Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01451/12
Data do Acordão:03/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IVA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
Sumário:I - O facto tipificado como contra-ordenação no nº 2 do art. 114º do RGIT é o tipificado no nº1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, constituindo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue.
II - Não preenche o tipo legal de contra-ordenação previsto e punido nos números 1 e 2 do art. 114º do RGIT a falta de entrega da prestação tributária de IVA, pois no IVA a prestação a entregar é, não a prestação tributária deduzida, mas a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.
Nº Convencional:JSTA00068171
Nº do Documento:SA22013031301451
Data de Entrada:12/18/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR SANCIONATÓRIO - IVA
Legislação Nacional:RGIT01 ART114 N2 N5
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0540/09 DE 2011/11/23; AC STA PROC0729/12 DE 2012/09/26
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS 4ED AREAS EDITORA LISBOA 2010 PAG814-815.
ISABEL MARQUES DA SILVA - NULLA POENA SINE LEGE OU A NÃO PUNIBILIDADE DA NÃO ENTREGA DO IVA NÃO RECEBIDO FINANÇAS PUBLICAS DIREITO FISCAL N3 PAG242.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A………, LDA, com os sinais dos autos, recorreu da aplicação de uma coima, por lhe ter sido imputada a falta de entrega, em tempo devido, de quantias referentes a IVA, aplicada pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cantanhede, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que negou provimento ao recurso.

2. Não se conformando com tal decisão, A………., LDA., interpôs recurso para a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as suas Alegações, com as seguintes Conclusões:
“1. O art. 114.º do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a «falta de entrega da prestação tributária», não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por não ter sido recebido ou retido.
2. A sentença recorrida, contrariamente a tal entendimento, refere que estando feito o apuramento do IVA, deve o mesmo ser entregue, pois inexistiam dúvidas sobre se o mesmo era ou não devido.
3. O facto do IVA estar apurado não quer significar que o mesmo tenha sido recebido, sendo que nem sequer consta da decisão de fixação de coima qualquer facto narrativo de que a ora recorrente tinha efectivamente recebido o imposto.
4. Da alínea a) do n.° 1 do artigo 32.° do RGIT, não resulta que, em abstracto, estejam excluídos todos os casos em que se está perante uma coima aplicada por falta de pagamento da prestação tributária.
5. A actual redacção da norma tem aplicação a todas as coimas independentemente da norma que as preveja, sendo necessário indagar a se e perante as circunstâncias do caso, se houve ou não prejuízo efectivo para a receita tributária.
6. A noção de prejuízo efectivo pressupõe a sua determinação em concreto perante a especificidade do caso, não podendo apenas reduzir-se ao mero prejuízo virtual, hipotético ou possível, configurável perante todos os tft,os de actos dos contribuintes contraordenacionalmente previstos e punidos.
7. Conclusão contrária implica a inconstitucionalidade do artigo 32.°, n.° 1, do RGIT, na interpretação segundo a qual a falta de pagamento da prestação tributária não admite, em caso nenhum, a dispensa de coima devida por esse facto, por tal efeito jurídico cominado ser completamente desproporcionado quanto às consequências que implica para o arguido.
8. Deste modo, mesmo a considerar-se, por cautela, ter a recorrente cometido uma contra-ordenação tributária, ao contrário do julgado pela sentença recorrida sempre ele deverá ser dispensado da coima.
9. Ou quando muito sujeito a uma coima especialmente atenuada.
10. Sendo que se entende que à situação pode e deve ser, atendendo às circunstâncias do caso e ponderando que a aplicação dos termos da atenuação especial da coima previstos no artigo 18.° n.° 3 do RGIT implicam uma punição da arguida desproporcional e desadequada, aplicada uma pena de admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.° do RGCO, punição esta legalmente possível, desta forma se satisfazendo as exigências de prevenção.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, proferindo-se douto acórdão que absolva a recorrente, com todas as legais consequências.”

