Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01052/14
Data do Acordão:01/28/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL
APOSENTAÇÃO COMPULSIVA
Sumário:I - A Lei n.º 58/2008, de 9/09, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, consagrou o princípio da aplicação da lei disciplinar mais favorável ao arguido relativamente aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, estabelecendo, quanto aos novos prazos de prescrição do procedimento disciplinar, que estes se contariam a partir do início da vigência desse Estatuto (1/01/2009).
II - Se a decisão final do processo disciplinar tiver sido tomada e notificada ao arguido antes de 1/01/2009, nunca se poderá considerar decorrido o prazo de prescrição de 18 meses previsto no art.º 6.º, n.º 6, do referido Estatuto.
III - A eliminação, pelo mencionado Estatuto, da pena de aposentação compulsiva, não torna ilegal o acto administrativo, com eficácia suspensa, que a aplicara na vigência do anterior Estatuto Disciplinar, por o n.º 7 do art.º 4.º da Lei n.º 58/2008 se ter limitado a impor, à autoridade administrativa, o dever de reavaliar o processo, com vista à manutenção ou conversão dessa pena.
Nº Convencional:JSTA00069538
Nº do Documento:SA12016012801052
Data de Entrada:11/21/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:ME
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:DL 24/84.
L 58/2008 ART6 N6 ART4.
L 12-A/2008 ART87.
L 59/2008 ART23.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0219/05 DE 2010/03/23.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


1. A……………. intentou, contra o Ministério da Educação, acção administrativa especial para impugnação do despacho, de 2/11/2006, do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva, pedindo a declaração da sua nulidade.
Por acórdão do TAF de Leiria, foi essa acção julgada improcedente, absolvendo-se a entidade demandada do pedido.
Interposto recurso para o TCAS, este tribunal, por acórdão de 8/05/2014, negou-lhe provimento.
Deste acórdão, interpôs a A. recurso de revista para o STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“1) - O presente recurso visa o douto acórdão proferido, que confirmou a decisão de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva, proferida há cerca de oito anos e cuja eficácia se encontra suspensa por decisão cautelar proferida pelo TAF de Leiria nos autos 4/07.2BELRA (ora apensos aos presentes autos de acção especial).
2) - Em nosso entender, o tribunal recorrido ao confirmar esta decisão disciplinar de aposentação compulsiva ao abrigo do DL 24/84, violou expressa e claramente a lei, designadamente aplicando a lei já revogada e omitindo a aplicação da lei nova.
3)- O tribunal recorrido omitiu o seu dever de aplicar a lei em vigor, designadamente o novo Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Função Pública publicado pela Lei 58/2008 de 9/09.
4)- Lei nova que veio revogar o anterior estatuto disciplinar (DL 24/84) – cfr. art.º 5.º da Lei 58/2008 – bem como no seu art.º 4.º ordena a sua “aplicação imediata aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, quando o seu regime se revele, em concreto mais favorável e melhor garanta a sua audiência e defesa”.
5)- Questão jurídica que em nosso entender merece a maior relevância jurídica e a necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal no quadro de melhor aplicação do direito.
6)- Visto que o recurso de revista previsto no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, consubstancia um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tendo por objectivo possibilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à relevância jurídica ou social ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
7)- O que, em nosso modesto entender, se justifica, pois que e em primeiro lugar, a situação em análise se depara com uma questão que pode contender com interesses comunitários de grande relevo, atento que assume especial relevância jurídica ou social o facto da lei deixar de prever uma sanção/pena disciplinar grave como era a aposentação compulsiva aos trabalhadores da função pública,
8)- Acrescido do “facto da lei nova dispor que é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução, quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a audiência e defesa” (art.º 4.º da Lei 58/2008).
9)- Por outro lado, revela-se necessário a intervenção do STA no quadro de uma melhor aplicação do direito, já que o douto acórdão toma a sua decisão e a fundamenta com base num Estatuto Disciplinar já revogado, cuja vigência cessou em 01.01.2009 (DL 24/84).
