Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0288/16.5BEPRT 098/18 |
Data do Acordão: | 07/01/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | RECURSO COMPETÊNCIA HIERARQUIA ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS CPPT |
Sumário: | I - Em regra, a competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito [arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT]. II - Quando no recurso se invocam factos que a sentença não deu como provados ou quando no recurso se questiona um juízo fáctico formulado na sentença, pretendendo em qualquer dos casos daí extrair relevante consequência jurídica, é de considerar que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de direito. |
Nº Convencional: | JSTA000P26132 |
Nº do Documento: | SA2202007010288/16 |
Data de Entrada: | 02/07/2018 |
Recorrente: | A............, LDA. |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 288/16.5BEPRT (98/18)
1. RELATÓRIO 1.1 Inconformada com a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela acima identificada Recorrente, após indeferimento da reclamação graciosa, contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada oficiosamente, veio a mesma interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte. 1.2 O recurso foi admitido e a Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «I- O presente recurso é apresentado em consequência da sentença proferida em 23.03.2017, a qual julgou, in totum, improcedente a impugnação judicial deduzida pela Impugnante, aqui recorrente, Massa Insolvente de A………… Lda., relativa às liquidações oficiosas de IRC, emitidas em 2012 e que tem por referência, o exercício económico de 2011, no montante de € 33.152,98. II- Os pressupostos nos quais a AT se baseou para proceder à liquidação do indicado tributo padece dos mais elementares fundamentos legais enformadores da relação jurídico tributária e, nessa medida, os factos tributários subjacentes à emissão da liquidação são inexistentes, isto porque a sociedade em causa já se encontrava insolvente e com a actividade do estabelecimento definitivamente encerrada. III- Sendo, ademais, assente que a Massa Insolvente não é sujeito passivo de imposto sobre o rendimento quando deliberado o encerramento da actividade do estabelecimento, nem o Administrador de Insolvência está obrigado ao cumprimento de qualquer obrigação de natureza declarativa e fiscal que ainda possa sobrestar na esfera jurídica da sociedade insolvente, designadamente, por tal resultar de imposição legal que consta vertida no art. 65.º, n.º 3, e 82.º, n.º 2, do CIRE. IV- No caso dos presentes autos, sempre ficou demonstrado, provado e comprovado que foi deliberado pelos credores, em sede de assembleia de credores de 07.09.2010, o encerramento da actividade do estabelecimento da insolvente (art. 156.º, n.º 2, do CIRE) e, doutra parte, ficou deliberado, ainda, a liquidação do património da empresa insolvente para posterior distribuição do produto pelos seus credores. V- Não tendo a Recorrente exercido qualquer actividade susceptível de imputação de imposto, nem a Autoridade Tributária, tal-qualmente lhe impõe o ónus da prova, ter provado e comprovado que a mesma exerceu actividade susceptível de ser tributada e geradora de lucro tributável, venha lançar um anátema, por via das liquidações oficiosas e, com isso, tentar obter o pagamento de um imposto que bem sabe não ser devido. VI- Na esteira daquilo que é o princípio da incidência do imposto sobre o rendimento, que se encontra vertido no art. 1.º do CIRC, tal aponta no sentido de que este tributo incide sobre os rendimentos (lucro) que foram obtidos pelo sujeito passivo, referente a um período de tributação delimitado no tempo, ou seja, VII- Para que exista lucro sujeito a tributação, tem de existir uma actividade económica que esteja a ser exercida com regularidade pelo sujeito passivo, cabendo, dessarte, à AT, por um lado, a prova da sujeição da entidade ao cumprimento das obrigações declarativas e fiscais e, doutro passo ainda, a existência/verificação dos pressupostos de que depende a liquidação do imposto. VIII- Encontrando-se a actividade do estabelecimento definitivamente encerrado desde 07.09.2010, sendo tal facto do conhecimento da AT, porque o mesmo consta da informação cadastral e registal comercial da entidade insolvente e, ademais, não tendo a AT, tal como exigido, provado a existência da qualquer actividade susceptível de fazer qualquer obrigação tributária (artigos 74.º/1 e 75.º/2, da LGT), não poderiam tais liquidações oficiosas terem sido emitidas nem, tampouco, estaria o Administrador da Insolvência obrigado ao cumprimento das obrigações fiscais, pois estas tinham cessado – vide art. 65.º, n.