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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01382/13
Data do Acordão:04/08/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
ORDEM DE SERVIÇO
Sumário:I - A lei só impõe que da nota de diligência conste obrigatoriamente a indicação das tarefas realizadas na acção de inspecção nos casos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 4 do art. 46.º do RCPIT (cfr. o n.º 2 do art. 61.º do mesmo Regime).
II - Daí que, em casos que não esses, a omissão de tal indicação não consubstancia vício de forma.
Nº Convencional:JSTA000P18802
Nº do Documento:SA22015040801382
Data de Entrada:09/05/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 538/05.3BEPNF

1. RELATÓRIO
1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, considerando verificado o vício de forma da “Nota de Diligência” respeitante à inspecção tributária que esteve na origem das correcções à matéria tributável, por dela não constar a indicação das “tarefas realizadas”, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A……., S.A.” (a seguir Impugnante ou Recorrente) e anulou as consequentes liquidações adicionais liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos exercícios de 2001, 2002 e 2003.
1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a presente impugnação por considerar procedente, o alegado vício de forma, ficando prejudicada a apreciação das demais questões.
B. A douta sentença recorrida anulou as liquidações impugnadas, por entender que a AT desrespeitou o preceituado nas alíneas a) e c) do n.º 4 do art. 46.º, do RCPIT, em virtude da nota de diligência não indicar as tarefas realizadas – art. 61.º, n.º 2, do mesmo diploma.
C. Baseando a sua convicção nos documentos existentes nos autos, a douta sentença sob recurso considerou como assente a factualidade elencada de 1 a 15 do probatório (Ponto III – “Dos Factos”), destacando-se a factualidade considerada provada nos pontos 1.º, 12.º e 13.º do probatório, decidindo, a final, pela procedência da presente impugnação.
D. Ora, ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, como a seguir se argumentará e concluirá.
E. Contrariamente ao sentenciado, perfilha a Fazenda Pública o entendimento, já defendido na sua contestação, de que não é de proceder a pretensão formulada na presente impugnação, porquanto não padece o acto controvertido de qualquer ilegalidade.
F. Deste modo, entende a Fazenda Pública, tal como decorre claramente da lei, que somente é obrigatória a indicação na nota de diligências das tarefas realizadas nos casos em que as acções de inspecção sejam efectuadas sem a prévia emissão de uma ordem de serviço.
G. Assim, no caso em apreço e conforme resulta do probatório, mormente dos pontos 1.º, 12.º e 13.º, a acção de inspecção foi efectuada ao abrigo de uma ordem de serviço, e por conseguinte não é aplicável a parte final do n.º 2 do art. 61.º do RCPIT, ou seja, não é obrigatória a nota de diligências indicar as tarefas realizadas.
H. Desta forma, entende, pois a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto fez errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, as que regem o procedimento inspectivo, mais concretamente os arts. 61.º n.º 2 e 46.º, n.º 4, ambos do RCPIT.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida atendendo à verificada inutilidade da lide, ou por não ser adequado o momento da subida da reclamação, ou quando assim não se entenda, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito» (É manifesto o lapso em que incorreu a Recorrente na formulação do pedido: a sua pretensão, de revogação da sentença, como decorre do teor das alegações e respectivas conclusões (maxime das conclusões D. e H.) tem como fundamento o erro de julgamento na matéria de direito.).
1.3 A Impugnante apresentou contra alegações, de que destacamos o seguinte trecho:
«[…] Diz a Fazenda Pública que o erro de julgamento em matéria de direito – conclusão F –, assenta no facto da Lei apenas determinar “... que somente é obrigatório a indicação na nota de diligência das tarefas realizadas nos casos em que as acções de inspecção sejam efectuadas sem a prévia emissão de uma ordem de serviço.” Ora,
Vejamos o que a esse respeito está consagrado no n.º 2 do art. 61.º do RCPIT:
Art. 61.º
“1 - …
2 - Nos casos referidos nas alíneas a) e c) do n.º 4 do art. 46.º, a nota de diligência indicará obrigatoriamente as tarefas realizadas”
Por sua vez,
O n.º 4, al. a) e c) do art. 46.º referem que:
“Não será emitida ordem de serviço quando as acções de inspecção tenham por objectivo:
a)- a consulta, recolha e cruzamento de elementos;
b)- …
c)- O controlo dos sujeitos passivos não registados.”
