Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0865/11
Data do Acordão:12/20/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IRC
SOCIEDADE COMERCIAL
CISÃO DE SOCIEDADES
Sumário:I - De acordo com o disposto no art° 67°, n° 2 do CIRC “Considera-se cisão a operação pela qual:
a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua actividade, mantendo pelo menos um dos ramos de actividade, para com eles constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para os fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10 % do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes sejam atribuídas”
II - Para aplicação do regime de neutralidade fiscal constante dos art°s 67° e segs do CIRS, não é necessária a atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital social da sociedade beneficiária, sendo esta detentora da totalidade do capital social daquela, tal como resulta dos n°s 3 e 6 do art° 68° do CIRC.
III - Aliás, tal como já resultava da Directiva 78/855/CEE, de 9 de Outubro de 1978, a atribuição aos sócios da sociedade cindida de participações da sociedade beneficiária visava a protecção destes e não a neutralidade fiscal (v. art° 10°, nºs 1 e 2).
Nº Convencional:JSTA00067320
Nº do Documento:SA2201112200865
Data de Entrada:09/29/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC01 NA REDACÇÃO DO DL 221/2001 DE 2001/08/07 ART67 N2 A B ART68 N2 N3 N4 N7
CIRC88 NA REDACÇÃO DO DL 123/91 DE 1991/07/02 ART62 N1
CSC86 ART104 N3 ART118 A C
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 75/855/CEE DE 1975/10/09 ART2 B
DIR CONS CEE 90/434/CEE DE 1990/06/23 ART2 B
Referência a Doutrina:LUIS MENEZES LEITÃO FUSÃO CISÃO DE SOCIEDADES E FIGURAS AFINS IN FISCO N57 PAG18
CARLOS BAPTISTA LOBO IN FISCALIDADE N26/27 PAG33
JOANA VASCONCELOS A CISÃO DE SOCIEDADES PAG20
RAUL VENTURA FUSÃO CISÃO E TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADES PAG130
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I - A Fazenda Publica, vem recorrer da decisão do Mm° Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A………, SA melhor identificada nos autos, contra as liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios referente ao exercício de 2003 no valor global de € 2.150.787,37, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª) - O regime especial de fusões, cisões e entradas de activos estatuído nos artigos 67° e seguintes — Subsecção IV do Código de IRC, aplica-se às operações de fusão e cisão de sociedades e entradas de activos, tal como são definidas no artigo 67° do CIRC;
2ª) - Para efeitos da aplicação do regime de neutralidade fiscal, a fusão-cisão deve estar contemplada na enumeração taxativa do n° 2 do artigo 67° CIRC e observar os requisitos aí previstos;
3ª) - Se a operação não se integrar no elenco das previsões constantes do artigo 67°, isto é, se não se subsumir a uma das específicas caracterizações legais aí enunciadas, isso implica que não pode beneficiar do regime de neutralidade fiscal;
4ª) - Resulta das definições constantes das alíneas a) e b) do n° 2 do artigo 67° do CIRC, que a atribuição aos sócios de partes representativas do capital é pressuposto básico da configuração da cisão enquanto operação susceptível de qualificação para efeitos do regime especial constante dos artigos 67° e seguintes do CIRC;
5ª) - Mesmo estando perante uma incorporada em que o respectivo sócio, titular da totalidade do capital social, é o único sócio da incorporante, a lei não deixa ao arbítrio do sócio decidir se realiza ou não o aumento de capital, mas antes impõe que o mesmo se verifique para atribuição das participações necessárias;
6ª) - O que bem se compreende porquanto, o capital social representa um elemento que releva, não estritamente para os sócios, mas para terceiros, pelo que se justifica que a lei imponha a necessidade, nestes casos, de restabelecer um aumento de capital, para atribuição das respectivas participações sociais recíprocas;
7ª) - Configurando este regime, como configura, um verdadeiro beneficio fiscal, estabelecendo uma excepção ao regime geral de tributação, a interpretação dos preceitos em que se funda não é susceptível de integração analógica, nem consente que seja aplicado a operações que não se subsumem às situações taxativamente previstas na lei.
8ª) - Este regime especial reconduz-se à neutralização dos efeitos das operações nele previstas e não postula, ao contrário do que se afirma na douta sentença recorrida que tais operações sejam, em si mesmas, neutras;
9ª) - A sentença que, declarando irrelevante para a decisão, a verificação de um pressuposto essencial do regime legal especial que enquadra a neutralidade fiscal, incorre em erro de julgamento por violação dos disposto nas alíneas a) e b) do n° 2 do artigo 67° do CIRC.
Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao presente recurso e reafirmada a legalidade da liquidação de IRC impugnada.
II - Em contra alegações, a entidade recorrida veio a concluir da seguinte forma:
A) O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou totalmente procedente a impugnação.
B) Em tal decisão, reconheceu o tribunal a quo que nos autos foi produzida prova susceptível de permitir a conclusão segundo a qual “não é condição de aplicação do regime de neutralidade fiscal a atribuição formal ao sócio da sociedade cindida de partes representativas ou participações da(s) sociedade(s) beneficiária(s)’, sendo “irrelevante, para os efeitos da discussão, que haja uma atribuição formal de participação social, uma vez que, dentro da esfera jurídica do accionista, apenas existe uma transferência de participações entre as sociedades de que é dono e não um aumento do valor dessa mesma participação em virtude da operação de cisão/fusão”.
