Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0289/05.9BELRS
Data do Acordão:01/17/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:EXONERAÇÃO DE GESTOR PÚBLICO
AUSÊNCIA
ACTO EXPRESSO
ACTO IMPLÍCITO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24100
Nº do Documento:SA1201901170289/05
Recorrente:A... E ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………., intentou no TAC de Lisboa a presente acção administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS e o HOSPITAL DE SANTA MARIA (agora, CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE E.P.E), pedindo a condenação dos Réus no pagamento solidário da quantia de 252.084,22€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, devida pela rescisão do mandato pelo Autor com justa causa ou, subsidiariamente, ao pagamento solidário da quantia de 172.767,59€ acrescida das remunerações que se vierem a vencer até à data do despacho de exoneração do Autor e ainda dos juros de mora, a título de indemnização por responsabilidade extracontratual, nos termos do artigo 2º do DL nº 48051, de 21/11/1967.


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O TAC de Lisboa, por Acórdão datado de 27.02.2007 absolveu os Réus do pedido.

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Inconformado, o Autor interpôs recurso para o TCA Sul que, por Acórdão datado de 09.11.2017, julgou a causa parcialmente procedente e condenou os Réus nos seguintes termos:

«(…) Acordam (…) em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida com fundamento no erro de julgamento de Direito e, em substituição, conceder parcial provimento à ação administrativa, julgando-se procedente, por provado, o pedido de condenação dos Réus ao pagamento ao Autor das retribuições entre junho e 8 de novembro de 2004 e da indemnização devida nos termos do nº 1 do artigo 9º do DL nº 188/2003, de 20/08 e do nº 2 do artigo 6º do DL nº 464/82, correspondente aos ordenados vincendos até ao final do mandato, em 3 de novembro de 2006, quantias essas atualizadas nos anos de 2005 e 2006, em face dos valores à data fixados, acrescidas de juros legais, desde 18/01/2006 até 02/03/2006, deduzidas todas as quantias já pagas ao Autor, e em julgar improcedente todo o demais peticionado, respeitante à privação de uso de viatura e aos danos não patrimoniais sofridos, assim como o pedido subsidiário deduzido pelo Autor.».


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Deste Acórdão foram interpostos dois (2) recursos, um pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em representação do Estado Português, e o outro por A…………, sendo que este último limita o seu objecto à questão do modo de cálculo dos juros de mora.

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O M.P. alegou tendo formulado as seguintes conclusões:

«A- O presente Recurso de Revista, vem interposto, nos termos do artigo 150º do CPTA, do douto Acórdão proferido a 9 de Novembro de 2017, nos autos atrás identificados, na parte em que julgou parcialmente procedente o recurso jurisdicional interposto pelo Autor A…………., da sentença que havia sido proferida pelo então TAF-Lisboa 2, a 27 de Fevereiro de 2007 e que julgou totalmente improcedente a Acção, no âmbito da qual o Autor peticionava a condenação dos Réus, Estado Português, representado pelo Ministério Público e Hospital de Santa Maria a, solidariamente, pagarem a quantia de 252 084,22€ acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, devida pela rescisão do mandato pelo Autor com justa causa ou, subsidiária e solidariamente a pagarem a quantia de 172.767,59€ acrescida das remunerações que se vierem a vencer até à data do despacho de exoneração do Autor e dos juros de mora, a título de indemnização por responsabilidade extracontratual nos termos do artigo 2º do DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, tendo sido o ora Recorrente absolvido dos pedidos, quer a título principal, quer a título subsidiário.

B- O douto Acórdão recorrido revogou parcialmente a decisão da primeira instância e substituiu-a por outra, julgando procedente, por provado, o pedido de condenação do Recorrente ao pagamento ao Autor das retribuições entre Junho e 8 de Novembro de 2004 e da indemnização devida nos termos do nº 1 do artigo 9º do DL nº 188/2003, de 20 de Agosto e do nº 2, do artigo 6º do DL nº 464/82, correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas nunca superior ao vencimento anual, até ao final do mandato, cuja data apurada é 3 de Novembro de 2006, quantias essas actualizadas nos anos de 2005 e 2006, em face dos valores à data fixados, acrescidas de juros legais, desde 18/01/2006 até 02/03/2006, deduzidas todas as quantias já pagas ao Autor, pois entendeu, em síntese, que:

C- I. A nomeação de outros vogais para o Conselho de Administração do Hospital não permite fundar o ato implícito de exoneração do Autor como vogal executivo desse Conselho de Administração, pois as nomeações de outros vogais não são, nem de facto nem de Direito, impeditivas da manutenção da nomeação do Autor, em face do disposto no artigo 5º, nº 2 do DL nº 188/2003, de 20/08, que permite que o Ministro da Saúde pode determinar que, "em situações excepcionais, dada a complexidade, dimensão e volume de recursos a gerir, o conselho de administração integre mais dois vogais executivos".

II. Esses atos de nomeação de outros vogais não dizem directamente respeito à pessoa do Autor, nada relevando para a sua esfera jurídica, ainda que de forma indirecta ou implícita, por se tratarem de factos cujos efeitos jurídicos não se podem projetar na esfera jurídica de terceiros.

III. Ter um dos novos vogais passado a ocupar o gabinete de trabalho do Autor também não permite fundar o ato implícito de exoneração do Autor, por estar em causa uma mera operação material sem capacidade de produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica do Autor.

IV. O facto de o Autor a partir de certa data não mais despachar qualquer assunto e se ter despedido dos funcionários do Hospital, também não constituem atos jurídicos, antes meras condutas de facto imputáveis ao Autor e não a qualquer dos Réus na ação, a quem cabe a competência para a definição da situação jurídica do Autor.

V. Não se repercutindo na esfera jurídica do Autor nenhum dos atos jurídicos ou materiais invocados, os quais não tem aptidão para definir a situação jurídica do Autor, não produzindo efeitos jurídicos na sua situação individual e concreta, não existe qualquer ato expresso em que se possa fundar o ato implícito.

VI. O Hospital de Santa Maria é um instituto público, na modalidade de “estabelecimento público”, segundo o artigo 2º, nº1, al. a) da Lei nº 27/2002, de 08/11, à data aplicável, que aprova o regime jurídico da gestão hospitalar.

VII. Ao Autor, nomeado vogal executivo do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria pelo Ministro da Saúde é aplicável o estatuto do gestor público aprovado pelo DL nº 464/82, de 09/12, por ser o vigente à data dos factos, conforme o disposto no artigo 8º, nº 1 do DL nº 188/2003, de 20/08, diploma que se aplica aos hospitais do sector público administrativo (SPA) integrados na rede de prestação de cuidados de saúde, referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do regime jurídico da gestão hospitalar, aprovado pela Lei 27/2002, de 8 de Novembro.

VIII. Nos termos dos artigos 2º, nºs 1 e 3 do DL nº 464/82, de 09/12, a nomeação do gestor público envolve a atribuição de um mandato para o exercício das funções pelo prazo constante dos estatutos da empresa, sendo que, no silêncio da lei orgânica e dos estatutos, o mandato dos gestores públicos tem a duração de 3 anos contados a partir da data da nomeação e cessa na data em que tomarem posse os gestores designados após o decurso do triénio, se o despacho da nomeação não fixar ao mandato do gestor público prazo mais curto.

IX. Nos termos do artigo 3º nº 3 do citado DL nº464/82, de 09/12, em tudo o que não for ressalvado expressamente no presente diploma aplicam-se, ao regime do mandato, as disposições constantes da lei civil para o contrato de mandato.

X. Como decorre dos nºs 1 e 2 do artigo 6º do DL nº 464/82, de 09/12, sem embargo de o gestor público poder ser exonerado livremente pelas entidades que o nomearam, com fundamento em mera conveniência de serviço, se a exoneração não se fundamentar no decurso do prazo, em motivo justificado ou na dissolução do órgão de gestão, ela dará lugar a indemnização.

XI. Subsumindo-se o caso à exoneração por mera conveniência de serviço, a lei prevê a atribuição do direito a uma indemnização de valor correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas não superior ao vencimento anual do gestor, nos termos do nº 2 do artigo 6º do DL nº464/82, de 09/12 e do nº 1 do artigo 9º do DL nº 188/2003, de 20/08.

XII. Tal indemnização corresponde ao valor global de todos os vencimentos que o Autor teria direito até ao termo do seu mandato, de modo a ser colocado na situação em que estaria se tivesse cumprido o mandato até ao fim.

XIII. Não tendo a exoneração assentado na invocação de quaisquer motivos desabonatórios, injustos e indevidos relativos ao exercício do cargo, nem contra o Autor ter sido dirigida qualquer tipo de censura, de modo a que possa objetivamente fundar os danos não patrimoniais sofridos, estando antes em causa uma situação em que o Autor deve contar que pode existir uma exoneração a todo o tempo e sem motivo, por mera conveniência de serviço, os danos sofridos devem-se mais a fatores subjectivos, pessoais e próprios do Autor, do que decorrentes de uma atuação objetivamente lesiva.

D- Dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto dada como assente, a qual corresponde aos factos provados na sentença proferida na 1ª Instância e com relevância para a decisão.

E- Constitui objecto do presente recurso o saber se foi proferido acto administrativo, implícito de exoneração e se o ora Recorrido já foi integralmente ressarcido, nos termos da legislação aplicável contrariamente ao entendimento expendido no douto Acórdão.

Salvo o devido respeito e melhor opinião, entende-se que o douto Acórdão deve ser revogado e o Recorrente absolvido da totalidade do pedido.

F- O artigo 150º nº 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Estamos perante um contencioso que envolve o Estado Português, colocando-se frequentemente estas questões, estando em causa relevantes interesses públicos e económicos, sendo crucial a sua apreciação, por subsistirem dúvidas no seu tratamento, (neste sentido é bem sintomático o voto de vencido subscrito por um dos Exmºs Senhores Juízes-Adjuntos), sendo de salientar a utilidade que a Revista pode vir a ter noutras situações semelhantes para delimitar a interpretação a dar aos preceitos invocados e ofendidos.

