Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:077/16.7BALSB
Data do Acordão:12/13/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:DECLARAÇÃO
INTERESSE PÚBLICO
ACTO ADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
DIREITO DE AUDIÊNCIA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
LIVRE INICIATIVA
INICIATIVA PRIVADA
LIBERDADE
EMPRESA
LIBERDADE DE ESTABELECIMENTO
Sumário:I - O art. 34.º-A, n.º 5, do DL n.º 31/2006, de 15.02 [na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 244/2015, de 19.10], que declarou o interesse público das «grandes instalações petrolíferas existentes» conforme definidas na al. p) do art. 03.º do mesmo diploma [«instalações de armazenamento e transporte por conduta detidas pela A…, SA»], configurando um ato administrativo, mostra-se passível de impugnação contenciosa nos tribunais administrativos, impugnação essa fundada em qualquer das causas de invalidade administrativa de que os atos possam enfermar, mormente, seja por ilegalidades materiais geradoras de violação de lei ou de desvio de poder, seja, também, por ilegalidades formais ou de procedimento.
II - A prática de um ato administrativo como o que se mostra impugnado, com o decorrente impacto na situação jurídica dos bens detidos e pertencentes à A. [cfr. art. 24.º do DL n.º 31/2006], estava, em decorrência da necessidade de observância do princípio da participação por parte dos órgãos da Administração Pública [cfr. arts. 267.º, n.º 5 da CRP, e 12.º do CPA], sujeita ao dever de audiência tal como imposto pelo art. 121.º do CPA/2015 e ao mesmo devia obediência e estrita observância, sendo que nada na situação vertente dispensava a realização da audiência prévia tal como previsto no n.º 1 do art. 124.º do mesmo Código.
III - O ato impugnado mostra-se devidamente fundamentado [cfr. arts. 152.º e 153.º do referido CPA] e não enferma de qualquer infração ou violação dos princípios da separação de poderes [art. 111.º, n.º 1, da CRP], da proteção da confiança [cfr. arts. 02.º da CRP, e 10.º do mesmo CPA] ou das regras relativas à reserva competência legislativa [arts. 83.º e 165.º, n.º 1, als. b) e l), da CRP], nem atenta contra a livre iniciativa privada e liberdade de ação empresarial [arts. 17.º, 18.º, e 61.º, da CRP], o direito à propriedade privada [art. 62.º da CRP], ou a liberdade de estabelecimento [art. 49.º do TFUE].
Nº Convencional:JSTA000P23958
Nº do Documento:SA120181213077/16
Data de Entrada:01/20/2016
Recorrente:A............., SA
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS E ESTADO PORTUGUÊS
Votação: MAIORIA 2 VOT VENC E 1 DEC VOT - VOTO DE DESEMPATE DO PRESIDENTE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. «A………………., SA», devidamente identificada nos autos, instaurou neste Supremo Tribunal a presente ação administrativa contra o CONSELHO DE MINISTROS [«CM»] e o ESTADO PORTUGUÊS [«ESTADO»], nos termos e com a motivação aduzida na petição inicial de fls. 02 e segs. dos autos, peticionando, no que aqui ora releva, que fosse declarada a nulidade ou anulado o ato contido no art. 34.º-A, n.º 5, em conjugação com o art. 03.º, al. p), ambos do DL n.º 31/2006, de 15.02 [na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 244/2015, de 19.10 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele diploma sem expressa referência em contrário] [funda a sua pretensão na: i) violação da lei por inobservância do procedimento legalmente previsto para a declaração de interesse público (cfr. art. 34.º-A do referido DL n.º 31/2006 e art. 111.º, n.º 1, da CRP - violação do princípio da separação de poderes já que no exercício da atividade legislativa terá havido «invasão» de matéria reservada à função administrativa) (vide arts. 111.º a 120.º da petição); ii) preterição do direito de audiência prévia (arts. 267.º, n.º 5, da CRP, 12.º e 121.º do CPA - na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 4/2015 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário) (arts. 121.º a 142.º da petição); iii) falta de fundamentação (cfr. arts. 152.º e 153.º do CPA) (arts. 143.º a 154.º da petição); iv) violação do princípio da proteção da confiança (cfr. arts. 02.º da CRP, e 10.º do CPA) (arts. 155.º a 163.º da petição); e v) violação dos comandos constitucionais insertos nos arts. 17.º, 18.º, 61.º (livre iniciativa privada e liberdade de ação empresarial), 62.º (direito à propriedade privada e sua limitação sem devida compensação), 83.º e 165.º, als. b) e l) (regras relativas à reserva competência legislativa), todos da CRP (arts. 164.º a 184.º da petição)].

2. Citados os RR., foram produzidas contestações pelo R. «CM» [no âmbito da qual contraditou os fundamentos da presente ação administrativa e concluiu quer pela improcedência da mesma quer pela inexistência de ato impugnável, quer pela natureza não administrativa do ato impugnado, quer ainda por não se verificarem os pressupostos da pretensão indemnizatória - cfr. fls. 112/127 dos autos] e pelo R. «ESTADO» [no âmbito da qual se defendeu por exceção invocando a incompetência material deste STA, a inimpugnabilidade contenciosa do ato impugnado, a ilegitimidade passiva do Estado, a ilegitimidade passiva plural por preterição de litisconsórcio necessário passivo (falta da identificação, pela A., dos contrainteressados), a falta de interesse em agir quanto aos pedidos indemnizatórios e a ilegal formulação do pedido indemnizatório genérico e, por impugnação, sustentando a improcedência das ilegalidades assacadas ao ato impugnado e da pretensão formulada - cfr. fls. 129/156].

3. Devidamente notificada das contestações apresentadas pelos demandados a A. apresentou réplica, pugnando pela sua procedência e, nessa conformidade, para que se julgassem improcedentes as exceções deduzidas nas respetivas contestações, tramitando o processo até decisão final e decidindo-se conforme pedido na petição inicial [cfr. fls. 158/193].

4. Foi proferido despacho saneador, inserto a fls. 222/230 dos autos, no qual se decidiu «julgar procedentes as exceções de incompetência absoluta deste Tribunal relativamente aos pedidos de declaração de inconstitucionalidade (material e orgânica) e de condenação do R. “Estado Português” no pagamento de indemnização a liquidar ulteriormente em sede própria (deduzidos a título principal e subsidiário), com consequente e respetiva absolvição da instância dos demandados» e, ainda, julgar improcedente a exceção de incompetência absoluta que havia sido suscitada pelos RR. declarando-se, em consequência, «este Tribunal como competente apenas para a apreciação da pretensão impugnatória [de ilegalidade geradora de nulidade ou anulação do ato administrativo contido no art. 34.º-A, n.º 5, do DL n.º 31/2006 …]». Mais foi decidido, relativamente à exceção de inimpugnabilidade do ato que «estando em face ato administrativo contenciosamente impugnável terá, sem necessidade de outros desenvolvimentos, de se desatender a exceção que se mostra arguida pelos RR., improcedendo a mesma».

5. O R. «CM», inconformado, deduziu reclamação para a Conferência [cfr. fls. 235/256], circunscrita ao segmento da decisão que julgou improcedente a referida exceção de incompetência em razão da matéria quanto à pretensão impugnatória deduzida pela A., sustentando, em suma, ao invés do ali decidido, que a mesma deveria ter sido julgada procedente e, em consequência, «ser proferido acórdão que decrete a incompetência do presente Tribunal para apreciar a pretensão impugnatória peticionada pela A. quanto ao art. 34.º-A, n.º 5 do DL 31/2006, introduzido pelo DL n.º 244/2015».

6. Devidamente notificada a A. veio produzir resposta [cfr. fls. 261/275], propugnado pela improcedência da reclamação e pela manutenção do juízo firmado quanto à exceção em causa, sustentando a competência deste STA para se pronunciar sobre o ato impugnado e reiterando o peticionado no articulado inicial quanto à sua invalidade.

7. Por acórdão de 05.04.2017, foi indeferida a reclamação deduzida [cfr. fls. 281/287 v.].

8. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em Conferência.


