Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0343/12
Data do Acordão:01/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:NULIDADE
DECISÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – As decisões judiciais estão sujeitas ao dever de fundamentação por força do disposto no artigo 158º do CPC, o que constitui, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do artigo 205.º da CRP.
II – O art. 125.º do CPPT e o análogo art. 668.º, nº 1, al. b), do CPC estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, e estes preceitos são aplicáveis aos despachos judiciais por força do estipulado no nº 3 do art. 666º do CPC.
III – Se a decisão judicial de indeferimento do requerimento que a impugnante apresentou no processo de impugnação judicial – no sentido de que fosse determinado ao órgão de execução fiscal a suspensão do processo executivo face ao pedido formulado na petição inicial de impugnação de dispensa de prestação de garantia – é totalmente omissa quanto aos factos provados necessários à aplicação do direito, verifica-se omissão absoluta de julgamento em matéria de facto, que constitui uma nulidade que deve, aliás, ser conhecida oficiosamente pelo STA face ao disposto no nº 3 do art. 729º do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P15123
Nº do Documento:SA2201301160343
Data de Entrada:03/27/2012
Recorrente:ADESCO - ASSOC PARA O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO DE AMARANTE
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. ADESCO - ASSOCIAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO DE AMARANTE, com os demais sinais dos autos, recorre da decisão proferido a fls. 69 do processo de impugnação judicial que corre no TAF de Penafiel sob o nº 629/08.5 BEPNF e que indeferiu o requerimento apresentado pela impugnante, a fls. 65, a solicitar ao Mmº Juiz que determinasse a suspensão do processo de execução fiscal referenciada na petição de impugnação judicial.
Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:
a- O despacho proferido não aponta os fundamentos de facto e de direito para o indeferimento, apesar da recorrente no seu requerimento ter alegado factos —artigos 26º a 33º do seu articulado — que o tribunal deveria ter analisado para em seguida proferir decisão.

b- Mais ainda, a recorrente indicou testemunhas que sobre esses mesmos factos iriam prestar depoimento, caso o tribunal não se bastasse com as alegações de facto, o que igualmente não foi tido em conta pelo tribunal a quo, preterindo a sua inquirição.

c- Tal circunstância configura uma clara violação do direito de defesa da recorrente, bem como a preterição de diligencia a que o tribunal estava obrigado a realizar - arts. 114º e sgts do CPPT.

d- Como refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 0814/11, de 16 de Novembro de 2011 que “o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo agente, permitindo ao interessado conhecer, assim, as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática”.

e- É invocado pelo recorrente, também, a inexistência de título executivo. A confirmar-se toma o prosseguimento da execução uma clara violação da propriedade do recorrente e um grave atropelo da lei processual já que, sendo matéria de excepção deveria o tribunal apreciar desde logo a sua existência para em seguida ponderar as vicissitudes inerentes ao efeito pretendido com a impugnação judicial.

f- O tribunal a quo omite uma vez mais a fundamentação da decisão, deixando de se pronunciar sobre a existência de matéria que liminarmente pode levar à extinção da própria instância.

g- A recorrente entende por isso que o despacho é nulo nos termos dos arts. 125º nº 1 do CPPT e 668º nº 1 b) do CPC, por evidente falta de fundamentação sobre a matéria de facto e de direito.


2. Não foram apresentadas contra-alegações.

3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:

(…)

A recorrente requereu a atribuição de efeito suspensivo do PEF à interposição da impugnação judicial, nos termos de fls. 3, alegando a necessidade do uso diário dos veículos em causa (artigos 26.° e seguintes da PI) e os factos e argumentos referidos nos artigos 6°, 7.° e 8.° do citado requerimento.

Ora, toda essa factualidade a argumentação é manifestamente inócua para os efeitos pretendidos.

De facto, como refere – e bem – o despacho recorrido, nos termos do estatuído no artigo 103º/4 do CPPT a impugnação só tem efeito suspensivo quando a requerimento do contribuinte for prestada garantia (ou for deferida dispensa de prestação a requerimento do interessado, que no caso em análise não está em causa), no prazo de 10 dias contados da notificação para o efeito pelo Tribunal, com respeito pelos critérios e temos referidos nos números 1 a 5 e 9 do artigo 199º do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição 2011, Volume II, páginas 175, 176, 178 e 179 e Volume III, páginas 336/337, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.).