C) Para a Fazenda Pública, contudo, a entrega de acções da sociedade beneficiária ao sócio da sociedade contribuidora é sempre exigível, ainda que este detenha ambas a 100%, sob pena de “a operação não se integrar no elenco das previsões constantes do artigo 67° do CIRC”, isto é, se não se subsumir a uma das especificas características legais aí enunciadas.
D) Entende, contudo, a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece qualquer censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de facto ou de direito: na opinião da recorrida, a mesma encontra-se em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123° do CPPT e pelos n° 2 e 3 do artigo 659° do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125° do CPPT e no artigo 668° do CPC.
E) Com efeito, ao contrário do que propugna o digníssimo Representante da Fazenda Pública e em linha com o decidido pelo Tribunal a quo, o Código do IRC permite a operação pela qual uma sociedade vê destacada parte do seu património que depois é fundida ou incorporada numa outra sociedade - operação que se denomina de cisão-fusão, mesmo quando não são atribuídas acções da sociedade beneficiária ao sócio da sociedade contribuidora, porque este as detém a ambas a 100%, o que tomaria redundante e inútil, em qualquer plano, a referida atribuição.
F) Com efeito, na parte em que se refere às fusões e às cisões, o art.° 67° do Código do IRC mais não faz do que reproduzir os tipos previstos no CSC, exigindo, no fundo, como condição da aplicabilidade do regime da neutralidade, que estejamos em presença de operações válidas na perspectiva da lei societária, e também neste plano não há qualquer obstáculo a que o dito regime seja aplicado à operação sub judice, uma vez que ela, à face do CSC, é indubitavelmente válida.
G) De qualquer forma, a atribuição de acções ao sócio da sociedade cindida não pode constitui um verdadeiro requisito da aplicação do regime de neutralidade fiscal, como quer a Administração fiscal.
H) A não verificação dessa atribuição em nada influi no objectivo de diferimento da tributação que constitui um dos vértices fundamentais da estrutura do regime de neutralidade fiscal.
I) Os pressupostos e os fins da neutralidade fiscal consignados nos art.°s 67° e seguintes do Código do IRC não saem minimamente beliscados da operação de cisão-fusão em apreço, sem que tenha ocorrido emissão de novas acções.
J) Se, na verdade, a B……… vier, depois da cisão-fusão em apreço, a vender a sua participação na C……… (sociedade beneficiária), o resultado fiscal será exactamente o mesmo que se verificaria se tivesse obtido mais algumas acções desta última sociedade por força da referida operação, uma vez que, em qualquer hipótese, antes e depois, sempre deteve a integralidade do respectivo capital, cujo valor contabilístico não sofreu qualquer alteração.
K) Do ponto de vista fiscal, na verdade - e para efeitos do apuramento de eventuais mais-valias -, tendo em conta que se trata de uma participação a 100%, tanto faz vender por 10 000 um lote de 100 acções com o valor contabilístico de 500, como vender pelo mesmo preço um lote de 110 acções a que corresponde o mesmo valor contabilístico de 500.
L) A título complementar, verifica-se que, subjacente à tese propugnada pela Administração fiscal, está uma violação clamorosa dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade, pois numa operação em que não se verifica, demonstradamente, qualquer criação de valor, em que B……… mantém na sua esfera, em todos os momentos, os mesmos activos (nem mais nem menos) com os mesmos custos de aquisição originários, é manifestamente desproporcionado exigir correcções que ultrapassam os € 35.000.000,00.
M) O entendimento da Fazenda Pública decorre de uma interpretação formalista e errada da lei, em desprezo pela sua teleologia, aportando a uma tributação absurda e integralmente desligada do respeito pela capacidade contributiva. E foram justamente estes dois resultados inaceitáveis que determinaram acertadamente a decisão recorrida.
III. O MP emitiu parecer constante de fls. 763/764, no qual se pronuncia pela manutenção da decisão recorrida.
IV. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1°). Em Março de 2002, a B………, S.A. doravante apenas B………, sociedade que integra o D………, adquiriu ao E……… um conjunto de participações sociais, entre as quais a sociedade F………, SA. (doravante F………), a sociedade G………, S.A (doravante apenas G………), a sociedade H………, S.A (doravante apenas H………) e a sociedade I………, S.A., doravante apenas I………;
2°). Em 2003 o D……… promoveu um processo de reorganização da sua estrutura societária, nos seguintes moldes:
a. a cisão (cisão-fusão) da F……… por destaque de diversas unidades económicas que foram incorporadas na H……… e na B………;
b. a cisão (cisão-fusão) da G………, através de destaque de unidades económicas que igualmente foram incorporadas na H……… e na B………;
c. a fusão por incorporação na B……… da I………;
3°). Por efeito das operações identificadas:
a. a F……… passou a adoptar a designação social F………, S.A;
b. a G……… passou a adoptar a designação social A………, S.A. (impugnante) e
c. a H……… passou a adoptar a designação social C………, S.A.;
4°). Ainda por efeito daquelas operações:
a. F……… passou a exercer a actividade de comercialização, através da rede de distribuição retalhista, de água com gás e de água lisa;
b. A A………, ora impugnante, passou a exercer a actividade de titularidade e gestão dos activos imobiliários não afectos à actividade de produção de água com gás e à actividade de turismo a esta associada;
c. a C………, passou a exercer a actividade de produção de água com gás e a actividade de turismo.
