Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01972/12.8BEBRG 01170/17
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
INSCRIÇÃO
PRÉDIO
MATRIZ PREDIAL
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
Sumário:I - A via dos artigos 134.º, n.º 3 do C.P.P.T. e 130.º, n.º 3 do C.I.M.I. (impugnação judicial) é a adequada a sindicar incorreções matriciais relativas a meros lapsos de escrita, erros materiais. Contudo, não serve já para corrigir o teor substantivo das inscrições matriciais, atinentes, por exemplo, à errada inscrição de uma dada natureza como prédio, daí que não estando tal previsto, a impugnação judicial não pode ser utilizada nas situações que extravasem aquele âmbito, devendo, a fim de determinar o meio processual adequado, classificar-se o ato em causa.
II - Dentro dos actos tributários, este acto, praticado pela Administração, ao abrigo de normas de direito público, com efeitos numa esfera individual e concreta é, sem dúvida, um acto administrativo. Por não determinar um montante a pagar pelo sujeito passivo, não é um acto de liquidação, de modo que, em função do exposto, a impugnação judicial não é aqui aplicável, nem por força da lei (pois que, como se disse, não está prevista para este tipo de situações) nem por natureza (pois que o ato em causa não comporta um ato de liquidação). Dada a natureza de ato administrativo, em matéria tributária, que não comporta a liquidação de um qualquer tributo, o meio processual adequado é a acção administrativa especial (como referido no artigo 97.º, n.º 1, al. p) e n.º 2 do CPPT.
III - A partir daqui, cumpre agora sopesar a possibilidade da convolação da presente impugnação judicial em acção administrativa especial, ao abrigo do preceituado nos artigos 98º nº 4 do CPPT e 97º nº 3 da LGT, verificando-se que, compulsada a petição inicial e analisando os argumentos invocados não se afigura que a improcedência da acção administrativa especial seja manifesta e a análise dos elementos presentes nos autos permite dizer que a petição é tempestiva à luz da nova forma processual, além de que vem pedida a declaração de ilegalidade do acto em causa (inscrição na matriz), com base na discordância com a classificação como prédio do aerogerador, ou seja, tal pretensão é compatível com a forma processual que se entende ser adequada, o que impõe a conclusão de que ocorreu erro na forma de processo e sendo possível a convolação em acção administrativa especial, ordenar-se a mesma, impondo-se ainda notar que, com esta nova realidade, a competência para representar em juízo a AT será do jurista designado pela Directora Geral da AT.
Nº Convencional:JSTA000P28496
Nº do Documento:SA22021111001972/12
Data de Entrada:10/25/2017
Recorrente:PARQUE EÓLICO DO .................., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Processo n.º 1972/12.8BEBRG (Recurso Jurisdicional) – 1170/17



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“Parque Eólico do .................., Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datado de 29-04-2013, que dispensou a produção da prova testemunhal arrolada e o Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 30-03-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por “Parque Eólico do ……………………, Lda.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a inclusão na matriz dos seguintes artigos urbanos, sitos na Freguesia 031114 Ruivães: (i) artigo ……, VPT € 118.080,00 (ii) artigo …….., VPT € 118.080,00.

A Recorrente “Parque Eólico do ……………, Lda.” formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

a. O recorrente não se conforma com o despacho interlocutório do meritíssimo Tribunal a quo que dispensou a produção da prova testemunhal arrolada;

b. O recorrente alegou factos essenciais para a apreciação das questões suscitadas na petição inicial que carecem de prova testemunhal, não existindo no processo os elementos necessários à apreciação daquela específica questão;

c. Nos termos do artigo 113.º do CPPT, o Juiz só pode dispensar a produção da prova testemunhal arrolada se concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária;

d. Nos presentes autos, e com vista à boa decisão da causa, impõe-se apreciar se relativamente aos aerogeradores do ora recorrente estão verificados os pressupostos que o princípio da equivalência ou benefício exige para que a imposição de IMI seja justificada, sendo certo que tal depende da verificação, em concreto, da circunstância de os aerogeradores (não) beneficiarem de quaisquer bens ou serviços públicos disponibilizados pelo município e decorrentes da atuação e da aplicação de receitas municipais (como seja rede pública de água, luz, gás, esgotos, iluminação, arruamentos, segurança, recolha de lixo ou resíduos, etc);