A jurisprudência desse Venerando Tribunal tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental exigida pelo artigo 150º nº 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja um grau de relevância fundamental, como é o caso.

Também de acordo com a mesma jurisprudência, o preenchimento do conceito (indeterminado) da relevância jurídica fundamental, verifica-se, designadamente também, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e conjugação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

E tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos.

Por outro lado, trata-se de situações que podem desencadear graves prejuízos e indemnizações avultadas, pelo que importa determinar o que como tal deve ser qualificado como indemnizável e em que termos.

Acresce, ainda, salvo sempre o devido respeito, que o douto Acórdão recorrido se perfila como juridicamente insustentável, em termos de poder qualificar-se como susceptível de integrar um “erro flagrante de interpretação de direito”, o que torna a decisão injusta para o Réu/Recorrente.

Deste modo, impõe-se a intervenção desse Venerando Tribunal, o que se reputa de fundamental, fixando, assim, uma interpretação que assegure a melhor aplicação e certeza do direito.

G- De acordo com os factos dados como provados e a que se alude em I, temos para nós que foi proferido acto administrativo, implícito, de exoneração.

H- Na verdade, na ausência de acto expresso de exoneração, conclui-se que foram nomeados novos vogais do Conselho de Administração, quando ainda decorria o período de exercício do mandato do Recorrido e que a vontade do órgão com competência para a nomeação e a exoneração, foi a de fazer cessar o mandato do Recorrido, pela impossibilidade da sua coexistência.

I- E se é certo que o artigo 5º, nº 2 do DL nº 188/2003 admita que o Ministro da Saúde possa determinar, em situações excepcionais, o conselho de administração integre mais dois vogais executivos, todavia, tal não resulta nos autos que tenha sucedido.

J- “Só pode entender-se existir um acto administrativo implícito, quando ocorrer univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos não expressamente enunciados e, portanto, quando existe um nexo individual entre uns e outros desses efeitos” (neste sentido, cfr. Acórdão do STA, de 18.12.2002, 2ª Subsecção do Contencioso Administrativo, entre outros).

K- A noção de acto implícito pode extrair-se do Acórdão do STA, Proc. 010123, o qual, na sua conclusão II, reza que: “A vontade integrante de um acto administrativo pode manifestar-se através da prática de outro acto administrativo ou de factos dos quais necessariamente se deduza, verificando-se um acto implícito”.

L- E no caso em apreço, diante da matéria de facto dada como provada, não subsistem dúvidas de que houve um acto implícito de exoneração do Recorrido, com efeitos a partir de 1 de Junho de 2004, pois que foi inequívoco para todos, incluindo o Recorrido, a sua destituição de funções a partir do momento em que os novos vogais do Conselho de Administração tomaram posse no dia 1 de Junho de 2004, não existindo, em consequência a manutenção da relação do mandato, após 1 de Junho de 2004.

M- Daí que não seja despiciendo, e assumindo toda a relevância, afirmar, por um lado, os actos expressos de nomeação de todos os membros do Conselho de Administração que tomaram posse no dia 1 de Junho de 2004 (fls. 255 e seguintes dos autos).

N- Por outro lado, a partir da sobredita data registou-se a ocupação do gabinete de trabalho do Recorrido, pelo novo Vogal nomeado, sendo que o mesmo (Recorrido), nesse mesmo dia já não despachou qualquer assunto, pois sabia que de tarde ocorreria a posse do novo Conselho de Administração, tendo-se até despedido da pessoa que o secretariava e de outros colaboradores.

O- E o Recorrido também já foi integralmente pago/ressarcido nos termos da legislação aplicável.

P- As indemnizações a atribuir aos vogais do Conselho de Administração, em relação aos quais ocorreu a cessação de funções, são as referidas no artigo 9º, nº 1 do Decreto-Lei nº 188/2003, nos termos do qual terão direito a uma indemnização no valor das remunerações que perceberiam, caso não se desse a exoneração, até ao termo do mandato, existindo, contudo, um limite máximo de indemnização, que é o total das retribuições que seriam percebidas num ano.

Q- A tal não obsta o facto de o artigo 8º, nº 1 do DL nº 188/2003, de 20 de Agosto, mandar aplicar o estatuto do gestor público, aprovado pelo DL nº 464/82, de 9 de Dezembro, aos vogais executivos, dado que esse artigo deve entender-se em conjugação com as demais disposições do DL nº 188/2003, designadamente o artigo 9º, nº 1.

R- Acresce, que a mesma solução restaria sempre do próprio estatuto do gestor público (artigos 6º, nº 2 e 6, do DL nº 464/82), sendo também a solução da Lei nº 3/2004 (artigo 20º, nºs 4 e 5).

S- Posto isto, no caso concreto e da matéria vertida no douto Acórdão e respectiva fundamentação, não deve haver lugar à condenação do Recorrente ao pagamento ao Autor das retribuições entre Junho e 8 de Novembro de 2004 e da indemnização devida nos termos do nº 1 do artigo 9º do DL nº 188/2003, de 20 de Agosto e, do nº 2 do artigo 6º do DL nº 464/82, correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas nunca superior ao vencimento anual, até ao final do mandato, cuja data apurada é 3 de Novembro de 2006, quantias essas actualizadas nos anos de 2005 e 2006, em face dos valores à data fixados, acrescidas de juros legais, desde 18/01/2006 até 02/03/2006, deduzidas todas as quantias já pagas ao Autor. (Recorrido).

T- Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, o douto Acórdão recorrido ao decidir no sentido em que o fez, encerra de erro de direito ou de julgamento, assim como da sua subsunção do direito aos factos provados, nomeadamente com ofensa e erro de interpretação e aplicabilidade das disposições legais que ali vêm apontadas e que aqui se dão por reproduzidas.

U- Termos em que, deve ser revogado e substituído por outro que julgue a acção totalmente improcedente e não provada e absolva o Réu/Estado Português da totalidade do pedido, nos termos expendidos».


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Por seu turno, A…………. no recurso que interpôs, concluiu as suas alegações da seguinte forma:

«1. O objeto do presente recurso restringe-se unicamente ao direito que enformou o douto acórdão recorrido na decisão de condenação em juros de mora, concretamente quanto ao limite temporal de fixação dos mesmos.

2. A pronúncia emitida no douto acórdão recorrido relativamente ao pedido de condenação nos juros de mora, encontra-se inquinada de erro grosseiro, pelo que a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e boa administração da justiça.

Efetivamente,

3. O Autor formulou na respetiva P.I. pedido de condenação dos Réus no pagamento de indemnização acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculada à taxa legal, desde 08/11/2004 até integral e efetivo pagamento (cfr. p.i. a fls. 1 a 21 dos autos).

4. O douto acórdão recorrido entendeu, e bem, que o Autor formulara tal pedido na petição inicial.

5. Contudo, alicerçado em erro grosseiro, entendeu também o douto acórdão recorrido que, no decorrer da ação principal, o Autor, alterou o pedido de condenação no pagamento dos juros de mora, designadamente, no seu requerimento a fls. 392 dos autos, «sendo pedido esse pagamento de juros desde 18/01/2006 a 02/03/2006.»

6. Por virtude disso, o douto acórdão recorrido apenas condenou os Réus a pagar ao Autor a indemnização nele fixada, correspondente ao montante das retribuições que o Autor mesmo deveria ter auferido se cumprisse o mandato, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, calculados sobre as referidas datas de 18/01/2006 a 02/03/2006.

7. Ora, esta pronúncia encontra-se inquinada de erro ostensivo e claramente grosseiro atendendo a que, conforme resulta clara e expressamente do requerimento de fls. 392, o Autor não pediu a redução do pedido de condenação em juros de mora mas, ao invés, pediu a ampliação do mesmo.

8. Tal pedido de ampliação teve origem no facto de o Réu Hospital de Santa Maria ter, no decurso da ação, efetuado um pagamento ao Autor relativo a diferenciais remuneratórios em singelo, sem ter procedido ao pagamento conjunto desses diferenciais com os juros de mora respetivos.

9. Como tal, veio o Autor, no referido requerimento de folhas 392 dos autos, alegar que sobre a referida quantia deviam recair juros de mora, calculados desde o dia 18/01/2006 até ao dia 02/03/2006, data em que o pagamento tivera lugar, pedindo, em conformidade, que se ampliasse, «em consequência, e nessa justa medida, o pedido já formulado na p.i. ao abrigo do disposto no artº 273º nº 2 do CPC».

10. Ou seja, e reitera-se, no requerimento de fls. 392 dos autos, o Autor pediu a ampliação do pedido de condenação de juros formulado na p.i. quanto ao Réu Hospital de Santa Maria de forma a que, o mesmo abarcasse ainda os juros de mora devidos sobre a quantia parcial paga pelo Réu Hospital Santa Maria no decurso da ação (a título de diferenças remuneratórias).

11. Esse pedido foi, de resto, bem compreendido pelo Réu Hospital de Santa Maria, que sobre o mesmo se pronunciou nos termos do seu requerimento de fls. 400 e seguintes dos autos.

12. E ainda pela Meritíssima Juiz da 1ª Instância, que sobre o mesmo, produziu o despacho constante de fls. 516 dos autos, nos termos do qual:

«Não admito a ampliação do pedido, deduzida pelo A. a fls. 360 e retificado a fls. 392 por já constar do artº 95 da p.i. o pedido de condenação no pagamento de juros de mora sobre a quantia em que o R. venha a ser condenado. Constando já dos autos os factos em que se baseia a ampliação do pedido, concretamente, a data do Despacho (18.01.2006) e a data do processamento das diferenças remuneratórios pagas por aplicação do mesmo, cabe ao tribunal apreciar o pedido de condenação ao pagamento de juros inicialmente deduzido não havendo verdadeiramente um ampliação nos termos previstos no nº 3 do artº 272 do CPC».

