Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0700/09.0BEPRT 0791/15
Data do Acordão:06/29/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:I - Porque um dos pressupostos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 284.º do CPPT é que a oposição entre o acórdão recorrido e o que foi invocado como fundamento respeite à mesma questão fundamental de direito, não pode conhecer-se do mérito do recurso se a recorrente erigiu como objecto do mesmo uma questão que não é de direito, mas antes respeita ao julgamento da matéria de facto.
II - Na verdade, tratando-se no acórdão recorrido de uma situação em que o fundamento para a não-aceitação do custo pela AT não se prende com a circunstância do “critério remuneratório” não ser um critério objectivo e idêntico entre os trabalhadores, mas antes pelo facto de a recorrente não ter demonstrado como procedeu à sua aplicação, de forma a justificar a correspondência entre o nível remuneratório dos trabalhadores e os prémios de seguro de doença pagos e as diferentes condições de cobertura das apólices, tendo-se concluído que os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, a decisão de considerar que os custos, embora em abstracto dedutíveis, não satisfizeram os requisitos das alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 40º do CIRC, resultou da circunstância da recorrente não ter demonstrado os factos concretos e determinados integrantes destes requisitos.
III - Situação de facto diversa da que foi apreciada no acórdão fundamento em que se considerou que se o critério seguido era o de «incluir como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo», critério este que, como também ficou provado era «aplicável a todos os seus trabalhadores.
Nº Convencional:JSTA000P29678
Nº do Documento:SAP202206290700/09
Data de Entrada:02/02/2022
Recorrente:Z..........-SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Z……….. – Serviços de Comunicações, S.A., melhor sinalizada nos autos, vem, nos termos do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 28/05/2021, por ter manifestado contradição quanto à mesma questão fundamental de direito ao que foi perfilhado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no Processo n.º 01170/05.7BELSB, de 4 de Dezembro de 2019, no que respeita à dedutibilidade em sede de IRC, dos custos relativos a prémios de seguros de doença suportados a favor de trabalhadores e seus familiares.

Inconformada, formulou a recorrente Z……….. – Serviços de Comunicações, S.A., as seguintes alegações:

A. Enquadramento do recurso
1. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 284.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso para uniformização de jurisprudência”, “[a]s partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição:
Entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;”
2. Ora, nos presentes autos de recurso está em causa a reapreciação parcial do acórdão proferido pelo TCA Norte, no âmbito do processo identificado em epígrafe, em 28 de maio de 2021, à luz do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no processo n. º 01170/05.7 BELSB de 4 de Dezembro de 2019, nos termos que de seguida se precisarão.
3. A ação subjacente ao presente recurso teve início em 13 de março de 2009, com a propositura, pela ora Recorrente – que resultou da fusão por incorporação da sociedade X…………..– TELECOMUNICAÇÕES, S.A. na sociedade V……….. – TELECOM, S.A., adotando esta última a firma Z………. – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES, S.A –, da impugnação sobre o ato de liquidação n.º 2009 8310000212, relativo a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) do exercício de 2006, consubstanciado na demonstração de acerto de contas n.º 2009 00000062660, com saldo a pagar de € 15.726,37, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (doravante, TAF do Porto), e que teve na sua origem uma inspecção tributária incidente sobre o exercício de 2006 ora Recorrente.
B. Thema decidendum
4. Em concreto, e com relevância para o presente recurso, a AT entendeu ser de desconsiderar, para efeitos da sua dedutibilidade em sede de IRC, os custos relativos a prémios de seguros de doença suportados pela Recorrente a favor dos seus trabalhadores e familiares, no valor de € 95.687,53, por não os considerar enquadráveis no disposto no artigo 40.º do Código do IRC, aplicável por remissão do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IRC (nas redações vigentes à data), tendo o TCA Norte, no douto acórdão de que ora se recorre, entendido ser de se manter esta correção ao lucro tributável da Recorrente.
5. Recordando os referidos preceitos legais, e começando por analisar o disposto nos n.º 2 e n.º 4 do artigo 40.º do Código do IRC (na redação vigente à data), nas partes relevantes para a apreciação da legalidade da presente correção, este dispunha:
“2 - São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência, a favor dos trabalhadores da empresa.
4 - Aplica-se o disposto nos n.ºs 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à excepção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou de seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:
a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;
b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;
c) Sem prejuízo do disposto no n.º 6, a totalidade dos prémios e contribuições previstos nos n.ºs 2 e 3 deste artigo em conjunto com os rendimentos da categoria A isentos nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não devem exceder, anualmente, os limites naqueles estabelecidos ao caso aplicáveis, não sendo o excedente considerado custo do exercício;
d) Sejam efectivamente pagos sob a forma de prestação pecuniária mensal vitalícia pelo menos dois terços dos benefícios em caso de reforma, invalidez ou sobrevivência, sem prejuízo da remição de rendas vitalícias em pagamento que não tenham sido fixadas judicialmente, nos termos e condições estabelecidos em norma regulamentar emitida pela respectiva entidade de supervisão, e desde que seja apresentada prova dos respectivos pressupostos pelo sujeito passivo;
e) As disposições de regime legal da pré-reforma e do regime geral de segurança social sejam acompanhadas, no que se refere à idade e aos titulares do direito às correspondentes prestações, sem prejuízo de regime especial de segurança social, de regime previsto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de outro regime legal especial, ao caso aplicáveis;
f) A gestão e disposição das importâncias despendidas não pertençam à própria empresa, os contratos de seguros sejam celebrados com empresas de seguros que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, ou com empresas de seguros que estejam autorizadas a operar neste território em livre prestação de serviços, e os fundos de pensões ou equiparáveis sejam constituídos de acordo com a legislação nacional ou geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, que estejam autorizadas a aceitar contribuições para planos de pensões de empresas situadas em território português;
g) Não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.” (destaques nossos).
6. Termos em que, esta norma, que tem por epígrafe “Realizações de utilidade social” (e que hoje corresponde ao artigo 43.º do Código do IRC), não tem em vista a finalidade principal ou essencial de uma norma de cariz fundamentalmente tributário – a obtenção de receitas –, mas antes objetivos de natureza económica e, acima de tudo, social: na verdade, a norma do artigo acabado de citar corresponde a um verdadeiro incentivo fiscal para a promoção de finalidades sociais, como o são, inegavelmente, as finalidades de proteção na doença e acidentes pessoais dos trabalhados e dos respetivos agregados familiares.
7. Neste caso, para que a dedutibilidade fiscal seja permitida, os requisitos exigidos são, não só os previstos naquele n.º 2 – isto é, que os custos com os seguros não ultrapassem 15% do total das despesas com pessoal e que o benefício seja estabelecido para a generalidade dos colaboradores da empresa –, mas também os que resultam da alínea a) e b) do n.º 4: “a) [o]s benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem; e [o]s benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional (…)” (sublinhado nosso).
VEJAMOS:
8. Ora, desde logo, o douto acórdão proferido em 1.ª instância pelo TAF do Porto, considerou que estes custos não poderiam, à luz da legislação vigente, ser dedutíveis para efeitos fiscais, uma vez que foram constituídos não apenas a favor dos trabalhadores da empresa, mas também dos seus familiares, referindo que «[p]or sua vez, no que se refere à extensão do seguro de doença aos familiares dos trabalhadores da Impugnante, diga-se desde já que tal possibilidade encontra-se legalmente vedada. (…) de acordo com a redacção do então artigo 40.º do CIRC, apenas são fiscalmente dedutíveis os gastos com seguros de saúde dos trabalhadores e não dos seus familiares, sendo legalmente irrelevantes as razões de natureza intrinsecamente empresariais apresentadas pela Impugnante.» (cf. pág. 22 da sentença exarada pelo TAF do Porto, sublinhados nossos).
9. Todavia, ao contrário do que tinha sido determinado em 1.ª instância pelo TAF do Porto, o douto acórdão do TCA Norte decidiu – e bem! – que, em abstrato, o facto de os seguros de doença abrangerem não apenas trabalhadores, mas também os seus familiares, não é impeditivo de que estes sejam dedutíveis à matéria coletável da Recorrente, como se retira do seguinte excerto:
«Impõe-se desde logo esclarecer que não se acompanha o entendimento vertido na sentença a quo de que os encargos suportados com o pagamento do prémio das apólices de seguros de saúde, na parte em que são beneficiários os familiares dos trabalhadores, não estão abrangidos pelo disposto no art.° 40.° do Código do IRC, e como tal não são aceites como custos ou perdas do exercício, por força do disposto no referido n.° 4 do art.° 23.° do Código do IRC.
Sobre esta questão se pronunciou, mui recentemente, este TCA Norte, no acórdão de 11.03.2021, lavrado in rec 02303/11.0BEPRT (subscrito pela ora Relatora na qualidade de 2.ª Adjunta), bem como de 13.05.2021, lavrado in rec ° 1719/08.3BEPRT (relatado pela ora Relatora). Assim, por adesão à respectiva fundamentação, passamos a transcrever aquele primeiro aresto no segmento relevante;
“Ao que parece, quer a sentença recorrida quer o recurso laboram no pressuposto, indemonstrado, de que os contratos de seguro de doença tendo por beneficiários não só trabalhadores como também seus familiares são de algum modo cindíveis, de maneira que teriam um tratamento jurídico fiscal com um fundamento normativo na parte relativa aos trabalhares e ou outro na parte relativa aos familiares.
Mas não é assim. Desde logo não se alegou factos concretos de que decorresse que os prémios a pagar fossem divisíveis em função de cada beneficiário, de maneira que se pudesse imputar uma parte da despesa ao seguro do beneficiário trabalhador e outra ao dos seus familiares, fosse em bloco fosse rateando-o por cada um. Depois é evidente que o que se interpreta da descrição da matéria de facto dada como provada relativamente aos seguros de doença consiste em que determinados contratos de seguro de doença têm como segurados um conjunto de pessoas de que faz parte o trabalhador. Este conjunto de pessoas é que é o objecto do seguro.
Assim sendo, radica num equívoco a questão suscitada no recurso, não tem sentido perguntar se os seguros de trabalhadores e familiares podiam relevar para uma norma na parte em que seguravam trabalhadores, e para outra na parte em que seguravam familiares.
Importava, sim, e apenas, saber se os seguros abrangendo trabalhadores e familiares podiam relevar, como tais, enquanto custos dedutíveis, e, nesse caso, se preenchiam os requisitos em concreto para serem deduzidos, ou se, ao menos, relevavam como custos dedutíveis os seguros abrangendo apenas trabalhadores e, nesse caso, se preenchiam, em concreto, os requisitos para o serem, designadamente os constantes das alíneas a) e b) do n° 4 do artigo 40º do CIRC.
Quanto à primeira destas questões — a abstracta — este Tribunal não secunda a sentença recorrida. Na verdade, embora admissível como hipótese, não colhe a nossa aquiescência, a ilação que a sentença retira do advérbio "exclusivamente", a saber, que os seguros de doença, acidentes pessoais e vida contemplados como susceptíveis de "consideração" pelo nº 2 do artigo 40º do CIRC, na numeração que vigorava em 2008 (actual 43º), são apenas os destinados exclusivamente a trabalhadores.
Na verdade, e desde logo, a literalidade da norma também é compatível, se é que não se conforma mais intensamente, atenta a pontuação, com a referência do advérbio "exclusivamente" aos benefícios assegurados ou garantidos, não aos sujeitos abrangidos.
Depois, a letra da lei também permite, se é que não o sugere mais intensamente, a interpretação segundo a qual a expressão "trabalhadores" é uma referência não só a estes como também aos membros do seu agregado familiar, ao menos os seus dependentes. Mais: esta a é interpretação da expressão "trabalhadores" que se coaduna com a epígrafe do artigo: "realizações de utilidade social" e com o que sucede na protecção social pública.
Como assim, conclui-se que os custos com os seguros contratados pela impugnante (…) eram susceptíveis, em abstracto, de serem dedutíveis à matéria colectável até ao limite (15% das despesas com pessoal escrituradas a título de remuneração) e nos termos do artigo 40º nº 2 do CIRC (numeração de 2008).
Se o eram estes, também o eram, por maioria de razão, os seguros feitos em benefício, apenas, de trabalhadores. (…)
No mesmo sentido se tem pronunciado o STA, nos acórdãos de 29.11.2017, lavrado in rec. nº 013/14, de 22/3/2018, lavrado in rec. nº 01169/17 de 22/3/2018, dado no processo nº 01169/17, e de 7/3/2018, dado no processo 01485/15, publicados e acessíveis em www.dgsi.pt, cujo sumário parcialmente se transcreve:
“I - Nos termos do art. 40.º, n.º 2, do CIRC (na redacção aplicável), são «considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados» com as realizações de utilidade social aí enumeradas, efectuadas pelas empresas a favor do seu pessoal, reformados e respectivos familiares”.
Face ao exposto, forçoso é concluir que o facto de os seguros de doença contratados pela Impugnante, ora Recorrente, terem como beneficiários os seus trabalhadores e familiares, só por si não obsta a que os respectivos custos sejam dedutíveis à matéria colectável até ao limite de 15% das despesas com pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício de 2006, nos termos do artigo 40.º n.º 2 do CIRC.»