e. Tais factos são essenciais para a descoberta da verdade material e para a apreciação da questão jurídica subjacente porquanto a pedra angular da tributação do património e o seu critério legitimador é o princípio do benefício, traduzido numa lógica de equivalência ampla relativa à repartição dos custos sustentados com utilidades indivisíveis prestadas pelo município a beneficiários indeterminados;

f. Não existem no processo elementos necessários ou suficientes para conhecer a questão da violação do princípio da equivalência ou benefício que foi suscitada pelo ora recorrente sendo certo que essa questão é essencial para a boa decisão do pleito e para a descoberta da verdade material pois a sua procedência ditará a procedência total da ação;

g. Por outro lado, o recorrente alegou que os aerogeradores inscritos pela AT oficiosamente na matriz predial não podem ser considerados “prédios” para efeitos de inscrição na matriz e consequente tributação em IMI porque constituem meros equipamentos de produção de energia que, como tal, não se qualificam como “construções” para efeitos de subsunção no art. 2º nº1 CIMI.

h. Ora, impedir a demonstração das características técnicas dos componentes do aerogerador que permitem qualificá-lo como equipamento e não como “construção” significa violar o direito constitucional à prova previsto no art. 20º da CRP pois não existem nos autos elementos que permitam considerar verificado o facto constitutivo do direito alegado pelo recorrente.

i. O despacho que dispensou a produção da prova testemunhal arrolada que tinha como objetivo fazer prova sobre os benefícios municipais que os aerogeradores do recorrente auferem bem como sobre as características técnicas dos componentes do aerogerador para efeitos da sua qualificação ou não como “construção” nos termos do art. 2º nº1 CIMI, é ilegal por violação do art. 113º nº1 CPPT e do direito à prova constitucionalmente consagrado no art. 20º CRP uma vez que a prova pretendida pelo recorrente não é impertinente, dilatória ou inútil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, determinando-se a anulação do despacho que determinou a dispensa da produção da prova testemunhal arrolada, assim se fazendo a boa e costumada

JUSTIÇA!

Não foram produzidas contra-alegações neste domínio.

Por seu lado, a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira apresenta nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

Quanto à questão que contende com a inadequação do meio processual:
1.ª) - O objeto da presente impugnação é a incorreção da matriz predial, sendo que a mesma foi intentada na sequência da presunção de indeferimento tácito da reclamação das matrizes apresentada pela Impugnante, nos termos do preceituado no art. 130.º, n.º 3 do CIMI;
2.ª) - O pedido formulado nos presentes autos reconduz-se à anulação da inscrição na matriz dos prédios sub judice;
3.ª) - Como decorre da identificação do ato impugnado efetuada na própria PI revela-se imperioso concluir que estamos perante a impugnação de um ato que não comporta a apreciação da legalidade de qualquer ato de liquidação;
4.ª) - Em causa está um ato administrativo em matéria tributária e não um ato tributário ou de liquidação strito senso;
5.ª) - Joaquim Freitas da Rocha (ROCHA, Joaquim Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pp. 32 a 35.) distingue, de forma clarividente, atos tributários strito sensu (liquidação) e atos administrativos em matéria tributária e os meios de reação a uns e a outros;
6.ª) - Entende a jurisprudência que a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) para impugnar um ato em matéria tributária depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa - neste sentido vide Acórdão do STA de 22/04/2009, proferido no Processo n.º 01083/08;
7.ª) - No caso dos presentes autos, não é de aplicar o preceituado no art. 134.º, n.º 3 do CPPT, pois tal norma legal refere-se expressamente a situações de incorreção na inscrição do valor patrimonial – portanto, quando seja invocada a existência de erro material – e não àquelas em que, como sucede nos presentes autos, se pretenda a apreciação da qualificação jurídico-tributária de determinada realidade física - ou seja, quando o vício imputado seja de natureza substancial;

8.ª) - Nos presentes autos o que se discute é a concreta qualificação e natureza jurídica de uma determinada realidade física, mais concretamente saber se aquela deve ou não ser qualificada como prédio, e, assim sendo, não se nos afigura aplicável ao caso concreto o determinado no art. 134.º, n.º 3 do CPPT;