5º). As referidas operações foram efectuadas nos termos das disposições aplicáveis do Código das Sociedades Comerciais e tendo em conta os artigos 67º e ss do CIRC, sem que se tenha verificado qualquer alteração do capital das sociedades cindidas e das sociedades beneficiárias (ou incorporantes);
6º). Em 27/11/2003, a B……… dirigiu ao Director Geral dos Impostos um pedido de informação vinculativa em que colocava duas questões (Doc. n.° 5 da PI, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido)
a. a primeira questão tinha como objecto saber se, em virtude das operações mencionadas, deveria ter lugar alguma correcção do valor fiscal correspondente às sociedades cindidas, na esfera do respectivo accionista;
b. com a segunda pretendia-se averiguar se, por causa das mesmas operações, deveria ter lugar qualquer modificação do valor fiscal correspondente às sociedades beneficiárias, igualmente na esfera dos respectivos sócios.
7º). A resposta ao citado pedido foi notificada à requerente através oficio 7143, de 26/3/2007, em que a Direcção de Serviços do IRC sancionou o entendimento segundo o qual as als. a) e b) do n° 2 do artigo 67° do CIRC exigem sempre, como condição da aplicabilidade do regime de neutralidade, que as operações de cisão comportem a atribuição aos sócios das sociedades cindidas de partes representativas do capital social das sociedades beneficiárias, o que não teria acontecido nas operações em referência — cfr. Doc. n.° 6 da PI, que aqui se dá por reproduzido;
8°). Por esse facto, esclareceu aquela Direcção de Serviços, deverá considerar-se que as sociedades contribuidoras transmitiram os activos destacados ao correspondente valor de mercado, sendo necessário apurar as mais-valias ou menos-valias eventualmente realizadas, nos termos do artigo 43° do CIRC;
9°). Quanto às sociedades beneficiárias - por idêntica razão, esclareceu - deverá considerar-se que as mesmas experimentaram uma variação patrimonial positiva, que concorre para a determinação do respectivo lucro tributável nos termos dos n°s 1 e 2 do artigo 21° do CIRC;
10º). Finalmente, entendeu a Direcção daqueles Serviços que não haverá lugar a qualquer correcção dos valores por que se encontravam registadas, na esfera dos respectivos sócios, as partes representativas do capital social das sociedades cindidas e das sociedades beneficiárias;
11°). A sociedade A…….., S.A (anteriormente designada G………, S.A e aqui Impugnante) foi objecto de uma acção inspectiva, levada a efeito pela Divisão de Inspecção Tributária III da Direcção de Finanças do Porto, referente a IRC (parcial) e que incidiu no exercício de 2003;
12°). Dá-se aqui por reproduzido o Relatório de Inspecção datado de 14/5/2008, com o seguinte destaque: “(...) A partir de 1 de Janeiro de 2003 (o sujeito passivo, aqui Impugnante) é tributado em IRC, pelo regime geral de tributação, relativamente ao exercício da actividade “compra e venda de bens imóveis e desenvolvimento e promoção de quaisquer actividades imobiliárias, enquadrado em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal. // No entanto é de referir que na data mencionada ocorreu uma reestruturação do D………, através de operações de cisão-fusão (...) e que a A……… S.A até aquela data denominada G………, SA, tinha como principal actividade a comercialização de água em estado bruto (...),// III Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas//
A) Enquadramento da operação de reestruturação// (...) às operações de cisão-fusão descritas não é aplicável o regime de neutralidade fiscal, previsto nos art° 67° e seguintes do código do IRC, dado que nos termos das alíneas a) e b) do n° 2 do referido art° 67°, exige-se sempre “a atribuição aos sócios de partes representativas de capital social das sociedades beneficiárias”. Com efeito, verifica-se que, contrariamente ao que sucedeu para a fusão, dado o disposto na al. c) do nº 1 do art°. 67° do código do IRC, o legislador não previu para a hipótese de cisão-fusão a situação de a sociedade beneficiária ser detentora da totalidade das partes representativas do capital social da sociedade cindida, caso em que não se verificava essa relação de troca de participações (cfr artigos 120° e 116° do Código das Sociedades Comerciais).// Afastando-se, assim, a contrario, do âmbito de aplicação deste regime as operações que não verifiquem este requisito, sendo para tanto indiferente o facto das operações apenas envolverem empresas pertencentes a um mesmo grupo.!! Ora, de acordo com o expressamente referido no Relatório do Revisor Oficial de Contas bem como da analise à contabilidade das empresas envolvidas, designadamente os balancetes a 31/12/2002 e os lançamentos contabilísticos relativos à cisão-fusão, que constam em papéis de trabalho, constata-se não ter existido qualquer troca de partes representativas de capital social.