DAS QUESTÕES A DECIDIR
9. Constitui objeto de apreciação nesta sede o aferir da legalidade do ato contenciosamente impugnado [ato administrativo contido no art. 34.º-A, n.º 5, em conjugação com o art. 03.º, al. p), ambos do DL n.º 31/2006, que procedeu à declaração de interesse público das «grandes instalações petrolíferas existentes» pertença da A.], designadamente, aquilatar se procedem os fundamentos de ilegalidade que lhe foram assacados e conducentes à sua invalidade, consistentes na: i) inobservância do procedimento legalmente previsto para a declaração de interesse público [cfr. art. 34.º-A do DL n.º 31/2006] e com violação do princípio da separação de poderes [art. 111.º, n.º 1, da CRP]; ii) preterição do direito de audiência prévia [arts. 267.º, n.º 5, da CRP, 12.º e 121.º do CPA]; iii) falta de fundamentação [cfr. arts. 152.º e 153.º do CPA]; iv) violação do princípio da proteção da confiança [cfr. arts. 02.º da CRP, e 10.º do CPA]; v) violação dos comandos constitucionais insertos na CRP nos seus arts. 17.º, 18.º, 61.º [livre iniciativa privada e liberdade de ação empresarial], 62.º [direito à propriedade privada e sua limitação sem devida compensação], 83.º e 165.º, n.º 1, als. b) e l) [regras relativas à reserva competência legislativa]; e vi) violação do art. 49.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia [abreviada e doravante TFUE] [liberdade de estabelecimento].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Resulta dos autos como assente o seguinte quadro factual:
I) A «A……………………., SA» [«A…………»] é uma pessoa coletiva, constituída por capitais exclusivamente privados, que opera na área da logística de combustíveis.
II) No desenvolvimento da sua atividade, a «A……………» é responsável pela exploração do oleoduto multiproduto [transporta seis produtos de petróleo de forma sequencial e por ciclos] que faz a ligação entre Sines e Aveiras de Cima, com uma extensão de cerca de 147 Km, e pelo parque de armazenamento de combustíveis na instalação de Aveiras de Cima.
III) Infraestruturas que foram construídas e devidamente licenciadas no ano de 1996 e cuja construção envolveu um investimento pela «A…………..» superior a 215.000.000,00 €.
IV) O projeto base de oleoduto multiproduto, apresentado pela A., foi aprovado por despacho do Ministro da Economia n.º 50/96, de 31 de março, publicado no Diário da República, II série, de 03 de abril de 1996, n.º 80/96, 2.º Suplemento - cfr. Aviso da Direção-Geral de Energia, publicado Diário da República, II Série, de 3 de abril de 1996, n.º 80/96, 2.º Suplemento, pág. 4680-(78).
V) O despacho do Ministro da Economia n.º 50/96, de 31 de março, foi publicado na íntegra através do «Aviso» da Direção-Geral de Energia, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de abril de 1996, n.º 80/96, 2.º Suplemento, pág. 4680-(78), que aqui se dá por integralmente reproduzido, e é do seguinte teor:
«MINISTÉRIO DA ECONOMIA
Direcção-Geral de Energia
Aviso
1 - Para os devidos efeitos, publica-se na íntegra o Desp. do Ministro da Economia 50/96, de 31-3, que aprovou o projeto base do oleoduto multiproduto, apresentado pela A……………… S.A.:
A A………………., S.A., que integra como sócia a Petrogal, S.A., apresentou para aprovação ao Ministro da Economia um projeto designado por projeto de oleoduto multiproduto, destinado ao transporte de produtos petrolíferos desde a refinaria de Sines até ao parque de armazenagem, sito em Aveiras de Cima.
O projeto apresentado para aprovação tem como causa próxima a obrigatoriedade do levantamento das instalações de combustíveis petrolíferos da Petrogal, S.A., situadas na zona da EXPO 98, assegurando o regular abastecimento de combustíveis petrolíferos à área metropolitana de Lisboa e proporcionando a essa operação acrescidas características de segurança e de proteção do ambiente.
Para a economia em geral, bem como para as indústrias e serviços implantados na área metropolitana de Lisboa e zona Centro do País, é inegável o interesse público da execução deste projeto.
Todas estas razões concorrem para justificar o reconhecimento do interesse público do projeto, e assim das infraestruturas que o integram, com o consequente recurso à constituição das servidões ou à eventual expropriação de imóveis.
Por força do art. 2.º do Dec.-Lei 152/94, de 26-5, a aprovação de um projeto de oleoduto/gasoduto é da competência do Ministro da Economia, sendo, por via de remissão expressa, aplicável ao processo de aprovação o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 2.º do Dec.-Lei 232/90, de 16-7.
Em cumprimento do n.º 3 do citado artigo, o projeto foi enviado aos ministérios referidos nesta disposição, bem como aos municípios abrangidos pelo traçado do oleoduto, para emissão do respetivo parecer. Simultaneamente, teve lugar o processo de avaliação dos impactes ambientais.
Tendo decorrido o prazo legal para a emissão dos pareceres, foram recebidos, dos ministérios e municípios consultados, indicações e sugestões para inclusão no projeto.
Também a Direção-Geral de Energia concordou com o projeto base do oleoduto, que integra o respetivo traçado, tendo igualmente apresentado um conjunto de observações e sugestões para inclusão no desenvolvimento do projeto.
A requerente foi informada da totalidade das observações e sugestões apresentadas, tendo aceite a sua oportunidade e apresentado compromisso de cumprimento das mesmas, no desenvolvimento futuro do projeto.
Assim, considerando o disposto aos arts. 2.º e 3.º do Dec.-Lei 152/94, de 26-5, determino:
1 - Tendo presentes os pareceres recebidos e os compromissos assumidos pela A………………., S.A., aprovo o projeto base do oleoduto multiproduto que me foi apresentado por esta entidade, o qual inclui o respetivo traçado.
2 - Ao abrigo do art. 3.º do Dec.-Lei 152/94, de 26-5, reconheço o interesse público do projeto, com os efeitos decorrentes das als. a) e c) do n.º 4 do art. 2.º do Dec.-Lei 232/90, de 16-7.
3 - A requerente fica desde já autorizada a constituir servidões sobre os imóveis constantes da relação que integra o projeto ora aprovado.
4 - O exercício dos direitos previstos nos n.ºs 2 e 3 far-se-á com a observância dos processos previstos no Dec.-Lei 11/94, de 13-1, e no Código das Expropriações, aprovado pelo Dec.-Lei 438/91, de 9-11.
5 - Com a aprovação ora concedida, fica a requerente autorizada a dar início às obras de execução do projeto, sem prejuízo do cumprimento do disposto no número anterior, quando houver recurso ao exercício dos direitos nele referidos.
6 - Para efeitos da constituição das servidões, a Direção-Geral de Energia deverá proceder à tempestiva publicação no DR, 2.ª, da planta do traçado do oleoduto, sendo os encargos decorrentes da publicação integralmente suportados pela requerente.
31-3-96. - O Ministro da Economia, …………………….
2 - Mais se publica a planta do traçado geral do oleoduto multiproduto Sines/Aveiras de Cima, que será complementado com a publicação das plantas parcelares do respetivo traçado, para efeitos da constituição de servidões.
2-4-96. - O Diretor-Geral, ………………..».
VI) Em 15 de fevereiro de 2006, foi publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 33, o Decreto-Lei n.º 31/2006, que aqui se dá por integralmente reproduzido, diploma que veio estabelecer as bases gerais da organização e funcionamento do Sistema Petrolífero Nacional (SPN), bem como as disposições gerais aplicáveis ao exercício das atividades de armazenamento, transporte, distribuição, refinação e comercialização e à organização dos mercados de petróleo bruto e de produtos de petróleo.
VII) Em 19 de outubro de 2015, foi publicado no Diário da República, I.ª série - n.º 204, o Decreto-Lei n.º 244/2015, que aqui se dá por integralmente reproduzido, donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:
«… O Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, que estabelece as bases gerais da organização e funcionamento do Sistema Petrolífero Nacional (SPN), bem como as disposições gerais aplicáveis ao exercício das atividades de armazenamento, transporte, distribuição, refinação e comercialização e à organização dos mercados de petróleo bruto e de produtos de petróleo, vigora condicionalmente na ordem jurídica nacional, na medida em que não chegou a ser publicada a respetiva legislação complementar, necessária nomeadamente para a regulação das atividades de armazenamento, transporte e distribuição por conduta de produtos de petróleo, e correspondente supervisão.
(…) Este enquadramento, conjugado com as obrigações de serviço público que impendem sobre os intervenientes do SPN, conduziu o Governo à implementação de medidas que contribuam para o melhor funcionamento do mercado petrolífero, promovendo a transparência e a não discriminação em benefício do consumidor. Tais medidas, agora introduzidas, traduzem-se num conjunto de regras para o exercício de algumas atividades do SPN com vista a promover a concorrência e a assegurar a adequada satisfação das obrigações de serviço público, designadamente a segurança, a regularidade e a qualidade do abastecimento e a proteção dos consumidores.
As regras relativas ao acesso a centros de operação logística e a grandes instalações de armazenamento e transporte de petróleo bruto e produtos de petróleo por conduta, à separação jurídica e contabilística dos intervenientes do SPN no exercício das atividades de armazenamento, transporte e distribuição, à prestação de informação obrigatória ou à obrigação de registo e certificação pela ENMC - Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis, E.P.E. (ENMC, E.P.E.), revelam-se determinantes para melhorar o funcionamento deste sector.
Desta forma, o Governo pretende dar resposta às preocupações manifestadas tanto pela Autoridade da Concorrência como pela Agência Internacional de Energia, declarando de interesse público as grandes instalações petrolíferas existentes que, pela sua capacidade e localização, se revelam de uma importância estratégica para o mercado petrolífero e para a segurança do abastecimento nacional, devendo, por isso, permitir o acesso aos operadores de acordo com determinadas condições agora concretizadas - não discriminação, transparência e publicidade.
(…)
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, o Conselho Nacional para os Combustíveis e a Autoridade da Concorrência.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, que estabelece os princípios gerais relativos à organização e funcionamento do Sistema Petrolífero Nacional (SPN), bem como ao exercício das atividades de armazenamento, transporte, distribuição, refinação e comercialização e à organização dos mercados de petróleo bruto e de produtos de petróleo.
Artigo 2.º
[…]
Alteração ao Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro
Os artigos 2.º, 3.º, 5.º, 10.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 24.º, 25.º, 27.º, 29.º, 32.º, 33.º, 34.º, 37.º, 38.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, passam a ter a seguinte redação:
[…]
Artigo 3.º
[…]
[...]
m) «ENMC, E.P.E.» a ENMC - Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis, E.P.E.;
[…]
p) «Grandes instalações petrolíferas existentes» as instalações de armazenamento e transporte por conduta detidas pela A………………………., S. A.;
[…]
Artigo 24.º
Acesso às grandes instalações de armazenamento e transporte de petróleo bruto e produtos de petróleo
1 - Os titulares de instalações de transporte por conduta, ou armazenamento de petróleo bruto e de produtos de petróleo declaradas de interesse público, nos termos do artigo 34.º-A, devem permitir o acesso às mesmas, através de uma solução negociada, em condições técnicas e económicas não discriminatórias, transparentes e objetivas, aplicando preços que devem tornar públicos.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os titulares de instalações de transporte por conduta, ou armazenamento de produtos petrolíferos devem, ainda, cumprir as seguintes obrigações:
a) Comunicar à ENMC, E.P.E., os pedidos de acesso às suas instalações, os contratos estabelecidos, os preços praticados, os termos de utilização das instalações, bem como as alterações que ocorram nos mesmos, no período máximo de 30 dias após a sua ocorrência;
b) Apresentar anualmente à ENMC, E.P.E., a metodologia tarifária a aplicar, incluindo os vários tipos de desconto a praticar, o sistema de acesso de terceiros às suas instalações e o plano anual de investimento, definidos em respeito pelas boas práticas internacionais para ativos semelhantes, pelos princípios da transparência e da não discriminação, garantindo a correta remuneração do capital investido e refletindo os custos suportados;
c) Publicar, de forma atualizada, a capacidade disponível das suas instalações para utilizações de curto, médio e longo prazo, bem como a capacidade contratada e sua duração, a capacidade realmente utilizada, os congestionamentos físicos e contratuais registados e as ampliações, melhorias e mudanças planeadas, acompanhadas da respetiva calendarização de entrada em serviço.
3 - A ENMC, E.P.E., através de regulamento com consulta ao Conselho Nacional para os Combustíveis, define a duração das utilizações de curto, médio e longo prazos para efeito de prevenção do congestionamento contratual do acesso às instalações declaradas de interesse público, bem como as situações de impedimento de acesso por falta de pagamento de obrigações decorrentes de utilizações anteriores.
4 - Os titulares de instalações de transporte por conduta, ou armazenamento de produtos petrolíferos declaradas de interesse público devem:
a) Garantir uma reserva mínima de 10 % de capacidade disponível para utilizações de curto prazo;
b) Assegurar a disponibilização das instalações sempre que as propostas de utilização de longo prazo não sejam concretizadas.
5 - Sempre que tal seja recomendado pela Autoridade da Concorrência, com vista à resolução de falhas de concorrência no mercado, a ENMC, E.P.E., após consulta ao Conselho Nacional para os Combustíveis, pode definir a metodologia de definição das condições comerciais de acesso às instalações previstas no presente artigo.
6 - O membro do Governo responsável pela área da energia, através de portaria, sob proposta da ENMC, E.P.E., após consulta ao Conselho Nacional para os Combustíveis e à Autoridade da Concorrência, pode estabelecer tarifas e condições para acesso a zonas do país onde não existam infraestruturas alternativas técnicas e económicas de transporte e armazenamento, ou caso estas sejam consideradas inadequadas tecnicamente.
7 - [Anterior n.º 5].
8 - [Anterior n.º 6].
[…]
Artigo 34.º
[...]
1 - O membro do Governo responsável pela área da energia pode, mediante despacho, declarar a utilidade pública de instalações petrolíferas.
2 - O reconhecimento do interesse da instalação para a economia nacional e o seu caráter estruturante para a segurança ou autonomia do abastecimento, pode fundamentar a declaração de utilidade pública tendo por efeito a expropriação de bens imóveis, nos termos do Código das Expropriações, bem como a constituição de servidões ou a requisição e a utilização de bens de domínio público, nas condições definidas pela legislação aplicável.
3 - As grandes instalações de armazenamento e os centros de operação logística objeto de expropriação são concessionados em regime de serviço público.
[…]
Artigo 3.º
Aditamento ao Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro
São aditados ao Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, os artigos 12.º-A, 12.º-B, 12.º-C, 12.º-D, 13.º-A, 21.º-A, 21.º-B, 21.º-C, 23.º-A, 23.º-B, 24.º-A, 24.º-B, 24.º-C, 34.º-A, 34.º-B, 40.º-A, 40.º-B, 40.º-C, 40.º-D, 40.º-E e 40.º-F, com a seguinte redação:
[…]
Artigo 24.º-A
Congestionamentos físicos
1 - Quando ocorra ou seja previsível que venham a ocorrer, de acordo com a informação publicada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo anterior, congestionamentos físicos no acesso a instalações de armazenamento e transporte por conduta declaradas de interesse público, a ENMC, E.P.E., pode, oficiosamente ou a pedido de qualquer interessado, implementar medidas de resolução de congestionamentos.
2 - As medidas de resolução de congestionamentos obedecem aos princípios da transparência, proporcionalidade e não discriminação e devem recorrer a mecanismos de mercado para alocação de capacidade.
3 - A ENMC, E.P.E., define, em regulamento, após consulta ao Conselho Nacional para os Combustíveis, as medidas de resolução de congestionamentos e os respetivos procedimentos, considerando a segurança do abastecimento, através do normal funcionamento das instalações de refinação, e as melhores práticas internacionais.
[…]
Artigo 34.º-A
Interesse público
1 - Podem ser consideradas de interesse público as instalações petrolíferas de armazenamento e de transporte por conduta, que pelas suas características físicas, nomeadamente a sua capacidade e localização, e pela inexistência de alternativas viáveis à sua utilização, devam estar acessíveis em condições de concorrência, transparência e não discriminação, nos termos definidos no presente decreto-lei e respetiva regulamentação.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, podem ser declarados de interesse público os centros de operação logística e as grandes instalações de armazenamento, tal como definidos nas alíneas b) e o) do artigo 3.º
3 - A declaração de interesse público compete ao membro do Governo responsável pela área da energia, sob proposta da ENMC, E.P.E., após consulta ao Conselho Nacional para os Combustíveis e à Autoridade da Concorrência.
4 - A Autoridade da Concorrência pronuncia-se, no prazo máximo de 30 dias, no âmbito das suas competências.
5 - São declaradas de interesse público as grandes instalações petrolíferas existentes, conforme definidas na alínea p) do artigo 3.º.
Artigo 34.º -B
Código do Procedimento Administrativo
Os procedimentos previstos no presente decreto-lei regem-se subsidiariamente pelo Código do Procedimento Administrativo.
[…]».
VIII) A «ENMC - Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, E.P.E.» é uma entidade pública empresarial [que sucedeu à «EGREP, E.P.E. - Entidade Gestora de Reservas Estratégicas de Produtos Petrolíferos, E.P.E.»], dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que tem por objeto a constituição, gestão e manutenção das reservas estratégicas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, bem como o exercício de funções de planeamento e monitorização no âmbito do setor petrolífero, incluindo a prospeção, pesquisa, desenvolvimento e exploração de recursos petrolíferos, e no âmbito do setor dos biocombustíveis, cuja função acionista é assegurada pelo membro do Governo responsável pela área das finanças em articulação com o membro do Governo responsável pela área da energia, a exercer nos termos do regime jurídico do setor público empresarial (RJSPE) - cfr. arts. 01.º, n.º 1, 03.º n.º 1, e 05.º, n.º 1, dos respetivos Estatutos, publicados em Anexo II ao DL n.º 339-D/2001, de 28 de dezembro, alterado pelo DL n.º 242/2008, de 18 de dezembro e pelo DL n.º 165/2013, de 16 de dezembro, que os republica no Anexo V dele constante.
IX) No quadro da aprovação pelo «CM» do diploma referido em VIII) a A. não foi ouvida, nem teve qualquer participação.

