Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0512/11.0BEPRT
Data do Acordão:04/04/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário:I - Uma picada no olho direito ou entrada de pó, nas circunstâncias em que ocorreu, não foi causada por qualquer actividade de contacto com o inimigo (combate, guerrilha ou contraguerrilha) nem teve subjacente eventos directamente relacionados com a actividade operacional, que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo, nem eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
II - Ao invés, ocorreu devido a uma situação ocasional e fortuita, que não é suficiente para se enquadrar na previsão dos nºs 2 e 3 do artº 2º do DL nº 43/76 de 20-01.
Nº Convencional:JSTA000P24418
Nº do Documento:SA1201904040512/11
Data de Entrada:01/18/2019
Recorrente:MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL
Recorrido 1:A........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
A………., residente na Rua …………., freguesia de ……….., Matosinhos, instaurou no TAF do Porto, a presente acção administrativa especial, contra o Ministério da Defesa Nacional, mediante a qual impugna o despacho do Sr. Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional que lhe indeferiu o pedido de qualificação como deficiente das forças armadas, formulando a final os seguintes pedidos:
· «ser anulado o despacho do Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional, datado de 17/12/2010 que indeferiu o pedido de qualificação como Deficiente das Forças Armadas do Autor, por violar o preceituado no artigo 1º, nº 2 e 4 do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, nos artigos 2º e 268º/3 da CRP, bem como o preceituado pelos artigos 124º e 125º do CPA;
· ser o Ministério da Defesa Nacional condenado na prática do acto administrativo devido, reconhecendo que a doença de que padece o Autor foi adquirida durante o exercício militar, em campanha, ou a ela equiparado”.
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O TAF do Porto, por sentença datada de 30 de Junho de 2017, julgou a acção administrativa especial procedente e, em consequência, anulou o despacho do Sr. Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional que indeferiu o pedido de qualificação do Autor como deficiente das forças armadas, e condenou a entidade demandada a praticar novo acto pelo qual reconheça aquela qualidade».
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Inconformado, o Ministério da Defesa Nacional interpôs recurso para o TCA Norte, tendo este proferido acórdão a 15 de Junho de 2018, no qual decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
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É desta decisão que o Ministério da Defesa veio interpor o presente recurso de revista, apresentando para o efeito alegações, que terminou com as seguintes conclusões:
«A O Acórdão ora posto em crise não deu provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo R. junto do TCA Norte, tendo mantido a sentença proferida em 1ª instância pelo TAF do Porto, e, em consequência, determinado “(…) negar provimento ao recurso, confirmando a decisão proferida em 1ª instância”.
B O presente recurso reveste-se de importância fundamental pela sua relevância jurídica e social, sendo a sua admissão claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
C A matéria em causa assume relevância significativa tendo em conta o número de cidadãos que no cumprimento do serviço militar obrigatório se deficientaram e o facto de ainda hoje subsistirem inúmeros processos de qualificação como DFA.
D O presente recurso tem relevância social porquanto, para além do processo sub judice, em causa, no presente recurso de revista, existem vários centenas de ex-militares que se deficientaram nas ex-Províncias Ultramarinas e que viram os seus processos indeferidos em virtude dos acidente que sofreram não poderem ser relacionados com o serviço de campanha.
E Do mesmo modo, existem outras várias centenas de processos DFA em instrução nos Ramos das Forças Armadas ou a aguardar despacho neste Ministério da Defesa Nacional.
F Acresce que, a Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) exerce uma constante monotorização dos processos que se encontram em Tribunal e das decisões que vão sendo emanadas pelos TAF, informando os seus associados do sentido das mesmas, o que leva às inevitáveis comparações entre casos e, não raras vezes, a manifestações de desagrado por parte de ex-militares que se sentem injustiçados face a outros camaradas, causando-lhes angústia e revolta.
G Do ponto de vista jurídico, o mesmo deve ser admitido para uma melhor aplicação do direito, pelos fundamentos que se enunciaram e que sucintamente passamos a expor.
H. No que se refere à relevância jurídica, a mesma prende-se com o relevo social e a incerteza jurídica que rodeia a problemática da qualificação de DFA, nomeadamente no que concerne aos ex-militares que sofrem os mais variados acidentes, os quais não foram subsumidos ao conceito de “acidente ocorrido em campanha” ou em “circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha”, a qual é evidenciada por várias decisões de Tribunais em sentido contrário ao que foi julgado no presente processo.