13. Despacho que não mereceu oposição das partes pelo que formou o mesmo caso julgado formal quanto à matéria da requerida ampliação do pedido.

14. Não obstante, e seguramente por lapso, veio a douta sentença da 1ª instância mencionar, que o A. veio alterar o pedido de condenação no pagamento de juros, formulado na p.i., no referido requerimento de fls. 392, restringindo-os ao limite temporal compreendido entre 18.01.2006 e 02.03.2006, muito embora se trate de uma mera referência, sem ponderação decisória, já que aquele pedido não foi conhecido na sentença.

15. Nas motivações de recurso para o TCA Sul, o Autor aludiu expressamente a este segmento da sentença, mencionando que o que estava em causa era uma ampliação do pedido já formulado na p.i. ao abrigo do disposto no art. 273º, nº 2 do CPC e não qualquer alteração, concretamente, de redução desse pedido.

16. Contudo, o douto acórdão recorrido, baseado no lapso constante da douta sentença recorrida, veio consignar que o Autor alterou o pedido de condenação em juros formulado na p.i., reduzindo o horizonte temporal dos mesmos para o período compreendido entre 18.01.2006 e 02.03.2006.

17. Condenando, em consequência, os Réus a indemnizar o Autor pelas remunerações que deveria ter auferido até ao termo do mandato, que ocorreria em 03/11/2006, deduzidas das quantias já pagas, com juros de mora contabilizados apenas no período temporal supra mencionado de 18.01.2006 a 02.03.2006.

18. Em vez de os condenar, conforme peticionado pelo Autor, e conforme resultante do despacho de fls. 516 dos autos, no pagamento dos juros de mora, calculados desde 3 de junho de 2004 até integral e efetivo pagamento (cfr. arts. 77º e 95º da p.i.).

19. Ora, o Autor entende que esta decisão resultou de lapso grosseiro manifesto contido no douto acórdão recorrido, que, não tendo sido objeto de oportuna retificação pelo tribunal recorrido, antes da subida do presente recurso, deverá ser objeto de reforma no presente recurso de revista, já que a manutenção do assim decidido representa violação ostensiva e grosseira do princípio do pedido e, em especial, do caso julgado formal, cfr. artºs 264º e 265º/1 e 2 e 3 e ainda artº 672º, nº 1 do CPC (arts. 3º, 5º, 6º e 411º e 620º, nº 1 do NCPC).

20. Pois, tendo o Autor formulado corretamente o seu pedido de condenação dos Réus no pagamento dos juros de mora vencidos até integral e efetivo pagamento, e não tendo tal pedido sofrido qualquer alteração, conforme resulta do despacho proferido a folhas 516 dos autos, que indeferiu a ampliação do pedido e manteve incólume o pedido de condenação de pagamento de juros de mora constante da p.i. do Autor, o Tribunal recorrido não poderia considerar que se produzira alteração no referido pedido.

21. E, em consequência, condenar os Réus a pagar ao Autor, um quantitativo de juros de mora inferior ao peticionado.

22. Violando, assim, ostensivamente, o princípio do dispositivo e, em especial do caso julgado formal, e, assim, o disposto nos arts. 3º, 264º, 265º/1 a 3 e 672º, nº 1 do CPC (arts. 5º, 6º, 411º e 620º nº 1 do NCPC).

23. Implicando a total desconsideração do direito fundamental do Recorrente e de quaisquer outros cidadãos, constitucionalmente consagrado, de acesso a tutela jurisdicional efectiva - arts. 20º e 268º, nº 4 da CRP.

24. E determinando para o Autor um prejuízo, elevado, no valor de 55.640,42€ correspondente aos juros de mora que peticionou e que deixará de auferir caso o douto acórdão recorrido se mantenha na ordem jurídica.

25. Razão pela qual a admissão do presente recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e uma boa administração da justiça.

26. Devendo o mesmo ser julgado totalmente procedente, por provado, reformando-se o douto acórdão recorrido no segmento da condenação no pagamento dos juros de mora.

27. Por o mesmo ter tratado a matéria em causa de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável, já que, contrariamente ao nele decidido, não se verificou qualquer alteração/redução ao pedido de condenação dos Réus no pagamento dos juros de mora formulado pelo Autor na p.i..

28. O que resulta clara e expressamente do douto despacho de fls. 516 dos autos, que recaiu sobre o requerimento do Autor de fls. 392 dos autos, que transitou em julgado, tendo, por isso, força obrigatória dentro do processo.

29. Assim, o douto acórdão recorrido violou de forma ostensiva e grosseira o disposto no artº 672º/1 do CPC, relativo ao caso julgado formal (artº 620º/1 do NCPC) e o princípio do dispositivo que enforma o processo adjetivo.

30. E, com isso, causou restrição inadmissível ao direito do Autor à tutela jurisdicional efetiva sem qualquer justificação e sem que se vislumbre que seja determinada para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente relevantes.

31. Violando, assim, de forma ostensiva e grosseira o conteúdo do acima mencionado direito constitucionalmente consagrado, plasmado no artº 20º, nº 5 da CRP.

Termos em que, e nos mais que V. Exas. Venerandos Desembargadores doutamente suprirem, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se, consequentemente, a douta sentença recorrida no segmento respeitante à condenação dos juros de mora (…).


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O Mº Pº contra-alegou, sem que tenha produzido conclusões, relativamente ao recurso interposto pelo Autor A……….., o que fez, no sentido da inadmissibilidade do recurso de revista, por entender não se verificarem os respectivos pressupostos e, quanto ao mérito do recurso, no sentido de ser negado provimento ao mesmo.

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Por sua vez, o Autor, ora Recorrido, contra-alegou relativamente ao recurso interposto pelo Estado Português, representado pelo MºPº, formulando as conclusões seguintes:

«1 – O presente recurso é interposto do acórdão proferido em 09-11-2017 no Processo nº 03427/08 que correu termos pelo 2º Juízo da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul que determinou:

«(…) conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida com fundamento no erro de julgamento de Direito e, em substituição conceder parcial provimento à ação administrativa, julgando-se procedente, por provado, o pedido de condenação dos Réus ao pagamento ao Autor das retribuições entre junho e 8 de novembro de 2004 e da indemnização devida nos termos do nº 1 do art.º 9º do DL nº 188/2003, de 20/08 e do nº 2 do art.º 6º do DL nº 464/82, correspondente aos ordenados vincendos até ao final do mandato, em 3 de novembro de 2006, quantias essas atualizadas nos anos de 2005 e 2006, em face dos valores à data fixados, acrescidas de juros legais, desde 18/01/2006 até 02/03/2006, deduzidas todas as quantias já pagas ao Autor, e em julgar improcedente todo o demais peticionado, respeitante à privação do uso de viatura e aos danos não patrimoniais sofridos, assim como o pedido subsidiário deduzido pelo Autor.»

2 – Em anexo ao douto acórdão recorrido, consta de declaração de voto, no sentido de não acompanhamento da fundamentação da decisão no que toca ao entendimento relativo à existência, ou não, de ato implícito de exoneração, mas de concordância com o sentido final da decisão, de assistir direito ao Autor em ser indemnizado no pagamento de todos os vencimentos a que teria direito até ao termo do mandato, descontadas as já pagas.»

3 – Ora, o Autor Recorrido interpreta o acórdão recorrido no sentido de que os Réus foram condenados no pagamento de todos os vencimentos de junho de 2004 – data em que ocorreu a rescisão com justa causa do mandato pelo Autor - até 03/11/2006 - data em que terminaria o seu mandato como vogal executivo do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria, computados globalmente em 154.056,02€, deduzidos das retribuições e indemnizações já pagas ao Autor Recorrido pelo Hospital de Santa Maria.

4 - Esta interpretação não é acolhida pelos Réus, que o interpretam no sentido de apenas reconhecer que o Autor tem direito à indemnização prevista e regulada nos arts. 9º, nº 1 do DL nº 18/2003, de 20/08 e 6º, nº 2 e 2 do DL nº 464/82, que deverá ser igual ao valor correspondente aos ordenados vincendos, mas nunca superior ao vencimento anual do gestor exonerado.

5 – O Autor não subscreve este entendimento, pelos motivos constantes das motivações supra, contudo, existem diversas passagens da decisão que referem que o Autor tem direito à indemnização correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato «mas nunca superior ao vencimento anual» - cfr. 6º parágrafo da página 27 – e «mas não superior ao vencimento anual do gestor» - cfr. 4º parágrafo da página 31 da decisão.

6 – Pelo que o douto acórdão recorrido pode configurar-se como ambíguo por estas “passagens” se prestarem a interpretações diferentes, como se evidencia na posição das partes deste litígio nos recursos de revista apresentados pelo Autor e pelo Réu Estado Português, motivo pelo qual deve o douto acórdão ser aclarado quanto a este particular aspeto, ao abrigo do disposto no art.º 616º e 666º do CPC aplicáveis ex vi do disposto no artº 1º do CPTA.

7 – Quanto aos fundamentos do presente recurso, entende o Autor Recorrido que, os mesmos não procedem de facto ou de direito, isto porque:

8 – Resulta do disposto no DL nº 188/2003, de 20/08, conjugado com o disposto no DL 464/82, de 09/12, que os vogais executivos do Conselho de Administração do Réu Hospital de Santa Maria são exonerados por despacho do Ministro da Saúde.

9 – Sendo a exoneração um ato extintivo, revogatório do ato anterior de nomeação do vogal executivo, este ato está sujeito ao dever legal de fundamentação enunciado no art.º 124º do à data vigente CPA, dever com assento constitucional no artº 268º/3 da CRP, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.