As situações abrangidas pelas disposições legais citadas não são as situações abrangidas pelo acto inspectivo impugnado, as quais visaram a verificação do cumprimento das obrigações tributárias, através do exame à escrita do sujeito passivo, confirmando os elementos declarados e a indagação dos factos tributários não declarados, apurando a inventariação e avaliação dos activos e a apresentação dos elementos de escrita à Administração Tributária.
Por outro lado, o procedimento inspectivo aos elementos de escrita da ora Recorrente foi precedido de uma ordem de serviço, o que por si só, cai fora do âmbito das situações que o n.º 4 do art. 46.º do RCPIT pretendeu acautelar. Com efeito, nesta situação eliminou-se a ordem de serviço quando o que determinou o exame aos elementos de escrita da Recorrente foi uma ordem de serviço.
Por outro lado,
A Recorrente em sede de impugnação argui a caducidade de prazo para a conclusão do procedimento inspectivo a que se refere o art. 36.º, n.º 2 do RCPIT.
Situação tratada na decisão recorrida e não integra nenhuma das conclusões de recurso.
A arguição de nulidade de sentença com fundamento em erro de julgamento sobre matéria de direito, assenta, sob o devido respeito numa lamentável confusão entre o erro na interpretação da norma invocada e a discordância quanto à apreciação e aplicação de tal norma, tendo por fonte os factos submetidos a julgamento.
A Fazenda Pública apenas discorda da decisão recorrida mas não invoca expressamente os factos sobre os quais a sentença recorrida se deveria ter debruçado e julgado de forma diferente.
Não procedendo o invocado vício de erro de julgamento não deverá proceder o recurso interposto.
Termos em que,
Deve negar-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça!».
1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto, identificando como questão a decidir a da «ilegalidade consequencial dos actos tributários de liquidação praticados na sequência de procedimento de inspecção em que a nota de diligência conclusiva dos actos de inspecção não indica as tarefas realizadas (art. 61.º n.º 2 RCPIT)», emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida, declarada a improcedência do fundamento conhecido e ordenada a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para conhecimento dos demais fundamentos, que aí foram tidos por prejudicados. Isto com a seguinte fundamentação:
«[…] Enquadramento normativo relevante
As acções de observação das realidades tributárias, da verificação do cumprimento das obrigações tributárias e de prevenção das infracções tributárias são reguladas pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) (art. 54.º n.º 6 LGT; art. 44.º n.º 2 CPPT; art. 2.º n.º 1 RCPIT)
O procedimento de inspecção é externo quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso (art. 3.º al. b) RCPIT)
O procedimento de inspecção é geral ou polivalente quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários (art. 14.º n.º 1 al. a) RCPIT)
Da ordem de serviço ou do despacho quer determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, excepto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º (art. 51.º n.º 1 RCPIT) Não será emitida ordem de serviço quando as acções de inspecção não se tiverem por objecto a situação tributária global ou parcial dos sujeitos passivos ou obrigados tributários, antes os objectivos precisos de
a) consulta, recolha e cruzamento de elementos;
b) controlo de bens em circulação;
c) controlo dos sujeitos passivos não registados (art. 46.º n.º 4 RCPIT)
A especificidade dos objectivos desta modalidade de procedimento inspectivo justifica que apenas nestes casos a nota de diligência que põe termo aos actos de inspecção indique obrigatoriamente as tarefas realizadas, permitindo o seu conhecimento pela entidade inspeccionada para eventual exercício do direito de audição prévia antes da elaboração do relatório definitivo (arts. 60.º e 61.º RCPIT); estando excluída essa imperatividade no procedimento de inspecção geral ou parcial no qual as tarefas realizadas se traduzem, necessariamente, na análise da contabilidade dos inspeccionados e dos respectivos documentos de suporte.