PROSSEGUINDO:
10. Deste modo, e ultrapassada que ficou a questão de saber se os custos incorridos com seguros contratados a favor dos trabalhadores e seus familiares se subsumem na previsão legal do artigo 40.º do Código do IRC (na redação vigente à data), o douto acórdão do TCAN continuou para a questão seguinte (e que se veio a revelar determinante): definir se se encontra preenchido o requisito previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 40.º, ou seja, se “a atribuição dos seguros em causa foi realizada de forma generalizada a todos os trabalhadores permanentes, instrumento de regulamentação coletiva do Trabalho que dispusesse diferentemente, e os seus benefícios obedeciam a um critério (de atribuição) objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, independentemente da classe profissional, salvo instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.” (destaques nossos).
11. Posto isto, há que considerar que a Recorrente, na petição inicial e nas suas alegações de recurso dirigidas ao TCA Norte expôs de forma muito clara que, por um lado, os benefícios em causa eram atribuídos a todos os seus trabalhadores, e, por outra, que as diferenças entre as apólices obedeciam a um critério de (de atribuição) objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, independentemente da classe profissional em que se incluam.
12. Neste sentido, vejam-se as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente (cfr. págs. 6 e seguintes das alegações de recurso da Recorrente), que transcreveram excertos do depoimento prestado pela Sra. Dra. …………., e que aqui reproduzimos:
«a) “Há um mínimo para todos os colaboradores. Todos os colaboradores têm coberturas standard. Mas depois, em função do nível de função do colaborador, pode haver diferenças em termos de níveis de cobertura. Mas essa cobertura mínima é sempre garantida. E também, à medida que também se evolui a nível de função, poderá também haver apólices que permitam a inclusão do agregado familiar." (…)
i) “O nível de função é determinado em função do nível remuneratório do colaborador e das responsabilidades. As responsabilidades que ele assume na empresa, tipicamente, é isso que determina o nível de função. É o nível remuneratório e o nível de (16min) responsabilidades."
(…)
n) "O conceito aqui de nível de função está muito ligado ao nível de remuneração. Ou seja, por exemplo... actualmente, os níveis de função foram mudando, já tiveram várias categorias… actualmente, temos categorias que vão do G1 ao G9 e o que dita essencialmente o nível de função é o patamar de remuneração. Por exemplo, o G9 vai de... estou a dizer números hipotéticos, não sei de cor os patamares... mas imaginemos que o G9 - que é o patamar mais baixo vai de setecentos a mil euros. O nível G8 irá de — desce um pouco, tem um quartil inferior — vai de novecentos a mil e quinhentos. O nível G7... assim sucessivamente até ao topo máximo. Portanto, o nível de função tem em conta não só... no fundo está... determina patamares de remuneração onde o valor está inserido." À questão do Representante da Fazenda Pública — "Então repare... uma pessoa com uma mesma remuneração, que é solteira, está incluída numa certa apólice. Imaginemos que, a dada altura, no ano seguinte casa-se (18m) e mais tarde.... e tem filhos e constitui mu agregado. É possível a essa pessoa passar para outra apólice?” — a testemunha respondeu: "se evoluiu em termos de níveis de função, sim. Ou se o nível de função onde ela já está permitir a inclusão do agregado familiar, também. Se não evoluiu em nível de função, ou seja, se continuou num nível de função que não permite uma apólice com um agregado familiar, então não poderá aceder, apesar de ter filhos não pode ter o seguro com o agregado".»
(destaques nossos).
13. Ora, dos excertos selecionados que transcrevem parte do depoimento desta testemunha – e cujos factos não foram contrariados ou postos em causa pelo TAF do Porto – resulta evidente qual o critério utilizado pela Recorrente para enquadrar os trabalhadores nas diversas apólices de seguros: o nível de função, determinado pelo nível remuneratório.
14. Ademais, na petição inicial foi também referida não só a composição das apólices de seguros em causa, como o critério de inserção dos colaboradores em cada uma delas, como se pode extrair do seguinte excerto (cf. § 19 e seguintes da petição inicial):
«Assim, o seguro de doença em causa – que abrange todos os trabalhadores – decompõe-se nas apólices 9900067 (onde se encontram integrados 50 trabalhadores, 42 cônjuges e 64 filhos), 9901779 (onde se encontram integrados 22 trabalhadores, 13 cônjuges e 16 filhos), 9901778 (que abrange 83 trabalhadores) e 9902141 (onde se encontram integrados 1 trabalhadores, 1 cônjuges e 2 filhos) (…)
O critério de inserção dos colaboradores nas apólices 9900067, 9901779, 9901778 e 9902141 é o nível remuneratório e não a classe profissional – por exemplo, um porteiro com uma ligação contratual de dez anos à Impugnante pode auferir um salário superior ao de um informático em início de carreira, sendo que, nesse caso acederá às condições mais favoráveis do seguro de saúde.» (destaques nossos).
15. No entanto, e a propósito da prova carreada para os autos, o TCA Norte considerou que «Se dúvidas não se suscitam de que o critério de atribuição aventado pela Recorrente é, no campo teórico, "objectivo e idêntico", todavia, a Recorrente não logrou provar que o mesmo presidiu efectivamente à atribuição das diferentes coberturas pelos seus colaboradores, pois que para além do depoimento da referida testemunha, nada mais foi carreado para os autos que sustente tal alegação.
Salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento, in casu, a prova testemunhal por si só, desacompanhada de qualquer outro elemento que a substancie, não tem a virtualidade de comprovar que aquele critério de atribuição tenha sido o efectivamente adoptado pela Recorrente.» (destaques nossos).
16. Assim, e não obstante tudo o que foi referido pela Recorrente nas diversas peças processuais em causa, bem como na prova testemunhal carreada para os autos, que – e conforme bem se vê nos excertos reproduzidos supra – determina sem margem para dúvidas que os trabalhadores beneficiaram das várias apólices de seguros consoante o seu nível remuneratório, o TCA Norte considerou que não resultou provada a adoção deste mesmo critério para a atribuição, aos colaboradores da Recorrente, dos benefícios em causa.
C. A contradição quanto à mesma questão fundamental de direito
17. Assim, tendo a Recorrente alegado e demonstrado, sem margem para dúvidas, que os benefícios em causa eram atribuídos à generalidade dos trabalhadores e de acordo com um critério de atribuição do benefício objetivo e idêntico para todos os trabalhadores, a única justificação para o douto TCA Norte haver indeferido as pretensões da Recorrente será o facto de esse aresto partir do pressuposto de que os critérios de atribuição dos benefícios ora em causa não respeita os requisitos legalmente exigidos para a sua dedutibilidade em sede de IRC.
18. Deste modo, e numa decisão que, a nosso ver, bule com a douta decisão proferida pelo STA no processo n.º 01170/05.7BELSB de 4 de Dezembro de 2019 (doravante, o Acórdão Fundamento), o acórdão de que ora se recorre considerou que os termos em que foram atribuídos os benefícios ora em causa não cumprem os requisitos legais necessários para garantir a sua dedutibilidade em sede de IRC.
19. Ora, num caso em que uma entidade empregadora incluiu como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano, e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo, o douto Acórdão Fundamento decidiu que inexiste motivo para desconsiderar os referidos encargos como custos fiscais.
20. Neste contexto, refere o Acórdão Fundamento que “O motivo por que o legislador impõe que as realizações de utilidade social, para serem aceites como custos dedutíveis no apuramento do lucro tributável, correspondam a benefícios estabelecidos para a generalidade – e não a totalidade, como pretende a AT – dos trabalhadores, é evitar abusos, designadamente que possam ser assim deduzidos montantes que, ao invés de corresponderem a benefícios de carácter geral, constituam um modo de pagar «"remunerações ocultas", não tributadas em IRS» (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, págs. 103 a 132.)”.
21. Assim, e considerando que o Acórdão Fundamento determinou que o facto de uma realização de utilidade social não ser atribuída à totalidade dos trabalhadores – e desde que essa atribuição se paute por um critério objetivo e idêntico para a generalidade dos trabalhadores –, não é impeditivo de que esse encargo seja dedutível na esfera da sociedade empregadora,
22. por maioria de razão, na decisão de que ora se recorre, em que a totalidade dos trabalhadores beneficiou da realização de utilidade social, ainda que as apólices variassem de acordo com um critério totalmente objetivo e idêntico que é o nível remuneratório dos beneficiários, deveria ter sido considerado que inexiste fundamento para desconsiderar essa despesa em sede de IRC.
23. Efetivamente, comparando o que foi aceite, pelo Acórdão Fundamento, como um critério objetivo e idêntico na atribuição de benefícios – recorde-se, a manutenção do vínculo contratual com o trabalhador por determinado período –, parece manifestamente arbitrário que o acórdão de que ora se recorre tenha entendido que o nível remuneratório dos trabalhadores não consubstancia um critério igualmente objetivo e aplicável de forma idêntica à generalidade dos trabalhadores.
24. De resto, e como se refere no douto Acórdão Fundamento, “o critério seguido pela ora Recorrida era o de «incluir como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo», critério este que, como também ficou provado era «aplicável a todos os seus trabalhadores». Ou seja, é manifesto que esse critério, perfeitamente razoável e em nada arbitrário, é aplicável à generalidade dos trabalhadores e assente em premissas objectivas e idênticas para todos os trabalhadores.”.
25. Ora, por igual, o critério do “nível remuneratório” adotado pela ora Recorrente para a atribuição dos benefícios cuja dedutibilidade se discute, assenta indiscutivelmente em premissas objetivas e idênticas, que em nada ferem a ratio legis destes preceitos legais.
26. Afinal, não só os ditos benefícios eram, in casu, atribuídos a todos os trabalhadores da Recorrente, como o eram com base num critério que não poderia ser mais claro e objetivo: a integração, pelo trabalhador, num determinado intervalo de remuneração definido à partida e para todos os trabalhadores de cada uma das sociedades.
27. Ademais, caso a identidade a que a norma se refere devesse ser entendida como sinónimo de igualitarismo, nenhum sentido teria a necessidade legal de um critério “objectivo” para a atribuição dos benefícios – na verdade, todos os trabalhadores teriam então de estar submetidos ao mesmo exato regime.
28. Assim, e visto que os encargos incorridos pela Recorrente com os referidos seguros em benefício dos seus trabalhadores respeitam todos os requisitos para a sua dedutibilidade em sede de IRC – nomeadamente, à luz da interpretação que é feita pelo Acórdão Fundamento dos critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 40.º do IRC (na redação vigente à data) – a leitura que o douto Tribunal a quo fez do regime legal mobilizado encontra-se, quanto a esta questão, desprovida de qualquer arrimo jurídico válido.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS. QUE ADMITAM O PRESENTE RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E QUE O JULGUEM PROCEDENTE, DETERMINANDO A REVOGAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO,
PROFERINDO-SE NOVO ACÓRDÃO QUE, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS JÁ INVOCADOS, JULGUE TOTALMENTE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não se mostrarem reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, com a seguinte argumentação:


1.Objeto do recurso
A recorrente interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, propugnando que existe contradição entre o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27.05.2021, proferido nos autos à margem referenciados e o acórdão do STA de 04.12.2019 (e não datado de 12.04.2019, como refere a recorrente), proferido no processo nº 01170/05.7 BELSB, por alegada interpretação divergente traduzida na dedutibilidade para efeitos de IRC, prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 40.º do CIRC, ou seja, se a atribuição dos seguros foi realizada de forma generalizada a todos os trabalhadores permanentes e os seus benefícios obedeciam a um critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores.
2. Admissibilidade do presente recurso
Nos termos do artigo 284.º, n.º1 do CPPT, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para uniformização de jurisprudência são:
- que exista, relativamente à mesma questão fundamental de direito, contradição entre o acórdão recorrido e um outro acórdão anteriormente proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito;
- que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez quanto à caracterização da questão fundamental de direito:
- deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;
- a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
- não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
- as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
- em oposição ao acórdão recorrido pode ser invocado mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas.
3. Alegações da recorrente
3.1. A recorrente defende ter demonstrado que os benefícios decorrentes de atribuição dos seguros eram atribuídos a todos os seus trabalhadores, e, por outra, que as diferenças entre as apólices obedeciam a um critério de atribuição objetivo e idêntico para todos os trabalhadores, independentemente da classe profissional em que se incluam.
O acórdão recorrido decidiu que os critérios de atribuição dos benefícios ora em causa não respeita os requisitos legalmente exigidos para a sua dedutibilidade em sede de IRC, por ter considerado que os trabalhadores beneficiaram das várias apólices de seguros, consoante o seu nível remuneratório.
Tendo o acórdão fundamento, num caso em que uma entidade empregadora incluiu como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano, e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo, decidido que inexiste motivo para desconsiderar os referidos encargos como custos fiscais.
3.2. No acórdão do TCA Norte recorrido, a situação factual resulta da AT, em sede inspetiva, ter feito uma análise comparativa das quatro apólices de seguro de doença contratualizadas pelo sujeito passivo, debruçando-se sobre vários elementos destas, nomeadamente, o custo de apólice por segurado, valores seguros anuais por beneficiário, limites anuais de despesa por beneficiário, percentagens de comparticipação no regime de prestações por reembolso, apurou as diferentes condições de cobertura, tendo concluído que os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, pelo que os encargos incorridos com os prémios de seguros de doença, não foram aceites como custos ou perdas do exercício, por não se mostrar preenchido o requisito previsto na alínea b) do nº4 do artigo 40º do CIRC.
Concluiu, remetendo para a fundamentação de anterior acórdão daquele tribunal datado de 11.03.2021, que é ao contribuinte que incumbe provar os factos que são pressuposto da dedução do custo, nos termos do artigo 74º nº 1 da LGT, sendo à recorrente que cumpria alegar os factos concretos e determinados integrantes destes requisitos. Não o tendo feito, o julgamento que se impõe é a de que os custos em causa, embora em abstracto dedutíveis, não satisfazem, em concreto, os requisitos das alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 40º do CIRC.
3.3. No acórdão do STA fundamento, num caso em que uma entidade empregadora incluiu como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano, e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo, decidiu que inexiste motivo para desconsiderar os referidos encargos como custos fiscais.
3.4. Defende que o acórdão fundamento determinou que o facto de uma realização de utilidade social não ser atribuída à totalidade dos trabalhadores – e desde que essa atribuição se paute por um critério objetivo e idêntico para a generalidade dos trabalhadores –, não é impeditivo de que esse encargo seja dedutível na esfera da sociedade empregadora.
3.5. Na perspetiva da recorrente em ambos os arestos se parte de critérios objectivos e aplicáveis de forma idêntica à generalidade dos trabalhadores:
- no caso do acórdão do STA, o critério consiste na manutenção do vínculo contratual com os trabalhadores por determinado período (um ano);
- no caso do acórdão do TCA Norte, este traduz-se no nível remuneratório dos trabalhadores.
Neste sentido, propugna que o critério do nível remuneratório por si adotado para a atribuição dos benefícios cuja dedutibilidade se discute, assenta indiscutivelmente em premissas objetivas e idênticas, que em nada ferem a ratio legis dos preceitos legais aplicáveis.
4. Posição defendida
4.1. Na situação contemplada no acórdão recorrido a AT, em sede inspetiva, analisou quatro apólices de seguros, com três níveis de prémio comercial por pessoa segura e com cobertura bastante diferenciada entre si.
A sentença do TAF do Porto, mantida neste segmento decisório no acórdão recorrido, considerou que a impugnante referiu a existência do critério da remuneração como aquele que foi adotado, porém, em concreto nada demonstrou quanto à utilização de tal critério. “Na verdade, desconhece-se em absoluto quais os escalões de remuneração tidos em conta que, aliás, atendendo ao número de apólices em causa, só poderiam ser de três níveis e se os mesmo foram usados de forma objetiva e idêntica. Assim sendo, uma vez que a AT fundamentou devidamente a razão de ser da correção efectuada, caberia à impugnante o ónus da prova, nos termos do artigo 74º da LGT, dos factos constitutivos do direito invocado.”
4.2. Assim, ao contrário do que pretende a recorrente, o fundamento para o custo não ser aceite pela AT não se prende com a circunstância do “critério remuneratório” não ser um critério objetivo e idêntico entre os trabalhadores, mas antes pelo facto de a recorrente não ter demonstrado como procedeu à sua aplicação, de forma a justificar a correspondência entre o nível remuneratório dos trabalhadores e os prémios de seguro de doença pagos e as diferentes condições de cobertura das apólices. Tendo concluído que os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores
Destarte, a decisão de considerar que os custos, embora em abstrato dedutíveis, não satisfazerem os requisitos das alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 40º do CIRC, resultou da circunstância da recorrente não ter demonstrado os factos concretos e determinados integrantes destes requisitos.
4.3. Ao invés, na situação apreciada no acórdão do STA de 4.12.2019, “o critério seguido era o de «incluir como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo», critério este que, como também ficou provado era «aplicável a todos os seus trabalhadores».” (Disponível em www.dgsi.pt.)
4.4. Pelo exposto, conclui-se não existir identidade entre situação de facto em apreciação no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assim se justificando a diferente solução jurídica adotada nas duas situações.
Assim, não se afigura que exista contradição entre os dois acórdãos, relativamente a questão fundamental de direito, pelo que se não justifica uma decisão deste Supremo Tribunal, em ordem a fixar orientação jurisprudencial.
5. Conclusão
Nestes termos, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não estão reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 284º do CPPT, pelo que somos do parecer que o mesmo não deve ser admitido.
*