«*»

DE DIREITO
11. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões supra enunciadas.

12. Resulta como assente nos autos [cfr. acórdão datado de 05.04.2017 e lavrado nos autos a fls. 281 e segs.] a caraterização do ato contido no art. 34.º-A, n.º 5, do DL n.º 31/2006 e que procedeu à declaração do interesse público das «grandes instalações petrolíferas existentes» conforme definidas na al. p) do art. 03.º do mesmo diploma [«instalações de armazenamento e transporte por conduta detidas pela A…………………., S.A.»] como constituindo um ato materialmente administrativo, e, assim, contenciosamente impugnável, irrelevando, para tal, a fisionomia formal do seu continente, no caso um ato jurídico legislativo [decreto-lei].

13. O ato impugnado não reflete, nem corresponde a uma escolha política primária e/ou que, no exercício da função legislativa, envolva uma opção material sobre definição e prossecução de interesses coletivos essenciais no domínio das instalações petrolíferas de armazenamento e de transporte por conduta construídas ou a construir, visto antes corporizar a emissão, de modo autoritário e no exercício da função administrativa, de um ato individual definidor da situação concreta das instalações de armazenamento e transporte por conduta pertencentes à A..

14. Sustenta esta, enquanto primeiro fundamento de ilegalidade que acomete ao ato impugnado, o de que o mesmo infringiu o procedimento legalmente previsto para a declaração de interesse público [cfr. art. 34.º-A, n.ºs 1 a 4, do DL n.º 31/2006], violando o princípio da separação de poderes [art. 111.º, n.º 1, da CRP], já que, no exercício da atividade legislativa, terá havido «invasão» de domínio reservado à função administrativa.

15. Refira-se, desde logo, que na situação vertente não vislumbramos que ocorra uma qualquer violação do princípio da separação de poderes [cfr. art. 111.º da CRP], dado a mesma envolver, no que releva para o caso, a emissão por parte de órgão de soberania de um ato que invada poder que se mostre conferido apenas a outro órgão de soberania.

16. Em causa está a aferição da legalidade de uma atuação do Governo, órgão que, no plano constitucional, exerce e detém uma dupla função, já que mostra-se dotado ou está investido, em simultâneo, de poderes da função político-legislativa, enquanto «Governo-legislador», e de poderes executivos próprios da função administrativa, na veste de «Governo-administrador», enquanto órgão superior da Administração Pública.

17. Assim, diferentemente do que se passará, claramente, com um ato legislativo parlamentar ou com um ato do poder judicial que envolvam o exercício duma competência administrativa e que, nessa medida, conduzam a uma violação da «reserva do caso concreto» a favor dos órgãos administrativos, ou, ainda, com a emissão de um ato pelo Governo ou pela Assembleia da República que se revele como típico e próprio do poder judicial, temos que quando o Governo emita um ato jurídico, que se mostre acoberto daquilo que constituem os seus poderes constitucionais na referida dupla dimensão funcional, mas com desvio do devido e adequado procedimento, isso não gerará ou redundará numa violação do princípio da separação de poderes, mas, ao invés, das regras disciplinadoras do procedimento correspondente à função exercida e no qual o ato se deva integrar.

18. É que num órgão como o Governo que, em termos constitucionais, exerce simultaneamente a função legislativa e a função administrativa, mostra-se também vasta a liberdade de escolha de meios de criação legal e respetiva execução, razão pela qual será em torno do controlo da concreta escolha feita e da observância do devido e adequado procedimento e respetivas regras que cumprirá analisar a situação vertente em consonância, aliás, com o que se mostra igualmente peticionado pela A..

19. Soçobrando, por conseguinte, a invocada violação do princípio da separação de poderes e do correspondente comando constitucional convocado [art. 111.º, n.º 1, da CRP], centremos, então, a atenção na análise da invocada infração das regras procedimentais devidas e impostas para a emissão do concreto ato, quer em termos do alegado incumprimento dos trâmites procedimentais previstos para a declaração de interesse público das instalações petrolíferas de armazenamento e de transporte por conduta [cfr., no caso, os n.ºs 1 a 4 do art. 34.º-A do DL n.º 31/2006], quer por preterição do direito de audiência prévia [cfr. arts. 267.º, n.º 5, da CRP, 12.º e 121.º do CPA] e do dever de fundamentação [cfr. arts. 152.º e 153.º do CPA].

20. Não nos sendo desconhecido o entendimento de que a utilização da forma legislativa para a prática de um ato administrativo não constitui uma diminuição dos direitos e garantias dos administrados e que a mesma até pode envolver um reforço das garantias, mercê de o decreto lei se mostrar sujeito à apreciação parlamentar para efeitos de cessação de vigência ou alterações, entendemos, todavia, que tal entendimento envolverá uma leitura que omite a dimensão garantística e que constitui a ratio do n.º 4 do art. 268.º da CRP com a consagração da garantia a todos os interessados do direito à impugnação de quaisquer atos administrativos que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos independentemente da sua forma [legislativa (lei ou decreto-lei) ou regulamentar], princípio esse reiterado, entretanto, no n.º 1 do art. 52.º do CPTA.

21. Com efeito, para além daquilo que é a sujeição dos atos formalmente legislativos ao controlo direto da constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional [cfr., nomeadamente, os arts. 279.º e 281.º da CRP], temos que os atos materialmente administrativos, ainda que formalmente contidos em diploma legislativo ou regulamentar, mostram-se passíveis de impugnação contenciosa nos tribunais administrativos, impugnação essa fundada em qualquer das causas de invalidade administrativa de que os atos possam enfermar, mormente, seja por ilegalidades materiais geradoras de violação de lei ou de desvio de poder, seja, também, por ilegalidades formais ou de procedimento [cfr., neste sentido, entre outros, Jorge de Miranda, «Decreto», in: «Dicionário Jurídico da Administração Pública», vol. III, págs. 411 e 416; Sérvulo Correia, in: «Noções de Direito Administrativo», págs. 296/297; Mário Aroso de Almeida, in: «Manual de Processo Administrativo», 2.ª edição (2016), págs. 264/265; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, in: «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 4.ª edição (2017), pág. 357; Jorge Miranda e Rui Medeiros, in: «Constituição Portuguesa Anotada», Tomo II, págs. 716 e 717; Rui Medeiros, in: «A decisão de inconstitucionalidade …» (1999), págs. 104 e 105; Carlos Blanco de Morais, in: «Justiça Constitucional», Tomo I, pág. 479], e isso, como referido, independentemente de os mesmos atos se mostrarem contidos em ato formalmente legislativo ou regulamentar.