Características do caso concreto
As liquidações adicionais impugnadas resultaram das correcções à matéria tributável efectuadas em procedimento de inspecção externo e geral determinado por ordem de serviço, tendo por objecto os exercícios de 2001, 2002 e 2003 (probatório 12.º/14.º; PA apenso docs. fls. 68/70).
Da aplicação do enquadramento normativo supra enunciado ao caso concreto resulta a inexistência de qualquer preterição de formalidade legal invalidante do relatório final do procedimento de inspecção e dos consequentes actos de liquidação resultantes das correcções efectuadas.
Após devolução do processo o tribunal recorrido deverá pronunciar-se sobre as questões suscitadas na petição de impugnação judicial, enunciadas na sentença mas prejudicadas pela solução da questão ora apreciada».
1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez errado julgamento por entender verificado vício de forma da nota de diligência a que alude o n.º 1 do art. 61.º Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, por dela não constar a indicação das tarefas realizadas, menção que considerou impor-se à luz do disposto no n.º 2 do mesmo artigo.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu como provados os seguintes factos:
«1.º - A ora impugnante foi sujeita a acção de inspecção, com base na Ordem de Serviço n.º 60.031 – cf. teor de fls. 9 do relatório de inspecção tributária ínsito a fls. 11 a 60 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual.
2.º - A referida acção de inspecção resulta de comunicação ao Sr. Delegado do Ministério Público de Braga, efectuada pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, B………., contribuinte n.º ……. – cf. teor de fls. 9 do relatório de inspecção tributária ínsito a fls. 11 a 60 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual.
3.º - Esta comunicação deu origem à instauração do inquérito n.º 502/03.7IDBRG, Direcção de Finanças de Braga, Divisão de Justiça Tributária - Núcleo de Averiguações Criminais – cf. teor de fls. 9 do relatório de inspecção tributária ínsito a fls. 11 a 60 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual.
4.º - Dado que as instalações administrativas da empresa (posteriormente também a sede da mesma) se situam no distrito do Porto, foi solicitado à Direcção de Finanças do Porto a análise e recolha de provas sobre a situação fiscal do contribuinte Criminais – cf. teor de fls. 9 do relatório de inspecção tributária ínsito a fls. 11 a 60 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual.
5.º - A acção de inspecção é de âmbito geral.
6.º - Com incidência nos exercícios de 2001, 2002 e 2003.
7.º - A ora impugnante exerce a actividade de Demolição e Terraplanagens (CAE 45110) desde 06.06.2000 – cf. teor de fls. 10 do relatório de inspecção tributária ínsito a fls. 11 a 60 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual.
8.º - Encontra-se tributada em IRC pelo Serviço de Finanças de Valongo-2 – cf. teor de fls. 10 do relatório de inspecção tributária ínsito a fls. 11 a 60 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual.
9.º - Em sede de IVA a impugnante está enquadrada no regime normal com periodicidade mensal – cf. teor de fls. 10 do relatório de inspecção tributária ínsito a fls. 11 a 60 do PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de economia processual.
10.º - Não estão em falta qualquer declaração de rendimentos ou declaração periódica de IVA.
11.º - Das correcções efectuadas ao lucro tributável dos exercícios em causa pela administração fiscal (AF), resultaram as liquidações objecto da presente impugnação.
12.º - Foi a ora impugnante sujeita à acção inspectiva resultante da Ordem de Serviço n.º 01200501107 e 01200501108 – cf. teor de fls. 68 a 70 do PA apenso aos autos.
