Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0846/09
Data do Acordão:09/23/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
Sumário:I - O artigo 89.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser interpretado como não admitindo a declaração de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação em causa;
II - Esta interpretação do artigo 89.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário é a mais conforme aos princípios da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República).
Nº Convencional:JSTA00065959
Nº do Documento:SA2200909230846
Data de Entrada:08/28/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF AVEIRO DE 2009/07/25 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
Área Temática 2:DIR CONST.
Legislação Nacional:CONST97 ART13 ART20 N1 ART266 N2 ART268 N4.
CPPTRIB99 ART85 N2 ART89 N1 ART102.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC356/08 DE 2009/05/06.; AC STA PROC997/08 DE 2008/12/17.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTAÇÃO9 AO ART89.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 15 de Julho de 2009, que julgou procedente a reclamação deduzida por A…, S.A., com os sinais dos autos, contra o acto de compensação n.º 20090000000040185, no montante de € 65.543,94, para o que apresentou as conclusões seguintes:
1 – O Ilustre Julgador anulou o acto de compensação n.º 2009 00000094089, de 05.02.2009, através do qual a Administração Tributária, recorrendo a um crédito consubstanciado num reembolso de IVA no montante de € 64 051,95, se fez pagar de uma dívida tributária que tinha subjacente a liquidação adicional de IRC n.º 2009 83100560, de 28.01.2009, relativa ao exercício de 2007, no valor global de € 64 051,99.
2 – Para dar como procedente a pretensão da ora reclamante, a douta decisão recorrida estribou-se no entendimento segundo o qual o artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º n.º 4 da CRP).
3 – A compensação de dívidas tributárias operada por iniciativa da administração tributária, prevista no artigo 89.º, n.º 1 do CPPR, em questão nos autos, pressupõe que essa dívida reúna as características de certeza, liquidez e exigibilidade, imanentes no título executivo (extraído) e a sua exigibilidade, por via coerciva, através da instauração do respectivo processo de execução fiscal.
4 – Essa exigibilidade da dívida (exequenda) não contende com o decurso do prazo legal de impugnação judicial da liquidação do imposto (exequendo), decorrendo do poder/dever da Administração Tributária cobrar coercivamente essa dívida, por e após o incumprimento voluntário do sujeito passivo devedor.
5 – A viabilidade da compensação radica, tão só, na instauração do processo de execução fiscal, e assenta no carácter público e natureza indisponível consabido dos créditos tributários.
6 – A eventual anulação da liquidação do imposto, na sequência e por via de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial, ou oposição à execução entretanto deduzida, possibilitaria ao sujeito passivo a restituição do imposto pago, acrescido dos devidos juros indemnizatórios. A compensação, como forma de extinção da prestação tributária (artigo 40.º n.º 2 da LGT), não cerceia, assim, o recurso aos meios de tutela jurisdicional para discutir a legalidade concreta e abstracta da liquidação, nem belisca o princípio da igualdade pois não diferencia o tratamento do que é rigorosamente igual.
7 – O artigo 89.º n.º 1 do CPPT não afronta os princípios fundamentais da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, quando interpretado no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o exercício do direito de impugnação (contenciosa ou administrativa), e desta ainda não ter sido deduzida.
8 – Assim sendo, a interpretação sufragada pelo tribunal “a quo” revela-se inadequada à intenção material legislativa ínsita ao n.º 1 do artigo 89.º do CPPT.
Nos termos vindos de expor e nos que Vªs. Exªs., sempre mui doutamente, não deixarão de suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a decisão recorrida por outra que julgue a reclamação de todo improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o que entendemos ser a melhor expressão do Direito e a Justiça.