I. Neste sentido, veja-se o Acórdão de 29 de outubro de 2009 (Proc. 0971/08) do Supremo Tribunal Administrativo, que apresenta as seguintes conclusões:
J. “O STA tem por diversas vezes destacada a necessidade da referida conexão entre o acidente e actividade do inimigo. Como se entendeu no Acórdão de 23-3.2000, proferido no âmbito do recurso nº 45.779 [apêndice do Diário da Republica, de 8.11-2002, a págs. 2896], “… apenas é lícito considerar os eventos determinados no decurso de uma atividade de natureza operacional se relacionados com as actividades do inimigo qualquer que seja a sua forma e, ainda os decorrentes da perigosidade da missão ou da zona, desde que tenha sido essa a causa”;
K. “Igual entendimento foi acolhido no Acórdão de 20-11.97, proferido no âmbito do recurso nº 37.141 [Apêndice ao Diário da Republica de 28 de Setembro de 2001, pág. 8129 e seguintes], onde se decidiu que “o serviço de campanha pressupõe que ele tenha ocorrido no teatro de operações de guerra guerrilha ou contra guerrilha, em consequência de operações directas ou indirectas do inimigo, ou em actividade de natureza operacional isto é, em situação de ataque ou defesa perante o inimigo”. Neste último acórdão é citado o Acórdão do STA, de 4.6.96, onde se refere que o facto de se tratar de uma zona de campanha não é determinante, desde que essa circunstância se tenha relevado na prática como totalmente indiferente para a produção do evento, em termos de casualidade adequada.”
L. “E, finalmente, no Acórdão de 18.11.98 [Apêndice ao Diário da Republica de 6 de Junho de 2002, a págs. 7180 e seguintes], entendeu-se que “não pode considerar-se como ocorrida em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha […] a ocorrência que se deveu a circunstâncias ocasionais e fortuitas e não à especial perigosidade da operação, ainda e só de transporte de tropas e que nos autos revela exceder o risco que é próprio das actividades castrenses”.
M. “Não é pois suficiente que a zona onde o mesmo tenha ocorrido seja de campanha, e portanto, que seja zona de possível ataque do inimigo. É necessário que o acidente decorra em termos de causalidade adequada do perigo criado pela presença [actual ou iminente] do inimigo”.
N. “Por isso, não viola os artigos 1º e 2º do DL nº 43/76 o entendimento que exclui os acidentes que, embora em zona de campanha, ocorram por causas que nada tem a ver com o perigo especialmente decorrente da presença do inimigo (…)”.
O. Analisando o caso sub Júdice, designadamente o quadro factual dado como provado, verificamos que o Recorrido padece atualmente de doença do foro Oftalmológico à qual foi atribuída uma incapacidade de 30%, a qual estará relacionada com o cumprimento do serviço militar designadamente o serviço prestado em Angola, de outubro de 1970 a novembro 1972.
P. No período em que cumpriu serviço militar naquela ex-Província Ultramarina, o Recorrido exercia as funções de atirador tendo, em razão das funções que desempenhou, efetuado inúmeros patrulhamentos, e num deles, sofrido uma picadela de um inseto, o que terá originado a doença de que hoje padece.
Q. E conforme ficou claramente demonstrado no processo instruído, concernente ao recorrido, o acidente (picada no olho direito) ficou a dever-se a causas fortuitas, provavelmente a picada de inseto ou pó das estradas, como resulta aliás das declarações do próprio e das testemunhas, prestadas durante a instrução do processo administrativo.
R. Assim, não tendo resultado provado no processo que o acidente foi causado por qualquer atividade de contacto com o inimigo (combate, guerrilha ou contraguerrilha), mas que se deveu a circunstâncias meramente ocasionais e fortuitas, o facto de ter ocorrido numa zona onde a possibilidade de ataque do IN era possível revelou-se, na prática, totalmente indiferente para a produção do evento em termos de causalidade adequada.
S. Pelo que se requer a esse venerando coletivo uma análise mais aprofundada dos normativos aplicáveis, o que se mostra claramente necessário para a aplicação do direito em termos seguros, previsíveis e de igualdade de tratamento.
Termina pedindo a procedência do recurso.
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O ora Recorrido apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma:
«1ª - O Acórdão de 18.06.2018, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte nos autos confirmou na íntegra a decisão proferida na 1ª Instância, na qual foi concedido provimento ao pedido de anulação do ato administrativo formulado pelo Autor e condenado a aqui Recorrente na prática de novo ato pelo qual reconheça essa qualidade.
2ª - Decidiu, tanto a 1ª Instância como o Tribunal Central Administrativo Norte que a lesão sofrida pelo recorrido, durante uma missão de patrulhamento militar, insere-se no âmbito do conceito de circunstância diretamente relacionada com o serviço de campanha, porquanto se trata de um evento diretamente relacionado com a atividade operacional e que pelas suas características implica perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo.
3ª – Sendo certo que a entidade recorrente nunca colocou em causa o contexto do acidente, nomeadamente que a “picadela” tenha ocorrido durante uma operação de patrulhamento.
4ª - Com os Acórdãos invocados para a interposição do presente recurso de Revista pretende a entidade Recorrente, mais uma vez, integrar a lesão sofrida pelo Recorrido, durante uma missão de patrulhamento como uma mera picada de inseto, ou seja, “uma mera circunstância fortuita”.
5ª – Contudo, e no modesto entendimento do Recorrido, a situação em apreço, ao contrário do alegado pela entidade Recorrente, não é comparável às situações descritas nos Doutos Acórdãos do STA, por esta invocados.