// Da análise dos quadros resumo dos balanços das empresas cindidas, antes e após as operações cisão-fusão e respectivas transmissões para a B………, SA e C………, S.A., que constam em anexo 1, fls. 1 a 2, verifica-se que: // i) Nas sociedade cindidas ocorreu redução da situação liquida por montante correspondente ao valor contabilístico do património destacado com redução do capital próprio por redução de reservas de reavaliação, reservas legais e resultados transitados, mantendo-se inalterado o capital social;// ii) e que do mesmo modo, as incorporações patrimoniais nas sociedades incorporantes, consistiu no correspondente aumento do capital próprio, designadamente reservas de reavaliação, reservas legais e resultado transitados, sem qualquer aumento do capital social. // (...) Assim, e constatando-se que nas operações de cisão-fusão descritas não se verificou qualquer relação de troca de participações, conclui-se que as mesmas não podem beneficiar do regime especial previsto nos art. 68.° e seguintes do código IRC, até porque o resultado final alcançado pelas operações é diferente do que se verificaria se as operações de cisão/fusão tivessem sido realizadas separadamente e nos termos do art.° 67° do Código IRC.//
B) Regime aplicável à operação em apreço. Apuramento das mais e menos valias fiscais//O regime estabelecido pelos art. 67.º e seguintes do Código do IRC apresenta-se explicitamente como um “regime especial» (Cfr. epigrafe da subsecção IV), o que implica que no caso de uma dada operação não se enquadrar no respectivo âmbito especifico de aplicação, a mesma se submeterá ao regime geral de tributação. // Como consequência e no que respeita à transferência do património das respectivas sociedades cindidas, designadamente o sujeito passivo em análise, a transmissão dos bens deverá fazer-se pelo valor de mercado, à data das operações, nos termos do n° 3 al. d) do art.° 43.º Código do IRC, apurando-se as mais ou menos valias correspondentes. //Nesta conformidade, foram promovidas avaliações, (anexo 2, fls. 1 a 85, sendo que as fls. 38 a 45 estão repetidas), dos bens transmitidos pelo sujeito passivo A………, S.A. (G………, S.A), através dos respectivos Serviços de Finanças, para determinação do valor de mercado, à data da cisão, 1 de Janeiro de 2003. Em consequência foi apurado o montante de € 10.612.237,43, como saldo das mais e menos valias fiscais realizadas, nos termos do n° 3 al. d) do art ° 43° do Código IRC, conforme mapa de apuramento que se junta em anexo 3, fls. 1 a 8;
13°). Dão-se aqui por reproduzidas as avaliações levadas a cabo pelos Serviços de Finanças dos bens imóveis transmitidos pela Impugnante, à data da cisão (1/1/2003), que constam do anexo 2 do Relatório, de fls. 1 a 85;
14°). Em consequência, e em data que não se pôde apurar, a Impugnante foi notificada da liquidação n.° 20088310033376, relativa a IRC e respectivos juros compensatórios do ano de 2003, da qual decorre um saldo a pagar no valor global de 2.150.787,37€.
VI. A questão a conhecer no recurso é a seguinte: uma vez que na referida cisão-fusão não existiu atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital da sociedade beneficiária, tal operação é ou não susceptível de beneficiar do regime especial constante dos artigos 67° e seguintes do CIRC?
VI.1. A recorrente Fazenda Pública entende que não, uma vez que, para efeitos da aplicação do regime de neutralidade fiscal, a fusão-cisão deve estar contemplada na enumeração taxativa do n° 2 do artigo 67° CIRC e observar os requisitos aí previstos.
Se a operação não se integrar no elenco das previsões constantes do artigo 67°, isso implica que não pode beneficiar do regime de neutralidade fiscal.
Ora, resulta das definições constantes das alíneas a) e b) do n° 2 do artigo 67° do CIRC, que a atribuição aos sócios de partes representativas do capital é pressuposto básico da configuração da cisão enquanto operação susceptível de qualificação para efeitos do regime especial constante dos artigos 67° e seguintes do CIRC.
Assim, configurando este regime, um verdadeiro beneficio fiscal, estabelecendo uma excepção ao regime geral de tributação, a interpretação dos preceitos em que se funda não é susceptível de integração analógica, nem consente que seja aplicado a operações que não se subsumem às situações taxativamente previstas na lei.
VI.2. A recorrida, por sua vez, entende que o Código do IRC permite a operação pela qual uma sociedade vê destacada parte do seu património que depois é fundida ou incorporada numa outra sociedade - operação que se denomina de cisão-fusão, mesmo quando não são atribuídas acções da sociedade beneficiária ao sócio da sociedade contribuidora, porque este as detém a ambas a 100%, o que tornaria redundante e inútil, em qualquer plano, a referida atribuição.
Com efeito, na parte em que se refere às fusões e às cisões, o art.° 67° do Código do IRC mais não faz do que reproduzir os tipos previstos no CSC, exigindo, no fundo, como condição da aplicabilidade do regime da neutralidade, que estejamos em presença de operações válidas na perspectiva da lei societária, e também neste plano não há qualquer obstáculo a que o dito regime seja aplicado à operação sub judice, uma vez que ela, à face do CSC, é indubitavelmente válida.