2 – Contra-alegou a reclamante, concluindo nos seguintes termos:
A) A Recorrida foi notificada em 11/02/2009 da liquidação adicional de IRC do exercício de 2007, no valor global de 64.051,99 €, cuja data limite de pagamento ocorreu em 16/03/2009;
B) Assiste à Recorrida o direito de no prazo de 90 dias apresentar impugnação judicial ou, em alternativa, no prazo de 120 dias deduzir reclamação graciosa, prazos esses que apenas terminaram, respectivamente, 12/06/2009 e 12/07/2009;
C) Ora, a admissibilidade de compensação antes da decorrência dos mencionados prazos de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa configura numa diminuição irrazoável e desproporcionada do direito ao acesso “útil, pleno e atempado” a tais meios de defesa, com potencialidade para lesar de forma irreversível os direitos dos contribuintes;
D) Com efeito, é certo que a efectivação de compensação antes do decurso dos prazos para apresentar impugnação judicial ou, em alternativa, para deduzir reclamação graciosa, não preclude a possibilidade dos contribuintes virem contestar a dívida executada e não importam uma perda definitiva do valor do seu crédito; no entanto, a privação do montante objecto da compensação é uma lesão que, por ser susceptível de ocasionar graves problemas de liquidez aos mesmos e comprometer, inclusive, a sua sobrevivência económica, não pode ser perpetrada num Estado de Direito, “sem uma motivação poderosa”, que na matéria em apreço se reconduz ao esgotamento de todos os meios administrativos ou processuais de reacção pelo contribuinte;
E) Assim sendo, tal privação, ainda que temporária, do crédito objecto da compensação, não é admissível sem que sejam concedidas aos contribuintes afectados pela mesma todas as garantias de defesa nos mesmos termos que são concedidas à generalidade dos contribuintes executados fiscais “que são a possibilidade de apresentar, nos prazos legais previstos para o efeito, impugnação administrativa ou contenciosa do acto de liquidação e de prestação de garantia idónea do processo de execução fiscal subjacente àquele”;
F) Face ao exposto, é manifesta a ilegalidade da prolação da compensação em apreço, devendo a mesma ser anulada com fundamento em erro nos pressupostos de direito por errada interpretação do artigo 89.º do CPPT, com todas as devidas e legais consequências.
NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, MANTENDO-SE A COMPETENTE DECISÃO RECORRIDA, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM FAZENDO VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES CONSELHEIROS, A COSTUMADA JUSTIÇA.
3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
A questão objecto do presente recurso prende-se com a interpretação do disposto no art.º 89.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário referente à compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária.
Alega a recorrente que a compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária, prevista no referido normativo pressupõe que essa dívida reúna as características de certeza, liquidez e exigibilidade, ínsitas no título executivo (extraído) e a sua exigibilidade, por via coerciva, através da instauração do respectivo processo de execução fiscal.
Mais alega que essa exigibilidade da dívida (exequenda) não contende com o prazo legal de impugnação judicial da liquidação do imposto (exequendo), e que essa exigibilidade decorre do poder/dever da administração Tributária cobrar coercivamente essa dívida, por e após o incumprimento voluntário do sujeito passivo devedor.
Afigura-se-nos que carece de razão.
A decisão recorrida entendeu, e bem, que da conjugação dos arts. 40.º da LGT e n.º 1 do art. 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário resulta a impossibilidade da administração Fiscal proceder a compensação de créditos, sem que tenha esgotado o prazo para se deduzir impugnação judicial ou esgotados os prazos de outro meio de defesa.
E isto porque, dentro desse prazo, o contribuinte pode vir discutir a legalidade da dívida e prestar caução que garanta o pagamento da mesma.
Parece-nos ser, aliás, essa a única interpretação possível do preceito, e a única compatível com os princípios constitucionais da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 3 da Constituição da República).
Como refere Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 5.ª edição, pág. 635 e 636, «a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n.º 1 que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa.”.
Ademais a interpretação que o acórdão recorrido faz do preceito vem de encontro à jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que o artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da Administração Tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2008, recurso 355/08, de 21.05.2008, recurso 356/08 e de 25.06.2008, recurso 464/08, de 17.12.2008, recurso 997/08, de 15.04.2009, recurso 262/09, e de 22.04.2009, recurso 277/09, todos em www.dgsi.pt.
E é a jurisprudência que melhor se coaduna com a garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrada no art.º 268.º n.º 4, garantia essa não assegurada na tese defendida pela Fazenda Pública pois que permite à Administração Fiscal proceder à compensação prevista no art.º 89.º do CPPT antes de decorrido o prazo para reclamar, impugnar judicialmente ou deduzir oposição à execução, obrigando o contribuinte a ver reduzidos e derrogados os prazos de defesa expressamente previstos na lei.