6ª - Isto porque, temos de ter em consideração as circunstâncias em que ocorreram o evento:
- O contexto de perigosidade (presente na atividade de patrulhamento em zona de guerra) afeta o normal modus operandi de qualquer ser humano: o seu instinto de sobrevivência altera as suas normais condições de vigilância, cuidado e reação relativamente a vários fatores que nada tenham a ver com o contexto militar;
- A intervenção, socorro e acompanhamento médico, de militares em operações militares não é, em termos de celeridade e qualidade, semelhante à que existe na normal vida “castrense” ou em “zona de paz”.
7ª – Neste sentido, conclui o Tribunal Central Administrativo Norte:
«Só o facto de o recorrido ter vindo a ser internado no Hospital de Luanda, atenta a localização onde ocorreu o descrito acidente, apenas após, pelo menos, 10 dias (Acidente ocorreu em Março de 1972 e internamento verificou-se em 10/04/1972), potenciou necessariamente as suas consequências nefastas, que poderiam ter sido certamente minoradas, não estivesse o recorrido no mato, em teatro de guerra, o que evidencia só por si o risco acrescido a que estavam sujeitos os militares, desde logo em decorrência da sua colocação operacional».
8ª – Atente-se ainda que o Recorrido necessitou de 45 dias de internamento do HM de Luanda, e não de uma mera visita à enfermaria do local onde estava aquartelado!
9ª – Venerandos Conselheiros, não podemos ignorar que o Recorrido sofreu a “picadela no olho direito” durante uma operação militar, numa zona de guerra, onde a atividade da Companhia militar que «integrava era intensa, com patrulhamentos e ataques constantes, no decorrer dos quais havia contato direto e indireto com o inimigo».
10ª - Pelo que no modesto entendimento do aqui Recorrido, o evento em questão ocorreu num quadro que implicou um perigo superior ao normal, tanto pela existência de vários condicionalismos suscetíveis de afetar a atuação de um militar, como na impossibilidade da prestação de socorro ou cuidados médicos adequados.
11ª – Face ao exposto, e no modesto entendimento do Recorrido a situação em apreço, não é comparável às situações descritas nos Doutos Acórdãos do STA, invocados pela Recorrente no presente recurso de Revista.
12ª - É pois de todo necessário que in casu se faça inteira e sã Justiça, no total respeito pela dignidade humana do aqui Recorrido que perdeu a visão do seu olho direito no cumprimento do serviço militar obrigatório».
Termina pedindo a improcedência do recurso.
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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA, na formação a que alude o artigo 150º do CPTA, proferido a 15 de Dezembro de 2018.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, emitiu Parecer no sentido se ser negado provimento ao recurso de revista.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos é a que segue:
«1. O ora Autor foi incorporado, como recrutado, no Regimento de Infantaria 14 em 28.04.1970, e cumpriu uma comissão de serviço na ex-região militar de Angola, integrado na Companhia de Caçadores 2775, com a especialidade de atirador, no período de 12.10.1970 a 25.11.1972 – cf. documentos de fls. 5 a 8 do processo administrativo apenso aos autos;
2. Em 10.04.1972, o Autor baixou à enfermaria de oftalmologia do Hospital Militar de Luanda, em virtude de padecer de “queratite dentrítica”, após ter sentido uma picada no olho direito durante uma missão de patrulhamento na zona da serra da “Quibinda” para intimidação das forças inimigas, tendo tido alta em 05.05.1972 – cf. documentos de fls. 10 a 14 do processo administrativo apenso aos autos;
3. Por requerimento datado de 05.09.2001, recebido nos serviços do Estado-Maior do Exército em 07.09.2001, o ora Autor requereu a instauração de um procedimento tendo em vista o reconhecimento da qualidade de deficiente das forças armadas, aí invocando que no decorrer de uma operação militar realizada no mês de Março de 1972, na zona da serra de “Quibinda”, sentiu uma picada no olho direito, e a partir dessa altura começou a sentir fortes dores, tendo o olho ficado vermelho, o que originou o internamento referido no número anterior, bem como, que a lesão se agravou ao longo dos anos, tendo acabado por ficar cego daquele olho – cf. documento de fls. 3 do processo administrativo apenso aos autos;
4. Na sequência desse requerimento, foi instaurado e correu termos junto da Escola Prática de Transmissões da Região Militar do Norte do Exército o processo sumário por doença identificado pelo nº 86/02 – cf. o processo administrativo apenso aos autos;
