Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01416/15
Data do Acordão:06/16/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
REFORMA
Sumário:I – Não ocorre omissão de pronúncia e, portanto, não se verifica a nulidade da decisão judicial prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, quando o conhecimento pelo tribunal da questão ou questões que tenha sido chamado a resolver tenha ficado prejudicado pela conclusão a que se chegou relativamente a outra.
II – A nulidade da decisão por excesso de pronúncia, contemplada na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, só ocorre quando o tribunal se pronuncia sobre questões jurídicas de que não poderia legalmente conhecer.
III – A reforma do acórdão, que possui carácter excepcional, não abrange as situações em que o requerente se limita a manifestar a sua discordância com a decisão tomada.
Nº Convencional:JSTA000P20713
Nº do Documento:SAP2016061601416
Data de Entrada:11/04/2015
Recorrente:MFIN
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS, A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1. A…………… e outros e a Interveniente Principal B…………….., devidamente identificados nos autos, tendo sido notificados do acórdão de uniformização de jurisprudência deste Supremo, de 21.04.16, que, declarando verificada a contradição de julgamentos, e tendo concedido provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido e julgou a acção totalmente improcedente, vêm apresentar a presente arguição de nulidade daquele acórdão nos termos da al. d) do n.o 1 do artigo 615.º do actual CPC, ou a sua reforma nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC.

Alegam para o efeito, e em síntese, que:

(i) O acórdão recorrido padece de nulidade por omissão e excesso de pronúncia.

(ii) O acórdão recorrido deve ser reformado “por erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”.

1.1. De forma mais concreta, e no que toca à arguição de nulidade, invocam os requerentes/reclamantes que o acórdão recorrido:

i. Viola o caso julgado material da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 215/2013, sendo por isso nulo nos termos do disposto na segunda parte da al. d) do n.o 1 do artigo 615.º do CPC;

ii. Caso se entenda que a decisão de admissão do recurso não constitui uma violação do caso julgado, o acórdão em causa ainda assim é nulo, considerando que não se pronuncia quanto ao pedido subsidiário efetuado pelo Recorrido em requerimento junto aos autos datado de 15.07.2004, questão que deveria ter apreciado de acordo com o disposto na primeira parte da al. d) do n.o 1 do artigo 615.º do CPC”.

Quanto à alegada nulidade por excesso de pronúncia, a linha argumentativa utilizada é a de que a decisão recorrida “está em absoluta contradição com aquela que foi tomada pelo Tribunal Constitucional, a qual já transitou em julgado e nos termos da qual se decidiu que é inconstitucional a norma quando interpretada «no sentido de que deles resulta que trabalhadores com maior antiguidade em determinada categoria do G.A.T. passem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores da mesma categoria e com inferior antiguidade na mesma categoria e carreira» (14.º). “Ora, como é sabido, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 80.º da LOFPTC, a decisão do recurso pelo Tribunal Constitucional faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade suscitada, razão pela qual não pode agora o Supremo Tribunal Administrativo apreciar questão já julgada e decidida pelo Tribunal Constitucional, por Acórdão n.º 215/2013, de 11.04.2013” (19.º). Mais adiante pode ler-se que “sempre que o juiz se pronuncie sobre questões de que não podia ter tomado conhecimento, designadamente em matéria de caso julgado, profere uma decisão (singular ou coletiva) ferida de nulidade” (23.º). A nulidade ocorreria, pois, no caso dos autos, “quando este Supremo Tribunal se pronuncia extravasando os seus poderes de cognição, ignorando as balizas materiais estabelecidas pelo aresto do Tribunal Constitucional, proferido nos próprios autos” (24.º).

Aproveitando o ensejo, os requerentes/reclamantes suscitam, no âmbito da arguição de nulidade em apreço, a inconstitucionalidade do acórdão recorrido, por violação dos artigos 204.º e 205.º da CRP. Fazem-no ao arrepio, entre outros, do artigo 277.º da mesma CRP, que, de forma expressa, esclarece que o controlo de constitucionalidade incide sobre normas – e não, portanto, sobre decisões judiciais.

Quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia, a linha argumentativa adoptada pelos requerentes/reclamantes é, em traços breves, a seguinte:

“Os Recorridos requereram no dia 15.07.2004, caso não se considerasse procedente o pedido principal, o pagamento de uma indemnização, a título de responsabilidade por ato legislativo, correspondente às remunerações deixadas de auferir pelos autores desde janeiro de 2001 (devida pelo reposicionamento no escalão índice 690) e desde janeiro de 2004 (devida pelo posicionamento no escalão 3, índice 720), a calcular em sede de execução de sentença” (27.º). “Contudo, verificamos que o presente Tribunal não se pronunciou quanto a este pedido” (28.º). Concluindo-se, sem mais que, a obrigação de conhecer de todas as questões alegadas pelas partes acarreta, necessariamente, a nulidade da decisão (singular ou coletiva) por omissão de pronúncia, caso não a(s) tenha conhecido, nos termos do disposto na primeira parte da al. d) do n.º 1 do 615.º do CPC” (36.º). “Deste modo, ao conhecer do pedido subsidiário, o acórdão da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, por violação do disposto na primeira parte da al. d) do n.º 1 do 615.º do CPC” (37.º). “Acrescente-se, quanto à questão material, isto é, especificamente sobre o pagamento de uma indemnização, a título de responsabilidade por ato legislativo, correspondente às remunerações deixadas de auferir pelos autores desde janeiro de 2001 (devida pelo reposicionamento no escalão índice 690) e desde janeiro de 2004 (devida pelo posicionamento no escalão 3, índice 720), a calcular em sede de execução de sentença, o TAF do Porto não se pronuncia, porquanto entendeu considerar procedente o pedido principal dos Recorridos” (38.º). “Deste modo, deve considerar-se verificada a omissão de pronúncia quanto à questão do pedido subsidiário, e uma vez apreciada, deverá a mesma ser julgada procedente, nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento apresentado, no caso de não ser concedido provimento ao pedido principal” (39.º).

1.2. Quanto à reforma do acórdão, a mesma é sustentada, em síntese, da seguinte forma:

“Caso entenda o douto Tribunal que não se verificou qualquer das nulidades invocadas, o que não se consente, mas se aventa por mero dever de patrocínio, sempre deverá proceder-se à reforma do acórdão nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC” (40.º). “Com efeito, nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do artigo, não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das Partes requerer a reforma da sentença, quando por manifesto lapso do juiz «constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida»” (41.º). “Desta feita, enquadra-se o dito normativo na situação em apreço, considerando que não vislumbra qualquer ligação com o enquadramento fáctico estabelecido nos autos, porquanto constam no processo elementos bastantes para se considerar que a decisão de mérito proferida teria de ser outra” (43.º). “Nos termos da factualidade assente e dada como provada no acórdão do TAF do Porto, posteriormente reproduzida na decisão do TCA Norte, efetivamente ocorreu uma inversão remuneratória” (44.º). “Com efeito, segundo resulta dos artigos 1.º a 12.º do acórdão do TAF do Porto (a qual não foi posta em causa), os Recorridos estavam posicionados nas categorias IT e TAT de nível 2, desde o ano de 2000, tendo em 2004 passado a estar posicionados no escalão 2, índice 690” (45.º), “Ao passo que, conforme se encontra patente nos artigos 13.º a 19.º do acórdão do TAF (a qual não foi posta em causa), os seus colegas (que apenas transitaram em 2004 para as categorias de IT e TAT de nível 2 na sequência de concurso de promoção realizado em 2003) passaram a estar posicionados no escalão 3, índice remuneratório 720” (46.º). “Portanto, não restam dúvidas que existe uma inversão remuneratória… (está nos factos provados) … (47.º). “Ora, existindo essa inversão não poderia ter-se concluído como se concluiu no Acórdão pelo que se requer a reforma” (48.º). “A este respeito merece ainda destaque o facto de não nos encontrarmos perante um mero erro de julgamento ou tampouco em face de uma errada qualificação jurídica dos factos, mas sim diante de uma manifesta desconsideração pelos elementos de facto dados como provados em que assenta a questão jurídica, pois não é possível afirmar-se que dos factos provados não resulta uma inversão remuneratória (independentemente, da constitucionalidade ou não dessa inversão, pois nesse aspeto o Tribunal Constitucional já decidiu).