Por outro lado, a não verificação dessa atribuição em nada influi no objectivo de diferimento da tributação que constitui um dos vértices fundamentais da estrutura do regime de neutralidade fiscal, pois que os pressupostos e os fins da neutralidade fiscal consignados nos art.°s 67° e seguintes do Código do IRC não saem minimamente beliscados da operação de cisão-fusão em apreço, sem que tenha ocorrido emissão de novas acções.
A tese propugnada pela Administração fiscal, constitui uma violação clamorosa dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade, pois numa operação em que não se verifica, demonstradamente, qualquer criação de valor, pois que B……… mantém na sua esfera, em todos os momentos, os mesmos activos com os mesmos custos de aquisição originários, é manifestamente desproporcionado exigir correcções que ultrapassam os € 35.000.000,00.
Vejamos então qual das teses, em nosso entendimento, colhe o apoio legal.
VI.3. O art° 68° do CIRC (a que hoje equivale o art° 73°, n° 2, alínea a) do mesmo diploma, na redacção dada pelo DL n° 159/2009, de 13 de Julho que alterou e republicou o mesmo Código), estabelecia nos seus n°s 2, alínea a) e 7, respectivamente, o seguinte:
2 – Considera-se cisão a operação pela qual:
a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca um ou mais ramos da sua actividade, mantendo pelo menos um dos ramos de actividade, para com eles constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para os fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes sejam atribuídas;”
7 - O regime especial estatuído na presente subsecção aplica-se às operações de fusão e cisão de sociedades e de entrada de activos, tal como são definidas nos n°s 1 a 3, em que intervenham:
a) Sociedades com sede ou direcção efectiva em território português sujeitas e não isentas de IRC, cujo lucro tributável não seja determinado pelo regime simplificado;”
Temos então que a “cisão” de sociedades constitui uma operação pela qual uma sociedade separa do seu património alguns ou a totalidade dos seus elementos activos ou passivos para os integrar:
a) noutra ou noutras sociedades já constituídas;
b) noutra ou noutras sociedades a constituir.
Trata-se aqui de um figura jurídica prevista nas alíneas a) e c) do art° 118° do Código das Sociedades Comerciais e também no art° 2°, alínea b) da Directiva 90/434/CEE, do Conselho de 23 de Junho de 1990, que estabelecem, respectivamente o seguinte:
“1. É permitido a uma sociedade:
a) Destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade;
b) Dissolver-se e dividir o seu património, sendo cada uma das partes resultantes destinada a constituir nova sociedade;
c) Destacar partes do seu património ou dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade.
2. As sociedades resultantes da cisão podem ser de tipo diferente do da sociedade cindida “.
“Para efeitos da presente Directiva, entende-se por.
«Cisão»: a operação pela qual uma sociedade transfere, na sequência e por ocasião da sua dissolução sem liquidação, o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para duas ou mais sociedades já existentes ou novas, mediante a atribuição aos seus sócios, de acordo com uma regra de proporcionalidade, de títulos representativos do capital social das sociedades beneficiárias da entrada, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal ou, na ausência de valor nominal, do valor contabilístico desses títulos”.
Os elementos essenciais da cisão são os seguintes: (Seguimos aqui Luís Manuel Teles de Menezes Leitão - Fusão, cisão de sociedades e figuras afins, Revista Fisco n° 57, Setembro de 1993, págs. 18 e segs.)
a) Negócio jurídico de cisão,
b) Transmissão de bens determinados ou, no caso de cisão total, do património a título universal “pro quota”;
c) Manutenção da garantia patrimonial os credores;
d) Contraprestação em acções ou noutros títulos de participação social.
Por sua vez, constituem modalidades da cisão as seguintes:
a) cisão simples - em que se destaca parte do património de uma sociedade para com ela se constituir outra sociedade;
b) cisão-dissolução - em que se dissolve e divide o património de uma sociedade, sendo cada uma das partes resultantes destinadas a constituir uma nova sociedade;
c) cisão-fusão - em que se destacam ou dissolvem partes do património, dividindo o património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedade já existentes ou com partes do património de outras sociedades separadas por idênticos processos e com igual finalidade.
No caso dos autos, em face do n° 2° b. do probatório, estamos perante uma cisão-fusão, uma vez que da G………, foram destacadas unidades económicas que igualmente foram incorporadas na H……… e na B………, sendo certo que se exige que as partes de património objecto de transmissão mereçam sempre a consideração própria como ramo de actividade, enquanto conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, isto é, um conjunto de elementos capaz de funcionar pelos seus próprios meios. (Processo 330/2007, Despacho de 2008.01.30 do Subdirector-Geral dos Impostos.)
Então estão verificados os requisitos previstos no citado art° 67°, n° 2, alínea a) do CIRC, salvo o da atribuição aos sócios da sociedade cindida de participações na sociedade beneficiária.