º 3, do CIRE. IX- Neste sentido, era de concluir que para além da actividade do estabelecimento ter sido encerrada em 07.09.2010, não existe qualquer lucro sujeito a tributação por inexistência da actividade da impugnante, como também, pela lei falimentar, não existe qualquer obrigação de natureza declarativa e fiscal que incida sobre o legal representante da massa insolvente – Administrador da Insolvência. X- A sentença recorrida, fez uma incorrecta interpretação das normas jurídicas, pois que, seguiu a peugada exposta pela AT e olvidou-se de aplicar ao caso sub judicio as especificidades decorrentes da insolvência, como também, doutro passo, não cuidou da verificação da existência dos pressupostos de que dependem a liquidação do imposto sobre o rendimento, designadamente a verificação e existência de facto tributário gerador de lucro tributável, nos termos em que consta exposto no art. 13.º, do CIRC, sendo que este será apurado, XI- em função das variações patrimoniais positivas e as negativas da entidade sujeita a tributação, o qual fica expresso no resultado líquido do período que, depois, será vertido nos documentos contabilísticos e fiscais, sendo de concluir que a existência do apuramento do lucro tributável nasce, assim, do exercício de uma actividade geradora de rendimento directo para o sujeito passivo, ou seja, a relação jurídica tributária nasce desse elemento primordial caracterizador da incidência do impostos – a existência de actividade passível de gerar lucro tributável. XII- O aresto recorrido, formou uma convicção que nem a própria AT conseguiu fazer ao longo de todo o processo, designadamente infere que o facto da impugnante, aqui recorrente, na sua óptica, não se encontrar cessada é condição do exercício da actividade económica. Assim, a conclusão que se extrai do aresto não encontra qualquer arrimo legal, nasce de uma presunção, ou seja, como a actividade não se encontra cessada, logo há actividade e lucro tributável, o que, de todo em todo, contraria o estipulado em sede do art. 65.º, n.º 3, do CIRE, e art. 1.º, 3.º e 13.º, do CIRC, sendo, assim, errónea a interpretação e aplicação das normas jurídicas. XIII- Destarte, inexistem fundamentos directos, do ponto de vista jurídico tributário para liquidar imposto, dada a inexistência de actividade e ausência de lucro tributável, e, do ponto de vista jurídico falimentar, carece de legitimidade e fundamento a liquidação do imposto, porque tomada ao arrepio das mais elementares normas que regem o processo de insolvência, que sendo normas especiais tem de ser aplicadas ao caso em concreto e que, por seu turno, foram postergadas na sua totalidade, pela douta sentença recorrida. XIV- Conforme é sabido e consabido, a insolvência trata-se de um processo de execução universal dos bens do devedor, em que o Administrador da Insolvência gere o processo de alienação dos activos, presta contas ao processo judicial (as quais são completa e totalmente alheias à sindicância da AT) e procede, de acordo com as determinações da sentença de verificação e graduação de créditos, à elaboração do mapa do rateio que visa a distribuição do produto da liquidação dos activos pelos credores da insolvente. XV- Pelo que, se de uma parte, encerrada a actividade do estabelecimento comercial da insolvente cessam todas as obrigações fiscais e, bem assim, cessa a actividade da insolvente, é de concluir que a mesma não detém, in se, qualquer actividade que seja geradora de lucro tributável e, como tal, não é sujeito passivo de imposto, XVI- Como também não o é a Massa Insolvente, pois esta não detém qualquer actividade susceptível de gerar lucro tributável, sendo, por conseguinte inexistente a relação jurídico tributária de que dependem a incidência do imposto e, nesse seguimento, não subsiste na esfera jurídica do Administrador da Insolvência qualquer obrigação de natureza declarativa e fiscal (cfr. arts. 46.º, 55.º, 65.º, n.º 3, 81.º, n.º 4, todos do CIRE). XVII- Assim, não pode a AT, como o faz, proceder a liquidação oficiosa do IRC, tendo, ademais, por base um critério aritmético que não tem correspondência com a realidade (avocando valores de declarações transactas), em clara e manifesta violação do princípio da legalidade, o qual encontra o seu arrimo no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. XVIII- Nos termos dos n.º 3 e n.º 5 do art. 65.º do CIRE, resulta que, declarada a insolvência de uma sociedade comercial e sendo deliberado pelos credores o encerramento do estabelecimento comercial, esta passa a ser um nado morto e, cessando todas as obrigações de natureza declarativa e fiscais, sendo que, tal obrigação de comunicação da situação insolvencial à Fazenda Pública é uma obrigação do Tribunal, onde foi declarada a insolvência e não do Administrador da insolvência. XIX- Se seguíssemos o entendimento aposto pela AT e sufragado pela sentença recorrida, chegaríamos a um ponto de impossibilidade do cumprimento legal das obrigações, pois que cumpre indagar como é que se mostra possível, do ponto de vista jurídico, a aprovação e apresentação de contas nos termos do CIRC para a massa insolvente (é esta a entidade que o Administrador da Insolvência representa) pois que, para promover aprovação de contas numa sociedade comercial, a competência não é do órgão de gestão, mas sim do órgão deliberativo, que como sabemos é a Assembleia Geral – cfr. art. 65.