10)- Tratam-se a nosso ver de questões legais relevantes, com implicações fundamentais, não só para a recorrente, mas para os cidadãos em geral, atento que se mostram violados os preceitos legais constitucionais de legalidade, boa fé, prossecução do interesse público e protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, nomeadamente artigos 18.º, 29.º, 266.º, 267.º e 268.º da CRP.
11)- Pelo que se peticiona a admissão do recurso, nos termos e de acordo com o art.º 150.º n.º 5 do CPTA.
12)- O acórdão recorrido é nulo, por violação da lei, pois que decidiu pela manutenção da pena de aposentação compulsiva com fundamento em “se mostrarem verificados todos os pressupostos conducentes à aplicação desta pena disciplinar, por se mostrar devidamente fundamentada, proporcional ao grau de culpa, à gravidade da infracção cometida e suas consequências”.
13)- A decisão recorrida fundamentou a sua decisão de direito, quer no que diz respeito à prescrição, quer no que diz respeito ao tipo de pena (aposentação compulsiva) em lei que já não se encontra em vigor, revogada por uma outra de aplicação imediata, por se revelar em concreto mais favorável – nos termos e de acordo com o art.º 4.º n.º 1 e 5.º da Lei 58/2008.
14)- Sendo que, quanto à prescrição se verifica, nos termos do art.º 6.º n.º 6, dado que decorreram mais de 18 meses desde o início do processo até à decisão final (o processo disciplinar iniciou-se em 12.01.2005 e só a 02.11.2006 foi aplicada a decisão final – factos provados em ii e ix.
15)- E mesmo que se considere inexistir prescrição, igualmente o tribunal recorrido violou a lei ao manter e decidir pela aplicação da pena de aposentação compulsiva, visto que esta pena disciplinar deixou de existir, nos termos e de acordo com o art.º 9.º n.º 1 do novo estatuto alterado pela Lei 58/2008.
16)- Devendo a presente decisão ser declarada nula, pois não se vislumbra a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar que já não se encontra tipificada por lei, nos termos e de acordo com o art.º 4.º n.º 1, art.º 5.º e art.º 9.º do novo estatuto disciplinar, o que aqui se invoca.
17)- A presente decisão funda-se e baseia-se na análise jurídica de um diploma legal já revogado, inaplicável, acrescido do facto de, no caso concreto, se mostrar bem mais prejudicial tanto à ora recorrente como aos demais trabalhadores da função pública.
18)- Razões pelas quais em nosso entender se mostra patente e necessária a intervenção deste douto Supremo Tribunal, como a única forma de repor a lei e o direito, sendo assim feita a devida justiça e que a este caso concreto se reclama”.
O recorrido, Ministério da Educação, nas suas contra-alegações, enunciou as conclusões seguintes:
“I. O caso em apreço não preenche os pressupostos exigidos pelo art.º 150.º do CPTA para a admissibilidade do recurso de revista, designadamente por:
a) Não estar em causa a apreciação de qualquer questão que apresente relevância jurídica ou social de importância fundamental; E
b) Nem a admissão do recurso se afigura claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II. Parece evidente que o acórdão aplicou a lei certa, que era a que à época vigorava e fez uma correta interpretação da mesma.
III. A prescrição do procedimento disciplinar, por terem decorrido mais de 18 meses desde o início do processo até à decisão final, invocada pela recorrente, nos termos do art.º 6.º n.º 6 do Estatuto Disciplinar (aprovado pela Lei n.º 58/2008, 9-9), é completamente absurda, já que o despacho decisório do procedimento foi proferido em 2/11/2006, portanto vários anos antes da publicação da Lei 58/2008, que aprovou o atual Estatuto Disciplinar, no âmbito do qual tal prazo foi introduzido.
IV. No que concerne à pena de aposentação compulsiva, embora a mesma tivesse deixado de existir no atual Estatuto Disciplinar, tal circunstância não obsta à sua aplicação à recorrente, dado que o processo disciplinar no âmbito do qual essa pena foi aplicada foi decidido vários anos antes da Lei que aprovou o atual Estatuto Disciplinar ter sido publicada”.