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu Douto Parecer, onde se pode ler, entre o mais, que:
“(…).1. Questões controvertidas.
A 1.ª questão que se invoca é relativa à subsunção ao tipo legal do art. 114.º n.º 2 (falta de entrega da prestação tributária por negligência) do R.G.I.T., na redacção vigente à data dos factos.
Subsidiariamente, resultam ainda suscitadas para apreciar as questões relativas à dispensa e à atenuação da coima.
2. Fundamentação.
Invoca-se como fundamento da não subsunção não bastar que tenha sido efectuado o “apuramento” do I.V.A., sendo antes requisito o seu “recebimento”, relativamente ao que nada consta da decisão de aplicação da coima.
Os factos ocorreram em 18-1-2006.
Ora, parece ser de aplicar o entendimento firmado pela jurisprudência no sentido de que ocorre no caso nulidade insanável por faltarem factos que permitam ter sido em tempo apurada “a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito” — cfr., entre outros, os acórdãos do S.T.A. de 25-11-09, 10-2-2010, 22-3-11, 11-5-11, 18-1-12 e 26-9-12, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 0624/09, 01204/09, 01037/10 (com um voto de vencido), 0209/11, 0801/11, 0801/11 e 0729/12.
Sendo de concordar com o entendimento tido na citada jurisprudência, tal deve levar a afastar o sustentado na sentença recorrida no sentido de, em face da entrega tardia da prestação de IVA, que foi efectuada, inexistirem dúvidas quanto a ter sido recebidos os impostos.
“(…)”.
Não é ainda aplicável o que veio posteriormente a ser previsto na al. a) do n.º 5 desse art. 114.º, em que a “falta de entrega” de imposto deduzido passou também a ser incluída como possível de integrar a referida contra-ordenação - alteração da Lei n.º 64-A/08, de 31-12, para vigorar desde 1-1-2009.
Ora, a recorrente beneficia do previsto no art. 3.º n.ºs 1 e 2 do R.G.C.O., subsidiariamente aplicável por força do art. 3.º al. b) do R.G.I.T., segundo o qual essa alteração só é de aplicar aos factos novos desde então praticados, não sendo, pois, de corroborar a interpretação que se efectuou na sentença recorrida sob pena de se admitir uma aplicação retroactiva da dita lei.(…)”.


II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A Sentença, sob recurso, deu como provada a seguinte matéria:
“A — Foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Cantanhede, o «Auto de Notícia» com o n.° 20060012554, datado de 28.01.2006 (cfr. doc. a fls. 2 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B — Foi expedido pelos serviços da DGI, com data de 26.04.2007, intitulado «Notificação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da Coima» (cfr. doc. a fls. 6 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C — Em 04.05.2007, a Recorrente apresentou uma exposição escrita na Repartição de Finanças de Cantanhede solicitando a anulação do processo de contra-ordenação instaurado (cfr. docs. a fls. 4 a 5 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D — Foi expedido oficio dos Serviços de Finanças de Cantanhede intitulado «Notificação Art° 30° N° 5 RGIT», para a sede da Recorrente (cfr. docs. a fls. 34 a 36 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
E — Em documento intitulado «Decisão da Fixação de Coima», com data de 30.12.2009, encontra-se exarado despacho do Sr. Chefe da Divisão de Justiça Tributária, por delegação do Sr. Director de Finanças, do qual se retira que foi aplicado à Recorrente a “[...] coima de Eur. 5.960,22, cominada no(s) Art(s)° 114 n°2 e 26 n°4°, do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 48,00), nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 Fevereiro [...]” (cfr. doc. a fls. 51 a 52 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
F — A Recorrente foi notificada da decisão referida na alínea anterior por carta registada expedida pelos serviços de Finanças de Coimbra expedida em 21.01.2010 (cfr. docs. a fls. 53 a 54 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
G — Em 18.02.2010, a Recorrente através do seu Advogado, deu entrada no serviço de Finanças de Cantanhede, de uma exposição escrita dirigida ao Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (cfr. doc. a fls. 56 a 65 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido) .