10 – E carece para ser eficaz na ordem jurídica, para além da notificação pessoal ao seu destinatário, de publicação no Diário da República – artº 34º/1-c) do DL nº 427/89, de 17/12.

11 – Destas disposições legais decorre, pois, que o Autor Recorrido tinha que ser exonerado por despacho do Ministro da Saúde, devidamente fundamentado, notificado e publicado no Diário da República.

12 - Ora, do probatório assente nos autos resulta, clara e expressamente, que não existiu ato expresso de exoneração do Recorrido pelo então Sr. Ministro da Saúde nem lhe foi comunicada qualquer decisão expressa, e fundamentada, nessa matéria, conclusão, de resto firmada pela sentença da primeira instância e no douto acórdão recorrido (Pontos B, D, E e F da matéria de facto assente).

13 – E conforme decidido, e bem, pelo douto acórdão recorrido, não ocorreu qualquer ato implícito de exoneração do Autor, com efeitos reportados a 01-06-2004, conforme decidido na 1ª instância.

14 - Efetivamente, como vem afirmando uniformemente a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, em sintonia com o preceituado no artº 217º do Código Civil para as declarações negociais não expressas, só pode entender-se existir um ato administrativo implícito quando ocorrer «univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados» e, portanto, existir um «nexo incindível entre uns e outros desse efeitos.»

15 – Tendo o ato implícito de decorrer necessariamente do ato expresso.

16 – Ora, no caso concreto, é manifesto que não existiu qualquer ato implícito de exoneração do Autor, pois,

17 - Dos atos expressos tomados pelo então Ministério da Saúde, consubstanciados nos despachos de nomeação dos membros do Conselho de Administração do HSM que tomaram posse no dia 01.06.2004, não se retira necessária e incindivelmente qualquer decisão implícita de exoneração do Autor.

18 – Só poderia existir ato implícito se estes despachos contivessem uma referência explícita e autónoma em relação à exoneração do Autor ou à impossibilidade de manutenção do respetivo vínculo e cargo, ou se, as determinações constantes de tais despachos fossem impeditivas da manutenção da nomeação do Autor como vogal executivo do Conselho de Administração do HSM.

19 – O que, clara e assumidamente, não sucedeu

20 – Nestes termos, bem andou o douto acórdão recorrido em concluir que estes despachos não poderiam ser considerados como “atos expressos” dos quais decorrera alegadamente o ato implícito de exoneração do Autor, pois, a exoneração do Autor não se apresentava como decorrência, pressuposto ou condição necessária das nomeações expressas nos supra citados despachos do Sr. Ministro da Saúde.

21 – Bem andou igualmente o douto acórdão recorrido ao considerar que o facto de um dos novos vogais ter passado a ocupar o gabinete do Autor, também não permite fundar o ato implícito de exoneração do Autor, por estar em causa uma mera operação material sem capacidade de produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica do Autor.

22 – A jurisprudência firmada deste Supremo Tribunal Administrativo relativamente ao ato implícito é clara no sentido de que: os atos implícitos têm necessariamente de decorrer de um ato expresso, em sintonia, aliás com o preceituado no art.º 217º do Código Civil para as declarações negociais não expressas.

23 – Ora, a ocupação do gabinete do Autor por outro vogal executivo não é um ato administrativo, tratando-se, efetivamente, de uma mera operação material.

24 – E, note-se, uma operação material que foi determinada pelo HSM, e não pelo então Ministro da Saúde, única entidade com competência para proferir o ato (expresso ou implícito) de exoneração do Autor.

25 – Pelo que este facto nunca poderia fundamentar uma revogação implícita do mandato do Autor, por contrariar frontalmente a noção de ato implícito constante da jurisprudência firmada deste Tribunal e, bem assim, os princípios que regem a atividade administrativa.

26 – Finalmente, o facto de o Autor a partir de 01-06-2004 não mais despachar qualquer assunto e se ter despedido dos funcionários do Hospital, conforme refere o douto acórdão recorrido, também não constituem atos jurídicos, antes meras condutas de facto imputáveis ao Autor.

27 – E não condutas imputáveis ao HSM ou ao Sr. Ministro da Saúde, a quem importava definir a situação do Autor.

28 – Assim, e em conclusão, deve o douto acórdão recorrido ser mantido na parte que decidiu, e bem, considerar que não existiu qualquer ato implícito de exoneração do Autor Recorrido com efeitos reportados a 01/06/2004.

29 – E, em consequência, deu por verificado o erro de julgamento de direito, em violação das normas legais ao caso aplicáveis, que determinam um ato expresso de exoneração, por parte do Ministro da Saúde, nos termos do artº 9º do DL nº 188/2003, de 20/08, que deveria ter sido fundamentado e notificado ao seu destinatário directo, de forma a ser eficaz e produzir os seus normais efeitos jurídicos.

30 – Posto isto, bem andou igualmente o douto acórdão recorrido em condenar os Réus Estado Português e Hospital de Santa Maria, no pagamento ao Autor «das retribuições entre junho e 8 de novembro de 2004 e da indemnização devida nos termos do nº 1 do artigo 9º do DL nº 188/2003, de 20/08 e do nº 2 do artigo 6º do DL nº 464/82, correspondente aos ordenados vincendos até ao final do mandato, em 3 de novembro de 2006, quantias essas atualizadas nos anos de 2005 e 2006, em face dos valores à data fixados, acrescidas de juros legais …, deduzidas todas as quantias já pagas ao Autor …»

31 – O Recorrente insurge-se contra esta condenação, referindo que o Autor Recorrido já foi integralmente ressarcido nos termos da legislação aplicável, contudo, sem fundamento.

32 – Segundo o Recorrente as indemnizações a atribuir aos vogais dos Conselhos de Administração em relação aos quais ocorreu a cessação de funções são as referidas no artº 9º, nº 1 do DL nº 188/2003, nos termos do qual terão direito a uma indemnização no valor das remunerações que perceberiam, caso não se desse a exoneração, até ao termo do mandato, existindo, contudo, um limite máximo da indemnização, que é o total das retribuições que sejam percebidas num ano.

33 – Solução que decorre quer do artº 8º, nº 1 do citado DL nº 188/2003 quer ainda do DL 464/82.

34 – Contudo, a indemnização estipulada nos referidos normativos legais, com o limite máximo da retribuição anual, é aquela que foi fixada e que deverá ser arbitrada quando existe um ato de exoneração.

35 – Ora, no caso sub judice, e conforme concluiu o douto acórdão recorrido, não existiu um ato de exoneração do Autor.

36 – Não pode, por isso, subsumir-se a situação do Autor às referidas normas, e concretamente, à limitação que delas decorre quanto à indemnização a pagar, porque estamos perante situações distintas.

37 – Na situação do Autor, não há lugar apenas à indemnização prevista nos citados artigos, com a limitação dos mesmos decorrente, mas sim à indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência do mandato, conforme decorre do disposto no artº 1167º do CCivil.

38 – Foi, de resto, esse o pedido principal deduzido pelo Autor na ação: condenação dos Réus ao pagamento solidário da quantia de 252.084,22€ acrescida de juros de mora, devida pela rescisão do mandato pelo Autor com justa causa.

39 – E foi sobre esse pedido principal que o douto acórdão recorrido decidiu, em substituição do tribunal a quo, conceder provimento, ainda que parcial, ao recurso.

40 - E, nessa sequência, julgou procedente, por provado, o pedido de condenação dos Réus ao pagamento ao Autor das retribuições entre junho e 8 de novembro de 2004 e da indemnização correspondente aos «ordenados vincendos até ao final do mandato, em 3 de novembro de 2006, quantias essas atualizadas nos anos de 2005 e 2006, em face dos valores à data fixados, deduzidas todas as quantias já pagas ao Autor»

41 – Sendo absolutamente destituída de fundamento legal a tese do Recorrente, pois, de acordo com a mesma o Autor, que não foi licitamente exonerado, deveria ser tratado de forma idêntica ao gestor que foi licitamente exonerado, ainda que por mera conveniência de serviço.

42 - A tese do Recorrente não tem qualquer alicerce legal, pois, não tendo sido exonerado nos termos legais, isto é, mediante a prática de um ato de exoneração, devidamente fundamentado e notificado, o mandato do Autor manteve-se até ser por ele rescindido com justa causa, em novembro de 2004.

43 – Rescisão por justa causa que lhe conferiu o direito a receber indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência do mandato, conforme estipulado na al. d), do artº 1167º do CCivil.

44 - Correspondendo tais prejuízos ao valor global de todos os vencimentos que o Autor teria direito até ao termo do seu mandato de gestor que ocorreria em 03/11/2006, e que deixou de auferir por virtude da conduta ilegal dos Réus.

45 - Conforme decidido no douto acórdão recorrido, que, expressamente refere, e por diversas vezes, que a indemnização a que o Autor tem direito corresponde ao valor global de todos os vencimentos que o Autor teria direito até ao termo do seu mandato, de modo a ser colocado na situação em que estaria se tivesse cumprido o mandato até ao fim.

46 - Acresce que, para além de não ter alicerce legal poderia inclusivamente incentivar as exonerações ilícitas (inexistentes, não fundamentadas, não justificadas por errada invocação do decurso do prazo, ou errada indicação de dissolução do órgão de gestão), já que, em termos de responsabilidade do Estado e respetivos órgãos, as consequências de exonerar licita ou ilicitamente seriam exatamente as mesmas.

47 - O que não se compadece com os mais elementares princípios do Estado de Direito, desde logo o princípio da legalidade, que exige a prática de um ato expresso de exoneração, e, bem assim, com os princípios gerais da atividade administrativa, que incluem o dever de fundamentação de tal ato e de notificação ao respetivo destinatário, conforme mencionado, aliás, no douto acórdão recorrido.