5. No âmbito desse processo, o Autor prestou declarações em 24.10.2002, tendo aí confirmado o teor do requerimento apresentado, designadamente que o problema de visão de que padece no seu olho direito resultou do serviço militar, uma vez que aquele só apareceu no decorrer da comissão de serviço em Angola, tendo-lhe sido dito, na altura, que teria tido origem na picadela de um inseto ou do contacto com o pó a que estavam sujeitos durante as operações que realizam nas picadas, bem como que permaneceu internado no Hospital Militar de Luanda – cf. auto de declarações de fls. 17 e 18 do processo administrativo apenso aos autos;
6. Em sede de instrução do mesmo processo, foram ainda ouvidas cinco testemunhas, sendo que três delas (de entre as quais o furriel enfermeiro B……….. e o então comandante da companhia C……….) confirmaram que o ora Autor foi picado no olho direito durante uma operação militar, tendo sido internado, e que manteve as queixas em relação ao olho mesmo depois de ter alta; a testemunha …………., então comandante do pelotão a que o Autor pertencia, confirmou a ocorrência da picadela, mas não se recordando do internamento; e ainda a testemunha C……… declarou que a companhia estava sedeada em Aldeia Viçosa, e que a atividade da mesma era intensa, com patrulhamentos e ataques constantes, no decorrer dos quais havia contacto direto e indireto com o inimigo, participando o ora Autor sempre que exigido – cf. autos de declarações de fls. 38, 49, 59, 86 e 96 do processo administrativo apenso aos autos;
7. Em 30.06.2003, o ora Autor apresentou-se no Hospital Militar Regional nº 1, tendo sido confirmado pelo médico que o mesmo apresenta “leucoma corneano central por queratite herpética do olho direito”, mais fazendo constar do relatório médico que “existe pois nexo de causalidade entre a história e o tipo de lesão apresentada atualmente” – cf. relatório médico de fls. 63 do processo administrativo apenso aos autos;
8. Já em 22.02.2006, o ora Autor apresentou-se à Junta Hospitalar de Inspeção do Hospital Militar Regional nº 1, tendo esta Junta emitido parecer no sentido de o Autor se encontrar incapaz para todo o serviço militar, e apto parcialmente para o trabalho com 30% de desvalorização – cf. documentos de fls. 106 do processo administrativo apenso aos autos;
9. Em 05.03.2009, a comissão permanente para informações e pareceres (CPIP) do Exército emitiu o parecer identificado pelo nº 209, concluindo nos seguintes termos: PARECER – Nestas condições, esta Comissão é de parecer que o estado clínico atual do requerente pelo qual a JHI julgou este ex. militar incapaz de todo o serviço militar apto parcialmente para o trabalho com 30% de desvalorização, está relacionado com o serviço”; parecer que foi homologado por despacho do Sr. Diretor de Justiça e Disciplina de 27.08.2009 – cf. documento de fls. 112/113 do processo administrativo apenso aos autos;
10. Após a realização destas diligências, foi elaborada informação pela Direção de Serviços de Assuntos Jurídicos do Ministério da Defesa Nacional, identificada pelo nº 2010 – 12924, e da qual consta, nomeadamente e para o que ao caso dos autos releva, o seguinte:

“(…)
IV – Análise
16 – Resulta dos presentes autos que o ex-soldado A………. cumpriu uma comissão de serviço na ex-RM de Angola, no período de 12.10.70 a 25.11.72, e padece atualmente de doença da córnea.
17 – A entidade médica competente (CPIP/DSS) considerou que a doença de que padece atualmente o requerente foi resultado do serviço militar prestado em Angola.
18 - Acontece, porém, que o aparecimento desta doença do foro oftalmológico – fonte de incapacidade – não teve na sua origem a prestação de serviço de campanha ou de situações equiparadas, nos termos fixados no Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
19 – Com efeito, não resulta provado do processo que o aparecimento da doença, de que padece o requerente, se deve a qualquer ação (direta ou indireta) do inimigo, ou do possível contacto com ele, ou de qualquer atividade de natureza operacional, isto é, em situação de ataque ou defesa do inimigo, ficando antes a dever-se a causa fortuita (provavelmente a picada de inseto ou a pó das estradas de terra, de acordo com declarações do requerente a fls. 17 e declarações das testemunhas).
20 – Assim, apesar de se considerar esta doença como adquirida em serviço e de lhe ter sido atribuído um grau de desvalorização (30%) correspondente ao mínimo legal exigido, o facto de a mesma não ter sido adquirida ou agravada “em serviço de campanha” ou “em circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha” afasta a qualificação do requerente como DFA.
V – Conclusão
No seguimento do exposto, a atendendo a que não se encontra preenchido o nexo de causalidade entre a doença de que padece o requerente e o serviço em campanha, ou a ele equiparado, somos de parecer, s.m.o., que o ex-Soldado NIM ……….A……… não deve ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, porquanto não reúne o requisito exigido para o efeito pelo nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, devendo o mesmo ser notificado do presente projeto de decisão final, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo.