2- DO DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

O Chefe da Divisão de Justiça Tributária de Cantanhede, por delegação do Sr. Director de Finanças, aplicou à Recorrente uma coima fixada no valor de 5.960,22 €, “cominada no(s) Art(s)° 114 n°2 e 26 n°4°, do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 48,00), nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 Fevereiro [...]” (cfr. ponto E do probatório).
Por decisão proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 18 de Setembro de 2012, foi negado provimento ao recurso interposto daquela decisão, no entendimento de que a decisão não padece dos vícios que lhe são imputados.
Para tanto ponderou, entre o mais, o Mmº Juiz “a quo”:
· (…) Do alegado não preenchimento da previsão do art.° 114.º, n.° 1. do RGIT.
Segundo a Recorrente a conduta que lhe é imputada não é subsumível à previsão normativa consignadas nos n.°s 1 e 2 do art.° 114.º do RGIT.
· “(…) No caso em apreço, em síntese, à Recorrente é imputado o cumprimento tardio de quantia cuja entrega era devida em sede de IVA.
· Ora, estando feito o apuramento da referida quantia e inexistindo dúvidas sobre se a mesma era ou não devida, ainda que estejamos a tratar de IVA, a verdade é que se pode considerar que não foi entregue prestação que já foi objecto de auto dedução. Só assim não seria, se a dita dedução se encontrasse por fazer, situação esta distinta da presente (sobre aquela situação em que os presentes autos não se enquadram, vide, entre outros, o Ac. do STA no Proc. n.° 0801/11, datado de 18.01.2012).
· Por isso, a situação em apreço, não se conclui pela existência do apontado vício (…)”.
Contra este entendimento, se insurge a recorrente, argumentando, em síntese, que:
· “(…) O art. 114.º do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a «falta de entrega da prestação tributária», não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por não ter sido recebido ou retido.
· “(…) A sentença recorrida, contrariamente a tal entendimento, refere que estando feito o apuramento do IVA, deve o mesmo ser entregue, pois inexistiam dúvidas sobre se o mesmo era ou não devido.
· “(…).O facto do IVA estar apurado não quer significar que o mesmo tenha sido recebido, sendo que nem sequer consta da decisão de fixação de coima qualquer facto narrativo de que a ora recorrente tinha efectivamente recebido o imposto.
· “(…) Da alínea a) do n.° 1 do artigo 32.° do RGIT, não resulta que, em abstracto, estejam excluídos todos os casos em que se está perante uma coima aplicada por falta de pagamento da prestação tributária.

Em face das conclusões, que delimitam o objecto do recurso, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPPT, a questão a dirimir traduz-se em saber se o Mmº Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento ao considerar verificada a contra-ordenação imputada à arguida por infracção ao disposto no art. 114º, nº 2, do RGIT, cometia a título de negligência.