Será que esta atribuição constitui requisito para aplicação do regime de neutralidade fiscal constante dos art°s 67° a 72° do CIRC (hoje art°s 72° a 79°)?
Vejamos.
VI.4. No Relatório de Inspecção parcialmente transcrito no facto 12° do probatório ficou escrito que “às operações de cisão-fusão descritas não é aplicável o regime de neutralidade fiscal, previsto nos art° 67° e seguintes do código do IRC, dado que nos termos das alíneas a) e b) do n° 2 do referido art° 67°, exige-se sempre “a atribuição aos sócios de partes representativas de capital social das sociedades beneficiárias”. Com efeito, verifica-se que, contrariamente ao que sucedeu para a fusão, dado o disposto na al. c) do n° 1 do art°. 67° do código do IRC, o legislador não previu para a hipótese de cisão-fusão a situação de a sociedade beneficiária ser detentora da totalidade das partes representativas do capital social da sociedade cindida, caso em que não se verificava essa relação de troca de participações (cfr artigos 120° e 116° do Código das Sociedades Comerciais)”.
Será assim?
VI.5. Na redacção inicial do CIRC, aprovado pelo DL n° 442-B/88, de 30 de Novembro, o art° 62°, n° 1, estabelecia o seguinte:
1 - À fusão e cisão de sociedades com sede ou direcção efectiva em território português é aplicável o regime estabelecido neste artigo desde que se verifiquem as seguintes condições:
a) A sociedade para a qual é transmitido o património das sociedades fundidas ou cindidas tenha sede ou direcção efectiva naquele território;
b) Os elementos patrimoniais activos e passivo objecto de transmissão sejam inscritos na contabilidade da sociedade mencionada na alínea anterior com os mesmos valores que tinham na contabilidade das sociedades fundidas ou cindidas;
c) Os valores referidos na alínea anterior sejam os que resultam da aplicação das disposições deste Código ou de reavaliações feitas ao abrigo de legislação de carácter fiscal.
O Decreto-Lei n° 123/91, de 2 de Julho, veio aditar ao mesmo artigo o nº 7, que passou a estabelecer o seguinte:
“É equiparada à fusão a operação pela qual uma sociedade transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade detentora dos títulos representativos do seu capital social”.
Por sua vez, o Decreto-Lei n° 198/2001, de 3 de Julho, que procedeu à revisão do CIRC, manteve no art° 67°, nº 1 a mesma redacção do art° 62° transcrito, mantendo também a redacção do n° 7. O Decreto-Lei n° 221/2001, de 7 de Agosto, deu nova redacção aos n°s 1 e 2 do art° 67°, os quais ficaram com a seguinte redacção:
1 - Considera-se fusão a operação pela qual se realiza:
a) A transferência global do património de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas; b) A constituição de uma nova sociedade (sociedade beneficiária), para a qual se transferem globalmente os patrimónios de duas ou mais sociedades (sociedades fundidas), sendo aos sócios destas atribuídas partes representativas do capital social da nova sociedade e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas;
c) A operação pela qual uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade (sociedade beneficiária) detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social.
2 - Considera-se cisão a operação pela qual:
a) Uma sociedade (sociedade cindida) destaca uma ou mais partes do seu património para com elas constituir outras sociedades (sociedades beneficiárias) ou para as fundir com sociedades já existentes, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas; b) Uma sociedade (sociedade cindida) é dissolvida e dividido o seu património em duas ou mais partes, sendo cada uma delas destinada a constituir um nova sociedade (sociedade beneficiária) ou a ser fundida com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro que não exceda 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas”.
É esta também a redacção do art° 73° do CIRC (equivalente aquele art° 67°), após a revisão do mesmo Código pelo Decreto-Lei n° 159/2009, de 13 de Julho.
VI.6. Pelo que ficou dito, até à alteração operada pelo Decreto-Lei n° 132/92 no art° 67°, nem relativamente às sociedades fundidas, nem relativamente às sociedades cindidas, se relevava o facto de, eventualmente, as sociedades beneficiárias serem detentoras da totalidade do capital das sociedades fundidas ou cindidas.
Foi este diploma que, ao aditar o n° 7, veio determinar que: “É equiparada à fusão a operação pela qual uma sociedade transfere o conjunto do activo e do passivo que integra o seu património para a sociedade detentora da totalidade dos títulos representativos do seu capital social”.
Todavia, quanto à cisão de sociedades, não existe norma expressa equivalente àquela, nem existe também nenhuma norma que mande aplicar à cisão o disposto no mesmo nº 7.
Será então que o legislador quis, neste caso, afastar o regime de neutralidade quando, num caso como o dos autos, não houvesse atribuição de participações?
VI.7. No n° 11 do Decreto Preambular que aprovou o CIRC — Decreto-Lei n° 442-B/88 -, escreveu-se o seguinte:
“Outra área em que se faz sentir a necessidade de a fiscalidade adoptar uma postura de neutralidade é a que se relaciona com as fusões e cisões de empresas. É que a reorganização e o fortalecimento do tecido empresarial não devem ser dificultados, mas antes incentivados, pelo que, reflectindo, em termos gerais, o consenso que ao nível da CEE, tem vindo a ganhar corpo neste domínio, criam-se condições para que aquelas operações não encontrem qualquer obstáculo fiscal à sua efectivação desde que, pela forma como se processam, esteja garantido que apenas visam um adequado redimensionamento das unidades económicas.”