(…)”; - cfr. documento de fls. 117 a 120 do processo administrativo apenso aos autos;
11. Sobre essa informação recaiu despacho de concordância da Sra. Diretora de Serviços, em 08.11.2010 – cf. documento de fls. 117 do processo administrativo apenso aos autos;
12. O ora Autor foi notificado da informação e do despacho referidos, para se pronunciar quanto ao projeto de decisão, mediante ofício datado de 09.11.2010, de referência 013049 expedido por correio registado – cf. documentos de fls. 121/122 do processo administrativo apenso aos autos;
13. Em 08.12.2010, foi elaborada nova informação sobre a situação do Autor, identificada pela referência 2010 – 17496, cujo teor é idêntico ao da informação nº 2010 – 12924, na parte acima transcrita, e na qual se conclui do seguinte modo:
“(…)
V – Conclusão
No seguimento do exposto, a atendendo a que não se encontra preenchido o nexo de causalidade entre a doença de que padece o requerente e o serviço em campanha, ou a ele equiparado, somos de parecer, s.m.o., que o ex-Soldado NIM ……….. A……… não deve ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, porquanto não reúne o requisito exigido para o efeito pelo nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

(…)”; cfr. documento de fls. 123 a 126 do processo administrativo apenso aos autos;
14. Sobre esta informação recaiu, em 16/12/2010, o seguinte despacho do Sr. Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional: “Concordo. Em consequência, ao abrigo da competência que me foi subdelegada, através do Despacho nº 2003/2010, publicado no D.R., II Série, nº 20, de 29 de Janeiro de 2010, não qualifico o ex-Soldado NIM ………. A…………. deficiente das Forças Armadas, porquanto não preenche o requisito exigido pelo nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro” – cf. documento de fls. 123 do processo administrativo apenso aos autos;
15. A informação e o despacho a quem vêm de aludir-se foram notificados ao Autor por ofício datado de 17.12.2010, de referência 017945, expedido por correio registado nesse mesmo dia – cf. documentos de fls. 127 e 128 do processo administrativo apenso aos autos.
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2.2. O DIREITO
A questão que importa analisar e decidir, consiste em verificar se o aqui recorrido reúne as condições para que possa ser qualificado como Deficiente das Forças Armadas, sendo que, dos factos dados como assentes, decorre que o autor durante uma missão de patrulhamento na zona da serra da “Quibinda”, em Angola, sofreu uma picada de insecto no olho direito. Veio a ser internado na enfermaria de oftalmologia do Hospital Militar de Luanda. Foi-lhe diagnosticado “queratite dentrítica”, da qual veio a resultar a cegueira do referido olho, com uma incapacidade declarada de 30%.
A este propósito vejamos a legislação aplicável:
Resulta desde logo do preâmbulo do DL nº 43/76 de 20.01, que «O Estado Português considera justo o reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situação de perigo ou perigosidade e estabelece que as novas disposições sobre a reabilitação e assistência devidas aos deficientes das forças armadas (DFA) passem a conter o reflexo da consideração que os valores morais e patrióticos por eles representados devem merecer por parte da Nação».
Para depois, no seu artº 1º, sob a epígrafe “Definição de deficiente das forças armadas” estipular: «
1. O Estado reconhece o direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua integração social.
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função, tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor;
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.
3. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.
Por seu turno no artº 2º, sob a epígrafe “Interpretação de conceitos no artº 1º: “o legislador previu o seguinte:
«1. Para efeitos de definição constante do nº 2 do artigo 1.º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para angariar meios de subsistência, designada por «incapacidade geral de ganho», deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O «serviço de campanha ou campanha» tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As «circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha» têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. «O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores», engloba aqueles casos especiais, não previsíveis, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei». – sub nossos.
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Feita esta resenha legislativa, podemos concluir que o legislador fixou quatro requisitos, de verificação cumulativa, que o interessado tem de preencher, para efeitos de ser classificado DFA, sendo que, o preenchimento dos requisitos que se enunciaram nos pontos (ii), (iii) e (iv) fica dependente de se verificar uma das alternativas admitidas pelo legislador [supra transcritas].
Em termos de factualidade, no caso sub judice, temos que foi entendido que o autor da presente acção/ora recorrido não preenchia o requisito que impõe que a doença tenha sido adquirida ou agravada “em serviço de campanha” ou “em circunstâncias relacionadas com o serviço de campanha”.
Ou seja, segundo o recorrente, a picadela que o recorrido sentiu no olho direito enquanto realizava uma acção de patrulha ficou a dever-se apenas a uma “causa fortuita (provavelmente a picada de insecto ou a pó das estradas de terra”, justificando-se essa conclusão, com o fundamento que não resulta provado do processo que o aparecimento da doença, de que padece o requerente, se deve a qualquer acção (directa ou indirecta) do inimigo, ou do possível contacto com ele, ou de qualquer actividade operacional, isto é, em situação de ataque ou de defesa do inimigo.
Conclui o recorrente que a lesão sofrida pelo recorrido, registada no âmbito de uma acção de patrulhamento, sem contacto com o inimigo (pressuposto que a decisão não coloca em crise), não pode ser considerada como tendo ocorrido em “serviço de campanha”, ou tendo ocorrido em “circunstâncias relacionadas com o serviço de campanha”.
A decisão de 1ª instância, no que foi secundada pelo acórdão recorrido, para justificar o preenchimento cumulativo de todos os requisitos, designadamente, que a lesão sofrida pelo requerente durante uma missão de patrulha, se insere no conceito de circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, fundamentou-se no seguinte:
“(...)
A resposta a dar à questão que se suscita passa pela consideração do disposto no art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20.01, ao qual as partes se referem, e que define os conceitos pertinentes. No que ao caso concreto diz respeito, importa ter presente os n.ºs 2 e 3 do preceito referido, nos quais se lê o seguinte:
“2. O «serviço de campanha ou campanha» tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as ações diretas do inimigo, os eventos decorrentes de atividade indireta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra atividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As «circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha» têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos diretamente relacionados com a atividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra atividade de natureza operacional, ou em atividade diretamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.”