13.º - O procedimento inspectivo à ora impugnante iniciou-se em 09.09.2004, com a assinatura da Ordem de Serviço n.º 60.031 – cf. teor de fls. 68 do PA apenso aos autos.
14.º - Os actos de inspecção terminaram em 22.12.2004 com a assinatura da nota de diligência n.º 460167 – cf. doc. de fls. 68 do PA apenso aos autos.
15.º - O relatório final de inspecção tributária foi elaborado em 11.05.2005 – cf. doc. de fls. 68 do PA apenso aos autos.
16.º - Notificado à ora impugnante em 19.05.2005».
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
A sentença recorrida (A segunda proferida nestes autos, pois a primeira foi julgada nula por falta de fundamentação pelo Tribunal Central Administrativo Norte.) julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra liquidações adicionais de IVA de 2001, 2002 e 2003, conhecendo apenas e julgando verificado vício de forma da “Nota de Diligência” por dela não constar a indicação das “tarefas realizadas”.
Perante a alegação da Impugnante de que «a conclusão dos actos de inspecção, concluem-se na data da notificação da nota de diligência, devendo constar da mesma, obrigatoriamente, as tarefas realizadas – art. 61.º, n.º 1 e 3 do RCPIT», a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel considerou que «resulta da “Nota de Diligência” a fls. 70 do PA apenso aos autos e, em desrespeito do preceituado nas alíneas a) e c) do n.º 4 do art. 46.º, do referido diploma legal, a nota de diligência não indica as tarefas realizadas – art. 61.º, n.º 2, do RCPIT. Assim, procede o alegado vício de forma. Fica prejudicada a apreciação das demais questões» (cfr. sentença recorrida, a fls. 147 dos autos).
Alega a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, porquanto, em síntese, a lei não impõe que da nota de diligências constem as tarefas realizadas quando a acção de inspecção foi efectuada ao abrigo de uma “ordem de serviço”, como sucedeu no caso dos autos; ao invés, decorre claramente da lei (art. 61.º, n.º 2 do RCPIT), que somente é obrigatória a indicação na nota de diligências das tarefas realizadas nos casos em que as acções de inspecção sejam efectuadas sem a prévia emissão de uma ordem de serviço.
É certo que a Recorrida, em contra alegações, parece sugerir que a sentença também conheceu de outra questão, qual seja a «caducidade de prazo para a conclusão do procedimento inspectivo a que se refere o art. 36.º, n.º 2, do RCPIT», que não teria sido atacada no recurso. Mas, compulsada a sentença, verificamos que a única questão que aí foi apreciada foi a da falta de menção na “nota de diligências” das tarefas realizadas pelos serviços de inspecção, sendo que, como deixámos dito, aí ficou expressamente consignado que «[f]ica prejudicada a apreciação das demais questões».
Por outro lado, pese embora a Recorrente tenha concluído a motivação do recurso com o pedido de que «deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida atendendo à verificada inutilidade da lide, ou por não ser adequado o momento da subida da reclamação, ou quando assim não se entenda, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito», é manifesto o lapso de escrita em que incorreu: a sua pretensão, de revogação da sentença, como decorre do teor das alegações e respectivas conclusões (maxime das conclusões D. e H.) tem como único fundamento o erro de julgamento na matéria de direito no que se refere ao vício de forma, por falta de menção na “nota de diligências” das tarefas realizadas pelos serviços de inspecção, que a Juíza do Tribunal a quo entendeu repercutir-se na legalidade das liquidações impugnadas, determinando a anulação destas.
Assim, como adiantámos em 1.6, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez errado julgamento por entender verificado vício de forma da nota de diligência a que alude o n.º 1 do art. 61.º RCPIT, por dela não constar a indicação das tarefas realizadas, menção que considerou impor-se à luz do disposto no n.º 2 do mesmo artigo.