2.2. Da apreciação do alegado erro de julgamento

Nos termos do artigo 2.° do RGIT constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior.
No caso sub judice, a factualidade imputada à recorrente traduz-se no não pagamento de 59.602,21 €, montante de IVA exigível respeitante ao período 2005/08, sendo que as normas legais tidas como violadas pela decisão administrativa são as dos arts. 27º, nº 1 e 41º, nº 1, alínea a), do CIVA, referindo-se na mesma decisão, como normas punitivas os arts. 114º, nº 2, e 26°, nº 4, RGIT (falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo)- cfr. fls. 51 dos autos.
A contra-ordenação fiscal imputada à arguida é, assim, a do artigo 114.º, nº 2, do RGIT (cfr. a decisão de fixação da coima a fls.51 a 52 dos autos).
Por seu turno, a conduta ali tipificada como contra-ordenação consiste na «não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei»
É a seguinte a redacção dos n°s 1 a 3, do art. 114°, do RGIT:
1. “A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2. Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
3. Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.”
No que concerne ao preenchimento do tipo legal previsto nos n.º 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, de forma dominante e consolidada, que “a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos”, que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida” – conferir, neste sentido, os Acórdãos de 21.04.2010, recurso 85/10, de 02.12.2009, recurso 887/09, de 18.11.2009, recurso 593/09, de 25.11.2009, recurso 624/09, de 16.09.2009, recurso 540/09, de 23.11.2011, proc nº 0855/11, e, mais recentemente, de 26/9/2012, proc nº 7297/12, todos in www.dgsi.pt.
Com efeito e como se sublinha no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 23.11.2011, “no âmbito do IVA fala-se de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos arts. 19.º a 25.º do CIVA, não se referindo qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido. De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram [o imposto que deduziram, à face da definição dada na alínea a) do art. 11.º do RGIT], mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram”.
Nesta sequência, tem-se entendido que as referências à “prestação tributária que nos termos da lei deduziu” e à “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, que se utilizam no art. 114.º do RGIT, apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global.
Por outro lado, a conduta de quem não entrega IVA liquidado nas facturas mas não recebido dos adquirentes das mercadorias ou utilizadores de serviços estava expressamente punida no art. 95º do CIVA, em que se previa como transgressão “a falta de entrega ou a entrega fora dos prazos estabelecidos de todo ou parte do imposto devido”.
Acontece que este art. 95º, inserido no Capítulo VIII do CIVA, está expressamente revogado pela alínea c) do art. 2º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho. Nas palavras de JORGE DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS (Regime Geral das Infracções Tributárias, 4ª ed., Áreas editora, Lisboa, 2010, pp. 814-815.), “(…) as referências à «prestação tributária que nos termos da lei deduziu» e à prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114º do RGIT, têm evidente alcance restritivo em relação à expressão «imposto devido», que era utilizado no referido art. 95º do CIVA, pois as primeiras apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global” .
Em suma, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal da contra-ordenação em causa e, consequentemente, para que se cumpra a “descrição sumária dos factos”, que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.
Ora, no caso dos autos, é inequívoco que não consta da decisão que aplicou a coima, nomeadamente da descrição dos factos, o recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade do preenchimento da hipótese tipificada no art. 114º, nº 2, do RGIT.
Como ficou consignado no Acórdão de 28/5/2008, “não tendo havido recebimento do imposto anterior à entrega à Administração Tributária da declaração periódica referida no ponto B) da matéria de facto fixada, está afastada a possibilidade de preenchimento da hipótese do art. 114º, nº 2, do RGIT (que se reporta à conduta prevista no nº1 do mesmo artigo)”.
Na senda do consignado no Parecer do Ministério Público, em conformidade com jurisprudência reiterada e uniforme do STA, o recebimento da prestação tributária é, pois, em face do tipo legal de infracção, pressuposto essencial desta, pelo que o dever fiscal de entrega de IVA não recebido não gozava de protecção punitiva, por atipicidade do facto (No mesmo sentido, cfr. ISABEL MARQUES DA SILVA, “Nulla Poena Sine Lege Ou a não Punibilidade da não entrega do IVA não recebido”, Anotação ao Acórdão do STA, de 28/5/2008, Finanças Públicas Direito Fiscal, nº3, p.242. ).
E nem se argumente que, entretanto, a partir da nova redacção dada à alínea a) do nº 5 do art. 114º do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao passar a cominar-se como contra-ordenação, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária, “A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais”, o efectivo recebimento do imposto deixou de ser elemento do tipo legal da contra-ordenação.
Segundo a redacção anterior o preceito limitava-se a prever, para efeitos contra-ordenacionais, como falta de entrega da prestação tributária: “ a falta de liquidação, liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais.”
Cotejando a letra dos dois preceitos, não podemos deixar de aceitar que de facto se verificou um alargamento da previsão legal, pois ao fazer equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega, total ou parcial, do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, afigura-se de facto que se retoma a redacção do anterior art. 95º do CIVA.
Assim sendo, tal como consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 16 de Maio de 2012, proc nº 160/12, tudo aponta no sentido de que o “(…) referido preceito teve como objectivo alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços (Esta parece ser igualmente a opinião de JORGE DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit., p. 815.).
Note-se, porém, que esta conclusão não tem influência no caso em apreço, atenta a data da prática da infracção (28/1/2006) e a da entrada em vigor do mencionado diploma (a partir de 1/1/2009).
Com efeito, como bem observa o Ministério Público, no seu douto Parecer, “(…) a recorrente beneficia do previsto no art. 3.º n.ºs 1 e 2 do R.G.C.O., subsidiariamente aplicável por força do art. 3.º al. b) do R.G.I.T., segundo o qual essa alteração só é de aplicar aos factos novos desde então praticados, não sendo, pois, de corroborar a interpretação que se efectuou na sentença recorrida sob pena de se admitir uma aplicação retroactiva da dita lei.(…)”.
O recurso merece, pois, provimento devendo ser revogada, em consequência, a decisão recorrida.

III- DECISÃO

Nestes termos acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, consequentemente, anular a decisão administrativa que aplicou a coima à recorrente.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Março de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.