Os autos vêm à conferência do Pleno satisfeitos os vistos legais.


*


2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

2.2.1.- No acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:


A. A 1 de Novembro de 2007 a sociedade X………… – TELECOMUNICAÇÕES, S.A., foi incorporada por fusão na V……….. – Telecom, S.A., adoptando esta última a firma Z……… – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES, S.A. – cfr. doc. 3 junto com petição inicial;

B. A Impugnante foi objecto de uma inspecção tributária que teve como motivo o procedimento externo polivalente e que incidiu sobre os exercícios de 2005 e 2006 – cfr. fls. 124;

C. A 29 de Dezembro de 2008 foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e o qual obteve despacho de concordância – cfr. fls. 75 a 136 do PA;

D. Consta do Relatório referido em C):
III.2 Exercício de 2006
III.2.1 Correcções à Matéria Colectável – IRC
III.2.1.1 Seguros de Doença
Durante o exercício económico de 2006 a Z……….renovou com a Companhia de Seguros …………., SA, as três primeiras apólices de seguro, dois ramos “Multicare Empresas” (seguros de doença) e celebrou a apólice Nº 9902141:
- Apólice Nº 9900067
- Apólice Nº 9901779
- Apólice Nº 9901778
- Apólice Nº 9902141
Relativamente ao ano de 2006, os custos relacionados com as despesas de seguros de doença estão evidenciados na contabilidade Z………. nas seguintes sub-contas de Custos com o Pessoal e pelos seguintes valores:

[IMAGEM]

Pela análise às condições particulares das apólices supra mencionadas verificamos que estas contêm condições diferentes para os respectivos beneficiários. A título exemplificativo, ao comparar a apólice Nº 9901779 com a apólice Nº 9901778 verificamos que na primeira estão abrangidos, enquanto beneficiários, os cônjuges e os respectivos filhos dos colaboradores da Z………, contrariamente à segunda em que são beneficiários os colaboradores da Z………...
(…)
Face ao exposto, os gastos suportados com o pagamento do prémio das apólices de seguros de saúde, na parte em que são beneficiários os familiares dos trabalhadores, no montante de 47.090,31 EURO, não estando abrangidos pelo disposto no art.º 40.º do Código do IRC, não são aceites como custos ou perdas do exercício, por força do disposto no referido n.º 4 do art.º 23.º do Código do IRC.
(…)
Como tal, verifica-se que a Z………… contratou quatro apólices de seguro de doença distintas, das quais resultam benefícios bastante diferenciados para os seus trabalhadores.
2) Portanto, conclui-se que os benefícios não foram «(…) estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores (…)», contrariando o disposto na alínea B) do n.º 4 do art.º 40º do Código do IRC.

Face ao exposto, para além dos gastos suportados com o pagamento do prémio das apólices de seguros de doença, na parte em que são beneficiários os familiares dos trabalhadores, conforme foi anteriormente demonstrado, também a parte do custo relativo aos trabalhadores no montante de 47.081,13 EURO, não está abrangido pelo disposto no art.º 40.º do Código do IRC, por não cumprir o requisito previsto na al. b) do n.º 4 do mesmo artigo, e logo não são aceites como custos ou perdas do exercício, por força do disposto no referido n.º 4 do art. 23º do Código do IRC.
Deste modo, os gastos suportados com estes seguros não poderão ser aceites como custo para efeitos fiscais na sua totalidade, Pelo que se propõe uma correcção ao lucro tributável declarado pelo Sujeito Passivo, equivalente ao referido saldo das contas POC 64610101 e 64630101, no montante de 95.687,53 EURO, valor registado nas contas de custos, divergente dos montantes anteriormente apurados (47.090,31EIR +47.081,13 EURO) devido à especialização dos custos com os referidos seguros no montante de cerca de 1.500,00 euros.
(…)
III.2.1.2 Benefícios Fiscais – Incentivos à criação de emprego para jovens
O sujeito passivo deduziu ao lucro tributável (campo 234 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22), a título do benefício fiscal referente à Criação de Emprego parta Jovens, previsto no artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, actual artigo 19º do EBF (campo 234 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22 do ano de 2006), o montante de 149.095,03 EURO, tal como a seguir se descrimina:

[IMAGEM]
(….)
Criação líquida de postos de trabalho dos anos de 2001 e 2002
Pela análise da listagem referente à criação líquida de postos de trabalho, apresentada pelo sujeito passivo, constata-se que este teve dois tipos de procedimento:
- Quando o valor mensal total dos encargos, antes de serem majorados, não exceda o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional, aplicou uma majoração de 50% sobre a totalidade mensal dos encargos.