48 – Nestes termos, bem andou o douto acórdão recorrido em julgar parcialmente procedente o pedido principal formulado pelo Autor e, nessa sequência, em condenar os Réus no pagamento ao Autor das retribuições entre junho e 8 de novembro de 2004 e da indemnização correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, que ocorreria em 03/11/2006, atualizados nos anos de 2005 e 2006, em face dos valores à data fixados, deduzidas de todas as quantias já pagas ao Autor Recorrido, sem o limite máximo de indemnização, correspondente ao total das retribuições que seria percebidas num ano, fixado no artº 9º do DL 188/2003 e artº 6º do DL 464/82.

49 – E esta douta decisão deverá ser mantida na ordem jurídica, com fundamento nas supra disposições legais e no artigo 1167º do Código Civil, por não enfermar de qualquer erro de direito ou de julgamento, assim como da sua subsunção do direito aos factos provados».


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Por seu turno, e em relação ao recurso interposto pelo autor/recorrente, o Centro Hospitalar Lisboa Norte E.P.E. contra-alegou formulando as seguintes conclusões:

«1. Da análise do acórdão recorrido não resulta qualquer erro material, muito menos manifesto, conforme alegado pelo Recorrente.

2. Não se verificando qualquer erro material manifesto não pode o acórdão do TCA-Sul ser corrigido por simples despacho nos termos do disposto no art. 614º do CPC.

3. Também não ocorre o alegado erro de julgamento.

4. O recurso, restrito ao segmento da decisão respeitante aos juros de mora, está estruturado sobre o pressuposto de que o acórdão recorrido condenou no pagamento, a título de indemnização pela exoneração, da totalidade das retribuições devidas até final do mandato (3 de novembro de 2006).

5. Quando, na realidade, o Tribunal a quo condenou ao pagamento da indemnização prevista e regulada nos arts. 9º nº 1 do DL nº 188/2003, de 20/08 e, 6º nº 2 do DL nº 464/82, disposições que estabelecem um limite máximo para o montante da quantia indemnizatória, que deverá ser igual ao valor correspondente aos ordenados vincendos, mas nunca superior ao vencimento anual do gestor exonerado.

6. In casu, ao Recorrido, por faltar mais de um ano para terminar o mandato, é devida indemnização correspondente a um ano de retribuições, indemnização essa que já foi paga.

7. Pelo que não faz qualquer sentido que se condenasse em juros de mora nos termos alegados ou falar do cometimento de um erro grosseiro na aplicação do Direito que deva ser corrigido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

8. Face ao estabelecido no art. 150º do CPTA, o presente recurso não é legalmente admissível, devendo, em consequência ser rejeitado ou, em caso de admissão, julgado improcedente.


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA, proferido a 22.10.2018, nele se tendo consignado:

«(…) O autor e ora recorrente interpôs a acção dos autos contra o Estado e o Hospital de Santa Maria pedindo, a título principal, a condenação dos réus no pagamento dos ordenados - e, também, de certas retribuições complementares - que devia auferir até ao termo do seu mandato como vogal do Conselho de Administração do 2º réu, pois, tendo sido afastado de facto do exercício dessas funções, operou a revogação, com justa causa, do aludido mandato.

O TAC julgou o pedido improcedente porque o autor fora destinatário de um acto implícito de exoneração daquelas funções - a que se seguira o pagamento de todas as importâncias que, «ex lege», lhe eram devidas.

Mas o TCA considerou que inexistira tal acto implícito. E, conhecendo em substituição, disse que, na falta de um acto jurídico que exonerasse o autor, ele tinha efectivamente direito a auferir todos os vencimentos até ao fim do mandato e a receber ainda os respectivos juros moratórios, reportados a determinadas datas.

Na sua revista, o MºPº defende a existência de um acto implícito de exoneração - justificativo da pronúncia absolutória emitida na 1ª instância.

Por sua vez, o autor questiona, no seu recurso, as datas a que o aresto recorrido se ateve para o cálculo dos juros de mora, assinalando que o TCA ofendeu um caso julgado formal e que esse erro o prejudica em mais de 55 mil euros.

A acção tem por origem um facto bizarro: sem que houvesse um acto expresso a exonerá-lo das suas funções de vogal, o autor foi delas afastado pelo surgimento, no hospital, de um novo Conselho de Administração, nomeado pelo ministro. Questiona-se, na lide e na revista do MºPº, se isso envolveu a prática implícita de um acto de exoneração do autor. Ora, e apesar da óbvia singularidade do caso, a «quaestio juris» aí latente - relacionada com as condições lógicas e jurídicas da emergência de actos implícitos - possui suficiente relevância para justificar a intervenção deste Supremo. Até porque, da presença ou ausência de um acto de exoneração, pode depender o «quantum» indemnizatório - aliás, sempre vultoso - devido ao autor («vide» o artº 6º, nº 2, «in fine», do DL nº 464/82, de 9/12, e o art.º 9º do DL nº 188/2003, de 20/8).

É, pois, de receber a revista do MºPº.

E, recebido esse recurso, é também de admitir a revista do autor, porque não faria sentido que a disputa entre as partes não fosse analisada em toda a sua latitude.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«1 – O A. foi nomeado por despacho do Ministro da Saúde de 31 de Outubro de 2003 (nº 23 911/2003) para o cargo de vogal executivo do conselho de administração do HSM, com efeitos a 04 de Novembro de 2003 (admitido por acordo) (alínea A dos factos assentes);

2 – Pelos despachos do Ministro da Saúde nºs 12 464/2004, 12 466/2004 e 12 467/2004, publicados no DR, II Série, de 25.6.2004 foram designados os novos vogais do Conselho de Administração, com efeitos a partir de 1.6.2004, entre os quais não se incluía o A., cfr. doc.s de fls 255-257 (alínea B dos factos assentes);

3 – Ao A. foi processada e paga pelo R. HSM, em Outubro de 2004, a quantia de 40.141,63€, a título de indemnização, em cumprimento e nos termos do art. 9º nº 1 do DL nº 188/2003, de 20 de Agosto (admitido nos art.ºs 41 e 43 da p.i.) – cfr. alínea C dos factos assentes;

4 – O Senhor Ministro da Saúde não proferiu acto expresso de exoneração do A. (admitido na parte final do art.º 32 da contestação do R. Estado) - alínea D dos factos assentes;

5 – O A. tomou conhecimento da posse dos novos membros do C.A. em 1.6.2004 (admitido no art.º 18 da p.i.) - alínea E dos factos assentes;

6 – Ao A. não foi comunicada qualquer decisão expressa relativa à sua exoneração (admitido por acordo) - alínea F dos factos assentes;

7 – O Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Ministro da Saúde, face às dúvidas manifestadas nesta matéria pelo Serviço de Gestão de Recursos Humanos (SGRH), dirigiu ao Conselho de Administração do HSM, por telecópia de 23.12.03, junto à P.I. como Doc. 3, no sentido de informar que as remunerações dos membros executivos poderiam ser processadas de acordo com os valores correspondentes aos hospitais do Grupo A, Nível 1, classificação essa que deveria ser salvaguardada em despacho conjunto a emitir brevemente (alínea G dos factos assentes);

8 – A remuneração do A., no mês de Janeiro de 2004, passou a ser a seguinte:

- Remuneração Base: 4204,18 Euros (2812,16 Euros x 1,15 x 1,30) x 14

- Despesas de Representação: 1261, 25 Euros x 12

- Subsídio de Alimentação: no ano de 2003 – 3,58 euros/dia útil e no ano de 2004, 3,70 euros/dia útil (admitido por acordo) (alínea H dos factos assentes);

9 – O A., enquanto vogal executivo do Conselho de Administração do R. HSM auferiu de Novembro de 2003 a Maio de 2004 as quantias indicadas nos correspondentes talões de vencimento – cfr. docs. nºs 4, 5 e 6 da P.I. e talões de vencimento referentes aos meses de Novembro de 2003 a Fevereiro de 2004, juntos aos autos (alínea I dos factos assentes);

10 – Os valores pagos a mais ao A., de Janeiro a Maio de 2004, foram deduzidos à quantia indemnizatória processada e paga ao A. em Outubro de 2004 – nota explicativa anexa ao ofício de 18.10.04 – Doc. nº 11 (alínea J dos factos assentes);

11– Ao A. foi atribuída viatura oficial, de marca Mercedes, aquando do início do exercício das funções de vogal do C.A. (admitido por acordo) - alínea L dos factos assentes;

12– O A. renunciou, a partir de 29.10.2003, às funções de gerente que exercia na “B…………., Ld.ª”, cfr. doc. de fls 374/376 (alínea M dos factos assentes);

13 – O A. recebeu, no dia 8.7.2004, ofício do R. HSM pelo qual lhe é comunicado que cessou funções a partir de 30.5.2004, cfr. doc. nº 8 junto à p.i., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (alínea N dos factos assentes);

14– Em resposta, o A. diz que na falta de exoneração se considera em exercício de funções, cfr. doc. nº 9 junto à p.i. que se dá por inteiramente reproduzido, não tendo obtido qualquer resposta a esta carta (admitido por acordo) - alínea O dos factos assentes;

15– Em 8.11.2004, o A. comunica ao R. que rescinde com justa causa o contrato de mandato celebrado, cfr. doc. 12 junto à p.i. que aqui se dá por reproduzido, tendo o R. HSM respondido em finais de Novembro de 2004, através do doc. nº 13 junto à p.i., negando qualquer fundamento para a realização de outros pagamentos (alínea P dos factos assentes);

16– Pelo Despacho Conjunto nº 46/2006, publicado no DR, II Série, nº 12, de 17.1.2006, dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, o Hospital de Santa Maria foi equiparado a empresa pública do grupo A, nível 1 (alínea Q dos factos assentes);