9.ª) - Na esteira dos ensinamentos do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa “nos casos em que o próprio art. 97.º do CPPT, que é a norma que contém o elenco global dos meios processuais tributários, utiliza a expressão «impugnação» para referenciar o meio processual adequado será de concluir que, mesmo que os atos impugnados não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, será de empregar o processo de impugnação e, nos casos em que não se refere especialmente o processo de impugnação como meio adequado e o ato não comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, será de utilizar a ação administrativa especial” (Jorge Lopes de Sousa, op. cit., vol. II, anotação 18.ª ao art. 97.º, pp. 53 e ss.);

10.ª) - O ato impugnado nos presentes autos não comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, mas também inexiste norma legal que expressamente preveja a impugnação judicial como o adequado meio de reação contra tal ato – neste sentido cfr. Acórdão do STA de 05/12/2012, proferido no Processo n.º 830/12;

11.ª) - O meio processual adequado para reagir do ato em crise é, não a impugnação judicial, mas o recurso contencioso/ação administrativa, como decorre do estabelecido no art. 97.º, n.ºs 1, alínea p) e 2 do CPPT – neste sentido vide Acórdão do STA de 20/05/2015, proferido no Processo n.º 0933/13, e Acórdão do STA de 22/04/2015, proferido no Processo n.º 0836/14;

12.ª) - A questão relativa ao meio processual adequado reveste-se de importância, porquanto reconduz-se à competência/legitimidade da representação da AT em juízo, pois, ao representante da Fazenda Pública compete nos tribunais tributários representar a administração tributária e, nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal; recorrer e intervir em patrocínio da Fazenda Pública na posição de recorrente ou recorrida; e praticar quaisquer outros actos previstos na lei (art. 15.º, n.º 1 do CPPT, e artigos 53.º a 55.º do ETAF);

13.ª) - Mas, no âmbito dos processos que correm os seus termos de acordo com o CPTA, o patrocínio judiciário e a representação em juízo faz-se nos termos do disposto no art. 11.º do CPTA, ou seja, tem competência para representar a AT no âmbito de uma ação administrativa o jurista designado nos termos do art. 11.º do CPTA e não o representante da Fazenda Pública;

14.ª) - O meio processual adequado para fazer valer em juízo os direitos e interesses legalmente protegidos da Impugnante seria a ação administrativa e a competência para representar em juízo a AT seria do jurista designado pela Diretora Geral da AT;
Quanto à questão de índole substancial:

15.ª) - A questão fulcral substancial consiste em saber se os aerogeradores podem ou não ser classificados como prédio urbano da categoria “Outros”, nos termos e para efeitos de inscrição na respetiva matriz e, consequentemente, para efeitos de incidência de IMI;

16.ª) - Para efeitos de IMI, o conceito de prédio consta do art. 2.º, n.º 1, do CIMI;

17.ª) - Para que uma determinada realidade física seja classificada como prédio, terá de, cumulativamente, reunir três elementos: físico; jurídico; e económico;

18.ª) - Do entendimento vertido pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis na Circular n.º 8/2013, emitida em 04/10/2013, à qual à Fazenda Publica incumbe aderir, cujo objetivo foi o de harmonização da atuação da AT acerca da avaliação e tributação em sede de IMI dos prédios que compõem os designados parques eólicos, foi ali estabelecido que a realidade designada por eólico é composta por aerogeradores assíncronos (torres eólicas), subestações (edifícios de comando), redes de cabos que ligam os primeiros aos segundos e respetivos acessos; cada aerogerador (torre eólica) e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, pelo que constituem prédios para efeitos do disposto no art. 2.º do CIMI; os prédios em causa são classificados como urbanos, nos termos do disposto no art. 4º do mesmo Código; atenta a sua natureza, os aerogeradores e as subestações são, nos termos do disposto no art. 6.º do CIMI, qualificados como prédios urbanos do tipo “Outros”, por não se subsumirem às outras espécies definidas de prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços ou terrenos para construção; os aerogeradores e as subestações são construções dotadas de independência funcional, e são avaliados de acordo com as regras tipificadas no n.º 2, do art. 46.º do CIMI;

19.ª) - Retira-se do teor da mencionada Circular que a sapata de betão e a estrutura tubular metálica são dotadas de autonomia funcional e, como tal, deve ser entendido que cada um dos aerogeradores constitui uma unidade autónoma que faz parte do Parque Eólico, podendo ser inscrito na respetiva matriz por ser realidade tributada na aceção do conceito de prédio, previsto no art. 2.º do CIMI, mantendo-se, em consequência, a inscrição oficiosa na matriz daquelas realidades físicas.
Assim sendo e como sempre farão V/ Excelências a acostumada JUSTIÇA!