- Quando o valor mensal do total de encargos, antes de serem majorados, excede o limite de 14 vezes o salário mínimo mensal, aplicou uma majoração de 50% sobre o referido limite.
Em qualquer dos casos, o benefício fiscal utilizado pelo sujeito passivo corresponde ao montante da majoração apurada.
No entanto, conforme foi anteriormente exposto, o sujeito passivo deveria aplicar a majoração de 50% sobre os encargos suportados e comparar esse montante com o limite de 14 vezes o salário mínimo nacional, daí podendo resultar que:
7) Caso os encargos mensais apurados nos termos do nº 1 (encargos contabilísticos mais deduções ao quadro 07, ou seja 150% dos encargos suportados) não excedam o limite supra referido, o benefício fiscal a deduzir ao lucro tributável corresponde à diferença entre os encargos majorados e os encargos suportados, que não é mais que a majoração aplicada;

8) Caso os encargos mensais apurados nos termos do n.º 1 do artigo 17 do EBF, (encargos contabilísticos mais deduções ao quadro 07, ou seja 150% dos encargos suportados) excedam o limite supra referido, o benefício fiscal a deduzir ao lucro tributável corresponde à diferença entre o referido limite e os encargos suportados.

Relativamente à hipótese b) poderá ocorrer que os encargos registados na contabilidade excedam o limite, sendo que nesse caso o benefício fiscal será nulo, visto que a diferença apurada apresenta um valor negativo.
Estas conclusões resultam da aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 17.º do EBF, que permite que, para efeitos de IRC, as empresas considerem como custo 150% dos encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho, nas condições já referidas. No entanto, op n.º 2 do mesmo artigo, impõe um limite para os montantes que podem ser considerados como custos, com a majoração incluída que corresponde a um valor mensal de 14 vezes o salário mínimo nacional.
(…)
Conclusão
No decurso da presente acção inspectiva foram detectadas as referidas situações de incumprimento ao disposto no art.º 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (na sua redacção anterior à Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro) constantes do ANEXO VI (1 folha). Como tal, propõe-se uma redução parcial da dedução efectuada pelo Sujeito Passivo, no campo 234 do quadro 07 da Declaração Mod. 22 de IRC do ano de 2006, no montante de 36.350,15 EURO (16.087,17 EURO relativamente aos postos de trabalho criados no ano de 2001 e 23.262,98 EURO relativamente aos postos de trabalhos criados no ano de 2002), o que equivale a um acréscimo ao lucro tributável de igual montante.
III.2.1.3 Dedução indevida ao Quadro 07 da Declaração Modelo 22 – Desistência das Pendências Judiciais
Da análise efectuada à Declaração Modelo 22 e informações fornecidas pelo Sujeito Passivo verificamos que foi deduzido no Campo 237 do Quadro 07 da Modelo 22 do ano de 2006 o valor de 169.186,31 EURO, relativos a Juros de Mora e a Custas Judiciais, ao abrigo do Artigo 66º - Incentivo à extinção da instância, da Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro de 2005 (Orçamento de Estado de 2006), no âmbito dos incentivos excepcionais para o descongestionamento das pendências judiciais.
a) Enquadramento da situação na Z……….
De acordo com os dados recolhidos junto do sujeito passivo, aquele valor corresponde à soma dos juros de mora (163.821,27 EUROS), pedidos nas acções cíveis declarativas e executivas propostas contra clientes com dívidas em atraso e do valor das Custas Judiciais (5.365,04 EURO), pertencentes às seguintes entidades e discriminado da forma que se segue:
- …………. – Portugal Telecomunicações, Lda. (fundida na V……… no ano de 2005);

- V……….– Telecom, SA

[IMAGEM]

Desta forma, o valor de 169.186,31 EURO, é o resultado da soma dos Juros de Mora (163.821,27 EURO) e do valor das Custas Judiciais (5.365,04EURO).
(…)
No caso em análise, não foi cumprido o estipulado na alínea d) anterior relativamente aos valores de juros de mora e às custas judicias:
- O valor dos juros de mora não foi debitado aos clientes e por conseguinte não foi contabilizado como proveito contabilístico nem fiscal não podendo agora ser fiscalmente dedutível

- As custas judiciais, também não foram debitadas aos clientes nem foram contabilizadas como proveitos contabilísticos nem fiscais, não podendo se fiscalmente dedutíveis. Aliás, estas custas já foram relevadas na contabilidade no momento em que ocorreram, tendo sido consideradas fiscalmente dedutíveis no respectivo exercício em que foram registadas. Desta forma, não podem ser deduzidas novamente, pois, caso acontecesse, estaria a ser duplicada a sua dedutibilidade fiscal.

c) Conclusão
Tendo em conta o disposto no artigo 66º da Lei 60-A/20005 de 30 de Dezembro de 2005 e na esteira do Despacho de 07/12/2006, do Subdirector-Geral, em substituição do Director-Geral, exarado no Processo 2253/06, a Z……….. deduziu indevidamente, no Campo 237 do Quadro 07 da Modelo 22 do ano de 2006, o valor de 169.186,31 Euros, correspondente a Juros de Mora (163.821,27 EURO) e custas judiciais (5.365,04) dos créditos de que desistiu, o qual não é considerado um custo fiscal nos termos do estatuído no número 1 do artigo 23º do Código de IRC.
III.2.2 Imposto em falta
III.2.2.1 Imposto Sobre o Rendimento
III.2.2.1.1 Tributações Autónomas
O Sujeito Passivo declarou no Campo 365 do Quadro 10 da Declaração Modelo 22 do ano de 2006, o valor de 49.885,05 EURO, decorrente de Tributação Autónoma, prevista no Artigo 81º do Código do IRC. Pela análise aos cálculos efectuados pelo Sujeito Passivo, verificamos que não foi considerado por este a totalidade dos custos aos encargos dedutíveis relacionados com viaturas ligeiras de passageiros.
(…)
De acordo com os elementos incluídos pelo sujeito passivo no dossier fiscal, bem como pelos recolhidos na acção inspectiva, verificou-se que o contribuinte considerou como encargos relacionados com viaturas ligeiras os constante das seguintes contas de custo respeitantes a:
- Reintegrações;
- Combustíveis;
- Conservações e reparações;
- Seguros;
- Rent-a-car;
- Imposto sobre veículos;
- AOV (Aluguer Operacional de Viaturas) e;
- ALD (Aluguer de Longa Duração).

