Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0411/12
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CRÉDITO EXEQUENDO
INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
APOIO FINANCEIRO
Sumário:Aos créditos resultantes de apoios financeiros atribuídos pelo IEFP, porque não têm a natureza de créditos fiscais, não é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 48° da LGT mas, antes, o prazo de prescrição previsto no art. 309º do Cód. Civil.
Nº Convencional:JSTA00067661
Nº do Documento:SA2201206060411
Data de Entrada:04/16/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:DL 437/78 DE 1978/12/28 ART6 N1 N2 N3
LGT98 ART48 ART49
CCIV66 ART306 ART309 ART323 ART326 ART327 ART310 G
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC966/02 DE 2002/10/23
Referência a Doutrina:PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VI PAG260.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal n° 3255199901024205 contra si instaurada e a correr termos pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, para cobrança de dívida ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, emergente de apoio financeiro, no montante de 21.356,64 Euros, acrescido de 12.185,14 Euros de juros de mora e custas processuais.

1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. O Recorrente viu ser julgada parcialmente improcedente pelo Tribunal a quo a oposição deduzida, que considerou que a obrigação de pagamento ainda não se encontrava prescrita, por não lhe ser aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 48º da LGT. Vejamos.
2. Em 13.03.1996, o acto que determinou a conversão em reembolsável do apoio financeiro concedido ao Recorrente, o qual por não pagamento, determinou a cobrança coerciva, assumiu natureza tributária.
3. Não obstante, a respectiva certidão de dívida somente foi emitida a 01.09.1999 e o recorrente somente foi citado para a presente execução em 20.09.2010, pelo que desde o vencimento da prestação até à data em que o Recorrente foi citado para a presente execução decorreram cerca 14 anos, 6 meses e sete dias.
4. Nos termos do disposto no nº 1 do art. 48° da LGT, há muito prescreveu o direito à cobrança coerciva do presente tributo, prescrição que expressamente se invoca e se requer seja reconhecida para os devidos efeitos.
5. SEM PRESCINDIR, admitindo, por mera hipótese, que a presente execução se encontra sujeita às regras previstas no Código Civil, também assim, se deverão considerar como prescritos os reclamados créditos, nos termos da al. g) do art. 310° do Código Civil.
Termina pedindo que a sentença seja parcialmente revogada e, em consequência, seja substituída por outra que declare prescritos os créditos.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emite Parecer nos termos seguintes:
«Coloca-se a questão de determinar se ocorreu a prescrição, quanto a reembolso do apoio financeiro concedido pelo I.E.F.P., ao abrigo de despacho que decidiu pela conversão em reembolsável do respectivo montante, o abrigo do n° 1 do art. 6° do Dec.-Lei n° 437/78, de 28/12.
Defende-se no recurso interposto ser o prazo a considerar inferior quer por referência ao previsto no art. 48° n° 1 da L.G.T., quer nos termos da al. g) do art. 310° do C. Civil.
Analisemos.
Na falta de qualquer previsão em lei especial, o regime de cobrança da dita dívida obedece ao que resulta da lei civil.
E a tal não impedirá que a dita forma de cobrança da dívida seja a do processo de execução fiscal.
No sentido do prazo de prescrição aplicável ao caso ser o de 20 anos, segundo resulta do art. 309° do C. Civil, é o entendimento que tem sido firmado pela jurisprudência, segundo resulta, entre outros, do ac. do S.T.A. de 23-10-2002, proferido no proc. 0966, acessível em www.dgsi.pt.
Afigura-se, assim, não ser também de acolher qualquer dos entendimentos propostos pelo recorrente, pelo que a referida prescrição ainda não tinha ocorrido à data em que o recorrente foi citado para a execução, uma vez que não se mostrava então decorrido o prazo de prescrição que é de 20 anos - art. 309° do C. Civil.
Concluindo, quer parecer que o recurso é de improceder, sendo de confirmar no mais o decidido.»