2. Devidamente notificado, o requerido Ministério das Finanças pugnou pela improcedência total dos pedidos dos requerentes/reclamantes (cfr. fls. 859 e ss).

3. Sem vistos cumpre apreciar e decidir.


II – Apreciação da Questão

4. No que concerne à invocada nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, diga-se, desde já, que a mesma não procede. Com efeito, em termos sintéticos, este vício ocorre se o juiz apreciar e decidir questões de que não podia tomar conhecimento. Ora, o que se constata claramente da alegação dos requerentes/reclamantes é que o pretenso excesso de pronúncia mais não consiste do que numa suposta contradição entre a decisão recorrida e a decisão do Tribunal Constitucional (TC) que os requerentes/reclamantes trazem à colação. Mais ainda, afirmam os requerentes/reclamantes, a decisão reclamada teria desrespeitado o caso julgado formal, pois, como sustentam, apreciou questão “já julgada e decidida pelo Tribunal Constitucional”. Ou seja, supostamente, o acórdão recorrido terá proferido nova decisão, contrária à do TC, sobre a constitucionalidade do artigo 67.º, n.os 2 e 3 do DL n.º 557/99, de 17.12. Nada mais longe da realidade. O acórdão recorrido não apreciou a constitucionalidade de dito preceito e respeitou na íntegra a decisão do TC. Que, diga-se desde já, não julga (e muito menos ‘declara’) os mencionados n.os 2 e 3 do artigo 67.º inconstitucionais, antes julga uma determinada interpretação desses dispositivos, que ele mesmo enuncia, inconstitucional. Pelo que essa interpretação e apenas ela não poderá ser aplicada ao caso dos autos. Acresce a isso que no acórdão do TC não se afirma que qualquer inversão remuneratória é inconstitucional. Bem lida a decisão em apreço, o seu sentido é bem mais específico, incidindo sobre uma situação particular de inversão remuneratória, qual seja, a de trabalhadores com maior antiguidade em determinada categoria do GAT que passem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores da mesma categoria e com inferior antiguidade na mesma categoria e carreira. Sucede que no acórdão recorrido se afirmou, apenas e tão só, que a inversão remuneratória não é per se e de forma automática geradora de inconstitucionalidade. Vale isto por dizer que no acórdão recorrido foi dito aquilo que já estava subentendido no acórdão do TC, a esta conclusão facilmente se chegando, não fora uma leitura selectiva, por parte dos requerentes/reclamantes, de tais arestos. Resta dizer, a este propósito, que não podem as partes recortar apenas os segmentos das decisões judiciais que lhes interessam, a ponto de, descontextualizando-os ou amputando-os de uma parcela essencial, lhes desvirtuarem o sentido.

Em suma, não só os argumentos apresentados pelos requerentes/reclamantes só com uma enorme boa vontade podem ser lidos à luz da figura da nulidade por excesso de pronúncia, como nem sequer podem ser considerados correctos, pelo que improcede esta sua pretensão.

5. No tocante à invocada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, imputam os requerentes/reclamantes à decisão reclamada uma tal omissão por não ter sido apreciada a questão do “pagamento de uma indemnização, a título de responsabilidade por ato legislativo, correspondente às remunerações deixadas de auferir pelos autores desde janeiro de 2001 (devida pelo reposicionamento no escalão índice 690) e desde janeiro de 2004 (devida pelo posicionamento no escalão 3, índice 720), a calcular em sede de execução de sentença” (27.º), materializada no pedido subsidiário constante da petição inicial.