Por sua vez, o Decreto-Lei n° 123/92, de 2 de Julho, que veio alterar o regime das fusões e cisões, na sequência da Directiva 90/434/CEE, de 23.07.1990, manteve este entendimento quando se escreveu no respectivo Preâmbulo: “Quanto à Directiva sobre fusões e cisões são preocupações de neutralidade fiscal que norteiam as disposições constantes da mesma e que já haviam sido acolhidas no CIR, quanto às fusões e cisões entre sociedades residentes em território português.
Assim, no essencial, estende-se às fusões e cisões entre sociedades de diferentes Estados-membros das Comunidades Europeias o regime que já estava estabelecido para as fusões e cisões internas.”
A Directiva 90/434/CEE, acima referida, vincou também nos seus considerandos iniciais que “as fusões, as cisões, as entradas de activos e as permutas de acções entre sociedades de Estados-membros diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo a realização e o bom funcionamento do mercado comum; que essas operações não devem ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-membros; que importa, por conseguinte, instaurar, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência, a fim de permitir que as empresas se adaptem às exigências do mercado comum, aumentem a sua produtividade e reforcem a sua posição concorrencial no plano internacional”.
E refere-se ainda na mesma Directiva que o regime fiscal comum deve evitar a tributação das fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções, salvaguardando os interesses financeiros do Estado da sociedade contribuidora ou adquirida, já que o resultado das operações de fusão, cisão e entradas de activos será normalmente quer a transformação da sociedade contribuidora em estabelecimento estável da sociedade beneficiária da entrada quer a afectação dos activos a um estabelecimento estável desta última sociedade.
E, assim, o regime de adiamento, até à sua realização efectiva, da tributação das mais-valias relativas aos bens transferidos, aplicado aos bens que estejam afectos a esse estabelecimento estável, permite evitar a tributação das mais-valias correspondentes, garantindo ao mesmo tempo a sua tributação posterior pelo Estado da sociedade contribuidora, no momento da sua realização.
Por outro lado, a atribuição, aos sócios da sociedade contribuidora, de títulos da sociedade beneficiária ou adquirente não deve, por si só, originar qualquer tributação desses sócios.
Significa isto então que essas operações não devem ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-membros, a fim de não prejudicar a concorrência e permitir o regular funcionamento de um saudável mercado interno.
VI.8. No caso dos autos está provado que a cisão operada na recorrida teve por objecto a reorganização da estrutura societária do D……… (v. factos 2° a 5° do probatório).
Ora, sendo certo que existiu transferência de património da sociedade cindida para a beneficiária, sem aumento de capital nesta e diminuição de capital naquela, a verdade é que, como resulta do Relatório de Inspecção (v. facto 12° do probatório), o património foi destacado pelo seu valor contabilístico, e registado com o mesmo valor na sociedade beneficiária.
De acordo com o n° 3 do art° 68° do CIRC, em vigor à data dos factos, é condição da aplicação do regime especial de neutralidade fiscal que os elementos patrimoniais objecto de transferência mantenham os mesmos valores que tinham na sociedade fundida ou cindida antes da realização da respectiva operação, situação que ocorre nos autos.
Acresce ainda que, a entender-se a ocorrência de uma diminuição de capital na sociedade cindida e a um aumento de capital na sociedade beneficiária, também esta situação estaria coberta pelo artigo citado, n° 6, onde se estabelece que quando a sociedade beneficiária detém uma participação no capital da sociedade fundida ou cindida, não concorre para a formação do lucro tributável a mais valia ou a menos-valia eventualmente resultante da anulação das partes de capital detidas naquelas sociedades em consequência da fusão ou da cisão.
Ora, se assim é quando há participação em parte do capital da cindida, por maioria de razão há-de tal ocorrer quando a beneficiária detém a totalidade do capital social da cindida.
Quer isto então dizer que, num caso como o dos autos, não constitui requisito da neutralidade fiscal na cisão-fusão, a atribuição aos sócios de participações sociais, até porque a sociedade beneficiária não teve qualquer mais valia com a transferência de parte do património da cindida para si, uma vez que este ficou com o mesmo valor contabilístico que tinha naquela.
Assim, a sociedade beneficiária verá diferida para mais tarde a tributação por eventuais mais-valias ou outros ganhos sujeitos a imposto decorrentes da operação de cisão-fusão.
O entendimento que se deixou expresso, no sentido de que a atribuição de participações aos sócios da sociedade cindida ou beneficiária não constitui requisito da neutralidade fiscal, sendo antes estabelecida em beneficio dos sócios, tem apoio na Directiva n° 75/855/CEE, de 9 de Outubro de 1978, cujo art° 10°, estabelece:
“1. Relativamente a cada uma das sociedades participantes na fusão, um ou mais peritos independentes destas, designados ou reconhecidos por uma autoridade judicial ou administrativa, examinarão o projecto de fusão eredigirão um relatório escrito, destinado aos accionistas. Contudo, a legislação de um Estado-membro pode prever a nomeação de um ou de vários peritos independentes para todas as sociedades participantes na fusão, se esta nomeação for feita por uma autoridade judicial ou administrativa, a pedido conjunto das sociedades. Estes peritos podem ser pessoas singulares ou colectivas ou sociedades, conforme dispuser a legislação de cada Estado-membro.