(...)
De acordo com o que consta dos respetivos articulados, não se coloca sequer a hipótese de aplicação do n.º 2. Aliás, nem tal poderia ser, porquanto o Autor alega que sofreu o acidente em patrulhamento, e não em eventos direta ou indiretamente relacionados com o inimigo (ou seja, não resultou, por qualquer forma, de combate).
Resta, nesse caso, apreciar a hipótese de a situação subsumir ao n.º 3 – sendo esse o busílis que separa a posição das partes. E a este propósito havemos de dar razão ao Autor.
Na verdade, comece por ser salientado que a entidade demandada não coloca em causa o contexto do acidente; designadamente, em momento algum vem negado que a picadela tenha ocorrido durante um patrulhamento – como de resto já se referiu anteriormente.
Pois bem, essa atividade – de patrulhamento – insere-se, segundo cremos, no conceito de circunstância diretamente relacionada com o serviço de campanha. Por um lado, porque se trata de eventos relacionados com a atividade operacional, já que consiste em procurar posições inimigas, garantindo o seu afastamento do local de aquartelamento (vulgarmente designadas por “picadas”, sobretudo quando em busca de minas plantadas pelo inimigo). Depois, é uma atividade que pressupõe contacto possível com o inimigo, implicando por isso perigo.
Aliás, e como se disse, o patrulhamento militar visa precisamente detetar posições inimigas; quando os militares saem em patrulha, existe sempre a possibilidade de, durante essa atividade, se cruzarem com o inimigo, entrando em combate.
Assim se distingue, com efeito, o contacto direto ou indireto com o inimigo (ou seja, a campanha) do contacto apenas hipotético com o mesmo.
Não colhe, a este propósito, o argumento aventado pela entidade demandada nos artigos 65.º e 66.º da contestação, segundo o qual se preencheria o respetivo conceito desde que o acidente ocorresse durante o serviço militar prestado em toda a ex-província ultramarina de Angola, porque em todo esse território era possível o contacto com o inimigo. A entidade demandada confere à norma um sentido que ela não tem.
Repita-se, apenas para refutar o que assim se diz, que o legislador não exige apenas o contacto hipotético com o inimigo; pelo contrário, impõe que esse contacto decorra em eventos diretamente relacionados com a atividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo. Não é, deste modo, a mera hipótese de contacto com o inimigo que permite preencher o conceito em causa; o que permite retirar esta conclusão é a circunstância de o contacto hipotético com o inimigo resultar de um evento diretamente relacionado com a atividade operacional que se revele perigoso.
E esse é, frisamos, o caso do patrulhamento militar em áreas de guerra. Pense-se, a propósito, e apenas para ilustrar, na possibilidade de os soldados serem emboscados durante as atividades de patrulhamento no mato.
A este propósito, analisamos a jurisprudência trazida a lume pela entidade demandada. Desde logo, é certo que toda a jurisprudência tem assinalado o caráter especial do estatuto de deficiente das forças armadas. Aliás, e como também vem sendo dito, esse desiderato decorre do preâmbulo do próprio diploma que institui este regime. A este propósito, podem citar-se os acórdãos do STA de 08.02.1994, proferido no processo n.º 031398, e de 04.06.1996, proferido no processo n.º 037362 (a que a Autora alude).
No entanto, cumpre dizer o seguinte. No caso do acórdão do STA de 04.06.1996, está em causa a situação de um soldado que sofreu um acidente de viação, quando ia socorrer uma viatura militar que havia avariado no dia anterior. Situação que não só nada tem que ver com o caso dos autos, como permite ilustrar a necessidade de a lesão ter ocorrido no âmbito de um evento diretamente relacionado com a atividade operacional (arranjar a viatura será, quanto muito, um evento indiretamente relacionado com a atividade operacional, e nem pelas suas características implica perigo em circunstância de contacto possível com o inimigo). E já no acórdão do mesmo STA de 08.02.1994, o que se colocava em causa era um acidente ocorrido com a instrução a mancebos (pelo que também nem sequer existe o critério do contacto possível com o inimigo).
Acrescente-se, aliás, que os meros acidentes de viação sofridos por militares (ou seja, sofridos fora de atividades de natureza operacional) não têm sido admitidos para efeitos da qualificação do sinistrado como deficiente das forças armadas, reduzindo-se assim a meros acidentes de serviço. Veja-se a este propósito o acórdão do TCA Sul de 04.05.2006, proferido no processo n.º 05713/01, no qual estava em causa o mero patrulhamento de estradas. Mas, por exemplo, no caso do Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 27.09.1990 (parecer n.º 000421190, disponível em www.dgsi.pt) considerou-se como acidente de campanha o ocorrido durante o patrulhamento para deteção de minas, em que um desses engenhos explodiu.