A revista foi admitida pela formação a que alude o n.º 5 do art.º 150.º do CPTA.
O digno Magistrado do MP emitiu parecer, onde concluiu que o recurso não merecia provimento.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
a) A A. é professora do ensino básico e foi colocada, no ano lectivo de 2006/2007, na Escola Básica dos 2.º e 3.º ciclos, …….. – ………. – ………..;
b) Por despacho de 12/01/2005 foi instaurado à A. processo disciplinar por despacho do Presidente da Comissão Executiva Instaladora, com base em auto por falta de assiduidade elaborado em 10/01/2005, dado que a mesma teria dado, desde 28/10/2004, 13 dias de faltas injustificadas;
c) Através do ofício SGATI n.º 911/04.05, de 8/07/2005, foi a A. notificada do início da instrução do procedimento disciplinar;
d) A Comissão Executiva Instaladora do agrupamento de escolas ………….., enviou ao Director Regional de Educação, o ofício n.º 2050, de 20/12/2004, onde se refere:
“…analisado o art.º 39.º do mesmo Decreto-Lei, ouvido o Conselho Pedagógico, e concluindo-se não existirem elementos concretos que permitam analisar a situação psíquica da professora, decidiu-se remeter para a DREL a decisão e responsabilidade de inspecionar a situação”;
e) Foi deduzida Nota de Culpa;
f) Em 5/09/2005, foi entregue à A. cópia da Nota de Culpa, tendo sido notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar a sua defesa escrita e oferecer prova testemunhal e documental que considerasse necessária. A A. assinou a certidão de entrega e notificação;
g) Com data de 27/09/2005 a A. solicitou a prorrogação do prazo, por mais 15 dias, para apresentar a sua defesa, o que foi deferido. Em 20/10/2005 a arguida solicitou a anulação do prazo a decorrer e a marcação de um novo prazo de mais 15 dias para apresentar a sua defesa, o que foi indeferido com o argumento que já dispusera de 42 dias essa defesa. Recorreu hierarquicamente deste despacho, o que foi indeferido;
h) Foi elaborado relatório final, onde foi proposta a aplicação da pena de demissão à A. e de onde consta que “à arguida foi aplicada uma pena de inactividade, graduada em 1 ano, por despacho do Sr. Secretário do Estado Adjunto e da Educação, datado de 05.09.27 (fls. 116v). Não foi mencionada, na acusação, a circunstância agravante especial da reincidência, porquanto, à data da elaboração da nota de culpa a arguida tinha interposto recurso hierárquico e não havia, ainda, conhecimento da decisão final”;
i) Por despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, de 2/11/2006, exarado sobre a informação do GAJ NID I/03863/SC/06, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, foi aplicada à A. uma pena de aposentação compulsiva;
j) Foi junto ao PA Registo Biográfico da A. onde se verifica que a mesma começou a exercer funções, como professora, no ano lectivo de 1983/1984, constando ainda do mesmo que lhe foi aplicada a pena de inactividade, graduada em 2 anos, por despacho, de 31/05/1995, do Subsecretário de Estado Adjunto e da Educação, e de inactividade, graduada em 1 ano, por despacho, de 27/09/2005, do Secretário de Estado Adjunto e da Educação;
k) Por despacho de 6/05/2005 foi aplicada à A. pena disciplinar de inactividade graduada num ano, conforme informação n.º 45/YR/05, de 6/05/2005;
l) A encarregada de educação de um aluno da Escola Básica dos 2.º e 3.ºs ciclos, ………., apresentou queixa à Sr.ª Ministra da Educação, datada de 31/01/2005, referente à assiduidade da A. referindo inicialmente “Estou a dirigir-se a V. Ex.ª porque já muitas cartas foram escritas por várias pessoas, para diferentes Departamentos do Vosso Ministério e o problema que as originou continua por resolver…”;
m) O Coordenador dos Directores de Turma do 2.º ciclo da escola …………. elaborou Declaração sobre a instabilidade criada pela falta de assiduidade da A. durante o ano lectivo 2004/2005;
n) Os encarregados de educação enviaram ao Director Regional de Educação exposição datada de 7/12/2004, sobre a assiduidade da A.;
o) A Associação de Pais da Escola EB 2,3 enviou, à Inspecção-Geral de Educação, com conhecimento a diversos outros serviços do Ministério, com data de 3/01/2005, exposição referente à falta de assiduidade da A., juntando ainda a exposição referida anteriormente.