17– No dia 1.3.2006 foi depositada a quantia líquida de 6.778,11€, em conta bancária do A. no Banco Totta, referente às diferenças remuneratórias entre as remunerações tomadas em consideração no cálculo da indemnização paga em Outubro de 2004 e aquelas que foram fixadas pelo despacho mencionado no ponto anterior - cfr. doc. de fls 387 (alínea R dos factos assentes);

18– No mês de Dezembro de 2003, na sequência da nomeação do conselho de administração de que o A. fazia parte, a este e aos restantes membros foram inicialmente processados e abonados os vencimentos de acordo com a seguinte fórmula de cálculo:

- Remuneração Base: 3233,98 Euros (2812,16 Euros x 1,15) x 14

- Despesas de Representação: 970, 20 Euros x 12. (Resposta ao quesito 1);

19– O Presidente do Conselho de Administração, integrado pelo A., suscitou diversas questões relacionadas com a regularidade da aplicação das normas atrás referidas, pretendendo que o Serviço de Gestão de Recursos Humanos alterasse a forma de cálculo da remuneração dos seus membros, através de orientação verbalmente transmitida pelo Senhor Chefe de Gabinete do Ministro da Saúde de então (Resposta ao quesito 2);

20– Quando o Conselho de Administração que o A. integrava cessou funções, o SGRH, considerando que o documento com base no qual haviam sido processados os vencimentos não possuía valor jurídico bastante – o ofício do Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde junto à P.I. como Doc. 3- e não havia sido proferido o despacho conjunto nele referido, suscitou o problema da legalidade dos actos de processamentos dos vencimentos dos membros do conselho de administração junto do respectivo Presidente, tendo procedido a um acerto de contas na altura em que os seus membros cessaram funções (Resposta ao quesito 3);

21– O A. quando cessou funções de vogal do CA do HSM não regressou à empresa onde anteriormente exercia funções de gerente (Resposta ao quesito 6);

22– O A. usou a referida viatura para o seu uso pessoal, de forma pública, sendo tal facto do conhecimento da Senhora Presidente da ARS de Lisboa (Resposta ao quesito 7);

23– O A. deixou de comparecer no HSM a partir de 1.6.2004 (Resposta ao quesito 8);

24– A perda do lugar nas circunstâncias em que ocorreu, às quais se refere o art.º 31 da p.i., causou ao A. sentimentos de mal estar e de inquietação (Resposta ao quesito 9);

25 – O A. sentiu-se pessoal e profissionalmente desvalorizado (Resposta ao quesito 10);

26– O A. perdeu o interesse no convívio com amigos, descuidou a sua aparência e se isolou na sequência do seu afastamento do lugar, durante alguns meses (Resposta ao quesito 11);

27– O A. sofreu dores psicológicas fortes, stress, ansiedade e angústia (Resposta ao quesito 13);

28– O A. teve perturbações do sono, com insónias, tendo perdido peso (Resposta ao quesito 14);

29– O A. foi obrigado a recorrer a apoio médico (Resposta ao quesito 15);

30– Em meados de Junho de 2004 o A. recorreu aos serviços de uma médica psiquiatra, que lhe diagnosticou uma depressão (Resposta ao quesito 16); e,

31– Durante dez meses, contados desde Junho de 2004, o A. foi acompanhado em consultas mensais pela Psiquiatra, Sr.ª Dr.ª …………, tendo desde Abril de 2005 tais consultas ocorrido com a periodicidade de 2 em 2 meses. Provado que houve prescrição de medicamentos para tratamento de quadro clínico depressivo do A., a qual tem vindo a ser reduzida (Resposta ao quesito 17).

FACTOS NÃO PROVADOS

1 – Que o Presidente do Conselho de Administração tenha solicitado, pelo menos, por escrito, o processamento da reposição do valor correspondente à diferença de valor entre a remuneração devida e a remuneração efectivamente processada e paga nos meses de Janeiro a Maio de 2004, por forma a regularizar a situação (Resposta ao quesito 4);

2 – Que o A. tenha sido requisitado ao seu serviço de origem (Resposta ao quesito 5); e

3 – Que o A. tenha sentido uma instabilidade na sua vida profissional, familiar e doméstica (Resposta ao quesito 12)”».


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2.2. O DIREITO

A presente revista dirige-se contra a decisão do TCAS que, conhecendo em substituição, revogou a decisão de 1ª instância, na parte em que julgou parcialmente procedente o recurso jurisdicional interposto pelo autor A……….., da sentença que havia sido proferida pelo então TAF-Lisboa 2, e que julgou totalmente improcedente a acção, no âmbito da qual, o autor peticionava a condenação dos Réus, Estado Português, representado pelo Ministério Público e Hospital de Santa Maria a, solidariamente, pagarem a quantia de €252 084,22 acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento, devida pela rescisão do mandato pelo autor com justa causa ou, subsidiária e solidariamente a pagarem a quantia de €172 767,59, acrescida das remunerações que se vierem a vencer até à data do despacho de exoneração do Autor e dos juros de mora, a título de indemnização por responsabilidade extracontratual nos termos do artigo 2º, do DL nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, tendo sido o ora recorrente absolvido dos pedidos, quer a título principal, quer a título subsidiário.

Com efeito, o Acórdão recorrido revogou parcialmente a decisão da primeira instância e, substituiu-a por outra, julgou procedente, por provado, o pedido de condenação do recorrente ao pagamento ao autor das retribuições entre Junho e 8 de Novembro de 2004 e da indemnização devida nos termos do nº 1 do artigo 9º do DL nº 188/2003, de 20 de Agosto e do nº 2, do artigo 6º do DL nº 464/82, correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, em 3 de Novembro de 2006, quantias essas actualizadas nos anos de 2005 e 2006, em face dos valores à data fixados, acrescidas de juros legais, desde 18/01/2006 até 02/03/2006, deduzidas todas as quantias já pagas ao Autor.

Para fundamentar esta decisão, consignou-se, sinteticamente, no Acórdão recorrido:

«I. A nomeação de outros vogais para o Conselho de Administração do Hospital não permite fundar o ato implícito de exoneração do Autor como vogal executivo desse Conselho de Administração, pois as nomeações de outros vogais não são, nem de facto nem de Direito, impeditivas da manutenção da nomeação do Autor, em face do disposto no artigo 5º, nº 2 do DL nº 188/2003, de 20/08, que permite que o Ministro da Saúde pode determinar que, "em situações excepcionais, dada a complexidade, dimensão e volume de recursos a gerir, o conselho de administração integre mais dois vogais executivos".

II. Esses atos de nomeação de outros vogais não dizem directamente respeito à pessoa do Autor, nada relevando para a sua esfera jurídica, ainda que de forma indirecta ou implícita, por se tratarem de factos cujos efeitos jurídicos não se podem projetar na esfera jurídica de terceiros.

III. Ter um dos novos vogais passado a ocupar o gabinete de trabalho do Autor também não permite fundar o ato implícito de exoneração do Autor, por estar em causa uma mera operação material sem capacidade de produzir efeitos jurídicos na esfera jurídica do Autor.

IV. O facto de o Autor a partir de certa data não mais despachar qualquer assunto e se ter despedido dos funcionários do Hospital, também não constituem atos jurídicos, antes meras condutas de facto imputáveis ao Autor e não a qualquer dos Réus na ação, a quem cabe a competência para a definição da situação jurídica do Autor.

V. Não se repercutindo na esfera jurídica do Autor nenhum dos atos jurídicos ou materiais invocados, os quais não tem aptidão para definir a situação jurídica do Autor, não produzindo efeitos jurídicos na sua situação individual e concreta, não existe qualquer ato expresso em que se possa fundar o ato implícito.

VI. O Hospital de Santa Maria é um instituto público, na modalidade de “estabelecimento público”, segundo o artigo 2°, n°1, al. a) da Lei n° 27/2002, de 08/11, à data aplicável, que aprova o regime jurídico da gestão hospitalar.

VII. Ao Autor, nomeado vogal executivo do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria pelo Ministro da Saúde, é aplicável o estatuto do gestor público aprovado pelo DL n° 464/82, de 09/12, por ser o vigente à data dos factos, conforme o disposto no artigo 8º, n° 1 do DL n° 188/2003, de 20/08, diploma que se aplica aos hospitais do sector público administrativo (SPA) integrados na rede de prestação de cuidados de saúde, referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 2° do regime jurídico da gestão hospitalar, aprovado pela Lei 27/2002, de 8 de Novembro.

VIII. Nos termos dos artigos 2º, nºs 1 e 3 do DL nº 464/82, de 09/12, a nomeação do gestor público envolve a atribuição de um mandato para o exercício das funções pelo prazo constante dos estatutos da empresa, sendo que no silêncio da lei orgânica e dos estatutos, o mandato dos gestores públicos tem a duração de 3 anos contados a partir da data da nomeação e cessa na data em que tomarem posse os gestores designados após o decurso do triénio, se o despacho da nomeação não fixar ao mandato do gestor público prazo mais curto.

IX. Nos termos do artigo 3º, n° 3 do citado DL n°464,82, de 09/12, em tudo o que não for ressalvado expressamente no presente diploma aplicam-se, ao regime do mandato, as disposições constantes da lei civil para o contrato de mandato.

X. Como decorre dos n°s 1 e 2 do artigo 6° do DL n°464/82, de 09/12, sem embargo de o gestor público poder ser exonerado livremente pelas entidades que o nomearam, com fundamento em mera conveniência de serviço, se a exoneração não se fundamentar no decurso do prazo, em motivo justificado ou na dissolução do órgão de gestão, ela dará lugar a indemnização.

XI. Subsumindo-se o caso à exoneração por mera conveniência de serviço, a lei prevê a atribuição do direito a uma indemnização de valor correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas não superior ao vencimento anual do gestor, nos termos do nº 2 do artigo 6º do DL n°464/82, de 09/12 e do n°1 do artigo 9º do DL n° 188/2003, de 20/08.