E ao decidir como decidiu o despacho recorrido exterioriza, claramente, as razões de facto e de direito que o suportam, pelo que não é nulo como defende a recorrente.

Na verdade, um declaratário normal colocado na posição da recorrente só pode concluir que, nos termos do despacho sindicado, os factos/argumentos utilizados pela recorrente são, absolutamente, inócuos para fundamentar sua pretensão e uma vez que não foi requerida/prestada garantia (nem pedida a dispensa do sua prestação, pelo que resulta dos autos), a pretensão de atribuição de efeito suspensivo da execução fiscal à interposição da impugnação judicial, com consequente comunicação do OEF, só pode merecer o indeferimento.

O despacho recorrido, para estar devidamente fundamentado de facto e de direito, nada mais precisa de conter ou referir. (…)».

4. Recolhidos que foram, oficiosamente por este Tribunal, elementos do processo de impugnação judicial, designadamente cópia da respectiva petição inicial e sua tramitação até à prolação da decisão recorrida, e colhidos que foram os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir, em conferência, o presente recurso.

5. A decisão impugnada tem o seguinte teor:

«A impugnação tem efeito suspensivo, nos termos do disposto no art. 103º do Código de Procedimento e de Processo Tributário quando, como resulta do nº 4 “... a requerimento do contribuinte, for prestada garantia real adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos nº 1 a 5 e 9 do art. 199º”.

Pelo que, se indefere a requerida suspensão dos autos e a consequente comunicação ao órgão de execução fiscal.».

6. A decisão recorrida indeferiu o requerimento apresentado pela impugnante, a fls. 65, onde esta viera alegar ter sido notificada pelo serviço de finanças para proceder à entrega dos livretes e títulos de registo de propriedade dos seus veículos, quando, na petição inicial desta impugnação judicial, pedira a suspensão desse processo executivo até que fosse proferida sentença neste processo impugnatório, «circunstância que fundamentou, para além do mais, com a necessidade de uso diário dos veículos em causa (arts. 26 e seguintes da petição inicial). Assim, o serviço de finanças prosseguiu com os trâmites da execução fiscal uma vez que não foi ainda proferido Despacho sobre esta matéria em particular. É forte convicção da impugnante que os argumentos expostos irão merecer o acolhimento do Tribunal quanto à suspensão da execução fiscal. A entrega dos documentos implica a paralisação dos veículos e da instituição (…)», pelo que terminou pedindo à Mmª Juíza que proferisse despacho a ordenar a suspensão da execução fiscal e o comunicasse ao órgão de execução.
Com efeito, na petição de impugnação judicial a impugnante pedira expressamente a dispensa de prestação de garantia, articulando, nos artigos 26º e segs., o seguinte:

«Dispensa de prestação de garantia
26°
Conforme já anteriormente alegado, e é do conhecimento publico, a exponente é uma instituição de solidariedade pública, não dispõe de meios ou condições económicas para a prestação de garantia.
27°
Existe em função dos protocolos que celebra com a Segurança Social e de onde provêm verbas para suportar todas as acções que leva a efeito.
28°
Atravessa um período particularmente difícil face à redução das suas actividades, por um lado e por outro
29°
Conforme é do conhecimento desse serviço existem vários processos judiciais onde se discute o futuro da instituição e em que o Estado é parte directa e interveniente.
30°
Acresce que as viaturas de sua propriedade, são imprescindíveis as acções sociais e de solidariedade que diariamente executa.
31° A privação de uso das mesmas, acarreta de imediato a paralisação e em seguida o encerramento de portas.
32°
Mais de 30 postos de trabalho directos serão automaticamente extintos e dezenas de idosos e crianças carenciadas e desprotegidas, ficam sem apoio domiciliário e educativo.
33°
Neste cenário, requer a V. Exªs a dispensa de prestação de garantia, suspendendo-se a execução», tendo terminado por arrolar 5 testemunhas – cfr. fls. 45 a 48 destes autos.

