Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01002/14
Data do Acordão:10/09/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:Não deve admitir-se o recurso excepcional de revista (art. 150º do CPTA) relativamente a questões sobre a interpretação e conjugação dos artigos 22º, 23 e 25º do Dec. Lei 233/2004, de 14/12, se o acórdão recorrido se apresenta claro, coerente e suficientemente apoiado na letra da lei e o recorrente se limita a refutar a tese defendida pela parte contrária, sem dirigir o recurso contra os fundamentos desse mesmo acórdão.
Nº Convencional:JSTA000P18052
Nº do Documento:SA12014100901002
Data de Entrada:09/18/2014
Recorrente:MAOTDR
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O MINISTÉRIO DO AMBIENTE, ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E ENERGIA recorreu, nos termos do art. 150º, 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA que, em 2ª instância, e por insuficiente fundamentação anulou a decisão administrativa que determinou à A…………………., LDA, o pagamento da multa de € 71.120, atentas as alegadas 1.778 toneladas de dióxido de carbono de emissões excedentárias, valor correspondente a 40 € por cada tonelada de dióxido de carbono equivalente que a recorrente emitiu em excesso no ano de 2006.

1.2. Fundamenta a admissibilidade do recurso excepcional de revista dada a inegável relevância social da questão social. Com efeito, diz o recorrente, “a emissão de gases com efeito de estufa é, por demais sabido, uma questão que tem desencadeado apaixonadas controvérsias e tomadas de posição, não deixando indiferente a maioria dos cidadãos”.

1.3. A recorrida – A………………, LDA – considera não haver razão para admitir a revista pois não estão em causa as questões sobre emissão de gases com efeito de estufa, mas apenas saber se um determinado acto administrativo está ou não fundamentado.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O acórdão do TCA Norte anulou o acto administrativo que determinou o pagamento da multa, por entender que o mesmo fez uma errada interpretação/conjugação das normas legais pertinentes sendo ainda insuficiente a sua fundamentação.

“(…)

Ora – diz o acórdão recorrido – atentas as normas legais transcritas e os factos provados, temos que a recorrente, em violação do disposto no transcrito art. 22º, n.º 3 do Dec. Lei 233/2004 (com as supra referidas alterações), não enviou ao Instituto do Ambiente (IA) até 31 de Março de 2007 relatório que contivesse as informações relativas às emissões da instalação ocorridas no ano civil de 2006.

E, atenta esta falta de envio do relatório, o que o IA deveria fazer era proceder à estimativa das emissões da instalação da recorrente, de acordo com os princípios da metodologia de monitorização estabelecidos para essa instalação, notificando a recorrente do valor encontrado, tudo de acordo com o disposto no n.º 5 do art. 23º do referido Dec. Lei 233/2004.

Porém, o que a entidade recorrida fez, sem qualquer justificação concreta, mas apenas fazendo referência a esta especial norma (art. 23º, n.º 5) – cfr. ponto 6 dos factos provados – foi calcular em 1.778 toneladas de CO2 a estimativa do valor das emissões da instalação que apelidou de excedentárias e com base no art. 25º do Dec. Lei 233/2004, precisamente o valor das toneladas de CO2 atribuídas à instalação no ano de 2006 (cfr. ponto 4 dos factos provados).

No entanto, perante a falta de envio do relatório a que alude o n.º 3 do art. 22º, o que se impunha ao IA era que procedesse fundamentada e justificadamente à estimativa das emissões da instalação da recorrente, de acordo com os princípios da monitorização estabelecidos para essa instalação e dessa estimativa notificasse a recorrente – n.º 5 do art. 23º - e ainda, querendo, sancionasse a recorrente, em termos de contra ordenação, pela violação do n.º 3 do art. 22º, com a respectiva coima, que, no caso das pessoas colectivas se situaria entre € 3.500 a € 44.890, de acordo com o disposto no art. 26º, n.º 1, al. c) do Dec. Lei 233/2004.

Quanto ao art. 25º que se refere a Penalizações por emissões excedentárias, o que resulta provado é que à recorrente para o ano de 2006 lhe haviam sido atribuídas 1.778 toneladas de CO2 e que até 30 de Abril de 2007 não devolveu as licenças de emissão suficientes (ou não) para cobrir as emissões referentes ao ano de 2006.

Ora, para aplicar a penalização constante do n.º 2 do art. 25 - € 40 por cada tonelada – penalização que apenas tem a ver com as emissões excedentárias, ou seja além das atribuídas a determinada instalação – alegadamente excedentária em relação às que lhe haviam sido atribuídas (1.778 toneladas CO2), impunha-se que o IA em função da estimativa calculada, nos termos do art. 25º, n.º 3, aplicasse então a respectiva multa (como expressamente lhe chamava o Dec. Lei 233/2004, na versão original, mas que foi abandonada na alteração introduzida pelo Dec. Lei 243-A/2004, de 31/12); mas apenas caso se demonstrasse que haviam sido ultrapassadas as emissões de CO2 atribuídas à recorrente para o ano de 2006.