XII. Tal indemnização corresponde ao valor global de todos os vencimentos que o Autor teria direito até ao termo do seu mandato, de modo a ser colocado na situação em que estaria se tivesse cumprido o mandato até ao fim.

XIII. Não tendo a exoneração assentado na invocação de quaisquer motivos desabonatórios, injustos e indevidos relativos ao exercício do cargo, nem contra o Autor ter sido dirigida qualquer tipo de censura, de modo a que possa objetivamente fundar os danos não patrimoniais sofridos, estando antes em causa uma situação em que o Autor deve contar que pode existir uma exoneração a todo o tempo e sem motivo, por mera conveniência de serviço, os danos sofridos devem-se mais a fatores subjectivos, pessoais e próprios do Autor, do que decorrentes de uma atuação objetivamente lesiva».

E é contra o assim decidido que o recorrente Estado Português, representado pelo Ministério Público, se insurge.

Vejamos, pois, se face à matéria de facto dada como provada, se pode considerar que o autor foi exonerado das suas funções de vogal executivo do Conselho de Administração do HSM por um acto que se deva considerar implícito, ou não, uma vez que inexistiu acto expresso que o tivesse determinado.

Fazendo o enquadramento jurídico que se impõe, constatamos que o Hospital de Santa Maria (HSM) é um instituto público, na modalidade de “estabelecimento público”, de acordo com o disposto no artº 2º, nº 1, al. a) da Lei nº 27/2002 de 08/11, aplicável à data dos factos – diploma que aprova o regime jurídico da gestão hospitalar.

E tendo sido o autor nomeado vogal executivo pelo Conselho de Administração do HSM, pelo Ministro da Saúde, é aplicável ao caso sub judice o Estatuto do Gestor Público, constante do DL nº 464/82 de 09/12, vigente à data dos factos, de acordo com o disposto no nº 1, do artº 8º do DL nº 188/2003 de 20/08, diploma este que é aplicável aos hospitais do sector público administrativo (SPA) integrados na rede de prestação de cuidados de saúde – cfr. al. a) do nº 1 do artº 2º do regime jurídico da gestão hospitalar, aprovado pelo DL nº 27/2002 de 08 de Novembro.

Decorre do disposto no artº 2º, nºs 1 a 3 do DL 464/82, o seguinte:

«1 - A nomeação do gestor público envolve a atribuição de um mandato para o exercício das funções pelo prazo constante dos estatutos da empresa.

2 - O gestor público é nomeado e exonerado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro, do Ministro de Estado e das Finanças e do Plano e do ministro da tutela. Os gestores que façam parte de comissões executivas serão nomeados e exonerados por proposta do presidente.

3 - No silêncio da lei orgânica e dos estatutos, o mandato dos gestores públicos tem a duração de 3 anos contados a partir da data da nomeação e cessa na data em que tomarem posse os gestores designados após o decurso do triénio; pode, porém, o despacho da nomeação fixar ao mandato do gestor público prazo mais curto do que o prazo resultante da lei ou estatutos».

Por seu turno, resulta do artº 3º, nº 3 do referido diploma legal que: «Em tudo o que não for ressalvado expressamente no presente diploma aplicam-se, ao regime do mandato, as disposições constantes da lei civil para o contrato de mandato».

E, por último, decorre do artº 6º, nºs 1 a 4, o seguinte:

«1 - O gestor público pode ser livremente exonerado pelas entidades que o nomearam, podendo a exoneração fundar-se em mera conveniência de serviço.

2 - A exoneração dará lugar, sempre que não se fundamente no decurso do prazo, em motivo justificado ou na dissolução do órgão de gestão, a uma indemnização de valor correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas não superior ao vencimento anual do gestor.

3 - Considera-se motivo justificado para efeitos do número anterior:

a) A falta de observância da lei ou dos estatutos da empresa;

b) A violação grave dos deveres de gestor público.

4 - O apuramento do motivo justificado para a revogação do mandato pressupõe a prévia audiência do gestor sobre as razões invocadas, mas não implica o estabelecimento ou organização de qualquer processo».

Feito este enquadramento jurídico, constatamos que, de facto, inexistiu qualquer acto jurídico/expresso de exoneração, pelo que se desconhece o motivo pelo qual o autor foi afastado das funções que exercia.

Entendeu-se na decisão de 1ª instância que, tal facto, só poderia conduzir à conclusão de que teria havido um acto implícito de exoneração, tendo para tanto decidido que: «(...) com base nos atos expressos de nomeação de todos os membros do Conselho de Administração, que tomaram posse em 01/06/2004 e também, pela ocupação do gabinete de trabalho do Autor a partir dessa data pelo novo vogal nomeado, assim como, pelo facto de a partir dessa data, o Autor não mais ter despachado qualquer assunto, tendo-se despedido da pessoa que o secretariava e de outros colaboradores, que existiu um ato implícito de exoneração com efeitos a partir de 01/06/2004, isto é, que foi inequívoco para todos, incluindo o Autor, que foi destituído das suas funções a partir do momento em que os novos vogais do Conselho de Administração nomeados tomaram posse.

Não cremos que o assim decidido se mostre conforme à lei, como aliás, neste ponto em concreto se assumiu no acórdão recorrido.

Com efeito, a aplicação da lei [especial aplicável] prevê de forma concreta e inegável que o acto de exoneração tenha se ser expresso, não se podendo justificar o afastamento de qualquer membro do conselho de Administração de modo implícito, pois é uma figura jurídica que neste âmbito não existe.

Por outro lado, a figura do acto implícito, como tem vindo a ser decidido neste Supremo Tribunal, assenta na univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados e, portanto no nexo incindível entre uns e outros- cfr. por todos, o Ac. deste STA proferido no proc. nº 0511/04 de 19.01.2005.

Mas será que, pelo facto [como defendido na decisão de 1ª instância] de, por um lado, terem ocorrido actos expressos de nomeação de novos membros do Conselho de Administração do HSM, membros esses devidamente empossados e, por outro lado, ter ocorrido a ocupação do gabinete de trabalho do autor por outro membro nomeado e o autor nesse mesmo dia já não ter despacho qualquer assunto e por ter tido conhecimento do dia da posse, e se ter despedido dos colaboradores com quem trabalhava, se pode concluir, sem mais, pela exoneração implícita?

Numa primeira análise, seriamos levados a considerar que sim.

Porém, se analisarmos, concretamente, o quadro factual, em que tudo decorreu chegaremos a solução contrária.

Com efeito, e como sustentado no acórdão recorrido, o simples facto de terem sido nomeados outros vogais para o CA do HSM não faz surgir na esfera jurídica do autor a existência de qualquer acto implícito, e nem se pode considerar que foi o pretendido pela entidade administrativa, uma vez que, não resulta dos autos que a nomeação destes novos vogais, fosse, sem mais, impeditiva da manutenção do autor no cargo que vinha exercendo em comissão de serviço, até porque, de acordo com o disposto no nº 2 do artº 5º do DL nº 188/2003 de 20.08, é possível que o Ministro da Saúde possa determinar que em “situações excepcionais”, dada a complexidade, dimensão e volume de recursos a gerir, o CA integre mais de dois vogais executivos.

Por outro lado, importa ter em consideração que os actos de nomeação dos novos vogais não relevaram na sua esfera jurídica, mas apenas nos novos membros nomeados; tratam-se de factos cujos efeitos jurídicos não se projectam na esfera jurídica do autor, dado que ele se apresenta como um sujeito terceiro nesta relação entre o HSM e os novos membros nomeados, faltando deste modo o nexo incindível exigida na jurisprudência supra enunciada.

Acresce que, o facto de o gabinete do autor ter sido ocupado por um novo vogal, também não permite fundar o afastamento do autor das suas funções, enquanto acto implícito, dado que apenas se nos apresenta uma situação/operação material de facto, sem produzir efeitos jurídicos na esfera do autor.

O mesmo se terá de afirmar quanto à circunstância de, a partir de 01.06.2004 o autor ter deixado de despachar qualquer assunto e se ter despedido dos seus colaboradores, pois, estas circunstâncias traduzem-se em meras condutas de facto, imputáveis unicamente ao autor e ao HSM, entidade a quem competia ter definido expressamente a situação jurídica do autor.

Daí que concordemos com o acórdão recorrido quando nele se refere que «nenhum dos actos jurídicos ou actos materiais invocados na sentença de primeira instância definiram a situação jurídica do autor, não se repercutindo na sua esfera jurídica, não produzindo efeitos jurídicos na sua situação individual e concreta, designadamente com efeitos extintivos do mandato que lhe fora conferido pela nomeação como vogal executivo».

E, assim, concluímos pela inexistência de qualquer acto implícito de exoneração do autor do cargo que vinha exercendo, improcedendo, deste modo, o recurso jurisdicional intentado pelo Ministério Público.

Aqui chegados e depois de afastarmos a tese da existência do acto implícito, será que podemos corroborar a tese defendida no acórdão recorrido, da existência de um acto de exoneração, de facto, subsumível à exoneração por mera conveniência de serviço?

Também cremos que tal não poderá ser a solução legal adequada.

Com efeito, o acto de exoneração, como tem vindo a ser decidido por este Supremo Tribunal, tem de ser expresso, tem de ser proferido pelo ministro da tutela que exarou o acto de nomeação, e a exoneração por conveniência de serviço tem de ser sempre justificada/fundamentada – cfr. neste sentido, o Ac. do Pleno deste STA de 23-11-2017, proc nº 0510/15.

Ora, no caso, esse acto de exoneração praticado nestas exigências legais não existiu e não tendo existido não se pode falar em acto de exoneração.