22. É que, como defendiam Jorge de Miranda e Sérvulo Correia ainda no âmbito da LOSTA e da LPTA, se «o Governo deve ter larga margem de escolha da forma adequada aos atos administrativos que pretende praticar», isso não significava que o mesmo dispusesse de «tanta que possa recorrer a formas próprias de atos normativos», razão pela qual «quaisquer decretos, desde que se demonstre possuírem conteúdo individual e concreto, poderão ser objeto de recurso direto, fundado em qualquer dos vícios específicos do ato administrativo (nos termos do art. 15.º da LOSTA)» [vide referidos Autores, in: ob. e loc. cit.].

23. E no âmbito do atual contencioso idêntico entendimento tem sido afirmado, sustentando-se que «o princípio da irrelevância da forma parece significar que uma decisão materialmente administrativa, ainda que contida num ato formalmente legislativo, poderá ser impugnada com base em qualquer das causas de invalidade administrativa, incluindo vícios de forma ou de procedimento ou vícios de violação de lei», porquanto «uma decisão meramente administrativa, ainda que inserida num diploma legislativo, não reflete a vontade política primária que corresponde ao exercício da função legislativa, e não pode deixar de encontrar-se subordinada ao regime geral de invalidade do ato administrativo, bem como às disposições da lei anterior ao abrigo da qual essa decisão foi produzida» [vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, in: ob. cit., pág. 357].

24. Assim, numa situação como a vertente em que o concreto preceito do diploma legal em questão se reduz, efetivamente, a um ato administrativo, praticado sob a forma de lei, temos que o mesmo, sujeito ao controlo jurisdicional dos tribunais administrativos, está sujeito às fontes de invalidade e de regime próprios daquele tipo de atos jurídicos, tanto mais como refere Carlos Blanco de Morais «o simples invólucro legal não cria magicamente uma regra de Direito, onde esta não existe» [in: «Justiça Constitucional», Tomo I, pág. 479].

25. Revertendo à análise dos fundamentos impugnatórios enunciados no § 19.º e presente a realidade factual que se mostra fixada nos autos [cfr., nomeadamente, os n.ºs VI), VII) e IX)] temos que, desde logo, mostra-se como improcedente a invocada violação das regras e procedimentos definidos no art. 34.º-A do DL n.º 31/2006 para a declaração de interesse público já que as mesmas, enquanto regras legais ainda não vigentes à data da emissão do ato [cfr. art. 08.º do DL n.º 244/2015], não podem constituir parâmetro de validade ou padrão aferidor de legalidade.

26. A validade ou a legalidade do concreto ato em questão terá de ser feita à luz e no quadro das disposições da lei anterior e vigente no momento em que o mesmo foi produzido, razão pela qual terá de soçobrar a invocada infração, por parte do ato impugnado, das regras definidas para o procedimento de declaração de interesse público constantes do art. 34.º-A, n.ºs 1 a 4 do referido diploma, regras e procedimento que, aliás, inexistiam no quadro da redação originária do aludido DL, presente que sob apreciação, em face da pretensão que foi deduzida da A., apenas está em causa a concreta ofensa das regras de procedimento e não de uma qualquer outra dimensão normativa.

27. Será, assim, por referência ao quadro legal então vigente que passaremos a analisar os demais fundamentos de ilegalidade invocados pela A. nos segmentos respeitantes à preterição do direito de audiência [cfr. arts. 267.º, n.º 5, da CRP, 12.º e 121.º do CPA] e à infração do dever de fundamentação [cfr. arts. 152.º e 153.º do CPA].

28. E avançando nesse conhecimento importa concluir, in casu, pela verificação da infração ao direito de audiência [cfr. arts. 267.º, n.º 5, da CRP, 12.º e 121.º do CPA] e pela consequente invalidade do ato impugnado.

29. Com efeito, a prática de um ato administrativo como o que se mostra impugnado nos autos [declaração de interesse público das grandes instalações petrolíferas existentes], com o decorrente impacto na situação jurídica dos bens detidos e pertencentes à A. tal como previsto no art. 24.º do DL n.º 31/2006, estava, em decorrência da necessidade de observância do princípio da participação por parte dos órgãos da Administração Pública [cfr. arts. 267.º, n.º 5 da CRP, e 12.º do CPA], sujeita ao dever de audiência tal como imposto pelo art. 121.º do CPA e ao mesmo devia obediência e estrita observância.

30. À A. não foi permitida a apresentação da defesa no procedimento de formação da decisão que a viria a afetar, como afetou, na sua esfera jurídica e que, por isso e nessa medida, lhe dizia diretamente respeito, não tendo, assim, emitido pronúncia sobre todas as questões [de facto e de direito] com interesse para aquela decisão, bem como não pode requerer as diligências complementares e/ou juntar os documentos tidos por pertinentes ou como necessários.

31. Ora, como se extrai da factualidade apurada nos autos [cfr., em especial, seus n.ºs VII) e IX)], essa participação por parte da A. no procedimento não teve lugar, mostrando-se, assim, infringido o disposto nos arts. 12.º e 121.º do CPA, na certeza de que, concretamente, nada na situação vertente dispensava a realização da audiência prévia tal como previsto no n.º 1 do art. 124.º do mesmo Código, dispensa essa que, aliás, não foi sequer alegada e muito menos resulta demonstrada a sua possibilidade de ocorrência in casu.

32. Já não se mostra procedente o fundamento de ilegalidade estribado na infração ao dever de fundamentação [arts. 268.º, n.º 3, da CRP, 152.º e 153.º do CPA].

33. E tal juízo de improcedência estriba-se, independentemente do que se entenda quanto à sujeição do ato em crise às exigências decorrentes do dever de fundamentação insertas no aludido quadro normativo, na consideração de que o preâmbulo do diploma explicita, com suficiente concretização, clareza e congruência com as finalidades do diploma, as razões da imediata declaração de interesse público das «grandes instalações petrolíferas existentes» que, segundo as definições do diploma, eram apenas as instalações de armazenamento e transporte por conduta detidas pela A.. Designadamente, a necessidade de dar resposta às preocupações manifestadas tanto pela Autoridade da Concorrência como pela Agência Internacional de Energia, considerando que pelas sua capacidade e localização, tais instalações se revestiam de importância estratégica para o mercado petrolífero e para a segurança do abastecimento nacional, devendo, por isso, permitir o acesso aos operadores de acordo com as condições agora concretizadas de não discriminação, transparência e publicidade.


34. Importa, por conseguinte, considerar como apenas verificada a ilegalidade relativa à preterição do direito de audiência prévia, ilegalidade essa geradora, em concreto, de mera anulabilidade nos termos do art. 163.º do CPA e não de nulidade já que não preenchida a previsão do art. 161.º, n.º 2, al. d), do mesmo Código, dado que a violação de um direito, liberdade e garantia ou direito de natureza análoga ser, em princípio, geradora de mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade do ato administrativo nos casos expressa e taxativamente previstos na lei e no caso dessa violação se traduzir na ofensa do núcleo ou conteúdo essencial desses direitos [cfr. art. 18.º da CRP].

35. Pese embora a imposição constitucional dum direito à participação e audiência dos interessados, a sua infração, a ocorrer, não gera sempre e necessariamente a ofensa àquele núcleo duro ou ao seu conteúdo essencial [cfr., entre outros e neste sentido, na jurisprudência produzida sobre o anterior art. 133.º, n.º 2, al. d), do CPA/91, e que permanece válida no atual regime vigente, os Acs. deste Supremo de 11.12.2007 - Proc. n.º 0497/07, de 11.09.2008 - Proc. n.º 0112/07, de 19.09.2008 - Proc. n.º 065/08, de 25.02.2009 - Proc. n.º 0843/08, de 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08, de 04.11.2009 - Proc. n.º 0165/09, de 22.06.2010 - Proc. n.º 01091/08, de 06.09.2011 - Proc. n.º 0787/10, de 28.05.2015 - Proc. n.º 0440/13 todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário; e o Ac. do TC n.º 594/2008 - Proc. n.º 1111/07, consultável in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos do mesmo Tribunal sem expressa referência em contrário].

36. No caso vertente para além de não estarmos perante situações em que o legislador haja cominado expressamente com a forma de invalidade da nulidade, temos, também, como certo que não estamos perante situação conducente à ofensa do conteúdo essencial de direito, liberdade e garantia ou direito de natureza análoga, como facilmente se conclui do cotejo dos arestos acabados de convocar com o caso sub specie.

37. Assaca a A. ao ato impugnado a violação do princípio da proteção da confiança imanente ao Estado de direito democrático [cfr. arts. 02.º da CRP, e 10.º do CPA], porquanto «inexistem circunstâncias excecionais» que «justifiquem declarar o interesse público das instalações» da mesma, sendo que, além disso, contraria e/ou não acautela devidamente aquilo que foram os investimentos e os custos suportados pela mesma nas suas instalações e infraestruturas e, bem assim, o «modelo de negócio» «agora alterado sem qualquer contrapartida».

38. O princípio em referência, corolário do princípio do Estado de direito de democrático, constitui o lado subjetivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica, e, consequentemente, da confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.

39. É, assim, que o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos atos do poder, valendo em todas as áreas da atuação estadual através das exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador, por forma a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica, assistindo-lhe o direito de poder confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam [cfr., entre outros, o Ac. do STA/Pleno de 06.07.2017 - Proc. n.º 01602/15], cientes de que «sem a possibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os possíveis desenvolvimentos da atuação dos poderes públicos suscetíveis de se repercutirem na sua esfera jurídica» cada pessoa se converteria «em mero objeto do acontecer estatal» [cfr. Jorge Reis Novais, in: “Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa”, (Coimbra 2004), págs. 261 e 262].

40. Extrai-se da densificação feita pelo TC quanto ao princípio da proteção da confiança, enquanto tutela das expectativas dos destinatários dos atos da autoridade pública, que para que a confiança seja tutelada é necessário que se reúnam cumulativamente três pressupostos: i) que as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; ii) que tais expectativas sejam legítimas, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; e, por último, iii) que o cidadão tenha orientado a sua vida e feito opções decisivas, precisamente, com base em expectativas de manutenção de um determinado regime jurídico [cfr., entre outros, os Acs. do referido Tribunal n.ºs 287/90, 128/2009, e 847/2014].