º, do CSC. XX- Os actos tributários colocados em crise nos presentes autos são nulos, na medida em que não assiste à AT qualquer razão ou fundamento (jurídico factual) para a emissão das liquidações oficiosas de imposto, porquanto tal não tem qualquer enquadramento legal nem sequer se mostra possível em relação a uma sociedade cujo estabelecimento tenha sido encerrado e a actividade cessada como, também, não está o Administrador da Insolvência obrigado ao cumprimento das obrigações declarativas e fiscais, conforme consta apontado na decisão recorrida. XXI- A posição que se tem vindo a sustentar encontra-se devidamente sufragada pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente, no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (disponível em www.dgsi.pt), proferido no processo a 08251/14, no qual se apreciavam factos idênticos ao dos presentes autos, tendo ficado assente que: “Nos termos do artigo 65.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, «conforme a administração passou a ser confiada ao administrador da insolvência, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, ou pelo contrário, foi mantida no próprio insolvente, assim será aquele ou este quem deve agir e responde pelo incumprimento. // Porém, uma vez tomada a deliberação de encerramento do estabelecimento, nos termos do artigo 156.º, n.º 2, extinguem-se todas as obrigações fiscais e declarativas inerentes à actividade do devedor que, evidentemente, cessa”. XXII- De acordo com a menção exarada no aresto, impunha-se uma decisão diferente em primeira instância, na medida em que as liquidações oficiosas do imposto foram apenas lavradas no pressuposto da não entrega da declaração de rendimentos – à qual, sempre se refira, a Massa Insolvente não estava obrigada – não tendo em consideração que o facto tributário primordial de que depende a liquidação do imposto é inexistente, atenta a cessação da actividade do estabelecimento no exercício económico de 2010, mormente em 07.09.2010, altura em que foi tomada a deliberação na Assembleia de Credores, cfr. art. 156.º, n.º 2, do CIRE. XXIII- Assim, as liquidações em crise são ilegais e violam os mais elementares princípios jurídicos que se encontram subjacentes à relação jurídico tributária, designadamente o princípio da decisão, do procedimento tributário, da boa-fé, e da colaboração, os quais encontram o seu arrimo legal junto dos artigos 55.º, 56.º e 59.º da LGT. XXIV- Doutrarte, não foram levadas, também, em consideração pela sentença recorrida os efeitos directos que a insolvência opera em relação aos administradores e legais representantes da sociedade insolvente, isto porque, as obrigações tributárias primordiais que ainda subsistam por cumprir permanecem na esfera da insolvente e dos seus legais representantes, não sendo, como tal confundível com a posição do Administrador da Insolvência e da Massa Insolvente (vide art. 82.º, n.º 2, do CIRE), pois este não é representante da insolvente nos termos em que se encontra preceituado no art. 109.º, do CIRC, dado que o conteúdo e natureza das suas funções encontra-se previsto nos artigos 55.º e 81.º, n.º 4, do CIRE. XXV- Ante o exposto, era de primordial justiça e adequação ad legem, que a decisão da primeira instância decidisse no sentido da anulação das liquidações promovidas pela AT, porquanto e nessa medida, ficou demonstrado que: (i) declaração de insolvência opera a imediata dissolução da sociedade, o que equivale à sua morte e, atento o carácter insolvencial da devedora, não são de aplicar as disposições relativas à simples dissolução da sociedade atenta a existência de normas específicas no CIRE (art. 65.º) e; (ii) pelos credores da Massa Insolvente, em 07.09.2010, foi deliberado, de forma definitiva, o encerramento do estabelecimento comercial da insolvente; XXVI- (iii) a impugnante não tinha e/ou desenvolvia qualquer actividade e, como tal não existia qualquer lucro tributável o que leva à inexistência de facto tributário; (iv) não existiam quaisquer obrigações declarativas e fiscais que sobrestassem na esfera jurídica da Massa Insolvente; (v) o Administrador da Insolvência não representada da sociedade insolvente, nos termos em que estipula o art. 109, do CIRC, apenas assume a representação para efeitos de carácter patrimonial que importa à insolvência, não tendo qualquer obrigação de natureza fiscal em relação a esta, pois que, a existir, é da responsabilidades dos legais representantes da sociedade insolvente (art. 82.º, n.º 2, do CIRE). XXVII- Se a declaração de insolvência equivale, como refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo judicial n.