A Recorrida “Parque Eólico do ………………, Lda.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

a. Nas suas Conclusões a Fazenda Pública circunscreve o objeto do recurso à sua discordância quanto à inadequação do meio processual empregue, por entender que o pedido formulado nos autos recorridos reconduz-se à anulação da inscrição na matriz de prédio urbano.
b. Porém, a sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter considerado que o meio processual empregue pela aqui Recorrida é o adequado, porquanto o artigo 134.º, n.º 3 do CPPT aplica-se a todas as situações em que tenha sido solicitada a correção da matriz predial por via de reclamação da matriz nos termos do artigo 130.º do CIMI e esta tenha sido indeferida ou não tenha sido decidida no prazo de 90 dias.
c. Quanto à questão de índole substancial, insurge-se a Fazenda Pública quanto à conclusão alcançada pelo Tribunal a quo – apesar de conforme à jurisprudência superior que vem sendo unânime e reiteradamente proferida.
d. O presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida que não merece qualquer censura e procede a uma adequada subsunção dos factos ao direito.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo o que é de lei e de JUSTIÇA!

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Impugnante do despacho interlocutório proferido em 29/04/2013 e da procedência do recurso interposto pela A.T., revogando-se a sentença em crise e ordenando-se a baixa dos autos ao TAF de Braga, a fim de apurar se se mostram verificados os pressupostos de que depende a convolação da presente impugnação em acção administrativa especial e, sendo caso disso, proceder-se à convolação e, após, seguir-se os trâmites próprios desta forma processual.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade do despacho de 29-04-2013, que dispensou a produção da prova testemunhal arrolada pela ali Impugnante e bem assim a pertinência da decisão datada de 30-03-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida pela aqui Recorrente relacionada com a inclusão na matriz dos seguintes artigos urbanos, sitos na Freguesia 031114 Ruivães: (i) artigo ……, VPT € 118.080,00 (ii) artigo …….., VPT € 118.080,00.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) A Comunidade dos ……… do Lugar de Espindo, representada pelo Conselho Directivo dos Baldios de Espindo celebrou com a Impugnante, em 01.10.2002 um contrato de cessão de exploração de alguns terrenos baldios – cf. doc. junto com a PI sob o n.º 3;

B) Actualmente, a impugnante é titular, na freguesia de Ruivães, do direito de exploração dos baldios inscritos na matriz predial rústica sob o art. ……. - cf. planta anexa ao doc. junto com a PI sob o n.º 4;

C) A Impugnante instalou 2 aerogeradores nos terrenos baldios objecto do seu direito de exploração na freguesia de Ruivães;

D) Os 2 aerogeradores visam exclusivamente a produção de energia eléctrica;

E) Cada um dos aerogeradores é constituído por três componentes: o rotor, o gerador e a torre de suporte;

F) Os 2 aerogeradores instalados em terrenos da freguesia de Ruivães foram inscritos pela Administração Fiscal, na matriz predial urbana do Distrito de Braga, Concelho de Vieira do Minho, freguesia de Ruivães sob o artigo urbano …… e …… - cf. docs. Juntos com a PI sob os n.ºs 1 e 2;

G) A Administração Fiscal avaliou os 2 aerogeradores da Impugnante (artigo ……. e …… da freguesia de Ruivães) nos termos do art. 46º nº 2 CIMI (método do custo) fixando o VPT de cada um em € 118.080.00 - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 1;

H) A impugnante paga mensalmente ao Município de Vieira do Minho o valor de 2,5% sobre a sua facturação mensal, nos termos do n.º 33 do anexo II do Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de maio;

I) A Impugnante pagou ao Município de Vieira do Minho, relativamente ao 4º trimestre de 2010, 1º, 2º e 3º trimestre de 2011, a renda de 2,5% sobre a facturação mensal à entidade receptora da energia eléctrica produzida, em cada instalação, nos termos do n.º 33 do anexo II do Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de maio, no valor de € 13.057,49 - cf. docs. juntos com a PI sob os n.ºs 4, 5, 6 e 7;

J) No dia 02.08.2012, a ora Impugnante apresentou, no Serviço de Finanças de Vieira do Minho, reclamação da matriz predial relativa ao artigo urbano …… e …… da freguesia de Ruivães – facto não controvertido;

K) A entidade competente (Serviço de Finanças de Vieira do Minho) não se pronunciou sobre essa reclamação nos 90 dias subsequentes;

L) A presente impugnação judicial visa a inscrição matricial dos prédios mencionados em F., com a consequente atribuição do VPT.