41. Reunidos ou verificados tais requisitos ou “testes”, importará, ainda, como outro requisito cumulativo, proceder ao balanceamento ou contraposição dos interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração legislativa operada no quadro normativo com o interesse público prosseguido ou que fundamentou tal alteração.

42. Como afirmado pelo TC, no seu acórdão n.º 862/2013, a aplicação do princípio da proteção da confiança «implica sempre uma ponderação de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas», sendo que se «[o]s particulares têm interesse na estabilidade da ordem jurídica e das situações jurídicas constituídas, a fim de organizarem os seus planos de vida e de evitar o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas» a tal «interesse contrapõe-se o interesse público na transformação da ordem jurídica e na sua adaptação às novas ideias de ordenação social», pelo que «[c]omo os dois grupos de interesses e valores são reconhecidos na Constituição em condições de igualdade, impõe-se em relação a eles o necessário exercício de confronto e ponderação para concluir, com base no peso variável de cada um, qual o que deve prevalecer» e em que «[o] método do juízo de avaliação e ponderação dos interesses relacionados com a proteção da confiança é igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequação substancial de uma medida restritiva de direitos», termos em que «[m]esmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é “inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa».

43. Também a propósito da «segurança jurídica» e da «proteção da confiança» refere Gomes Canotilho que «a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos. A segurança e a proteção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança são exigíveis perante qualquer ato de qualquer poder - legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico» [in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, pág. 257].

44. E, um pouco mais à frente, afirma ainda o mesmo Professor que a «mudança ou alteração frequente das leis (de normas jurídicas) pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo quando as mudanças implicam efeitos negativos na esfera jurídica dessas mesmas pessoas. O princípio do Estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, na qualidade de elemento objetivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como dimensão garantística jurídico-subjetiva dos cidadãos, legitima a confiança na permanência das respetivas situações jurídicas. Daqui a ideia de uma certa medida de confiança na atuação dos entes públicos dentro das leis vigentes e de uma certa proteção dos cidadãos no caso de mudança legal necessária para o desenvolvimento da atividade dos poderes públicos» [in: ob. cit., págs. 259 e segs.].

45. Temos, portanto, que para apreciar uma eventual lesão da proteção da confiança mostra-se essencial apurar se o Estado, no uso dos seus poderes, tomou efetivamente decisões ou encetou comportamentos suscetíveis de gerar nas pessoas expectativas de continuidade, se as mesmas tomaram decisões ou fizeram planos de vida ou de atividade com fundamento nessas mesmas expectativas, mas também se tais expectativas na continuidade da política estadual eram legítimas, já que fundadas ou justificadas por razões sérias apoiadas em bens e valores constitucionalmente protegidos, e se a mudança entretanto havida do comportamento dos poderes públicos não foi ela reclamada ou exigida por um interesse público que, pela sua acuidade, imperiosidade e valor, se deva sobrepor ao valor da tutela das expectativas criadas [cfr., entre outros, os Acs. do TC n.ºs 287/90, 303/90, 556/2003, 128/2009, 176/2012, 187/2013, 355/2013, 862/2013, 202/2014, 413/2014, 575/2014, e 408/2015].

46. Aqui chegados e cientes dos considerandos de enquadramento tecidos impõe-se, então, que nos interroguemos da procedência da argumentação expendida pela A. para sustentar a tese que esgrimiu nos autos.

47. E para concluir pela sua improcedência.

48. Motivando nosso juízo se é certo que a A. construiu e desenvolveu as suas instalações e infraestruturas e, bem assim, seu modelo de negócio no quadro do regime legal vigente, mormente disciplinado, primeiramente, pela Lei n.º 1947, de 12.02.1937, e, depois, pelo DL n.º 31/2006, e que, muito possivelmente, o fez no pressuposto de que aquele regime se manteria, temos que o ato impugnado e quadro normativo aportado pelo DL n.º 244/2015 não envolve, presentes os considerandos tecidos e a situação apurada nos autos, uma qualquer violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica [cfr. arts. 02.º da CRP e 10.º do CPA].

49. Desde logo, não resulta minimamente demonstrada nos autos a existência de expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa e muito menos que as mesmas tenham sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos, aliás, não alegados, nem que a emissão do ato impugnado no contexto havido envolva ou se traduza, também ela, numa infração do princípio e quadro normativo enunciado.

50. De notar que, para além de ser reconhecida ao legislador uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico, ou mesmo no quadro de necessidades de mudança de orientação geral de política económica, temos, por outro lado, que não se descortina que a opção legislativa tomada e normação por ela instituída, no quadro da organização e funcionamento do Sistema Petrolífero Nacional, do exercício das atividades de armazenamento, transporte, distribuição, refinação e comercialização e da organização dos mercados de petróleo bruto e de produtos de petróleo, atentem, de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva, contra os mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático.

51. A mesma inscreve-se no quadro das incumbências prioritárias do Estado em matéria de política energética, vista esta como um fator importante do crescimento e desenvolvimento sustentado da economia nacional e da sua competitividade no quadro da UE e em termos globais, e, bem assim, do funcionamento eficiente dos mercados, garantindo uma equilibrada concorrência e a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento das empresas e dos operadores do setor energético e à melhoria da realização dos interesses de consumidores [industriais e domésticos] conhecido o peso da fatura energética e, como tal, procurando também a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos [cfr., nomeadamente, os arts. 09.º, 81.º, als. f) e m), e 99.º, da CRP].

52. De notar, ainda, que a própria normação aportada pelo DL em referência, em especial, o preceituado nos seus arts. 24.º e 25.º, em termos da sujeição do sistema e atividade a obrigações de controlo e acesso, de comunicação, e de reporte, bem como de publicidade e publicitação, mas, também, de supervisão, quanto a um setor e mercado com tanto impacto e importância na vida do País, não se mostra expetável que tal pudesse constituir um domínio alheio à definição de uma regulação e supervisão mais intensa dos operadores e empresas naquele mercado, definição essa com que os mesmos, de todo, não pudessem contar, cientes de que a obrigação, ou a sujeição ao acesso às instalações de transporte por conduta, ou armazenamento de petróleo bruto e de produtos de petróleo declaradas de interesse público [nos termos do art. 34.º-A], e garantias de reserva e de disponibilização das instalações, é feito, tal como previsto no n.º 1 do art. 24.º «através de uma solução negociada, em condições técnicas e económica não discriminatórias, transparentes e objetivas, aplicando preços que devem tornar públicos», e em que são também os titulares dessas instalações que apresentam «anualmente à ENMC, E.P.E., a metodologia tarifária a aplicar, incluindo os vários tipos de desconto a praticar, o sistema de acesso de terceiros às suas instalações e o plano anual de investimento, (…), garantindo a correta remuneração do capital investido e refletindo os custos suportados» [cfr. al. b) do n.º 2 do mesmo preceito] [sublinhados nossos].

53. E, aliás, em implementação e decorrência do referido regime legal mostram-se em vigor as normas técnicas de funcionamento e utilização do sistema logístico detido pela A. [vide «http://www………...pt/Docs…………/2017/Norma_Tecnica.pdf»] e, bem assim, as respetivas condições gerais de contratação [vide «http://www………..pt/Docs…………/2017/Condicoes_Gerais_de_Contratacao.pdf»], tal como o regulamento de acesso de terceiros às grandes instalações petrolíferas declaradas de interesse público [cfr. Regulamento n.º 1094/2016, da «ENMC, EPE», publicado no DR II Série, n.º 238, de 14.12].

54. Não contendendo, pois, o referido quadro legal com o princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica [cfr. art. 02.º da CRP], temos que o ato impugnado, pelos seus termos e enquanto fazendo aplicação do mesmo regime, não padece da apontada ilegalidade, não infringido aquele princípio e o quadro normativo convocado.

55. Sustenta, ainda, a A. que o ato impugnado ao haver declarado de interesse público as instalações e infraestruturas por si detidas, estribando-se e fazendo para tal aplicação do novo regime legal inserto no n.º 4 do art. 24.º do DL n.º 31/2006, enferma de violação dos comandos constitucionais insertos nos arts. 17.º, 18.º e 61.º da CRP [livre iniciativa privada e liberdade de ação empresarial, enquanto direito análogo a direito, liberdade e garantia], já que as limitações decorrentes das obrigações de garantia de uma «reserva mínima de 10 % de capacidade disponível para utilizações de curto prazo» e do assegurar da «disponibilização das instalações sempre que as propostas de utilização de longo prazo não sejam concretizadas», feitos sem devida compensação e indemnização, traduzem restrições ou limitações à iniciativa privada e à liberdade de empresa sem respaldo ou cobertura dos referidos comandos constitucionais.

56. Resulta do n.º 1 do art. 61.º da CRP que a «iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral».

57. Tal como sustentado por Gomes Canotilho e Vital Moreira a «liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma atividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e atividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade do empresário, liberdade empresarial)» [in: “Constituição República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição, pág. 790; vide, ainda, Jorge Miranda, in: Manual de Direito Constitucional - Direitos Fundamentais”, 3.ª edição, Tomo IV, págs. 515/516].

58. Temos, assim, que por apelo ao princípio geral da liberdade enquanto decorrência da liberdade económica a regra seria o livre exercício das atividades produtivas pela generalidade dos sujeitos económicos, mormente, dos agentes privados perante o Estado.

59. Ocorre, porém, que nos próprios termos constitucionais [cfr., no caso e para a situação em presença, o n.º 1 do art. 61.º, da CRP] o direito em referência, na parte e dimensão correspondente ao dever de abstenção do Estado face aos indivíduos ou às pessoas coletivas, partilha de algumas características dos direitos, liberdades e garantia e beneficia do competente regime enquanto direito de natureza análoga [cfr. arts. 17.º e 18.º da CRP], sendo que o mesmo sofre de restrições que decorrem dos «quadros definidos pela Constituição e pela lei» e terá de ter «em conta o interesse geral».

60. Na verdade, quanto ao direito em questão, é a própria Constituição que, desde logo, lhe enuncia limites/restrições, sendo a mesma, ainda, que «remete para a lei ordinária … a determinação do conteúdo» do direito, a ponto do conteúdo constitucional ficar «autolimitado em face da liberdade constitutiva do legislador» e do núcleo essencial se configurar «como um “conteúdo mínimo” do direito» [cfr. J. C. Vieira de Andrade, in: “Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 2012, 5.ª edição, págs. 166/167].

61. E, como é defendido por Gomes Canotilho e Vital Moreira, a definição deste direito «deixa uma ampla margem para a delimitação e configuração legislativa, em função da “constituição económica”», sendo que tais limitações ou restrições «terão de ser justificadas à luz do princípio da proporcionalidade e sempre com respeito de um «núcleo essencial» que a lei não pode aniquilar (art. 18.º), de acordo, aliás, com a «garantia institucional» de um setor económico privado (cfr. art. 82.º-3 …). (…) Em certas áreas, a iniciativa económica privada, embora não sendo vedada, está todavia, sujeita constitucionalmente a restrições especiais (…). Se a lei pode delimitar negativamente o âmbito da liberdade de iniciativa económica privada, stricto sensu, também pode conformar com grande liberdade, por maioria de razão, a organização e a atividade empresarial, estabelecendo restrições mais ou menos profundas» [in: ob. cit., págs. 790/791] [sublinhados nossos].