Todavia, a decisão recorrida, proferida sem que antes tivesse sido apreciado e decidido esse pedido de dispensa de garantia, indeferiu o requerimento de fls. 65 sem explicar, de facto e de direito, porque não atendia à pretensão de dispensa de garantia para efeitos da pedida suspensão da execução fiscal, limitando-se a transcrever a norma contida no nº 4 do art. 103º do CPPT (que nem sequer se refere aos requisitos para a dispensa de prestação de garantia) e a concluir, após essa transcrição, que «se indefere a requerida suspensão dos autos e a consequente comunicação ao órgão de execução fiscal.».
É contra esta decisão que vem interposto recurso, que a recorrente acusa de falta de fundamentação (de facto e de direito).

Vejamos.
A exigência de fundamentação das decisões judiciais encontra previsão no artigo 158º do Código de Processo Civil, constituindo, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». É, aliás, nesse contexto, que o artigo 125.º do CPPT e o análogo artigo 668.º, nº 1, al. b), do CPC, estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, preceitos que são aplicáveis a quaisquer outras decisões judiciais por força do estipulado no nº 3 do art. 666º do CPC.
Esta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada. Razão por que a falta de julgamento dos factos necessários à decisão constitui, aliás, nulidade de conhecimento oficioso, em paralelo com a nulidade prevista nos artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil, pois que – de acordo com o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-11-1996, proferido no recurso n.º 20805 – o n.º 1 do art. 144º do CPT (a que corresponde o actual art. 125.º do CPPT) e a alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, ao exigirem a especificação dos fundamentos de facto da decisão, referem-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita, ao julgamento dos factos necessários à mesma decisão, cuja falta constitui, ao contrário daquela, nulidade do conhecimento oficioso. No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, os acórdãos desta Secção de 3-6-1992, de 20-2-2008, de 12-11-2008, de 12-01-2011, de 10-03-2011 e de 16-11-2011, proferidos nos recursos n.º 14284, n.º 903/07, n.º 546-08, nº 638/10, nº 716/10, e nº 453/11, respectivamente.
Como se deixou dito no acórdão proferido por esta Secção em 29-05-2002, no recurso n.º 228/02, citando ALBERTO DOS REIS (Código de Processo Civil Anotado, vol. v, pág. 139.), «“uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”; comprometendo a sua validade por carecer, então, de um elemento essencial, quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, “tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior”; carecendo este “também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso».
No caso sub judicio, a questão incidental que se colocava e que foi resolvida pela decisão recorrida, passava, necessariamente, por indagar se a impugnante provara a factualidade que alegara com vista a obter a dispensa de prestação de garantia para alcançar a pretendida suspensão da execução fiscal, o que pressupunha, naturalmente, a operação de fixação da factualidade julgada como provada e não provada, pois foi nesse contexto que ela pediu à Mmª Juíza do tribunal “a quo” que proferisse despacho a ordenar a suspensão da execução fiscal e que comunicasse essa decisão ao órgão de execução.
Porém, da leitura da decisão recorrida resulta que a Mmª Juíza preteriu por completo a operação de julgamento da matéria de facto para a apreciação da questão colocada, verificando-se uma omissão absoluta da matéria de facto necessária para justificar essa decisão, bem como uma omissão de referência às normas jurídicas que dizem respeito a essa questão e que são as concernentes à dispensa de prestação de garantia para efeitos de suspensão da execução fiscal.
Como assim, a decisão recorrida não fez o julgamento da factualidade necessária em face do regime legal aplicável - regime que nem sequer equacionou – para a decisão que tomou, de indeferimento do pedido. O que impede este Tribunal de recurso de levar a cabo a sua actividade jurisdicional, comprometendo a possibilidade de revisão dessa decisão, sabido que a actividade do Supremo Tribunal Administrativo em processos julgados inicialmente pelos tribunais tributários de 1ª instância se limita à aplicação do direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (artigo 729.º, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Ou seja, o tribunal de 1ª Instância tem, necessariamente, de determinar a matéria de facto que considera provada e não provada em ordem à respectiva solução de direito que considera aplicável – e que tem igualmente de equacionar –, e não o tendo feito justifica-se a anulação da decisão, com a consequente devolução dos autos a esse tribunal para que nele se proceda ao julgamento e fixação de base factual suficiente para a decisão de direito.

7. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em anular a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para o efeito acima determinado.
Sem custas.


Lisboa, 16 de Janeiro de 2013. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Ascensão Lopes Pedro Delgado.