Sendo também a jurisprudência mais conforme com o princípio constitucional da igualdade já que na tese defendida pela recorrente poderão ocorrer simultaneamente casos em que, por inércia da administração Fiscal, os contribuintes dispõem integralmente dos prazos para reclamar, impugnar judicialmente ou deduzir oposição à execução, e caos em que, por maior eficiência da administração Fiscal, se vêm confrontados com a compensação das dívidas tributárias, antes de decorridos aqueles prazos.
Em síntese a interpretação que a decisão decorrida faz do preceito constitui o critério normativo mais adequado à justa realização do direito.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, devendo confirmar-se o julgado decidido.
Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, vão os autos à Conferência.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber o artigo 89.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) consente em que a Administração tributária, por sua iniciativa, proceda à compensação de dívidas tributárias com créditos tributários de que o contribuinte disponha, em momento anterior ao esgotamento dos prazos de impugnação judicial ou administrativa da liquidação da dívida tributária em causa.
5 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1 – A reclamante, em 11/02/2009, foi notificada da liquidação adicional n.º 20098310000560 e n.º 2009 00000012448, referente a IRC de 2007, dela resultando imposto e juros a pagar no montante de € 64.051,99.
2 – A quantia referida em 1 admitia pagamento voluntário até 16/3/2009.
3 – Em 14/4/2009, a Administração Tributária efectuou a compensação da dívida fiscal em execução, referida em 1, conforme documento de fls. 14 que se dá por reproduzido.
6 – Apreciando.
6.1 Da inadmissibilidade da compensação em momento anterior ao esgotamento dos prazos de impugnação judicial ou administrativa da liquidação
A sentença recorrida, fundamentando-se na posição de JORGE LOPES DE SOUSA e na Jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal (e não desconhecendo, antes considerando expressamente, a posição do Tribunal Constitucional sobre a matéria), julgou procedente a reclamação deduzida, anulando o acto de compensação reclamado, pois conclui pela inadmissibilidade da compensação operada, por ter ocorrido por iniciativa da Administração Tributária antes de esgotados os prazos de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso judicial ou oposição à execução, mostrando-se violados, pelas razões expostas, os princípios constitucionais da proporcionalidade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, plasmados nos artigos 20.º, 266.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (cfr. sentença recorrida, a fls. 60 e 61 dos autos).
Discorda do decidido a Fazenda Pública, concluindo que a compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária, prevista no artigo 89.º n.º 1 do CPPT, pressupõe (apenas) que essa dívida reúna as características de certeza, liquidez e exigibilidade, ínsitas no título executivo (extraído) e a sua exigibilidade, por via coerciva, através da instauração do respectivo processo de execução fiscal, entendendo também que essa exigibilidade da dívida (exequenda) não contende com o prazo legal de impugnação judicial da liquidação do imposto (exequendo), e que essa exigibilidade decorre do poder/dever da administração Tributária cobrar coercivamente essa dívida, por e após o incumprimento voluntário do sujeito passivo devedor. Mais alega que a interpretação que sustenta daquele normativo legal não afronta os princípios fundamentais da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva e que a sufragada pelo tribunal “a quo” revela-se inadequada à intenção material legislativa ínsita ao n.º 1 do artigo 89.º do CPPT (cfr. alegações de recurso, a fls. 74 a 80 dos autos e respectivas conclusões supra transcritas).
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso, por entender que a interpretação que a decisão decorrida faz do preceito constitui o critério normativo mais adequado à justa realização do direito.
Vejamos.
A questão decidenda não é questão nova, antes tem sido reiteradamente colocada a este Supremo Tribunal, que a ela tem dado mais recentemente resposta uniforme, no sentido de que o artigo 89.º, n.º 1 do CPPT deve ser interpretado como não admitindo a declaração de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação em causa, sendo esta interpretação do preceito, e não a propugnada pela Fazenda Pública, a mais conforme aos princípios da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República).
Isto mesmo decidiu o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, por Acórdão de 6 de Maio de 2009 (rec. n.º 356/08), a cuja fundamentação aderimos e onde se escreveu:
«Sendo assim, passemos, então, a conhecer do objecto do recurso.
Consiste este em saber se é admissível a compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária antes de esgotado o prazo de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução, sob pena de, se assim for, o artº 89º, nº 1 do CPPT ser materialmente inconstitucional por violação dos princípios fundamentais da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva. Esta questão tem sido objecto de apreciação uniforme em vários arestos desta Secção do STA, nomeadamente no Acórdão de 17/12/08, in rec. nº 997/08 (…) e cuja jurisprudência não vemos motivo para alterar, razão por que o vamos aqui transcrever.