62. Esta leitura vem sendo, aliás, sustentada pelo TC em várias das suas decisões nas quais se pronunciou sobre a matéria.

63. Assim, refere-se, nomeadamente, no acórdão do TC n.º 471/2001 que «não se está perante um direito absoluto, pois no próprio preceito se acrescenta que o mesmo deve ser exercido “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”», e no acórdão n.º 289/2004, para além de reiterar o acabado de reproduzir, sustenta-se que a «norma constitucional remete, pois, para a lei a definição dos quadros nos quais se exerce a liberdade de iniciativa económica privada», tratando-se duma «previsão de uma “reserva legal de conformação” (a Constituição recebe um quadro legal de caraterização do conteúdo do direito fundamental, que reconhece)», sendo que a «lei definidora daqueles quadros deve ser considerada, não como lei restritiva verdadeira e própria, mas sim como lei conformadora do conteúdo do direito».

64. Também no acórdão n.º 254/2007 do mesmo Tribunal afirmou-se, na mesma linha, que «o conteúdo constitucional do direito à livre de iniciativa económica privada (…) se divide numa dupla vertente. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma atividade económica - direito à empresa, liberdade de criação de empresa - e, por outro, na liberdade de gestão e atividade da empresa - liberdade de empresa, liberdade de empresário, liberdade empresarial (nesse sentido, designadamente, os Acórdãos n.ºs 187/2001, 348/03 e 289/04 …)» [cfr., mais recentemente, no mesmo sentido ainda os Acs. do TC n.ºs 304/2010, 75/2013 e 294/2014], extraindo-se do Ac. n.º 75/2013 que «a mera inserção do artigo 61.º no Título relativo a “direitos, sociais e económicos” não o priva de uma certa dimensão de “direito à não intervenção estadual”, que é típica dos “direitos, liberdades e garantias” (cfr. Acórdãos n.º 187/01 e n.º 304/10). Não se trata, portanto, de um mero “direito à atuação estadual”, mas antes de um direito que, em certa medida, exige que o Estado (e os demais poderes públicos) se abstenha(m) de o colocar em causa, mediante intervenções desrazoáveis ou injustificadas. Tal direito fundamental compreende, em si mesmo, uma “vertente decisório/impulsiva”, que resulta na faculdade de formação da vontade de prosseguir determinada atividade económica e de lhe dar início, e uma “vertente organizativa”, que pressupõe a liberdade de determinar o modo de organização e de funcionamento da referida atividade económica (cfr. Acórdãos n.º 358/2005 e n.º 304/2010)».

65. Também o Pleno deste STA, no seu acórdão de 09.11.2006 [Proc. n.º 0262/02], afirmou a propósito do direito à livre iniciativa privada «não é um direito absoluto, mas sim um direito que pode ser objeto de limites mais ou menos apertados. A iniciativa privada pressupõe o respeito pelas regras que setorialmente definem cada atividade económica», sendo que a mesma «não corresponde a fazer-se o que se quer quando se quer».

66. Cientes dos contornos expostos quanto ao direito à livre iniciativa económica importa, então, aferir da procedência do fundamento de ilegalidade invocado.

67. É certa a tensão existente entre, por um lado, o livre exercício duma atividade económica privada comercial de prestação de serviços e, por outro lado, os poderes funcionais conformadores, disciplinadores e fiscalizadores do Estado naquele setor de harmonia com os seus objetivos, tarefas e as suas incumbências prioritárias [cfr. arts. 09.º, 81.º, 99.º da CRP] no quadro da nossa organização económico-social e dos princípios fundamentais em que a mesma se funda [cfr. art. 80.º da CRP].

68. Ocorre que, como se aludiu supra, o direito à livre iniciativa económica privada, incluindo no setor da energia e, em particular, da área petrolífera, não constitui um «direito absoluto» [como, aliás, nenhum o é], nem o mesmo se mostra dotado de um «valor absoluto», já que, quer em termos constitucionais quer em termos legais, pode vir a ser objeto de introdução de limites e de restrições pelo Estado decorrentes, mormente, do «interesse geral» e da necessidade de realizar e assegurar as apontadas incumbências prioritárias em matéria de política energética e de eficiência do mercado energético promovidas numa ambiência de equilibrada concorrência entre empresas/operadores [cfr. als. f) e m) do art. 81.º e art. 99.º ambos da CRP].

69. Deriva do próprio preâmbulo do DL n.º 31/2006 [diploma que veio estabelecer as bases gerais da organização e funcionamento do Sistema Petrolífero Nacional (SPN), bem como as disposições gerais aplicáveis ao exercício das atividades de armazenamento, transporte, distribuição, refinação e comercialização e à organização dos mercados de petróleo bruto e de produtos de petróleo - cfr. art. 01.º - e que revogou a Lei n.º 1947 - art. 42.º] que ao Estado «cabe o papel supletivo de garantir a segurança do abastecimento de combustíveis (…) e pela definição da obrigação de constituição de reservas pelos intervenientes» sendo que, para reduzir a dependência do exterior do nosso país dos produtos petrolíferos, importava integrar «a política do setor petrolífero no quadro da política energética nacional, promovendo-se a diversificação do aprovisionamento, da utilização de fontes de energia renováveis e da eficácia e da eficiência energética».

70. E no preâmbulo do DL n.º 244/2015, reconhecendo estar-se perante «setor que integra atividades exercidas em regime livre e concorrencial» isso não significa que o mesmo não esteja sujeito a «obrigações de serviço público» e o seu funcionamento não deva «ser objeto de uma supervisão efetiva, bem como de um planeamento e monitorização contínuos, através de uma entidade que interaja com todos os intervenientes do SPN, bem como com as demais entidades administrativas competentes», termos em que, convocando-se aquilo que constituem «as obrigações de serviço público que impendem sobre os intervenientes do SPN», sinalizam-se necessidades de «implementação de medidas que contribuam para o melhor funcionamento do mercado petrolífero, promovendo a transparência e a não discriminação em benefício do consumidor» para uma «adequada satisfação das obrigações de serviço público, designadamente a segurança, a regularidade e a qualidade do abastecimento e a proteção dos consumidores».

71. Ora analisado no âmbito da ilegalidade invocada o quadro normativo em concreto posto em crise pela A. [no caso o regime previsto no n.º 4 do art. 24.º do DL n.º 31/2006] não se descortina, no nosso juízo, que o mesmo envolva a definição de requisitos ou condições que contendam com o disposto nos arts. 17.º, 18.º e 61.º, n.º 1, da CRP.

72. Desde logo, temos que nada naquele quadro normativo envolve uma qualquer restrição ao direito de criação da empresa privada no âmbito SPN e ao desenvolvimento da sua atividade.

73. Por outro lado, temos que as exigências e restrições que se mostram feitas aos titulares de instalações de transporte por conduta, ou armazenamento de produtos petrolíferos declaradas de interesse público com a introdução de deveres de garantia de uma reserva mínima de 10 % de capacidade disponível para utilizações de curto prazo [entretanto definidas pelo art. 09.º, n.º 1, al. a), do referido Regulamento n.º 1094/2016 da «ENMC, EPE»] e de assegurar a disponibilização das instalações sempre que as propostas de utilização de longo prazo [igualmente definidas na al. c) do n.º 1 do mesmo preceito] não sejam concretizadas, não envolvem uma limitação desproporcionada e ilegítima à livre iniciativa privada na dimensão relativa à definição do objeto ou da gestão da empresa e daquilo que é a política de gestão dos seus ativos.

74. Atente-se que estamos em presença de setor de relevante «interesse geral» e em que as empresas e os operadores do SPN estão, como já referido, sujeitos a obrigações de serviço público e a uma regulação e supervisão efetivas, sendo que as medidas contestadas se inscrevem num quadro que visa uma adequada satisfação daquele interesse e das obrigações de serviço público, bem como de melhoria do funcionamento do mercado/setor petrolífero, através da promoção da concorrência, da transparência e da não discriminação com benefícios para o consumidor.

75. Trata-se, ainda, de medidas no contexto das condições de acesso e da utilização de capacidades do sistema logístico das grandes instalações petrolíferas existentes que não se apresentam como desrazoáveis ou arbitrárias, ou que se mostrem desprovidas de fim, ou manifestamente desproporcionais, na certeza de que tais condições de acesso e de utilização de capacidades instaladas pelos intervenientes do SPN é feita numa ambiência que os convoca e corresponsabiliza para as obrigações de serviço público, mas que procura potenciar e dinamizar o estabelecimento de diálogo, de negociação e concertação entre aqueles, no quadro da sua autonomia privada, mormente em sede de contratação, cientes de que todo o enquadramento normativo se mostra implementado tal como se extrai do antecedente § 53.

76. Com efeito, mostram-se conferidas às empresas detentoras das grandes instalações e infraestruturas petrolíferas e relativamente aos utilizadores contratantes das mesmas a possibilidade de definição das condições técnicas e económicas de uso e dos respetivos preços, de modo transparente, objetivo e não discriminatório, e em que se reconhece que a formação do preço, feita num quadro e ambiência privada e que se pretende de negociação e de concertação de interesses, deverá garantir «a correta remuneração do capital investido» e refletir «os custos suportados» [cfr. art. 24.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 31/2006], na certeza de que eventuais perdas patrimoniais que possam ser reconduzidas ou produzidas pelas limitações ou restrições decorrentes da declaração de interesse público não relevam para efeitos de aferição de uma alegada violação do direito à iniciativa privada.

77. Não se antevê, pois, que na definição feita pelo legislador ordinário do quadro normativo em questão e naquilo que seja a sua aplicação, através da emissão de ato administrativo de declaração de interesse público de grande instalação ou infraestrutura petrolífera, se possa considerar ou qualificar como claramente violadora dos arts. 17.º, 18.º e 61.º, n.º 1, da CRP já que se tem a mesma como ajustada e proporcional ao exercício dos direitos e interesses em confronto e àquilo que são restrições admissíveis e as incumbências prioritárias do Estado.

78. Defende a A. ainda que o ato impugnado ofende o disposto no art. 62.º da CRP, já que as restrições ou limitações atrás enunciadas constituem uma violação ao direito à propriedade privada, tanto mais que se mostram impostas sem uma previsão de medidas ou mecanismos tendentes a assegurar a devida compensação.

79. Prescreve-se no art. 62.º da CRP que a «todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição» [n.º 1] e que a «requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização» [n.º 2].