º 01107/12, datado de 09.07.2014, à morte do infractor, o mesmo entendimento terá de ser delimitado quanto às demais obrigações fiscais, tanto mais que, nos termos do art. 65.º, n.º 3 do CIRE, deliberado o encerramento do estabelecimento comercial cessam todas as obrigações declarativas e fiscais, sendo obrigação do Tribunal a comunicação, à AT, para efeitos de cessação da actividade. XXVIII- Daí que, reverte-se claro que a deliberação do encerramento da actividade do estabelecimento da insolvente (in casu motivado pela situação de insolvência) não é subsumível ao conceito de sujeito passivo objecto de imposto, por manifesta falta de verificação dos pressupostos legais necessários para o surgimento da relação jurídico-tributária e, como tal, não subsiste na esfera jurídica da Massa Insolvente e do Administrador da Insolvência qualquer obrigação declarativa e fiscal que medeie entre a tomada da deliberação e o encerramento da liquidação». 1.3 A AT não contra-alegou. 1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia e indicou este Supremo Tribunal Administrativo como sendo o competente. 1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso e os autos devolvidos à 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto e ulterior novo julgamento, com a seguinte fundamentação: «[…] A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente e designadamente se o tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação e aplicação das normas legais aplicáveis ao ter confirmado a legalidade da liquidação oficiosa 1.6 Cumpre apreciar e decidir. * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «Factos provados: 1. A sociedade A…………, Lda., com o NIPC ………, foi declarada insolvente por decisão judicial de 07.09.2010 – fls. 7 e 84 e ss.; 2. Desde 2009 que a Impugnante não apresenta declaração anual de rendimentos em sede de IRC – acordo; 3. A AT procedeu à liquidação oficiosa de IRC de 2011, n.º 20128310020817 no valor de € 32.546,64 – fls. 8 e ss. e PA em anexo; 4. E à liquidação n.º 20122094511, respeitante a juros compensatórios no montante de € 606,34 – fls. 8 e ss. e PA em anexo; 5. A Impugnante deduziu reclamação graciosa, que lhe foi indeferida – PA em anexo. Factos não provados: Com interesse para a decisão da causa não se provou que a Impugnante estivesse sem qualquer actividade desde 2009». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Antes do mais, porque o presente recurso foi interposto para o Tribunal Central Administrativo Norte, que se declarou incompetente em razão da hierarquia e indicou como tribunal competente para conhecer deste recurso este Supremo Tribunal, cumpre reapreciar a questão. 2.2.2 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA 2.2.2.1 A competência do tribunal é uma questão de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra [cf. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro]. Cumpre, designadamente, aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final [cf. art. 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]. 2.2.2.2 Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, pertence à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» [art. 38.º, alínea a), do ETAF]. 2.2.2.3 Apesar da escassa matéria de facto dada como assente na sentença, dela resulta que a AT procedeu à liquidação oficiosa de IRC relativamente ao ano de 2011 e à sociedade ora Recorrente, a qual foi declarada insolvente por decisão judicial proferida em 2010. Ou seja, a AT, perante a falta de apresentação de declaração de rendimentos relativamente ao ano de 2011, entendeu proceder à liquidação oficiosa de IRC, o que fez, de acordo com o ofício por que notificou esse acto ao administrador da insolvência da ora Recorrente, «nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 90.º do CIRC», disposição legal que, na redacção aplicável (A redacção anterior à da republicação do Código operada em 2014.), prescrevia: «Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita […] e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada». 2.2.2.4 Da leitura das conclusões do presente recurso jurisdicional resulta que a Recorrente alegou, repetidamente, que não exerceu actividade alguma durante 2011 (cfr., a título exemplificativo, conclusões II, V, IX, XIII, XXII e XXVI), facto que a sentença deu como não provado. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, decide-se julgar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia e declarar que a competência para conhecer do presente recurso é do Tribunal Central Administrativo Norte. Após o trânsito, remeta os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte (art. 18.º, n.º 1, do CPPT) Custas pela Recorrente, sem prejuízo da isenção prevista no art. 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais. * Lisboa, 1 de Julho de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Paulo Antunes. |