Em relação aos ALD, considerou as subcontas relativas a amortizações aceites fiscalmente, fees, seguros e diversos. Os referidos encargos dedutíveis relacionados com viaturas ligeiras apurados pelo sujeito passivo totalizam 940.510.33EURO. Do referido montante resultou IRC no montante de 47.025,52 EURO.
Verificou-se, no entanto, que o sujeito passivo não considerou como elegíveis para efeitos de tributação autónoma as seguintes constas de custos relativas a veículos ligeiros de passageiros ou mistos:

[IMAGEM]
Tal como se depreende do âmbito das referidas contas, a casa uma correspondem aos seguintes custos:
- Na conta n.º 62219013 são registados os custos relativos a juros dos contratos de ALD;

- Na conta n.º 62219073 são registados os custos relativos ao arrendamento de parques de estacionamento;

- Na conta n.º 62227003 são registados os custos relativos a portagens e estacionamento incorridos nas deslocações do pessoal da empresa.
Apesar de os encargos não estarem explicitamente previstos no referido n.º 5 do art. 81.º como “encargos relacionados com viaturas ligeiras”, estão sujeitos a tributação autónoma por força do n.º 3 do mesmo artigo, visto que estamos perante encargos dedutíveis relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas.
(…)
Assim, verificando-se que o sujeito passivo não deu cumprimento ao disposto no referido n.º 3 do art.º 81.º do Código do IRC, propõe-se uma correcção ao imposto apurado decorrente da tributação autónoma no montante de 14.788,72 EURO (295.774,39 EURO x 5%).”
L) Pelo ofício 00009 de 06 de Janeiro de 2009 foi a Impugnante notificada do Relatório de Inspecção Tributária – cfr. fls. 115;

M) Os presentes autos deram entrada a 13 de Março de 2009.

*
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, que a Impugnante tenha exercido o seu direito de audição.
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo em confronto com o depoimento da testemunha inquirida em Tribunal.
No que se refere em concreto ao depoimento da testemunha ………….., funcionária da sociedade “X…………. Comunicações, SA”, considerou o Tribunal que a testemunha prestou o seu depoimento sem contradições e de forma clara e congruente.
Porém, o seu depoimento (apesar de ter referido, no que diz respeito aos seguros de doença que estes eram atribuídos em função da remuneração) não bastou para criar a convicção do tribunal de que só por si, o critério “retribuição” na atribuição do acesso aos seguros por doença, era usado de forma objectivo e idêntico para todos os trabalhadores.


*

2.2.2. - No acórdão fundamento proferido no processo n.º 01170/05.7BELSB, do STA, foram dados como provados os seguintes factos:

A) A…………, Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. (ou impugnante) dedica-se à actividade de Administração de Imóveis por conta de outrem, estando enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e no regime normal mensal em sede de IVA;

B) A impugnante foi autorizada pelo Ministério das Finanças a ser tributada pelo lucro consolidado num período de cinco anos (1999 a 2003), desde que se verificasse a observância de todos os requisitos do art. 59.º do CIRC;

C) O grupo é constituído: - pela A…………, Lda. e - pela A………… Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. (a ora impugnante);

D) Na sequência da entrega da declaração do ano de 2000 foi emitida a liquidação n.º 2510081255, onde constava valor a reembolsar: € 25.363,69 (fls. 34, do p.a.);

E) Posteriormente foi efectuada a liquidação n.º 2510041916, onde foi verificado a omissão do pagamento especial por conta no valor de € 1.496,39, apurando-se um reembolso de € 24.173,98 (fls. 35, do p.a.);

F) Foi elaborada a demonstração da compensação n.º 2004 1138336, no montante de € 1.189,70, com data limite de pagamento de 31-01-2005;

G) Através da escritura de fusão com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2001 operou-se a fusão por incorporação da A………… Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. na A…………, Lda.;

H) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 88.898, de 07-01-2004, foi realizada inspecção tributária visando a A…………, relativo ao ano de 2000, do lucro consolidado do grupo, tendo sido elaborado o Relatório de Inspecção, junto a fls. 23 a 26 dos autos, que se dá por inteiramente reproduzido, constando, nomeadamente do ponto:

(…).

A – AO NÍVEL CONSOLIDADO

1) Correcções em termos individuais – 53.876,28 euros

2) O total das correcções proposto ao lucro consolidado do grupo A………… Lda., no exercício de 2000, ascende a 53.876,28 €, assim descriminadas.

1.1 A………… Sociedade de Mediação Imobiliária

1.2 Despesas com prémios de seguros de vida no montante de 10.816,89 €, não abrangendo a totalidade dos empregados. Constata-se que não foram englobados no seguro as seguintes pessoas: …………, (…); ………… (…); ………… (…).

1.3 Despesas relativas ao seguro complemento de reforma, no montante de 24.798,65 €, não tendo sido englobados a totalidade dos trabalhadores, nomeadamente ………… (…).

1.2 A………… Lda.

Despesas com prémios de seguros de vida no montante de 8.131,60 €, não abrangendo a totalidade dos trabalhadores. Constata-se que não foram englobados no seguro as seguintes pessoas: …………, (…); ………… (…); …………, (…); ………… (…).

Despesas relativas ao seguro complementar de reforma, no montante de 10.129,14 €, não foram englobados os seguintes empregados: …………, (…); ………… (…); ………… (…).

I) A Administração Tributária (AT) emitiu a liquidação n.º 2004 8610022447, onde consta como reembolso o valor de € 4.902,86 (fls. 37, do p.a. e doc. n.º 1, da p.i.);

J) A AT emitiu a nota de compensação, onde consta, junta como doc. n.º 2, da p.i., cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais».

2.2.2 Se bem que fora do local onde se propôs efectuar o julgamento da matéria de facto, o Tribunal Tributário de Lisboa deu ainda como assente o seguinte facto:

K) Os custos referidos em H) «foram suportados pelas duas empresas do grupo e de acordo com a política de retribuição da prestação de trabalho vigente, que consistia em incluir como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo», critério aplicável a todos os seus trabalhadores (cfr. a sentença, maxime a sua pág. 12, §§ 4.º e 7.º).


*

2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento estão reunidos os pressupostas de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, dado a contradição existente entre ambos os arestos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, que perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, o STA já concluiu em sentido diametralmente oposto ao dos presentes autos, não existindo qualquer fundamento para a inversão deste entendimento, tendo em conta que nos presentes autos se concluiu que os benefícios decorrentes de atribuição dos seguros não foram estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, pelo que os encargos incorridos com os prémios de seguros de doença, não foram aceites como custos ou perdas do exercício, por não se mostrar preenchido o requisito previsto na alínea b) do nº4 do artigo 40º do CIRC, quando o acórdão fundamento determinou que o facto de uma realização de utilidade social não ser atribuída à totalidade dos trabalhadores – e desde que essa atribuição se paute por um critério objetivo e idêntico para a generalidade dos trabalhadores –, não é impeditivo de que esse encargo seja dedutível na esfera da sociedade empregadora.

Vejamos.