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FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem outros factos sobre os quais o Tribunal deva pronunciar-se, já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos.”

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade do despacho de 29-04-2013, que dispensou a produção da prova testemunhal arrolada pela ali Impugnante e bem assim a pertinência da decisão datada de 30-03-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida pela aqui Recorrente “Parque Eólico do …………….., Lda.” relacionada com a inclusão na matriz dos seguintes artigos urbanos, sitos na Freguesia 031114 Ruivães: (i) artigo ……., VPT € 118.080,00 (ii) artigo ……., VPT € 118.080,00.

No recurso apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira é posta em crise, por um lado, a matéria da adequação do meio processual, pois que o objecto da presente impugnação é a incorreção da matriz predial, sendo que a mesma foi intentada na sequência da presunção de indeferimento tácito da reclamação das matrizes apresentada pela Impugnante, nos termos do preceituado no art. 130.º, n.º 3 do CIMI e o pedido formulado nos presentes autos reconduz-se à anulação da inscrição na matriz dos prédios sub judice, ou seja, estamos perante a impugnação de um ato que não comporta a apreciação da legalidade de qualquer ato de liquidação, estando em causa um acto administrativo em matéria tributária e não um ato tributário ou de liquidação strito senso, sendo que o que se discute é a concreta qualificação e natureza jurídica de uma determinada realidade física, mais concretamente saber se aquela deve ou não ser qualificada como prédio, e, assim sendo, não é aplicável ao caso concreto o determinado no art. 134.º, n.º 3 do CPPT, o que significa que o meio processual adequado para reagir do acto em crise é, não a impugnação judicial, mas o recurso contencioso/acção administrativa, como decorre do estabelecido no art. 97.º, n.ºs 1, alínea p) e 2 do CPPT, verificando-se que a questão relativa ao meio processual adequado reveste-se de importância, porquanto reconduz-se à competência/legitimidade da representação da AT em juízo, pois, ao representante da Fazenda Pública compete nos tribunais tributários representar a administração tributária e, nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal; recorrer e intervir em patrocínio da Fazenda Pública na posição de recorrente ou recorrida; e praticar quaisquer outros actos previstos na lei (art. 15.º, n.º 1 do CPPT, e artigos 53.º a 55.º do ETAF), mas, no âmbito dos processos que correm os seus termos de acordo com o CPTA, o patrocínio judiciário e a representação em juízo faz-se nos termos do disposto no art. 11.º do CPTA, ou seja, tem competência para representar a AT no âmbito de uma acção administrativa o jurista designado nos termos do art. 11.º do CPTA e não o representante da Fazenda Pública, pelo que, o meio processual adequado para fazer valer em juízo os direitos e interesses legalmente protegidos da Impugnante seria a acção administrativa e a competência para representar em juízo a AT seria do jurista designado pela Directora Geral da AT.

E, por outro lado, em termos substanciais, a Recorrente coloca a questão de saber se os aerogeradores podem ou não ser classificados como prédio urbano da categoria “Outros”, nos termos e para efeitos de inscrição na respectiva matriz e, consequentemente, para efeitos de incidência de IMI, por referência ao disposto no art. 2º nº 1 do CIMI.

Nesta sequência, tendo presente o alcance das várias questões suscitadas nos autos, é manifesto que se impõe começar por apreciar a matéria relativa à adequação do meio processual, na medida em que é susceptível de colocar em crise todo o processado, ao contrário da matéria apontada pela Recorrente “Parque Eólico do ……………, Lda.” que tem como pano de fundo apenas a fase de instrução do processo.

Assim sendo, importa averiguar da bondade do exposto pela Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira quando defende que o meio processual adequado para reagir do acto em crise é, não a impugnação judicial, mas o recurso contencioso/acção administrativa, como decorre do estabelecido no art. 97.º, n.ºs 1, alínea p) e 2 do CPPT e, nesta sequência, a competência para representar em juízo a AT seria do jurista designado pela Directora Geral da AT.