1.5. Corridos os Vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Por despacho da Directora do Centro de Emprego de Benfica, de 93/03/15, foi concedido a B……… e A………, um apoio financeiro de Esc. 5.126.400$00, destinado à criação de 3 postos de trabalho (conforme documento a fls. 23 e sgs. dos autos);
B) Do apoio financeiro supra referido, no montante de Esc. 1.922.400$00 foi concedido a título de subsídio não reembolsável e a parte restante de Esc. 3.204.000$00, foi concedida sob a forma de empréstimo sem juros, reembolsável em oito prestações semestrais, com início em 94/09/15 (conforme documento a fls. 26 e sgs. dos autos);
C) O apoio financeiro foi entregue à entidade entretanto criada pelos beneficiários e denominada "C………, Lda.", com o n° provisório de pessoa colectiva ………, sediada na Rua de ……… n° ………, ………, em Lisboa, que prestou quitação conforme recibo assinado (fls. 29 dos autos);
D) Porém, não cumpriram com as obrigações assumidas, tendo apenas reembolsado o montante de Esc. 1.201.500$00;
E) Pelo que foi proferido despacho pela Directora do Centro de Emprego de Benfica, em 97/03/13, determinando a conversão em reembolsável do montante concedido a título não reembolsável, o vencimento imediato do montante ainda em dívida e, em caso de não pagamento, a sua cobrança coerciva (conforme documento a fls. 30 e sgs. dos autos);
F) Para efeitos de pagamento voluntário foi concedido aos beneficiários um prazo de 10 dias (fls. 32 a 35 dos autos), tendo o oponente sido notificado em 11/02/99, conforme A.R. assinado (fls. 35);
G) Os beneficiários não procederam à devolução voluntária do apoio financeiro pelo que em 09/11/1999 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 10, o processo de execução fiscal n° 3255199901024205, por dívida referente a apoio financeiro concedido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, no montante de € 21.356,64, acrescido de € 12.185,14 de juros de mora e custas processuais;
H) O ora oponente foi citado pessoalmente em 20/09/2010, conforme fls. 46 e 46v;
I) A presente oposição foi apresentada no 20/10/2010 no Serviço de Finanças de Lisboa 10, cfr. carimbo aposto a fls. 4 dos autos.

2.2. Com base na factualidade provada, a sentença recorrida julgou a oposição:
a) improcedente quanto à dívida exequenda emergente do apoio reembolsável (no montante de 21.356,64 Euros) com fundamentação de que, embora cobrada em processo de execução fiscal, não tendo a dívida exequenda natureza tributária (porque é emergente de apoio por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional), não lhe é aplicável o prazo de prescrição das dívidas tributárias previsto no art. 48° da LGT, mas antes, o prazo de prescrição ordinária de vinte anos, previsto no art. 309° do CCivil, sendo que, visto o disposto nos arts. 306º, 323°, 326º e 327º, todos do CCivil e porque o despacho que determinou a conversão em reembolsável do montante concedido a título não reembolsável e o vencimento imediato da totalidade da dívida, é datado de 13/3/97, que a notificação do mesmo tem data de 11/2/99 e que foi dado um prazo de 10 dias aos devedores para pagamento voluntário, é de considerar que a obrigação não se encontra prescrita.
Acrescendo que apesar de o oponente alegar que o pagamento se consubstancia num pagamento prestacional de uma determinada quantia à qual é aplicável o disposto no na al. g) do art. 310° do CCivil (que determina o prazo de 5 anos para a prescrição de tais quantias), tal não é aplicável dado que a dívida não se refere a prestações periodicamente renováveis, tratando-se, antes, de uma dívida unitária que não admite o pagamento fraccionado, pelo que é aplicável o dito prazo de prescrição ordinária de vinte anos, previsto no art. 309°, do CCivil.
b) procedente quanto à dívida por juros (12.185,14 Euros), que por se referirem ao ano de 1997 e por o oponente sido citado para o processo executivo em 2010, estão prescritos, à luz do disposto na al. d) do art. 310° do CCivil.

3.1. Discordando do decidido, na parte em que a oposição foi julgada improcedente, o recorrente sustenta, como se viu, que também a restante dívida exequenda está prescrita, uma vez que o acto que, em 13/3/1996, determinou a conversão em reembolsável do apoio financeiro e o consequente vencimento imediato do montante em dívida, assumiu natureza tributária, mas apesar disso, a respectiva certidão de dívida somente foi emitida a 1/9/1999 e ele, recorrente, somente foi citado para a execução em 20/9/2010, pelo que, atendendo ao disposto no nº 1 do art. 48º da LGT e porque desde o vencimento da prestação até à data da citação decorreram cerca 14 anos, 6 meses e sete dias, está prescrito o direito à cobrança coerciva do presente tributo.
E subsidiariamente, mesmo a admitir-se que a dívida se encontra sujeita às regras previstas no CCivil, também assim, se deverão considerar como prescritos os créditos exequendos, nos termos da al. g) do art. 310° deste Código.
Vejamos.