2.2.2 DA NOTA DE DILIGÊNCIA E DA MENÇÃO ÀS TAREFAS REALIZADAS PELA INSPECÇÃO QUE DELA DEVEM CONSTAR
Como resulta do que deixámos dito, a questão joga-se em torno da interpretação do art. 61.º do RCPIT, que, sob a epígrafe «Conclusão dos actos», dispõe:
«1. Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento.
2. Nos casos referidos nas alíneas a) e c) do n.º 4 do artigo 46.º, a nota de diligência indicará obrigatoriamente as tarefas realizadas».
Ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 483/13 (Public. no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2014 (http://dre.pt/pdfgratisac/2013/32240.pdf), págs. 4390 a 4393, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/93c628f6945e471a80257c280052794f?OpenDocument.), em que se colocou exactamente a mesma questão – reportada ao mesmo Contribuinte, ao mesmo relatório e aos mesmos anos, mas aí ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – que passaremos a citar, permitindo-nos apenas introduzir nos locais próprios as alterações requeridas pelas circunstâncias do caso sub judice;
«[…] resulta clara e inequivocamente da letra da lei – cfr. o n.º 2 do artigo 61.º do RCPIT – que, ao contrário do alegado pela impugnante na sua petição de impugnação, nem sempre é obrigatório que da nota de diligência conste a indicação das tarefas realizadas, antes tal obrigatoriedade só se verifica nos casos referidos nas alíneas a) e c) do n.º 4 do artigo 46.º, ou seja, quando as acções de inspecção tenham por objectivo: a) A consulta, recolha e cruzamento de elementos; e c) O controlo dos sujeitos passivos não registados.
Trata-se de casos em que, ao contrário do que é regra no procedimento de inspecção externa, não é previamente emitida ordem de serviço, antes e só despacho que determina a prática do acto (cfr. os números 5 e 6 do art. 46.º do RCPIT).
Resulta do probatório fixado e dos documentos constantes do Processo Administrativo apenso […] que o impugnante foi sujeito a um procedimento externo de inspecção, de âmbito geral, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 60031, sendo a este procedimento, de âmbito geral – e que não se subsume a nenhuma das situações previstas nas alíneas a) e c) do n.º 4 do artigo 46.º do RCPIT – que se refere a “nota de diligência” da qual não consta descrição das tarefas realizadas.
E se é verdade que da nota de diligência não consta a indicação das tarefas realizadas, a verdade é que a lei não impõe, nestes casos, tal indicação, razão pela qual manifesto é que a falta de indicação das tarefas realizadas na nota de diligência n.º 460167 não consubstancia vício de violação de lei, ao contrário do que levianamente foi decidido.
Procede, desta forma, o recurso, havendo que revogar o julgado recorrido – pois padece de erro de julgamento – baixando os autos ao tribunal “a quo” para conhecimento das demais questões suscitadas pela impugnante na sua petição de impugnação».
Subscrevendo integralmente a fundamentação expendida no acórdão citado, também nós concluímos que o recurso merece provimento, com a consequente revogação da sentença e baixa do processo ao Tribunal recorrido para aí serem conhecidos os demais fundamentos invocados pela Impugnante, conhecimento que a sentença considerou prejudicado.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do citado acórdão:
I - A lei só impõe que da nota de diligência conste obrigatoriamente a indicação das tarefas realizadas na acção de inspecção nos casos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 4 do art. 46.º do RCPIT (cfr. o n.º 2 do art. 61.º do mesmo Regime).
II - Daí que, em casos que não esses, a omissão de tal indicação não consubstancia vício de forma.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em
· conceder provimento ao recurso,
· revogar a sentença recorrida,
· julgar improcedente o fundamento da impugnação judicial conhecido pela sentença recorrida,
· ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, a fim de serem conhecidos os demais fundamentos (que a sentença recorrida considerou prejudicados) e
· condenar nas custas a Recorrida, que contra alegou o recurso.

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Lisboa, 8 de Abril de 2015. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Ascensão Lopes.