80. Neste preceito enuncia-se a trave mestra do regime de proteção do direito à propriedade privada, regime este que depois importa ser cotejado e articulado com vários outros preceitos do texto constitucional [cfr., entre outros, os arts. 65.º, n.ºs 2, al. c) e 4, 82.º, n.º 3, 93.º, n.º 1, 94.º, n.º 2, da CRP], sendo que estamos em presença de direito que, ainda que integrado no Título III relativo aos «direitos e deveres económicos, sociais e culturais», possui uma dimensão de direito “de defesa” e que se apresenta como dotado de uma estrutura complexa, mercê das múltiplas faculdades no mesmo compreendidas, gozando, em algumas das suas dimensões, de equiparação à força jurídica dos direitos, liberdades e garantias.

81. De entre as faculdades e os poderes abrangidos contam-se os de uso e fruição, tanto mais que a titularidade de um bem só se mostra efetiva e ganha sentido se ligada à possibilidade de, no interesse próprio, se poder proceder à utilização livre do mesmo bem.

82. Ocorre, contudo, que importa ter presente que, logo no plano constitucional, o direito de propriedade não se mostra consagrado como um direito que confere ao seu titular a possibilidade de usar e fruir de modo irrestrito de um bem, sendo que a jurisprudência constitucional vem afirmando, reiteradamente, a «função social» da propriedade [cfr., entre outros, os Acs. do TC n.ºs 322/2000, 138/2003, 148/2005] e a existência de «uma cláusula legal da conformação social da propriedade» ainda que «a Constituição lhe não faça uma referência textual» [cfr., entre outros, os Acs. do TC n.ºs 187/2001, 421/2009, e 525/2011].

83. É, assim, que o direito em referência não é garantido tal como já aludido em termos e com valor absoluto, mas dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares do texto constitucional, visto ter de se «compaginar com outros imperativos constitucionais, sofrendo as limitações impostas por estas exigências» [cfr. Ac. do TC n.º 345/2009], de harmonia, aliás, com o n.º 1 do art. 62.º da CRP quando se estipula que o aludido direito é garantido «nos termos da Constituição», sendo que tal garantia «não inclui, só por si, a garantia da liberdade de empresa, pois a Constituição estabelece uma clara distinção entre direito de propriedade e iniciativa económica privada» e que «terá de se considerar que os limites constitucionais estabelecidos para a iniciativa económica privada implicam uma autorização constitucional para as necessárias restrições ao uso e fruição da propriedade» [cfr., entre outros, os Acs. do TC n.ºs 257/92 e 187/2001].

84. Munidos dos antecedentes considerandos de enquadramento passemos à apreciação do fundamento de ilegalidade assacado ao ato impugnado.

85. E analisando a pretensão anulatória nele estribada impõe-se julgá-la como improcedente.

86. Desde logo, nem o ato impugnado, nem o regime normativo no qual aquele encontra o seu sustentáculo jurídico, envolvem a privação do direito de propriedade da A. sobre as suas instalações e infraestruturas, já que, diversamente do que ocorre com a declaração de utilidade pública de instalações petrolíferas por efeito de expropriação [cfr. art. 34.º, do DL n.º 31/2006], o ato de declaração de interesse público daquelas instalações e infraestruturas não envolve para os respetivos titulares uma qualquer extinção do direito de propriedade sobre as mesmas, nem uma apropriação forçada.

87. De notar que o ato impugnado não envolve e não corporiza uma expropriação na aceção clássica e estrita do conceito, não sendo legítima a sua qualificação como tal, pelo que presente o disposto n.º 2 do art. 62.º da CRP e aquilo que vem sendo afirmado como «uma relação biunívoca entre expropriação e indemnização», importa que estejamos cientes de que se todas as expropriações requerem indemnização, já esta pode ser devida ou não e quanto a outro tipo de intervenções que não possam ser qualificadas como tal.

88. Ora presentes os contornos e decorrências das restrições ou limitações que advêm do ato de declaração de interesse público e daquilo que constitui o respetivo regime normativo, já supra analisados, temos que, da ausência de previsão legal no próprio diploma legal de um mecanismo de compensação e reparador de potenciais ou eventuais perdas patrimoniais, não deriva uma violação do direito de propriedade, e, em especial, do disposto no n.º 2 do art. 62.º da CRP.

89. Não constitui elemento constitutivo da garantia específica do direito de propriedade privada consagrado no n.º 2 do art. 62.º da CRP a exigência, no quadro normativo introdutor da possibilidade de restrição ou de limitação daquele direito, de uma previsão conjunta dum mecanismo indemnizatório [cfr. os Acs. do TC n.ºs 444/2008 e 480/2014], não assumindo uma tal previsão, no juízo de conformidade com o comando constitucional, uma qualquer função ou condição de legitimidade constitucional da medida.

90. Tal como o TC afirmou no seu acórdão n.º 480/2014 não pode «entender-se que a concessão da indemnização é condição da sua licitude constitucional», já que tal só sucederia «se a lei em causa pudesse vir a ser tida, não como lei conformadora da propriedade mas como lei ablativa da mesma, porque geradora para o particular de um sacrifício grave e especial valorativamente idêntico ao previsto pelo instituto que o n.º 2 do artigo 62.º da CRP consagra», pelo que «nesse caso e só nesse, seria a concessão de uma indemnização a conditio sine qua non da licitude constitucional da medida legislativa».

91. Frise-se que o direito ao recebimento de uma indemnização por eventuais prejuízos sofridos não é uma exigência do disposto no art. 62.º, n.º 2, da CRP, mas sim de um princípio geral, do qual este preceito é uma refração, e que se mostra consagrado no art. 02.º, da CRP e de que são também expressão os direitos de indemnização que se mostram previstos ainda nos arts. 22.º, 37.º, n.º 4, 60.º, n.º 1, do mesmo texto constitucional [vide, sobre esta problemática, também, os Acs. do TC n.ºs 444/2008 e 525/2011].

92. Afigura-se-nos, assim, que, no contexto do regime normativo em crise e daquilo que, no mesmo, constituem os espaços de autonomia dos operadores, os mecanismos de negociação e de fixação da «remuneração» pela utilização das instalações e infraestruturas previstos e já implementados [cfr. o descrito supra no § 53.º], eventuais consequências lesivas no património da A. decorrentes das restrições ou limitações sofridas com a declaração de interesse público e que, em concreto, se venham a verificar e necessidade de reparação indemnizatória de tais perdas, sempre serão asseguradas com apelo aquele princípio geral e no quadro do regime legal que o concretiza e disciplina.

93. Por último, as restrições introduzidas aos poderes de livre utilização, fruição e disposição da A. sobre as instalações e infraestruturas por si detidas, já que é disso que se trata e, efetivamente, está em causa, mostram-se introduzidas, como afirmado supra, de modo adequado e proporcional, com vista à prossecução e realização de interesses gerais constitucionalmente relevantes e que se mostram justificados.

94. Não contrariando, pois, o quadro legal em crise o disposto nos arts. 18.º e 62.º da CRP, temos que o ato impugnado, pelos seus termos e enquanto fazendo aplicação do mesmo regime, não padece da apontada ilegalidade, não o infringindo.

95. Invoca a A., ainda, a ocorrência de inconstitucionalidade orgânica do quadro normativo atrás convocado por ofensa ao disposto no art. 165.º, n.º 1, als. b) e l), da CRP em conjugação com o art. 83.º também da CRP.

96. Fazendo de novo apelo àquilo que vem sendo a jurisprudência constitucional definida neste âmbito, extrai-se do acórdão n.º 373/91 do TC, que aqui se acompanha, que a «cabem necessariamente na reserva da competência legislativa da Assembleia da República, por força das disposições combinadas dos artigos 17.º e 168.º, n.º 1, alínea b) [atual art. 165.º, n.º 1, al. b)], da CR, as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos “direitos análogos”, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a atuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias» [sublinhados nossos].

97. E no acórdão n.º 289/2004 do mesmo Tribunal, referindo-se ao âmbito da liberdade de iniciativa privada, afirmou-se que mais «limitado será, todavia, o domínio no qual este direito fundamental beneficia de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, portanto, da sua específica proteção. Este domínio mais restrito diz respeito apenas aos “quadros gerais e aos aspetos garantístico” da liberdade de iniciativa económica (cfr. Acórdão n.º 329/99 …), que digam respeito à liberdade de iniciar empresa e de a gerir sem interferência externa. (…) É, pois, apenas quanto a este núcleo da liberdade de iniciativa económica privada que, por aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, e por revestir a natureza de direito de natureza análoga, existe uma reserva de lei parlamentar» [sublinhados nossos] [cfr., no mesmo sentido, entre outros, os Acs. do TC n.ºs 373/91, 358/2005 e 75/2013].

98. Idêntico entendimento se colhe na jurisprudência constitucional quanto ao direito de propriedade, afirmando-se, de igual modo, que apenas quanto às dimensões deste direito que são consideradas análogas a direitos, liberdades e garantias existe uma reserva de lei parlamentar [cfr., entre outros, os Acs. do TC n.ºs 329/99, 544/2001, 358/2005 e 402/2008].

99. Sufragando-se e acolhendo-se esta leitura do comando constitucional temos para nós que o concreto regime normativo em referência não envolverá violação do art. 165.º, n.º 1, al. b), da CRP, porquanto, no nosso juízo, não está em causa no mesmo, quanto aos direitos à iniciativa económica privada e à propriedade, a regulação de uma qualquer das dimensões habitualmente consideradas como análogas aos direitos, liberdades e garantias.

100. De igual modo improcede a pretensa infração à al. l) do n.º 1 do art. 165.º da CRP em conjugação com o art. 83.º da CRP, já que, de harmonia com a caracterização e qualificação feita supra do quadro legal em questão e do que constitui o ato de declaração de interesse público proferido ao abrigo do art. 34.º-A do DL n.º 31/2006, não estamos no âmbito daquela previsão, porquanto o mesmo não envolve uma qualquer nacionalização, privatização, expropriação ou apropriação pública do património da A. ou de parte, nem a fixação de critérios da correspondente indemnização decorrente de tal tipo de atos.

101. Assim como também não se descortina que as restrições ou limitações feitas e que se mostram questionadas pela A. corporizem «intervenção pública» em meio de produção para efeitos dos referidos comandos constitucionais dado, em face dos específicos e concretos contornos com que as medidas se mostram gizadas, estas não se apresentam como medidas especialmente gravosas ou que assumam uma gravidade análoga àquela que decorre dos atos de nacionalização ou de expropriação.

102. Como último fundamento de ilegalidade acometido ao ato impugnado a A. invoca a violação do art. 49.º do TFUE, já que o mesmo envolveria um desrespeito à sua liberdade de estabelecimento.

103. Preceitua o normativo em referência que «são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro», e que a «liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às atividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 54.º, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, sem prejuízo do disposto no capítulo relativo aos capitais».

