Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01220/21.0BELSB
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA se no entendimento nele firmado não se vislumbra que, no plano dos raciocínios lógicos ou jurídicos, enferme de erros manifestos, seja em termos da estrita interpretação das regras, seja no plano da confrontação com os princípios pertinentes, e quando no que toca às questões colocadas as mesmas não são de elevada complexidade e o seu grau de dificuldade não ultrapassa o comum, e em que a alegação produzida não infirma o juízo emitido no acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P28818
Nº do Documento:SA12022011301220/21
Data de Entrada:12/21/2021
Recorrente:INSTITUTO DOS REGISTOS E NOTARIADO (IRN), IP
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO IP [doravante Requerido], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 20.10.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 233/251 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que, na presente ação urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, intentada por A………… [doravante Requerente] no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/LSB], decidiu «conceder parcial provimento ao recurso, intimando o requerido … a deferir o pedido de urgência formulado pelo requerente … nos termos do art. 41.º do RNP, iniciando a respetiva tramitação e diligenciando pela sua decisão, com prioridade sobre os demais, sem prejuízo de outros pedidos anteriores cuja urgência haja sido deferida».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 259/272] na relevância jurídica e social fundamental da questão e, bem assim, para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta aplicação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade [art. 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)] e dos arts. 41.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa [RNP] e 128.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA/2015], devendo, ainda, ser julgadas procedentes as exceções inominadas invocadas [arts. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4 «entre outras» do CPTA e 576.º e 577.º do Código do Processo Civil (CPC/2013)].

3. O Requerente devidamente notificado não veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 277 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAC/LSB julgou totalmente procedente a pretensão do Requerente, aqui recorrido, tendo intimado o Requerido «a dar seguimento ao procedimento de inscrição do registo de nascimento do Requerente, no prazo de 30 dias» [cfr. fls. 158/190].

7. O TCA/S revogou em parte o assim decidido, tendo intimado o Requerido nos termos atrás reproduzidos, porquanto entendeu que in casu «o resultado esperado com procedência dos presentes autos de intimação, não pode ser o reconhecimento do direito à cidadania portuguesa ao RECORRIDO e, por via dele, a faculdade de exercício em tempo útil de outros direitos fundamentais, mas sim, por via da mesma, a condenação do RECORRENTE a tramitar o pedido do requerente, entrado que foi em 2020 (…) com precedência sobre os demais, atendendo às razões de urgência que supra evidenciámos e que o requerente já expôs também no procedimento (…) sem sucesso, porém (…). E, aqui chegados, e neste pressuposto, a sentença recorrida não pode manter-se porque disse mais do que poderia dizer. Na verdade, reconhecendo-se que a inércia e a demora na atuação da Administração são causas de uma ameaça séria sobre o exercício em tempo útil de direitos conexos ao direito fundamental de aquisição da cidadania portuguesa do RECORRIDO – não se descurando os motivos invocados pelo RECORRENTE para o efeito, na sua maioria decorrentes da enorme e crescente pressão de procura de pedidos de aquisição de nacionalidade e da falta de meios -, o pedido de urgência que apresentou no procedimento em apreço não deveria ter sido indeferido, atendendo a todo o supra exposto, pois foram invocadas razões bastantes para o seu deferimento», impondo-se «intimar o requerido ora RECORRENTE, a deferir o pedido de urgência que o requerente, ora RECORRIDO formulou no procedimento conducente à atribuição da nacionalidade portuguesa, iniciando a respetiva tramitação e diligenciando pela sua decisão, nos termos do art. 41.º do RNP, com prioridade sobre os demais, sem prejuízo de outros pedidos anteriores cuja urgência haja sido deferida».

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação, por este Supremo Tribunal, é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. E entrando nessa análise refira-se, desde logo, que não se mostra persuasiva a motivação/argumentação expendida pelo recorrente estribada numa reiteração/reprodução na alegação em sede de recurso de revista daquilo que o mesmo havia produzido quer a quando da dedução da resposta apresentada, quer depois em sede das alegações do recurso jurisdicional de apelação, sem que se mostrem concretamente colocadas questões dotadas de relevância jurídica e social fundamental ante aquilo que constitui o juízo impugnado e que se pretende sindicar, não se revelando igualmente que tal juízo careça de intervenção para uma melhor aplicação do direito.

10. Assim, não se vislumbra, por um lado, que as questões a tratar reclamem labor de interpretação, ou que se mostrem de elevada complexidade jurídica em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise venham suscitando dúvidas sérias, antes se apresentando com um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre tal temática.

11. Para além disso não se vislumbra no mesmo a existência de uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso e a sua singularidade, tanto mais que o juízo nele firmado se mostra, em grande medida, assente nas particularidades factuais do caso, sem grande suscetibilidade de replicação para outros casos ou situações.

12. Por outro lado, não se descortina a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, pois a alegação expendida nesta sede pelo recorrente com o alcance/âmbito e teor supra aludidos não se mostra nem idónea, nem persuasiva, para lograr poder vir a ter virtualidade no ataque ao juízo concretamente firmado pelo TCA/S, tudo apontando primo conspectu, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido da inviabilidade da revista, tanto mais que o juízo firmado não aparenta padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto o seu discurso mostrar-se, no seu essencial, fundamentado numa interpretação coerente e razoável das regras e princípios do direito aplicáveis, o que torna desnecessária a intervenção do Supremo.

13. Em suma, no presente recurso não se mostram colocadas questões que assumam relevância social e jurídica fundamental, nem nos deparamos com uma apreciação feita das mesmas pelo TCA/S que reclame claramente a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, pelo que tudo conflui para a conclusão de que a presente revista se apresenta como inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo, impondo-se in casu a valia da regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Sem custas [art. 04.º, n.º 2, al. b), do RCP].
D.N..
Lisboa, 13 de janeiro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.