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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0192/20.2BECBR
Data do Acordão:09/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:VENDA NA EXECUÇÃO FISCAL
DEPÓSITO DO PREÇO
Sumário:I - A Portaria n.º 219/2011, de 1 de julho, para que remete o art. 248.º n.º 6 do C.P.P.T., regula quanto à venda em execução fiscal em termos de ser aplicável o art. 825.º n.º 1 do C.P.C. quanto a procedimentos não previstos no C.P.P.T., em que se inclui o caso de ocorrer falta de depósito do melhor preço de venda efetuada por leilão electrónico.
II - O órgão de execução fiscal pode proceder então à aceitação da proposta de valor imediatamente inferior ou determinar que os bens voltem ainda a ser vendidos, em conformidade com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 825.º do C.P.C., sem que desta última opção resulte ilegalidade.
Nº Convencional:JSTA000P26234
Nº do Documento:SA2202009020192/20
Data de Entrada:07/16/2020
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

I. Relatório.
A…………, Lda. vem interpor recurso da sentença proferida a 24-5-2020 no processo de reclamação que apresentou relativamente a venda designada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Figueira da Foz 1, e na qual se julgou totalmente improcedente a reclamação, tendo sido apresentadas alegações que foram rematadas com as conclusões que a seguir se reproduzem:
“34. A derrogação da regra de priorização da al. a) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC face à al. b) da mesma norma traduzir-se-ia num esvaziar de conteúdo daquela alínea.
35. Por conseguinte, se assim não for, a regra da al. a) fica sem conteúdo prático; daí que não se concebe a ideia de uma norma cuja previsão normativa fica sem conteúdo útil.
36. A al. a) do n.º 1 do art.º 825.º está pensada para os casos em que, existindo várias propostas, em que o proponente da mais elevada não proceda ao depósito do preço após a adjudicação, seja o bem adjudicado ao proponente que realizou a proposta de valor imediatamente inferior.
37. Por conseguinte, o legislador terá pensado a al. b) do n.º 1 do art.º 825.º do C.P.C. para os casos em que inexistam propostas válidas de valor imediatamente inferior, justificando-se, deste modo a renovação da venda executiva em proposta por carta fechada, nos termos do n.º 3 do art.º 248.º do CPPT.
38. Acresce que a al. a) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC não dispensa uma conjugação com o n.º 3 do art.º 248.º do CPPT, na medida em que refere "inexistindo propostas nos termos do número anterior, a venda passa imediatamente para a modalidade de proposta por carta fechada".
39. In casu, a proposta do recorrente é a proposta de valor imediatamente inferior, pelo que a falta de depósito do preço e subsequente renovação da venda executiva só poderia ocorrer caso inexistissem outras propostas de valor imediatamente inferior, o que não é o caso.
40. No processo de execução fiscal a aplicação da al. b) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC só ocorrerá caso inexistam propostas de valor imediatamente inferior, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 248.º do CPPT.
41. Sendo a proposta do recorrente a proposta de valor imediatamente inferior, interpretando o n.º 3 do art.º 248 do CPPT a contrario sensu em conjugação com o n.º 1 e 2 do mesmo artigo e da al. a) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC, a renovação da venda executiva, identificada com o número 0744.2020.11, é manifestamente ilegal, sendo, por conseguinte, de manter a venda identificada com o número 0744.2019.34, com a inerente adjudicação ao recorrente por ser a única solução que se afigura conforme a lei.
42. Também não se ignore a falta de fundamento jurídico da sentença quando afirma que a proposta de valor mais elevado do proponente faltoso, B…………, impediu os demais proponentes de realizar propostas.
43. Ora, a apresentação de propostas em leilão eletrónico é secreta, desconhecendo os interessados quem participa, e "jogada" ao segundo pelos proponentes, que procuram sempre realizar aquisições ao mais baixo preço, pelo que, salvo devido respeito pela decisão proferida e melhor entendimento deste venerando tribunal, não se compreende como, juridicamente, possam existir quaisquer limitações aos demais potenciais proponentes.
44. A decisão proferida, salvo devido respeito e melhor entendimento deste venerando tribunal, assenta, não em factos provados ou não provados, mas em cenários conjeturais.
45. A decisão recorrida realça que foram apresentadas 43 propostas; tratando-se de um leilão eletrónico, cuja realização de propostas de aquisição se realiza numa base sigilosa e com uma grande dinâmica e a um ritmo bastante acelerado, 1 (um) minuto poderia ser tempo mais do que suficiente para a realização de propostas de valor intermédio entre a proposta do recorrente e a proposta do adjudicatário faltoso.
30. Nada impediu, mesmo após a proposta apresentada pelo adjudicatário faltoso, que qualquer outro proponente realizasse uma proposta de valor superior.
32. Presumindo-se o leilão eletrónico como a modalidade de venda mais célere e transparente nas vendas executivas, ou não lhe atribuísse o n.º 2 do art.º 248.º do CPPT a primazia face aos demais meios, não se compreende de que ilegalidade pudesse enfermar a adjudicação da venda número 0744.2019.34 à recorrente.