104. Da jurisprudência do TJUE decorre a possibilidade de existência de restrições à liberdade de estabelecimento, mormente por razões imperiosas de interesse geral, e a sua admissão quando justificada, mostrando-se necessário que essas medidas restritivas sejam adequadas a garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não vão além do necessário para os atingir [cfr., entre outros, os Acs. do TJUE de 05.11.2002, «Überseering», C208/00; de 30.09.2003, «Inspire Art», C-167/01; de 13.12.2005, «SEVIC Systems AG», C-411/03; de 13.12.2005, «Marks & Spencer», C446/03; de 12.09.2006, «Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas», C196/04; de 18.06.2009, «Aberdeen Property Fininvest Alpha», C303/07; de 29.11.2011, «National Grid Indus BV», C-371/10; e 12.07.2012, «VALE Építési kft», C378/10, todos publicados in: «www://curia.europa.eu/juris/recherche.jsf» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos do referido Tribunal sem expressa referência em contrário].

105. Admite a mesma, na concatenação da liberdade de estabelecimento com aquilo que são as exigências e o cumprimento das obrigações de serviço público ao nível de cada Estado-Membro e daquilo que são a extensão e a organização dos serviços de interesse económico geral, também a possibilidade de imposição de obrigações e a introdução de restrições às empresas e aos operadores que ocupem uma posição estratégica e incontornável no mercado quando destinadas a assegurar e defender o funcionamento deste, a transparência, a publicidade e a concorrência, bem como garantir a segurança e a proteção do consumidor, obrigações e restrições essas que, todavia, para serem legítimas devem estrita observância e respeito ao princípio da proporcionalidade [cfr., entre outros, os Acs. do TJUE de 20.04.2010, «Federutility e o.», C265/08; de 21.12.2011, «Enel Produzione SpA», C-242/10].

106. Importa, ainda atentar que devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento e/ou à livre prestação de serviços todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício das liberdades garantidas, nomeadamente, pelo referido art. 49.º do TFUE.

107. Revertendo, agora, ao caso e considerando o quadro normativo convocado, temos que, para além dúvidas não existirem de não estarem em causa quaisquer restrições ou limitações que se destinem a assegurar o benefício de nacionais de Estado-Membro em detrimento de nacionais de outro Estado-Membro gerando uma discriminação em razão da nacionalidade, também não se vislumbra que as restrições ou limitações em causa contendam com a liberdade de estabelecimento tal como a mesma se mostra consagrada no art. 49.º do TFUE e vem sendo interpretada e concretizada pela jurisprudência da União.

108. Com efeito, presente as razões e motivações que estão na base das medidas de limitação e restrição impostas e que, como referido, estamos em presença de setor de relevante «interesse geral» e em que as empresas e os operadores do SPN estão sujeitos a obrigações de serviço público e a uma regulação e supervisão efetivas, não se descortina que as medidas contestadas atentem contra a liberdade de estabelecimento já as mesmas se inscrevem num quadro que visa uma adequada satisfação daquele interesse e das obrigações de serviço público, bem como a melhoria do funcionamento do mercado petrolífero, promovendo, no mesmo, uma maior concorrência, transparência e não discriminação, e com benefícios para o consumidor, na certeza de que as restrições em causa revelam-se adequadas para garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não ultrapassam o necessário para os alcançar.

109. Soçobra, assim, a pretensão anulatória enquanto estribada neste fundamento de ilegalidade.


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar a ação administrativa sub specie procedente e, com fundamento na ilegalidade supra considerada verificada [preterição do direito de audiência], anular o ato administrativo impugnado, com todas as legais consequências.
Custas a cargo do R.. D.N..



Lisboa, 13 de dezembro 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) (com voto anexo) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (com declaração junta) – Jorge Artur Madeira dos Santos (vencido, nos termos da declaração que junta) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes (Presidente) (com voto de desempate quanto ao vício de falta de fundamentação, nos termos do § 33 do acórdão.

Vencido, não acompanhando a fundamentação/motivação do julgamento que obteve maioria quanto à improcedência da invocada infração ao dever de fundamentação sob os §§ 32.º e 33.º do presente acórdão.

1. Divergi do entendimento que obteve vencimento, porquanto afigura-se-nos que, presente o que se mostra afirmado sob os antecedentes §§ 20.º) a 24.º) da presente decisão, também a ilegalidade em referência se mostrava verificada e deveria ter conduzido à anulação do ato impugnado com base em tal fundamento.

2. Com efeito, julgaria procedente o fundamento de ilegalidade estribado na infração ao dever de fundamentação, porquanto o ato impugnado, para além de carecido de fundamentação, não cumpre ainda as exigências normativamente imposta pelo comando constitucional inserto no n.º 3 do art. 268.º da CRP, e pelo quadro legal que o concretiza de harmonia com o preceituado nos arts. 152.º e 153.º do CPA.

3. Mostra-se carecido de fundamentação, porquanto uma decisão materialmente administrativa, ainda que contida num ato formalmente legislativo, encontra-se sujeita ao regime geral de invalidade do ato administrativo e, como tal, mostra-se suscetível de vir a ser impugnada nos tribunais administrativos sem qualquer limitação quanto às causas de invalidade administrativa, já que, para além dos vícios de violação de lei, se incluem necessariamente os vícios de procedimento ou de forma, mormente o da falta de fundamentação.

4. O invólucro e o processo legislativo, incluindo sua natureza e regras, no qual tal decisão foi produzida, não podem, nem se mostram suficientes para o “apagar”, ou para o afastar, da necessidade de observância das regras e do procedimento administrativo e, desta feita, para uma limitação daquilo que sejam os fundamentos de ilegalidade suscetíveis de invocação, dado isso constituir uma subversão da dimensão garantística consagrada n.º 4 do art. 268.º da CRP.

5. Por outro lado, temos que do quadro normativo supra enunciado extrai-se que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato, ato esse que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão, e sem que a exposição dos fundamentos tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório do ato enquanto premissas nas quais o mesmo se fundou, habilitando, assim, um destinatário normal a apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.

6. Conforme jurisprudência uniforme e constante deste Supremo a fundamentação assume-se como um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias concretas em que o mesmo é praticado, cabendo ao tribunal, em cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do concreto ato em causa, ficou em condições de saber o motivo por que se decidiu num sentido e não noutro.

7. Cotejando o quadro normativo supra enunciado aplicável ao julgamento do caso vertente e presente o teor do ato impugnado, efetivamente, do mesmo não resulta, com suficiência, a explicitação da decisão de declaração de interesse público das instalações e infraestruturas detidas pela A..

8. É certo que se pode ler no preâmbulo do DL n.º 244/2015 que com a declaração de interesse público das grandes instalações petrolíferas existentes pretendeu-se «dar resposta às preocupações manifestadas tanto pela Autoridade da Concorrência como pela Agência Internacional de Energia», dado «pela sua capacidade e localização» revelarem «de uma importância estratégica para o mercado petrolífero e para a segurança do abastecimento nacional» e que, por isso, deviam «permitir o acesso aos operadores de acordo com determinadas condições agora concretizadas - não discriminação, transparência e publicidade».

9. Ocorre que o que ali se mostra afirmado revela-se, todavia, como insubsistente para lograr a devida e exigida fundamentação do ato administrativo contido no n.º 5 do art. 34.º-A do diploma em referência, já que conclusiva, vaga e genérica, sem apelo e explicitação concreta, contextual, e clara na motivação [de facto e de direito] utilizada do que constituem os requisitos e pressupostos de uma declaração de interesse público das instalações petrolíferas de armazenamento e transporte por conduta ou dos centros de operação logística.

10. Da mesma e no contexto não se extrai a motivação e a explicitação das razões da declaração de interesse público das instalações e infraestruturas detidas pela A., permitindo a esta ter perfeito conhecimento dessas razões, mormente quais os fundamentos fácticos e jurídicos que foram tidos em consideração para a emissão daquela decisão.

11. Daí que, de harmonia com o exposto, teria, ainda, julgado como verificada a infração ao dever de fundamentação e anularia o ato impugnado igualmente com tal fundamento.

Carlos Luís Medeiros de Carvalho

Declaração de voto

A inclusão de actos administrativos em diplomas legislativos configura uma situação sui generis que pode justificar a busca de soluções originais no que respeita ao cumprimento das regras relativas ao seu procedimento de feitura. Assim, admitimos que possam existir formas alternativas de cumprimento. In casu, e no que respeita ao dever de fundamentação, estamos em crer que a justificação inserta no preâmbulo do diploma legislativo em questão é de molde a suprir a ausência de fundamentação específica do acto administrativo. O mesmo não vale para o dever de audiência, uma vez que não há dados no processo que permitam concluir que, por qualquer forma, directa ou indirecta, tenha sido cumprido.

No que respeita à alegada violação do direito de propriedade, entendemos que, de facto, houve uma compressão deste direito, mas os exactos moldes em que o legislador configurou esta compressão, nomeadamente porque justificada por variados interesses públicos, como a protecção da concorrência, não nos permitem concluir que se trate de restrição inconstitucional deste direito económico fundamental, concretizado em várias dimensões, algumas das quais consideradas análogas a direitos, liberdades e garantias.

Lisboa, 13 Dezembro de 2018
Maria Benedita Malaquias Pires Urbano

VOTO DE VENCIDO

1 – A audiência prévia é uma formalidade obrigatória no procedimento administrativo tendente a uma tomada de decisão (art. 121º do CPA).
O acto aqui impugnado, na medida em que consta de um diploma legal, não foi antecedido de um procedimento administrativo. Daí que não houvesse lugar ao cumprimento da formalidade, razão por que o acto não enferma do vício de preterição dela.

2 – Enquanto inserto num diploma legal, o acto impugnado está naturalmente desprovido de fundamentação. E os fundamentos do acto não tinham de estar no preâmbulo do diploma, já que os preâmbulos são facultativos e – embora possam ter um valor hermenêutico – não dispõem de qualquer força normativa, como é entendimento comum.

3 – Neste momento processual, estamos vinculados à ideia de que a acção dos autos impugnou um autêntico acto administrativo. Trata-se de um acto que procedeu à ablação de utilidades duma coisa privada, sem concomitantemente prever uma compensação ao «dominus». Ora, das duas, uma: ou tal acto carece de sustentáculo na lei ordinária – e é, portanto, ilegal; ou baseia-se na lei, mas esta tem de ser havida como inconstitucional (art. 62º da CRP) – e a ilegalidade do acto ressurge.
Portanto, e em qualquer caso, o acto é ilegal e deveria ser anulado por violação de lei.

4 – Pelo exposto, recusaria a presença dos vícios formais invocados. Mas julgaria a acção dos autos procedente por violação de lei de fundo.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2018
Jorge Artur Madeira dos Santos