3.2. Como decorre do Probatório a dívida em execução reporta-se a um apoio financeiro concedido pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (no âmbito das designadas iniciativas locais de emprego), em parte correspondente a subsídio não reembolsável e em parte correspondente a empréstimo sem juros, reembolsável em 8 prestações semestrais com início em 15/9/94.
Mas, porque o IEFP que não foram cumpridas as condições contratuais, tendo apenas sido reembolsado o montante de Esc. 1.201.500$00, foi proferido despacho pela Directora do Centro de Emprego de Benfica, em 13/3/1997, determinando a conversão em reembolsável do montante concedido a título não reembolsável, o vencimento imediato do montante ainda em dívida e, em caso de não pagamento, a sua cobrança coerciva.
A dívida exequenda emerge, portanto, de um apoio financeiro concedido pelo IEFP pelo que não tem natureza fiscal mas contratual, sendo que, ao invés do alegado pelo recorrente, aquele despacho de 13/3/1997 nem se consubstancia em decisão sobre questão fiscal nem a prolação do mesmo determinou qualquer alteração na natureza da dívida, mormente a sua transmutação em dívida de natureza tributária.
Trata-se de despacho proferido nos termos do nº 1 do art. 6º do DL nº 437/78, de 28/12 [diploma que, em conjugação com o DL nº 445/80, de 4/10 e com o Despacho Normativo nº 46/86, de 29/4/86 (publicado no DR nº 127, I Série, de 4/6/86) e Despacho Normativo nº 51/89, de 17/5/89 (publicado no DR nº 136, I Série, de 16/6/89) disciplina a atribuição de tais subsídios e a respectiva cobrança coerciva] e que podia, aliás, ser impugnado contenciosamente nos termos gerais do processo administrativo (nº 2 daquele mesmo art. 6º do DL nº 437/78), com os efeitos também previstos no seu nº 3 e que, como parece claro e desses normativos decorre, não tem aquelas virtualidades que o recorrente lhe atribui.
E foram estes os pressupostos que a sentença recorrida igualmente recolheu e apreciou, com base na factualidade que julgou provada e que, nesta perspectiva, não sofreu contestação.
Não pode, portanto, proceder a alegação do recorrente, no sentido de que a dívida exequenda tem natureza de tributo.
E, na verdade, como se salienta no acórdão deste STA, de 23/10/2002, rec. nº 0966/02, citado no douto Parecer do MP, «“a obrigação tributária corresponde a uma obrigação pública de pagamento de certa quantia ao credor tributário” e sempre com “parte ou causa legal e, dentro desta, em normas de direito público ditadas no uso de um jus imperii tributário”. Cfr., Benjamim Rodrigues, A Prescrição no Direito Tributário, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, págs. 264 e segts.
Ao que nada obsta o facto de a dívida ser cobrada em processo de execução fiscal, sabido como é, que numerosas dívidas a entes diversos e sem natureza tributária, são cobrados através daquele meio processual – cfr. art. 148° do CPPT e os Acd's do STA de 22/Out/97 Rec. 21.811 e de 18/Fev/98 Rec. 22.195.
O art. 1° da LGT regula “as relações jurídico Tributárias”, seja, “as estabelecidas entre a Administração Tributária, agindo como tal e as pessoas singulares ou colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”, elencando o seu n° 3 as entidades que a integram.
Em que obviamente não aparece o IEFP.
Por outro lado, como é geralmente definido, o tributo é uma prestação patrimonial, integrada numa relação obrigacional, imposta por lei a favor de uma entidade que exerça funções públicas com o fim de satisfazer os fins próprios desta e sem carácter de sanção, compreendendo os impostos, as taxas e as receitas parafiscais.
Caracteres que não correspondem à dívida dos autos.»

3.3. Mas, assim sendo, não tendo a dívida aqui em causa natureza tributária, também não lhe é aplicável o regime de prescrição das dívidas desta natureza (tributárias), previsto nos arts. 48º e 49º da LGT.
Sendo, antes, aplicável o regime da prescrição civil, constante dos arts. 309º e ss. do CCivil, ou seja, o prazo de prescrição de 20 anos.
E dado que, como vem provado, o apoio foi atribuído por despacho proferido em 15/3/1993, o despacho que determinou a conversão em reembolsável do montante relativo ao apoio atribuído a título não reembolsável, bem como o vencimento imediato da totalidade da dívida, é datado de 13/3/1997, a notificação do mesmo tem data de 11/2/1999 e foi fixado o prazo de 10 dias para pagamento voluntário, só pode concluir-se, como concluiu a sentença recorrida, que em face do disposto nos arts. 306º, 323°, 326º e 327º, todos do CCivil, a dívida exequenda não está prescrita.

4. O recorrente alega, ainda, que, de todo o modo, a dívida também estaria prescrita de acordo com o disposto na al. g) do art. 310º do CCivil (que determina o prazo de prescrição de 5 anos para quaisquer outras prestações periodicamente renováveis).
Mas também esta alegação carece de suporte legal.
Com efeito, como diz a sentença o pagamento da dívida aqui questionada não se refere a prestações periodicamente renováveis, tratando-se, antes, de uma dívida unitária que não admite o pagamento fraccionado (aliás, como salientam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I Vol., anotações ao art. 310º, p. 260), seria necessário, para a aplicação do prazo previsto na mencionada al. g) que as prestações não importassem o pagamento parcial do crédito sujeito à prescrição ordinária).
Em suma, não estando ainda prescrita a dívida exequenda, também não merece censura a sentença recorrida (na parte em que vem recorrida) que assim o decidiu.
Improcedem, portanto, neste contexto, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 6 de Junho de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.