E, naturalmente, que nessa estimativa se daria conta da concreta emissão de CO2 no ano de 2006 e que não deixaria de repercutir o facto da instalação da recorrente apenas ter alegadamente laborado até Julho de 2006, como alega a recorrente e os factos dados como provados nos pontos 9 e 10, pelo menos indiciam.

Da análise e conjugação das normas dos artigos 22º/23º com o art. 25º resulta para nós evidente que as mesmas versam situações diversas; naquela (arts 22º e 23) – falta de envio do pertinente relatório – puníveis com coima – art. 26º, 1, al. c); - nesta (art. 25º) – produção excedentária de toneladas de CO2 (além das atribuídas para esse ano) com multa de € 40 por cada tonelada excedentária.

(…)

3.3. Como decorre do exposto as questões suscitadas têm a ver com a interpretação dos artigos 22º, 23º e 25º do Dec. Lei 233/2004, de 14/12.

A entidade ora recorrente, através do despacho impugnado nesta acção, e (i) tendo em conta que a ora recorrida não “procedeu à verificação das emissões da instalação ocorridas no ano de 2006, nos termos do art. 23º do Dec. Lei 233/2004, de 14 de Dezembro”, nem (ii) “devolveu até 30 de Abril de 2007, as licenças de emissão suficientes para cobrir as emissões relativas ao ano de 2006, conforme estava obrigada por força do n.º 4 do art. 17º do Dec. Lei 233/2004, de 14 de Dezembro, na sua actual redacção” (iii) procedeu “à estimativa do valor das emissões da instalação para o ano de 2006 que fixou em 1.778 toneladas de dióxido de carbono e consequentemente determinou “a aplicação de uma penalização por 1778 toneladas de dióxido de carbono de emissões excedentárias, no total de 71.120 euros (setenta e um mil e cento e vinte euros), correspondente a 40 euros por cada tonelada de dióxido de carbono

O TCA Norte, como decorre da parte transcrita da sua decisão, entendeu, (i) que a ora recorrida, pelo facto de não ter procedido à verificação da emissão de CO2 e não ter remetido o relatório até 30 de Abril de 2007 incorria em coima; (iii) e que por não ter remetido até essa data as licenças relativas à emissão de CO2 do ano de 2006 só poderia ser penalizado pelas emissões excedentárias – isto é para além das 1.778 toneladas de CO2 que lhes haviam sido licenciadas – “mas apenas se demonstrasse que haviam sido ultrapassadas as emissões de CO2 atribuídas à recorrente para o ano de 2006.”

Como decorre do exposto estão em causa questões relativas à interpretação das regras legais relativas às sanções legais pelo incumprimento de determinadas obrigações impostas às empresas emissores de gases geradores de “efeito de estufa” (artigos 22º, 23º e 25º do Decreto - Lei 233/2004).

Apesar de estar em causa a interpretação e articulação de normas sobre matéria de grande relevância, a verdade é que, no presente caso, a controvérsia que a entidade recorrente suscita neste recurso não justifica a admissão de um recurso excepcional de revista.

Na verdade, o TCA Norte depois de transcrever as normas em causa, interpretou-as e articulou-as através de uma discurso claramente apoiado na letra da lei com suficiente e coerente fundamentação jurídica.

A recorrente na motivação do recurso não enfrenta nem refuta a interpretação do TCA Norte, limitando-se a rebater os vícios que tinham sido imputados ao acto impugnado, continuando, por exemplo, (i) a pronunciar-se sobre uma inconstitucionalidade suscitada nos autos (já decidida pelo TC, nos presentes autos e que por isso o acórdão nem sequer enunciou); (ii) a refutar vícios do acto que o acórdão não reconheceu (não se verifica, diz o recorrente, a violação do art. 3º do CPA); (iii) a tomar como objecto da sua discordância a tese da recorrente e não o acórdão recorrido e as razões nele sublinhadas. Mais: nas conclusões finais imputa ainda ao acórdão a violação do art. 8º da CRP “ao não considerar a recepção automática no direito nacional de normas de direito internacional” - questão que também não foi apreciada no acórdão recorrido.

Ou seja, a interpretação do TCA Norte nunca é, em boa verdade, posta em causa em termos de se compreender com clareza qual a parte da interpretação e coordenação das normas aplicáveis que se pretende ver reapreciada pelo STA.

Daí que, perante uma interpretação coerente, justificada e juridicamente plausível – com claro apoio literal - que não é, em si mesma, posta em causa, não se justifique admitir um recurso excepcional como é a presente revista.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Outubro de 2014. – São Pedro (relator) – Vítor GomesAlberto Augusto Oliveira.