Assim, escreve-se no predito aresto que “…prescreve o n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que «Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição execução da dívida exequenda ou esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código».
A este propósito, escreve Jorge Lopes de Sousa, em anotação 9. ao artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, que «O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 386/2005 entendeu que o n.º 1 deste art.º 89.º não é materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e do acesso aos tribunais (art.ºs 13.º e 20.º, n.º 1 da CRP), quando interpretado com o sentido de permitir a compensação logo que a dívida se torna exigível, findo o prazo de pagamento voluntário de 30 dias (aplicável, nos termos do art.º 85.º, n.º 2, do CPPT, quando não for fixado prazo especial), mesmo antes de estar findo o prazo para o exercício do direito de impugnação, que é de 90 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 102.º deste Código, embora desta interpretação resulte que o contribuinte que vise obstar à compensação tenha de impugnar o acto de liquidação dentro daquele prazo de 30 dias, sob pena de perder o direito de ver suspensa a execução, pois a dívida, operada a compensação, fica cobrada.
Parece, porém – pondera Jorge Lopes de Sousa –, que a interpretação que se deve efectuar do n.º 1 deste art.º 89.º não é essa, pois a proibição de efectuar a compensação, se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n.º 1 que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa.».
Por outro lado, como também assinala o mesmo Autor, na mesma obra, em anotação 7. ao normativo em foco «(…) não se pode admitir que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito, como sucede nos casos de compensação forçada previstos no artigo 89.º, sem que sejam concedidas ao afectado por ela todas as garantias de defesa que são concedidas à generalidade dos executados fiscais».
É que, como já se disse no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 23/4/08, proferido no recurso n.º 133/08, tal entendimento «(…) redundaria numa diminuição irrazoável e desproporcionada dos meios de defesa e impugnatórios da recorrente, com potencialidade para lesar de forma irreversível os seus direitos, já que não precludindo embora a possibilidade de vir a contestar a dívida executada e não importando numa perda definitiva do valor do seu crédito, a verdade é que a privação no momento certo do correspondente montante pode ocasionar graves problemas de liquidez de empresas como a recorrente e, em última análise, comprometer a sua sobrevivência económica».
Daí que, como no aresto citado, tenha de concluir-se pela inadmissibilidade de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributária antes de esgotados os prazos de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso judicial ou oposição à execução, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).
Cf. o que vem de dizer-se no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-5-2008, proferido no recurso n.º 356/08”.
Por outro lado, escreve-se, ainda no citado aresto que “…o n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário «não consubstancia uma limitação inaceitável do direito de defesa», e não é materialmente inconstitucional – como, aliás, já foi dito pelo Tribunal Constitucional mormente no seu acórdão supra citado.
Julgamos, no entanto – e em inteira consonância, aliás, com Jorge Lopes de Sousa, supracitado –, que a interpretação do n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em melhor conformidade com a Constituição, é a aquela que entende não ser admissível «que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito (…), sem que sejam concedidas ao afectado por ela todas as garantias de defesa que são concedidas à generalidade dos executados fiscais».
E, assim, no caso, entendemos que, do ponto de vista de conformidade com a Constituição, não terá sido dada a mais consentânea interpretação ao disposto no n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Estamos, deste modo, a concluir que numa interpretação conforme à Constituição, o artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não apoia a Administração na declaração de compensação de dívida tributária sem que sobre o acto de liquidação da mesma tenha decorrido o prazo de impugnação administrativa e contenciosa”» (fim de citação).
Ora, a argumentação aduzida no citado Acórdão é plenamente transponível para o caso dos autos.
Nestes termos, aqui como naquele aresto, se há-de decidir que a interpretação do artigo 89.º, n.º 1 do CPPT mais conforme aos princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao Direito e da tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º n.º 4 da Constituição) é a que não admite a declaração de compensação de dívida de tributo por iniciativa da Administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação judicial ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa.
A sentença que assim o decidiu não merece, pois, qualquer censura.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Fazenda Pública, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 23 de Setembro de 2009. - Isabel Marques da Silva(relatora) - Brandão de Pinho- João Torrão.