Já no acórdão do TCA Norte de 03.04.2008, proferido no processo n.º 01617/04.0BEVIS, fez-se constar o seguinte:
“Deste modo, só poderá ser qualificado como DFA o militar que, sacrificando-se pela Pátria n.º 1 do art. 01.º, se tenha deficientado num teatro de guerra ou de guerrilha por causa, direta ou indireta, das atividades do inimigo ou do possível contacto com ele e que tudo ocorra em condições de perigo e dificuldade superiores às da vida castrense normal.
Tal, porém, não significa que só possa ser assim considerado quem se tenha deficientado em resultado de atos de bravura e sacrifício próximos do heroísmo, visto que não sendo o espírito da lei premiar o cumprimento normal da função militar e, portanto, os riscos normais a ela inerentes, também não é o de premiar só os atos de heroísmo ocorridos em circunstâncias únicas ou verdadeiramente excecionais.
O DFA é, pois, o militar comum que, ao serviço da Pátria, no teatro de guerra e em circunstâncias anormais de perigo, cumpriu o seu dever, com coragem e abnegação e, em função disso, adquiriu uma deficiência”.
A necessidade de interpretar restritivamente os preceitos do Decreto-Lei em causa significa, assim, que o estatuto de deficiente depende do preenchimento de todos os seus requisitos, não bastando que a lesão ou doença tenha sido adquirida durante o período de serviço militar. O que, de resto, se deixou já explicado.
Além disso, e num caso semelhante ao dos autos, consignou-se no acórdão do TCA Norte de 19.01.2006, proferido no processo n.º 00092/04, que “o despiste de uma viatura militar ao tentar desviar-se de umas cabras, indo embater numa palmeira, ocorrido algures em Cabinda, Angola, em período de guerra, e durante uma patrulha motorizada destinada à deteção de postos inimigos, ao longo de uma picada, constitui acidente ocorrido em “circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha”.
Assim, e concluindo, a lesão sofrida por um soldado durante uma missão de patrulhamento militar insere-se no âmbito do conceito de circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha, porquanto se trata: de um evento diretamente relacionado com a atividade operacional; e que pelas suas características implica perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo.
Procede, assim, o alegado vício de violação de lei, porquanto a interpretação veiculada pela entidade demandada, e que constitui o pressuposto jurídico da decisão, viola o disposto no art.º 1.º, n.º 2, e no art.º 2.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 30.01.
(...)»
Mais se acrescenta no acórdão recorrido que «uma missão de patrulhamento militar no mato, em teatro de guerra, não pode deixar de ser qualificada à luz do Artº 2º nº 3 do DL nº 43/76, como evento diretamente relacionado com a atividade operacional que pelas suas características implique perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo, ou, no mínimo, como evento ocorrido no decurso de qualquer outra atividade de natureza operacional, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
É pois patente que um qualquer patrulhamento no mato, em ambiente de Guerra implica sempre necessariamente, no mínimo, alguma perigosidade».
Não cremos, contudo, que o assim decidido se deva manter até porque a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender no que toca à interpretação do artº 2º, nº 3 do DL nº 43/76 que «as circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha», não dependem apenas do acidente ocorrer em zona de campanha, fazendo assim uma interpretação cautelosa desta norma.
A este propósito, consignou-se no Acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal, de 16.06.2005, in rec. nº 0274 o seguinte: «A jurisprudência do STA tem sustentado que a clareza com o que o legislador expôs e desenvolveu os citados conceitos revela que pretendeu que os mesmos fossem interpretados de um modo restritivo, o que quer dizer que a atribuição da qualidade de DFA deve ser feita, apenas e tão só, a quem preencha por inteiro os apontados requisitos.
E, sendo assim, não basta para ser qualificado como DFA que a deficiência tenha sido adquirida durante a prestação do serviço militar e por causa deste, em zona susceptível de ocorrerem ataques inimigos, pois que a lei exige mais do que isso, exige que a mesma tenha sido adquirida no teatro de operações onde tenham lugar operações de guerra, guerrilha ou contraguerrilha e tenha resultado da actividade operacional, directa ou indirecta, do inimigo ou de eventos ocorridos no decurso de qualquer actividade de natureza operacional que, pelas suas características ou pelas circunstâncias concretas do caso, impliquem perigo superior ao normal. - Neste sentido vejam-se Ac.s do Pleno de 8/2/94 (rec. 33.133), de 18.10.94 (rec. 31.398) e de 5/7/2001 (rec. nº 36666) e da Secção de 4/6/96 (rec. 37.372), de 11.12.97 (rec.º 39.379), de 21/04/2005 (rec. 106/04) e de 19/05/2005 (rec. 1.852/03) e jurisprudência neles citada.
Ou seja, - como se afirma no citado Acórdão de 4/6/96 (rec. 37.372) - a qualificação como DFA exige, «que o serviço seja prestado em condições de risco que ultrapassem, de modo sensível, o risco comum à generalidade dos militares em serviço activo, risco aquele especialmente agravado mercê das circunstâncias especiais ou excepcionais de lugar, modo e tempo, que acarretem para o prestador uma maior e particular vulnerabilidade ao desgaste de ordem física e psíquica e às respectivas sequelas traduzíveis na diminuição da respectiva capacidade aquisitiva. E mais: exige-se que tais circunstâncias sejam potenciadas por actuações de carácter humanitário ou patriótico, reveladoras do espírito de abnegação e sacrifício».