33. Muito menos se compreende, num negócio que se quer transparente, especialmente quando se tratam de vendas executivas, porque possa a recorrente ser prejudicada pela circunstância de outrem realizar uma proposta de aquisição e ser prejudicada pela sua falta.
35. Em conclusão, é convicção do recorrente que a decisão, proferida em 14.01.2020, pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças da Figueira da Foz 1, que ordenou a venda executiva com o número 0744.2020.11, é ilegal por contrariar o disposto no n.º 3 do art.º 248 do CPPT a contrario sensu em conjugação com o n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo e da al. a) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC.
TERMOS QUE,
Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, por conseguinte, ser a decisão recorrida, com todas as demais consequências legais.”
2. O recurso foi admitido, não tendo a representante da Fazenda Pública apresentado contra-alegações.
3. Remetidos os autos, o exm.º magistrado do Ministério Público emitiu parecer em que concluiu no sentido de ser de confirmar inteiramente a sentença recorrida e o recurso julgado improcedente. 4. É objeto do recurso o decidido na sentença recorrida, na qual se julgou que, na falta de depósito do melhor preço de venda adjudicada em leilão eletrónico realizado em execução fiscal, não ocorre ilegalidade ao ter sido renovada a venda na mesma modalidade, sem que os bens tenham sido adjudicados à recorrente que apresentou a 2.ª melhor proposta.
5. Nada obstando a que se conheça do recurso interposto, tanto mais que o parecer emitido foi sujeito a contraditório, cumpre decidir, sendo o processo urgente.
II. Fundamentação.
II. 1. De facto.
Dá-se por reproduzida a matéria de facto constante da sentença recorrida – art. 663.º n.º 6 do C.P.C., subsidiariamente aplicável.
II.2. De direito.
Conforme referido, cumpre apreciar se ocorre ilegalidade ao ter sido renovada a venda, na falta de depósito do melhor preço de venda efetuada por leilão electrónico.
A recorrente defende que devia ter sido aceite a proposta de valor imediatamente inferior e verificar-se ilegalidade, sendo de aplicar o art. 825.º n.º 1, a), do C.P.C. em conjugação com o art. 248.º n.º 3 do C.P.P.T., a interpretar “a contrario sensu” e em conjugação com os n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, argumentando ainda que, decorrendo a venda em segredo, não há razão para os bens lhe não serem adjudicados.
Na sentença recorrida sustentou-se a inexistência de ilegalidade ao ter sido determinada a renovação da venda, com fundamento no disposto no art. 825.º, b), do C.P.C., aplicável nos termos da Portaria n.º 219/2011, de 1 de junho.
Do termo “pode” quanto à aplicação do previsto nessa al. b), resulta que a renovação da venda é alternativa ao anteriormente previsto na al. a).
Dúvidas não subsistem quanto à al. b) ser aplicável, porquanto a Portaria n.º 219/2011, de 1 de julho, para que remete o art.248.º n.º 6 do C.P.P.T., quanto a procedimentos não previstos, regula em termos de ser de dar lugar à aplicação do dito art. 825.º n.º 1 do C.P.C. e o legislador teve decerto em mente proporcionar que o credor pudesse obter daquele modo ainda pagamento, fim que doutro modo poderia ser prejudicado ou mesmo defraudado, ao que não obsta que a venda decorra sob sigilo, conforme invoca a recorrente.
Assim sendo, não faz sentido que se proceda à aplicação do disposto no art. 248.º n.º 3 do C.P.P.T., em que se regula apenas o caso de não terem sido apresentadas quaisquer propostas.
Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo firmou jurisprudência a respeito da disposição correspondente ao dito art. 825.º n.º 1, a qual constava do art. 898.º n.º 3 do anterior C.P.C., em termos dos procedimentos previstos nas al. a) e b) serem aplicáveis em alternativa, conforme se pode ler nos acórdãos de 25-6-2009, de 25-5-2011 e 26-2-2014, da secção do Contencioso Tributário, proferidos nos processos 01107/08, 0454/11 e 01224/13, sendo o último proferido em Pleno da secção, e publicados em www.dgsi.pt.
Decidiu-se então que, no caso de parte de tal pagamento não ser efetuado no ato de abertura e aceitação de propostas, conforme previsto na redação anterior à dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, a falta de cumprimento dessa obrigação implicava “a aceitação da proposta de valor imediatamente inferior ou a determinação de que os bens voltem a ser vendidos, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 898.º do Código de Processo Civil”.
Atualizando o entendimento tido, na falta de depósito do melhor preço de venda efetuada por leilão eletrónico, o órgão de execução fiscal pode proceder à aceitação da proposta de valor imediatamente inferior ou determinar que os bens voltem ainda a ser vendidos, em conformidade com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 825.º do Código de Processo Civil, sem que desta última opção resulte ilegalidade.
Impõe-se consequentemente negar provimento ao recurso e confirmar o decidido.
III. Decisão:
Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o decidido.
Custas pela recorrente que é vencida no recurso – art. 527.º n.º 1 do C.P.C..
Lisboa, 2 de setembro de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.