Pois bem, neste domínio, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 18-04-2018, Proc. nº 0573/17, www.dgsi.pt, “… Relativamente à questão decidenda, o acórdão do S.T.A. de 12.05.2012, proferido no processo 0830/12, sumaria da seguinte forma:

“I – Da interpretação conjugada dos arts. 134.º, n.º 3, do CPPT e 130.º, n.º 3, do CIMI, resulta um alargamento quanto aos fundamentos do pedido de correcção nas inscrições matriciais que podem ter por base quaisquer erros materiais que afectam a veracidade de características previamente definidas e demais dados respeitantes aos imóveis a inscrever nas respectivas matrizes.

II – Não estamos perante uma situação de mero erro material com repercussão na veracidade da inscrições matricial, como é exigido pela análise conjugada dos preceitos atrás mencionados, se o que está em causa é um vício substancial, quanto à qualificação jurídica de duas parcelas, em resultado da eventual errónea interpretação e aplicação dos arts.º 3.º a 6.º do CIMI.

III – Estando em causa a impugnação judicial do despacho do órgão da administração fiscal, que indeferiu a inscrição de duas parcelas de terreno na matriz predial rústica, por considerar tratar-se de prédios urbanos, a situação não se enquadra em nenhuma daquelas para as quais o art. 97.º n.º 1, do CPPT prevê a impugnação judicial, e, porque não está em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação, o meio processual adequado é a Acção Administrativa Especial, regulada nos arts.º 46.º do CPTA.

IV – É de convolar a Impugnação Judicial em Acção Administrativa Especial, desde que a petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual e o pedido formulado e a causa de pedir sejam compagináveis com aquele meio processual, não impedindo a convolação o facto de o Tribunal não ser o territorialmente competente, atenta a regra do disposto no art. 16.º do CPTA.”

Da posição perfilhada por este aresto, e com a qual se concorda, retira-se que a via dos artigos 134.º, n.º 3 do C.P.P.T. e 130.º, n.º 3 do C.I.M.I. (impugnação judicial) é a adequada a sindicar incorreções matriciais relativas a meros lapsos de escrita, erros materiais. Contudo, não serve já para corrigir o teor substantivo das inscrições matriciais, atinentes, por exemplo, à errada inscrição de uma dada natureza como prédio.

Os artigos referidos não consagram meio impugnatório quanto a questões de fundo, que impliquem uma apreciação jurídica de determinada realidade, dizendo apenas respeito à correção de um número mal escrito, um lapso na identificação do prédio como rústico, quando inequivocamente é urbano, quando consta como proprietário pessoa diversa da que efetivamente deve constar da matriz, quando a morada está escrita com erro ortográfico, entre outros.

Daí que não estando tal previsto, a impugnação judicial não pode ser utilizada nas situações que extravasem aquele âmbito, devendo, a fim de determinar o meio processual adequado, classificar-se o ato em causa.

Assim, dentro dos atos tributários, este ato, praticado pela Administração, ao abrigo de normas de direito público, com efeitos numa esfera individual e concreta é, sem dúvida, um ato administrativo. Por não determinar um montante a pagar pelo sujeito passivo, não é um ato de liquidação.

Veja-se, quanto à natureza lesiva do ato que se analisa, o acórdão do mesmo tribunal de 27.11.2013, proferido no processo 01725/13:“Na verdade, aquele acto suspendendo não pode deixar de provocar uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, pois que lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IMI e nessa qualidade passa a estar sujeita a várias obrigações tributárias, desde as declarativas e acessórias, até à obrigação de imposto, nos termos do disposto nos arts. 18.º, n.º 3 e 31.º da LGT. Acrescendo que, a partir do momento em que a realidade física (aerogerador) aqui em causa está inscrita como prédio na matriz para efeitos fiscais, até os negócios relativos à sua transmissão se encontrem sujeitos a IMT/Imposto Selo.

A questionada inscrição da dita realidade física constituída pelo aerogerador, na matriz como prédio urbano, determina, portanto, lesividade efectiva e actual e não simplesmente hipotética, sendo que, como salienta o MP, dificilmente se compreenderia, também, que o legislador permitisse a sindicância directa e imediata (por via graciosa/contenciosa) de meras irregularidades materiais das matrizes e não de erros de qualificação das realidades inscritas, oficiosamente, nas mesmas matrizes, com imediata repercussão na esfera jurídica dos contribuintes.”.