2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

Nos termos do referido art. 284.º do CPPT (tal como no art. 152.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos), os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
(i) que exista, relativamente à mesma questão fundamental de direito, contradição entre o acórdão recorrido e um outro acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito,
(ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que tange ao primeiro requisito, de acordo com os critérios firmados por este Supremo Tribunal, exige-se para a sua verificação:
(a) que haja identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
(b) que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
(c) que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2 Dos requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência no caso concreto


Preliminarmente cumpre relevar que a recorrente não observou o disposto no artigo 284.º, n.º 2 do CPPT que exige a indicação, de forma precisa e circunstanciada, dos aspectos de identidade que determinam a contradição alegada.
Na verdade, a apelante refere explicitamente que logrou demonstrar que os benefícios decorrentes de atribuição dos seguros eram atribuídos a todos os seus trabalhadores, bem como, que as diferenças entre as apólices obedeciam a um critério de atribuição objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, independentemente da classe profissional em que se incluam.
Por assim entender, ainda na consideração de que o acórdão fundamento determinou que o facto de uma realização de utilidade social não ser atribuída à totalidade dos trabalhadores – e desde que essa atribuição se paute por um critério objectivo e idêntico para a generalidade dos trabalhadores –, como bem denota o Ministério Público no seu douto Parecer, não é impeditivo de que esse encargo seja dedutível na esfera da sociedade empregadora, na óptica da recorrente em ambos os arestos se parte de critérios objectivos e aplicáveis de forma idêntica à generalidade dos trabalhadores, a saber: (i) no caso do acórdão do STA, o critério consiste na manutenção do vínculo contratual com os trabalhadores por determinado período (um ano); e (ii) no caso do acórdão do TCA Norte, este traduz-se no nível remuneratório dos trabalhadores, o que, na sua percepção, forçará a conclusão de que o critério do nível remuneratório por si escolhido para a atribuição dos benefícios cuja dedutibilidade se controverte se ancore em premissas objectivas e idênticas e que não afrontam a ratio legis dos preceitos legais aplicáveis.
Aquilatando.
No acórdão do TCA Norte recorrido, em termos da facticidade relevante, apurou-se que a AT, no âmbito de acção inspectiva, procedeu a uma análise comparativa das quatro apólices de seguro de doença contratualizadas pelo sujeito passivo, debruçando-se sobre vários elementos destas, nomeadamente, o custo de apólice por segurado, valores seguros anuais por beneficiário, limites anuais de despesa por beneficiário, percentagens de comparticipação no regime de prestações por reembolso, apurou as diferentes condições de cobertura, tendo concluído que os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, pelo que os encargos incorridos com os prémios de seguros de doença, não foram aceites como custos ou perdas do exercício, por não se mostrar preenchido o requisito previsto na alínea b) do nº4 do artigo 40º do CIRC.
Nesta vertente, o acórdão recorrido confirmou a sentença do TAF do Porto, ao acolher a asserção nela vertida de que “Na verdade, desconhece-se em absoluto quais os escalões de remuneração tidos em conta que, aliás, atendendo ao número de apólices em causa, só poderiam ser de três níveis e se os mesmo foram usados de forma objetiva e idêntica. Assim sendo, uma vez que a AT fundamentou devidamente a razão de ser da correção efectuada, caberia à impugnante o ónus da prova, nos termos do artigo 74º da LGT, dos factos constitutivos do direito invocado.”
Com base no assim fundamentado e por remissão ainda para a fundamentação de anterior acórdão daquele tribunal prolatado em 11.03.2021, uma vez que era à contribuinte que incumbia provar os factos que são pressuposto da dedução do custo, nos termos do artigo 74º nº 1 da LGT, e, por isso, que era à recorrente que incumbia alegar os factos concretos e determinados integrantes destes requisitos, como o não fez, o tribunal julgou que os custos em causa, conquanto em abstracto dedutíveis, não cumprem, em concreto, os requisitos das alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 40º do CIRC.
Em suma:- O acórdão recorrido decidiu que os critérios de atribuição dos questionados benefícios não respeitam os requisitos legalmente exigidos para a sua dedutibilidade em sede de IRC, em virtude de os trabalhadores terem beneficiado das várias apólices de seguros, conforme o seu nível remuneratório, não se prendendo o critério adoptado pela AT com a circunstância do “critério remuneratório” não ser um critério objectivo e idêntico entre os trabalhadores, mas sim pelo facto de a recorrente não ter demonstrado como procedeu à sua aplicação, de forma a justificar a correspondência entre o nível remuneratório dos trabalhadores e os prémios de seguro de doença pagos e as diferentes condições de cobertura das apólices, acabando por concluir que os benefícios não foram estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores, motivo porque decidiu considerar que os custos, conquanto fossem dedutíveis em abstracto, não respeitavam os requisitos das alíneas a) e b) do nº 4 do artigo 40º do CIRC, em virtude de a recorrente não ter demonstrado os factos concretos e determinados integrantes de tais requisitos.
Já o acórdão do STA fundamento, debruçou-se sobre uma situação em que uma entidade empregadora incluiu como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano, e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo, tendo decidido que inexiste motivo para desconsiderar os referidos encargos como custos fiscais.
Assim, adversamente à situação discutida no acórdão recorrido, na situação examinada no acórdão do STA de 4.12.2019, “o critério seguido era o de «incluir como beneficiários da apólice de seguro de vida todas as pessoas suas empregadas há mais de um ano e beneficiários do complemento de reforma os trabalhadores empregados durante um ano civil completo», critério este que, como também ficou provado era «aplicável a todos os seus trabalhadores».”
Emerge do enquadramento gizado pela recorrente que a antinomia entre os arestos radicará na existência de soluções díspares quanto à mesma questão fundamental de direito, quando é certo que vem de ser demonstrada a inexistência de identidade entre situação de facto em apreciação no acórdão recorrido e no acórdão fundamento e que foi por isso que foi ditada uma diferente solução jurídica perfilhada nas duas situações.
Na senda do acórdão deste Pleno de 30.09.2020, publicado em www.dgsi.pt a “questão de direito é a mesma quando a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor e é idêntica a factualidade a considerar do ponto de vista da subsunção a essa norma jurídica.”
Daí, pois, que inexista a requestada identidade entre a questão fundamental de direito apreciada nos dois acórdãos, sendo de chamar à colação a jurisprudência consolidada do STA, segundo a qual “não pode conhecer-se do mérito do recurso se o recorrente erigiu como objecto do recurso uma questão que não é de direito, mas antes respeita ao julgamento da matéria de facto” (Cfr. entre outros, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 30.06.2021-P.0240/12.0BEFUN).
O recurso não pode, pois, ser admitido, por não englobar os requisitos mínimos que justifiquem a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo em ordem à prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência.
Nesse sentido, cumpre acentuar que a actuação deste Supremo Tribunal, nesta sede de recurso para uniformização de jurisprudência, que é um recurso extraordinário, visa, essencialmente, garantir a uniformidade da interpretação e da aplicação do direito, visa obter uma decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que as decisões dos tribunais superiores sobre uma questão fundamental de direito tenham sido contraditórias.

*

3. Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pela Recorrente, que ficou vencida (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).
*
Lisboa, 29 de Junho de 2022. - José Gomes Correia (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.