3. A recorrente, na presente revista, contesta o entendimento do acórdão recorrido quando, aplicando o Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL n.º 24/84, de 16/01, julga não verificada a prescrição do procedimento disciplinar – por considerar já haver decorrido o prazo prescricional previsto no art.º 6.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9/09, que, como lei mais favorável, era a aplicável – e quando mantém a aplicação de uma pena disciplinar, como a de aposentação compulsiva, que deixara de existir.
Vejamos se lhe assiste razão.
A referida Lei n.º 58/2008, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, consagrou o princípio da aplicação da lei disciplinar mais favorável ao arguido relativamente aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, estabelecendo, quanto aos novos prazos de prescrição do procedimento disciplinar, que estes se contariam a partir do início da vigência desse Estatuto (cf. art.º 4.º, n.ºs 1 e 3, da mencionada Lei).
O citado art.º 6.º, n.º 6, inovando em relação ao Estatuto Disciplinar anterior, que não fixava qualquer prazo para terminar o procedimento disciplinar, veio estabelecer que este prescrevia se, decorridos 18 meses desde a data da sua instauração, o arguido não fosse notificado da decisão final.
Porém, como se notou no acórdão que admitiu a presente revista e já foi decidido por este STA (cf. Ac. de 23/03/2010, proferido no processo n.º 219/05), contando-se o aludido prazo de prescrição a partir de 1/01/2009 (cf. artigos 4.º, n.ºs 3 e 7, da Lei n.º 58/2008, 87.º, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02 e 23.º, da Lei n.º 59/2008, de 11/09), se, como sucedeu no caso em apreço, a decisão final do processo disciplinar tiver sido tomada e notificada ao arguido antes desta data, nunca aquele prazo se poderá considerar decorrido.
No que concerne à extinção da pena de aposentação compulsiva, o n.º 7 do art.º 4.º da Lei n.º 58/2008 veio estabelecer que se esta se encontrar proposta ou aplicada mas ainda não tiver sido executada, haverá uma “reavaliação do processo, por quem a tenha proposto ou aplicado, respectivamente, com vista à sua manutenção ou conversão em pena de suspensão com os efeitos que cada uma deva produzir”.
Nestes termos, tendo sido suspensa a eficácia do despacho que aplicou à recorrente a pena de aposentação compulsiva, com efeitos até ao trânsito em julgado da decisão que o impugnou, a entidade que aplicou essa pena terá de proceder à reavaliação do processo disciplinar, com vista a mantê-la ou a convertê-la na pena de suspensão.
Assim, ao contrário do que pressupõe a recorrente, a eliminação, pelo novo Estatuto, da pena de aposentação compulsiva não torna ilegal o acto administrativo, com eficácia suspensa, que a aplicou, por as regras de direito transitório constantes da Lei n.º 58/2008 se terem limitado a impor o dever de o Secretário de Estado Adjunto e da Educação (ou de quem sucedeu na sua competência) reavaliar o processo. Por isso, o TCAS, ao conhecer o recurso jurisdicional, não podia, sob pena de infringir o disposto na citada norma do art.º 4.º, n.º 7, decidir que, por aplicação da lei disciplinar mais favorável ao arguido, o despacho impugnado não poderia subsistir.
Portanto, porque a aplicação da Lei n.º 58/2008 à situação da recorrente apenas implica que a autoridade administrativa que aplicou a pena de aposentação compulsiva venha a reavaliar o procedimento disciplinar para efeitos da sua manutenção ou conversão em pena de suspensão, não enferma o acórdão recorrido da ilegalidade que lhe foi imputada.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento à revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2016. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.