Por ser deste modo, a impugnação judicial não é aqui aplicável, nem por força da lei (pois que, como se disse, não está prevista para este tipo de situações) nem por natureza (pois que o ato em causa não comporta um ato de liquidação). Dada a natureza de ato administrativo, em matéria tributária, que não comporta a liquidação de um qualquer tributo, o meio processual adequado é a ação administrativa especial (como referido no artigo 97.º, n.º 1, al. p) e n.º 2 do C.P.P.T.). …”.


Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, o que significa que, in casu, o meio processual adequado não é a impugnação judicial a que a aqui Recorrida “Parque Eólico do …………, Lda.” lançou mão, mas sim, ao invés, a acção administrativa especial, regulada nos artigos 46.° e seguintes do CPTA de 2002, versão em vigor à data da entrada em juízo da impugnação judicial
A partir daqui, cumpre agora sopesar a possibilidade da convolação da presente impugnação judicial em acção administrativa especial, ao abrigo do preceituado nos artigos 98º nº 4 do CPPT e 97º nº 3 da LGT.
O erro na forma do processo ocorre sempre que o processo utilizado não é o adequado à tutela de determinado direito. Como o C.P.P.T. não inclui o erro na forma do processo entre as nulidades que os artigos 98º e 165º consideram insanáveis, importa atentar na possibilidade de convolação da petição de impugnação judicial em petição de acção administrativa especial, através da análise da sua estrutura, pedido e tempestividade.

Ora, dispõe o artigo 193º, nº 1, do C.P.C. (aqui aplicável por força do disposto no artigo 2º do C.P.P.T.), que o erro na forma do processo importa, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida na lei.

A jurisprudência do S.T.A. tem vindo a entender que a convolação só será admitida quando não seja manifesta a improcedência ou intempestividade do meio processual para que se convola (vide Acórdãos de 04.06.2008, recurso n.º 076/08 e de 03.08.2009, recurso n.º 142/09). Tal entendimento justifica-se à luz do princípio da economia processual que está subjacente à convolação e é princípio geral do processo civil (artigo 137º do C.P.C.).

Compulsada a petição inicial e analisando os argumentos invocados não se afigura que a improcedência da acção administrativa especial seja manifesta.

No que concerne à tempestividade, a acção administrativa especial deve ser intentada, de acordo com o artigo 58º, n.º 2, al. b) do C.P.T.A., no prazo de três meses contados da notificação do ato a impugnar.

Tendo presente que no dia 02-08-2012, a ora Impugnante apresentou, no Serviço de Finanças de Vieira do Minho, reclamação da matriz predial relativa ao artigo urbano …… e …… da freguesia de Ruivães, sendo que a entidade competente (Serviço de Finanças de Vieira do Minho) não se pronunciou sobre essa reclamação e que a petição subjacente aos presentes autos deu entrada em Tribunal em 28-11-2012, tem de entender-se que a petição é tempestiva à luz da nova forma processual.

Por fim, importa aferir da compatibilidade da causa de pedir e do pedido com a acção administrativa especial. Porque vem pedida a declaração de ilegalidade do acto em causa (inscrição na matriz), com base na discordância com a classificação como prédio do aerogerador, considera-se que o mesmo é compatíveis com a forma processual que se entende ser adequada, de modo que, há que concluir ter ocorrido erro na forma de processo e sendo possível a convolação em acção administrativa especial, ordenar-se a mesma, impondo-se ainda notar que, com esta nova realidade, a competência para representar em juízo a AT será do jurista designado pela Directora Geral da AT.

Tal significa que o recurso apresentado pela Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira tem de proceder no que diz respeito à matéria da adequação do meio processual, impondo-se a convolação dos autos de impugnação judicial em acção administrativa especial, determinar a anulação de todos os actos processuais praticados posteriormente à apresentação da petição inicial, a qual é de aproveitar, ficando prejudicado o conhecimento do mais apontado pela aludida Recorrente AT bem como a apreciação do recurso interposto por “Parque Eólico do …………., Lda.”.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira no domínio apontado, impondo-se a convolação dos autos de impugnação judicial em acção administrativa especial e determinar a anulação de todos os actos processuais praticados (incluindo a decisão recorrida) posteriormente à apresentação da petição inicial, a qual é de aproveitar, ficando prejudicado o conhecimento do mais apontado pela aludida Recorrente AT bem como a apreciação do recurso interposto por “Parque Eólico do ...................., Lda.”.

Custas pela Recorrida “Parque Eólico do ............., Lda.”.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.