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Não existindo e também não sendo caso de aplicar o regime decorrente do DL nº 464/82 uma vez que a relação jurídica de mandato, regida pela lei civil em tudo o que não estiver especialmente regulado no estatuto, apenas se poderia ter estabelecido entre o autor e o HSM e já não em relação ao Estado Português (aqui representado pelo Ministério Público, ora recorrente), cremos que a única solução, se prefigura da inexistência de um acto expresso, formal, de exoneração que deveria ter legalmente existido, emitido por quem o nomeou, devidamente fundamentado, precedido de audiência prévia e devidamente publicado – artºs 8º e 9º do DL nº 188/2003 de 20/08, artº 2º, nº 2 e 3, e 6º do Estatuto do Gestor Público, artº 124º, nº 1, al. a) do CPA.

E assim sendo estamos perante uma realidade factual de afastamento do autor das funções que exercia como vogal executivo do Conselho de Administração do HSM, afastamento este que se enquadra na figura de um acto inexistente, inexistência esta que é cominada por lei com a nulidade, conforme resulta expressamente do disposto no artº 161º, nº 1 do CPA, e ora se declara.

E constituindo um acto nulo, diz-nos o nº 3 do artº 134º do CPA, que essa nulidade não prejudica a possibilidade de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes dessa nulidade, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito, da boa-fé, da protecção da confiança, e da proporcionalidade ou de outros princípios jurídicos constitucionais.

Acresce que, as entidades públicas devem pautar a sua conduta no respeito pelos princípios que enformam o Estado de Direito, como seja o da legalidade, assistindo-lhes o dever de actuar com obediência à lei e ao direito, o que no caso não sucedeu.

Ora, nos termos do disposto no artº 2º do DL nº 48051 de 21.11.1967 [diploma aplicável à data dos factos] o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ou omissões ilícitas culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

É sabido que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por factos ilícitos, praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade, prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o dano.

E conforme dispõe o artº 483º do Código Civil «aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

O artº 3º do DL 48051 de 21/11/67, aplicável à data dos factos, concretiza esta responsabilidade e determina expressamente que «os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente».

Os nºs 1 e 2 do artº 4º do mesmo diploma legal, determinam que «a culpa dos titulares do órgão ou dos agentes, é apreciada nos termos do artº 487º do Código Civil e se houver pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497º do Código Civil».

E o artº 6º considera ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.

E quanto ao nexo de causalidade, é acolhida a teoria da causalidade adequada prevista no artº 563º do Código Civil, segundo a qual, a condição só é causa do dano quando, tomada na sua natureza geral (abstraindo das circunstâncias não cognoscíveis, nem conhecidas do agente) não é indiferente ou favorece a produção do dano.

Ora, se tivermos em consideração a factualidade provada na presente acção, e a forma omissiva, ilícita e culposa como o autor foi afastado do seu cargo de vogal executivo do CA do HSH, não cremos restarem dúvidas quanto ao preenchimento de todos os requisitos da responsabilidade extra-contratual, nos termos supra definidos.

Com efeito, estamos perante uma omissão de um acto que deveria ter sido de exoneração e não se verificou, uma conduta culposa e ilícita por parte do HSM e um nexo causal entre os danos sofridos pelo autor e esta conduta omissiva.

Isto porque, de acordo com a teoria da causalidade adequada estatuída no artº 563º do CC, “a omissão que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (...) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto” – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10ª ed., pp 890/891.

Vejamos em concreto:

O mandato dos gestores tem a duração normal de 3 anos, sendo renovável por uma ou mais vezes, cessando funções no termo do triénio ou com a declaração de cessação de funções através da exoneração – artº 2º, nº 3 e 6º, nº 1 do Estatuto do Gestor Público.

Não tendo sido exonerado nos termos legais, o autor tem direito a receber os vencimentos que deixou de receber, desde Maio de 2004 [01-06-2004] até ao fim 03.11.2006, data em que, numa situação normal, terminaria o triénio, pois foram estes os danos que efectivamente sofreu, e que de forma clara resultam em termos de causalidade do seu afastamento do cargo

Especificamente:

Durante o exercício do cargo [desde 04.11.2003], foi abonado pelo HSM nos termos da matéria factual constante dos pontos 7, 8, 9, 18, 19 e 20.

Segundo os pontos 7 e 16 da matéria assente, o Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Ministério da Saúde informou o Conselho de Administração do HSM que as remunerações dos membros executivos poderiam ser processadas de acordo com os valores correspondentes aos hospitais do Grupo A, nível 1, classificação essa que deveria ser salvaguardada em despacho conjunto a emitir brevemente e, ainda que, por Despacho Conjunto nº 46/2006 publicado em 17.01.2006 dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, o Hospital de Santa Maria foi equiparado a empresa pública do Grupo A, nível 1.

Resulta ainda da matéria de facto que o autor, tendo deixado de exercer as funções para o qual tinha sido nomeado a partir de 01.06.2004, em 8.11.2004 o autor comunicou a rescisão, com justa causa do contrato de mandato para com o HSM – cfr. ponto 15 da factualidade assente.

Mais resulta do ponto 3 que, em Outubro de 2004, foi processada e paga ao autor a quantia de €40.141,63, a título de indemnização nos termos do disposto no artº 9º do DL nº 188/2003 de 20.08.

E foram ainda feitos acertos remuneratórios, para efeitos indemnizatórios, conforme consta nos pontos 10 e 17 da factualidade assente.

Por outro lado, ressalta ainda dos pontos 12 e 21, que o autor não exerce qualquer outro cargo na Administração Pública.

Deste modo, enunciada a factualidade assente com relevo para a apreciação da pretensão formulada pelo autor, há que proceder à enunciação dos direitos do autor, na situação concerta dos autos, sendo que, o mesmo tem direito a beneficiar de um quantum indemnizatório, correspondente ao valor global de todos os vencimentos que teria direito até ao termo do seu mandato, o qual só ocorreria em 03.11.2006, considerando o início dos seus efeitos em 04.11.2003.

Encontrando-se demonstrado no ponto 8 da factualidade assente que a remuneração do autor, em Janeiro de 2004 passou a ser do valor mensal de €4.204,18, acrescida de despesas de representação no valor de €1.261,25 e do subsídio de alimentação, no valor de €3,70 por dia, tal perfaz o quantitativo mensal de €5.543,13, que multiplicado por 14 meses, perfaz o quantitativo anual de €77,603,82.

Assim, assiste ao autor o direito de ser indemnizado no pagamento de todos os vencimentos que teria direito até ao termo do seu mandato, que deveria ocorrer em 03.11.2006, descontadas todas as quantias já pagas, nos termos constantes da factualidade provada e referida no acórdão recorrido [que por sua vez remete para a sentença de 1ª instância], de modo a que seja colocado na situação em que estaria, se tivesse cumprido o mandato até ao fim, ou seja, direito a receber o que normalmente receberia até ao final do seu mandato.

E tem ainda direito a que o valor de tais remunerações, sejam actualizadas no seu valor em 2005 e em 2006, em função dos valores efectivamente aplicados ao cargo.

E deste modo, improcede o recurso interposto pelo R. Ministério Público em representação do Estado Português.


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Vejamos agora do mérito do recurso interposto pelo autor/recorrente que limita o seu objecto à questão do pagamento dos juros de mora, concretamente quanto ao limite temporal de fixação dos mesmos.

O autor peticiona, ainda, em sede de petição inicial, o pagamento de juros de mora sobre as quantias em dívida, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Porém, mediante requerimento entrado em juízo em 07.11.2006, o autor veio requerer a rectificação dos juros requeridos, peticionando agora a condenação dos RR no pagamento de juros de mora, calculados à taxa legal desde 18.01.2006 (dia seguinte ao da publicação do Despacho Conjunto nº 46/2006 de 28.12.2005, publicado no DR, II série, nº 12 de 17.01.2006) até 02.03.2006 (data em que foi processada a diferença entre o montante indemnizatório pago em Outubro de 2004 e o recálculo do mesmo em face dos novos valores das remunerações do cargo fixados no mencionado despacho conjunto – cfr fls. 344/346.

Este requerimento foi indeferido nos termos do despacho de fls. 476 com o fundamento que o autor já havia peticionado o pagamento de juros, como consta do artº 95º da p.i., mantendo-se deste modo inalterado o pedido de condenação dos juros legais de mora formulado pelo autor na respectiva p.i. [despacho que transitou em julgado].

Deste modo, assiste também ao autor/recorrente o direito a ser pago, sobre a quantia em dívida [descontando sempre o já pago] dos juros de mora peticionados em sede de petição inicial, ou seja, os juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento, assim procedendo o recurso interposto pelo autor, neste segmento decisório.

Atento o exposto e, concluindo, o autor tem direito a auferir todas remunerações que deveria ter auferido como gestor público nos meses de Junho de 2004 até ao termo do mandato que ocorreria em 03.11.2006, se tivesse cumprido o mandato, o que não sucedeu, deduzido o valor das retribuições e indemnização já pagas [cfr. pontos 3 e 17 da factualidade assente], quantia aquela, depois de apurada, acrescida dos respectivos juros legais desde a citação até integral e efectivo pagamento.

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em:

· Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

· Conceder provimento ao recurso interposto pelo autor/recorrente nos termos supra expostos, e revogar o acórdão recorrido.

· Conceder parcial provimento à acção e, consequentemente, condenar os RR no pagamento solidário ao autor de todas as remunerações que deveria ter auferido como gestor público nos meses de Junho de 2004 até ao termo do mandato que ocorreria em 03.11.2006, como se tivesse cumprido o mandato, o que não sucedeu, deduzido o valor das retribuições e indemnização já pagas [cfr. pontos 3 e 17 da factualidade assente], quantia aquela, depois de apurada, acrescida dos respectivos juros legais desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Custas a cargo dos R.R, sendo que o Estado Português delas está isento.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.