Como é sabido, a obrigatoriedade de conhecimento de todas as questões colocadas pelas partes à apreciação do tribunal resulta do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, servindo a sanção de nulidade constante da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC de cominação ao seu desrespeito. Basicamente, o juiz deve resolver na decisão judicial todas as questões (não resolvidas antes) que as partes tenham suscitado, com excepção daquelas que estejam prejudicadas (e, portanto, se tenham tornado inúteis) pela solução já adoptada quanto a outras. Além disso, uma tal nulidade não se verificará quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre meros argumentos, considerações, razões ou motivos de que as partes se socorram para fundar as suas pretensões.

Feita esta brevíssima explanação, temos que também quanto a esta nulidade soçobra o pedido dos requerentes/reclamantes.
Com efeito, e como se acabou de afirmar, o juiz não é obrigado a julgar questões que tenham ficado prejudicadas pela solução já adoptada quanto a outras. Sucede que foi exactamente isso que levou o julgador a não apreciar o pedido subsidiário. Ao peticionar a título subsidiário uma indemnização por ilícito legislativo [deixando aqui de lado a questão de o respectivo pedido ter sido efectivamente deduzido na p.i., haja em vista que, bem ou mal, o mesmo pedido foi admitido], o que se pretendia é que o Estado indemnizasse os recorrentes pelos danos que lhes foram causados pelo exercício da função legislativa que redundou na produção de normas inconstitucionais – quais sejam, os n.os 2 e 3 do artigo 67.º do DL n.º 557/99. Ora, a decisão recorrida entendeu, a partir de uma leitura atenta do acórdão do TC, que apenas uma determinada interpretação dessas normas foi julgada inconstitucional – e não as normas tout court –, e que não ficou provado que tivesse sido essa interpretação constitucional a que foi aplicada ao caso dos autos. Ou seja, esta pretensão dos recorrentes estava votada ao fracasso, uma vez que não se vislumbraram quaisquer danos que tivessem resultado directamente da aplicação de normas inconstitucionais. Vale por dizer, a apreciação deste pedido subsidiário ficou prejudicada ou tornou-se inútil em virtude da solução que foi adoptada em relação ao pedido principal. Aliás, e bem vistas as coisas, incorreria o acórdão reclamado em grave contradição se atendesse ao pedido indemnizatório. Pelo que, sem necessidade de mais considerações, temos que improcede igualmente, a pretensão dos requerentes quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia.

6. Falta, por último, apreciar o pedido de reforma do acórdão reclamado. Compulsadas as proposições recursivas, constata-se que os requerentes/reclamantes sustentam esta sua pretensão na al. b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, entendendo haver nos autos elementos que, a terem sido tomados na devida consideração, teriam conduzido a uma decisão diversa da proferida. Da leitura do que a seguir expõem, no entanto, decorre que, uma vez mais, os requerentes/reclamantes se limitam a discordar do sentido da decisão reclamada. De facto, os requerentes/reclamantes, na sua exposição, não identificam qualquer documento ou elemento de prova que, por si, imponha solução diversa da proferida, e que este tribunal, por manifesto lapso, não tenha considerado. Antes se limitam a apreciar e a valorar de forma distinta os elementos constantes dos autos, sobre os quais a decisão reclamada se pronunciou para concluir que a pretensão do recorrente procedia.
Em suma, os requerentes/reclamantes vêm manifestar a sua discordância em relação ao decidido, o que, obviamente, não cabe no estrito âmbito deste instrumento processual, qual seja, o da reforma, no caso em apreço, do acórdão prolatado por este STA.
Por este motivo, improcede de igual modo esta pretensão.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo em indeferir a arguição das nulidades e, de igual modo, a reforma da decisão reclamada.

Custas pelos requerentes/reclamantes.

Lisboa, 16 de Junho de 2016. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.