2. No relatório mencionado no n° 1, os peritos devem sempre declarar se, em sua opinião, a relação de troca de acções é justa e razoável. Esta declaração deve, pelo menos:
a) Indicar o método ou os métodos seguidos para a determinação da relação de troca proposta;
b) Indicar se tal ou tais métodos são adequados ao caso concreto e mencionar os valores a que cada um desses métodos conduz, emitindo parecer sobre a importância relativa concedida a esses métodos na determinação do valor fixado”.
Comentando esta disposição escreveu Carlos Baptista Lobo - Fiscalidade, n°s 26/27, pág. 33:
“Este preceito visa a protecção dos accionistas face às decisões da sociedade que se decidiu fundir. Sendo essencialmente dirigido à defesa dos accionistas minoritários, este preceito é útil para a compreensão do processo de fusão. Efectivamente, as participações sociais das sociedades beneficiárias correspondem à quota-parte que caberia ao accionista em caso de liquidação.
...É, portanto, neste enquadramento que se deve entender a posição dos sócios da sociedade fundida. De facto, tal como os credores e terceiros, os sócios devem ver a sua posição protegida face às decisões da sociedade cindida. E por essa razão que a Terceira Directiva refere explicitamente o seu objectivo fundamental: “protecção dos interesses dos sócios e terceiros”, prevendo que os sócios devam ser adequadamente informados (tendo o projecto de fusão um papel fundamental nesta matéria).
…No entanto, ainda não satisfeito, o legislador comunitário impôs a elaboração de relatórios adicionais, elaborados por peritos independentes. A função destes relatórios é determinar de forma objectiva e precisa se os accionistas ficam salvaguardados de forma justa e equitativa relativamente às participações sociais da sociedade beneficiária, atendendo aos activos e passivos que lhe são transferidos pela sociedade absorvida.”
Ainda sobre esta questão, escreve Joana Vasconcelos — A cisão de sociedades, pág. 20:
“Em resultado da atribuição directa das participações que caracteriza a cisão, os sócios da sociedade cindida participam no capital de todas as sociedades beneficiárias, nos precisos termos em que o faziam naquela, sendo a conservação da sua participação social originária garantida pela adequação da relação de troca (proporcionalidade quantitativa) e pela regra da repartição proporcional das referidas participações (proporcionalidade qualitativa), podendo esta, todavia, ser afastada de modo a permitir a distribuição dos próprios sócios ou de grupos de sócios pelas diversas sociedades beneficiárias, segundo combinações e equilíbrios diversos da composição originária da sociedade cindida”. Ora, quando alguma das sociedades intervenientes na fusão possua uma participação no capital da outra, determina o art° 104°, n° 3 do CSC que “Por efeito de fusão por incorporação, a sociedade incorporante não recebe partes, acções ou quotas de si própria em troca de partes, acções ou quotas na sociedade incorporada de que sejam titulares aquela ou esta sociedade ou ainda pessoas que actuem em nome próprio, mas por conta de uma ou de outra dessas sociedades”. Trata-se aqui de uma das três limitações do respectivo poder de voto consagradas neste preceito.
Deste modo sempre que, na cisão-fusão por incorporação, a sociedade beneficiária preexistente detenha uma qualquer participação no capital da sociedade cindida, não receberá «partes, acções ou quotas de si própria» em troca de tal participação, quer se trate de cisão total, quer de cisão parcial. Trata-se, conforme sublinha RAUL VENTURA – Fusão, Cisão e Transformação de Sociedades, pág. 130, de um corolário «dos princípios gerais que regem as acções (ou quotas) próprias», justificando-se tal solução por um desígnio de «evitar uma duplicação fictícia de parte do património» da sociedade beneficiária.
Podemos então concluir que a atribuição aos sócios da sociedade contribuidora (cindida) de partes representativas de capital da sociedade beneficiária não constitui um requisito que vise assegurar a neutralidade fiscal da operação de fusão ou cisão de sociedades, visando antes definir o que é uma operação de cisão e de fusão para efeitos fiscais.
Na verdade, os requisitos da cisão e da fusão para efeitos de neutralidade fiscal estavam fixados nos n°s 3 e 4 do artº 68° do CIRC, em vigor à data dos factos.
Temos então que, sendo o objectivo da lei, com a atribuição aos sócios da sociedade cindida de partes representativas do capital social da beneficiária, assegurar a protecção dos sócios da sociedade cindida e não o de assegurar a neutralidade fiscal da cisão ou fusão, essa protecção não se justifica nos casos em que, como sucede nos autos, a cindida é detida a 100% pela beneficiária da operação de cisão-fusão.
Pelo que ficou dito, improcedem as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.
VIII. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2011. - Valente Torrão (relator) - Dulce Neto – Lino Ribeiro.