junho de 2017. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.