Deste modo, só poderá ser qualificado como DFA o militar que, sacrificando-se pela Pátria N.º 1 do art.º 1.º do DL 43/76., se tenha deficientado num teatro de guerra ou de guerrilha por causa, directa ou indirecta, das actividades do inimigo ou do possível contacto com ele e que tudo ocorra em condições de perigo e dificuldade superiores às da vida castrense normal.
Isso, porém, não significa que só possa ser assim considerado quem se tenha deficientado em resultado de actos de bravura e sacrifício próximos do heroísmo, visto que não sendo o espírito da lei premiar o cumprimento normal da função militar e, portanto, os riscos normais a ela inerentes, também não é o de premiar só os actos de heroísmo ocorridos em circunstâncias únicas ou verdadeiramente excepcionais.
O DFA é, pois, o militar comum que, ao serviço da Pátria, no teatro de guerra e em circunstâncias anormais de perigo, cumpriu o seu dever, com coragem e abnegação e, em função disso, adquiriu uma deficiência».
Resulta daqui que, se a ocorrência se dever meramente a circunstâncias ocasionais e fortuitas, o facto de se tratar de uma zona de campanha, revela-se, na prática, totalmente indiferente para a produção do evento.
Pelo mesmo diapasão, se seguiram outros Acórdãos, de que salientamos o proferido em 05.07.2001, in rec. nº 033666 [Pleno], que expressamente refere:
«I - O serviço de campanha ou equiparado, para efeitos do disposto no nº 2 do art.º 2° do DL n° 43/76, de 20 de Janeiro, pressupõe operação ou efeito de operação frente ou contra o inimigo.
II - É, porém, equiparado a serviço de campanha, para efeitos do nº 2 do art.º 1º do mesmo diploma legal, a ocorrência de eventos, em actividade de natureza operacional, que, pelas suas características, impliquem perigo derivado de circunstâncias de contacto possível com o inimigo.
III - Para qualificação de um militar como Deficiente das Forças Armadas importa que o acidente de que resulta a sua incapacidade haja ocorrido em condições que tenha resultado, de modo necessário e em termos de nexo de causalidade adequada, um risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas no nº 2 do citado art.º 2°, isto é, um risco que exceda o que é próprio das actividades castrenses».
Dito isto regressemos ao caso sub judice, atentando nas circunstâncias concretas em que ocorreu a lesão do olho direito do requerente/ora recorrido.
E esta produção, encontra-se bem definida, na factualidade provada, de onde resulta [sem que seja contestado pelo recorrente] que o autor sentiu uma picada no olho direito, resultante de uma picada de insecto ou do contacto com o pó da terra, durante uma missão de patrulhamento na zona da serra da Quibinda para intimidação das forças inimigas.
Mas será que esta actividade de patrulhamento, mesmo integrada no conceito de circunstância directamente relacionada com o serviço de campanha pode integrar, no seu todo, o requisito previsto no nº 3 do artº 2º do citado DL ?
Não cremos, uma vez que, como já supra referimos, toda a jurisprudência deste Supremo Tribunal acolhe a tese, de que, “as circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha” não dependem apenas do acidente ocorrer em zona de campanha; ou seja é necessário mais do que isso; o facto de se tratar de uma zona de campanha não é, só por si, determinante, desde que essa circunstância se tenha relevado na prática, como totalmente indiferente para a produção do evento, em termos de causalidade adequada, que foi o que no caso sucedeu.
Com efeito, a picadela de um insecto no olho, ou o contacto com o pó da terra, apesar de ter ocorrido durante um patrulhamento, actividade esta que não custa aceitar esteja relacionada directamente com o serviço de campanha, não deixa de dever considerar-se um caso fortuito, uma vez que as circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha não dependem apenas do acidente ocorrer em zona de campanha. Exige-se ainda, como não podia deixar de ser, que exista uma correspondência em termos de causalidade adequada, o que no caso não existe; o facto do autor se encontrar numa zona de campanha, não foi o determinante da picada ou do pó que lhe entrou no olho direito.
Ou dito, de outro modo, o acidente (picada no olho direito ou entrada de pó) não foi causado por qualquer actividade de contacto com o inimigo (combate, guerilha ou contraguerrilha) nem teve subjacente eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo, nem eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
Ao invés, ocorreu devido a uma situação ocasional e fortuita, que não é suficiente para se enquadrar na previsão dos nºs 2 e 3 do artº 2º do DL nº 43/76 de 20-01, conduzindo à procedência do recurso e à improcedência da acção intentada pelo autor.

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em, com os fundamentos supra expostos, revogar a decisão recorrida e, em julgar improcedente a acção intentada pelo autor A.........contra o Ministério da Defesa Nacional.
Custas pelo autor nas instâncias e neste STA.

Lisboa, 4 de Abril de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.