Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:050/12
Data do Acordão:02/15/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRS
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁRIA
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Tem lugar avaliação indirecta da matéria tributável quando o contribuinte evidencie manifestações de fortuna previstas na tabela que consta do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT.
II - Quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos aí previstos, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de IRS.
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais consumos sendo a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
IV - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna, sem prejuízo desta justificação relevar para efeitos da fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
Nº Convencional:JSTA00067410
Nº do Documento:SA220120215050
Data de Entrada:01/19/2012
Recorrente:DIRECTOR DE FINANÇAS DO PORTO
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT98 ART87 N1 F ART89-A N3 N5
L 55-B/2004 DE 2004/12/30
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC403/09 DE 2009/05/27; AC STAPLENO PROC734/09 DE 2010/05/19; AC TCAN PROC212/10 DE 2010/10/28
Aditamento:
Texto Integral: O Sr. Director de Finanças do Porto não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal que julgou procedente o recurso judicial interposto ao abrigo do disposto nos artigos 89°-A, n.° 7 da Lei Geral Tributária (LGT) e 146°-B, n.° 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por A……. e mulher B……, da decisão de avaliação da matéria colectável em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), dos anos de 2007 e 2008, nos termos do disposto no artigo 87°, alínea f) da LGT, por métodos indirectos, interpôs recurso da mesma sentença para o TCA- Norte, o qual por acórdão de 03/11/2011 se julgou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e declarou competente este STA.
No recurso, conclui as suas alegações da seguinte forma:
1° A decisão recorrida subjacente à douta sentença está fundamentada no disposto no artigo 87.°, alínea f) e, portanto na verificação de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e os consumos evidenciados pelo sujeito passivo nos anos de 2007 e 2008.
2° Por um lado, os factos presentes a juízo atestam que no ano de 2007 houve consumos evidenciados num montante global de 350.919,10 €, e que no ano de 2008 os consumos evidenciados pelo sujeito passivo foram no valor 63.309,14€.
3° Por outro lado, observamos que no ano 2007 o rendimento declarado para efeitos de tributação em IRS foi tão-somente de 3900,00€ e em 2008 esse valor declarado foi apenas de 20.000,00€.
4° Logo, em ambos os anos, existe a desproporção requerida na alínea f) do artigo 87.° da LGT e, por isso, teria que ser iniciado um procedimento de avaliação indirecta.
5° Sendo no âmbito do procedimento de avaliação indirecta que seria apurado se essa desproporção corresponde ou não rendimento tributável não declarado, cabendo ao sujeito passivo o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte do consumo evidenciado, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 89.°-A da LGT.
6° Os pressupostos inscritos na alínea f) do artigo 87.° para abrir o procedimento de avaliação indirecta são objectivos. Por um lado, é requerida a existência de um acréscimo patrimonial e, pelo outro, o rendimento declarado. Se a divergência não justificada entre um e outro for de, pelo menos, um terço, ter-se-á forçosamente que iniciar um procedimento de avaliação indirecta no âmbito do qual é ao contribuinte que cabe o ónus da prova.
7° O que mais sobressai do disposto no n.° 3 do artigo 89.°-A é que nesta classe de procedimento tributário há uma inversão do ónus da prova. Com efeito, “cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo patrimonial ou o consumo evidenciados”. Portanto, à Administração Tributária cabe a prova dos factos que fazem despoletar o procedimento de avaliação indirecta - os tipificados na alínea f) do artigo 87.° - e ao contribuinte cabe toda a prova destinada a ilidir ou enfraquecer o corolário presuntivo que a lei tira desses indícios e que é o de que existe um rendimento tributável não declarado.
8° Face ao regime da avaliação indirecta previsto no art. 89°-A e ao seu escopo, é claro que só a demonstração de quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração foram afectos ao consumo evidenciado permitirá considerar satisfeita a exigência de justificação feita no n.° 3 daquele artigo.
9° A consideração global de valores mutuados durante o exercício em análise, sem qualquer critério de afectação aos concretos actos de consumo evidenciado, em nada afasta ou ilide a presunção constante do artigo 89.°-A, n.° 3, da LGT.
10º A interpretação do artigo 89.°-A, n.° 3, da LGT, que a douta sentença adopta, segundo a qual a lei não impõe aos contribuintes que demonstrem a concreta aplicação dos rendimentos não sujeitos a tributação na manifestação de fortuna evidenciada, mas apenas a disponibilidade sobre esses meios, é dissonante da letra e da ratio da norma.
11° A exigência legal que decorre do artigo 89°-A, n° 3 da LGT, impõe que o sujeito passivo alegue e prove quais os meios financeiros que, concretamente, mobilizou para os consumos que efectuou.
12° Neste sentido é entendimento jurisprudencial, ao que conhecemos, unânime, que a melhor interpretação do art. 89.°-A, n.° 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação directa de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinado consumo evidenciado.
13° Só assim se pode considerar que o contribuinte, para evidenciar determinado consumo, não despendeu rendimentos sujeitos a declaração.
14° A não ser assim, como na douta sentença não é, bem pode suceder que o contribuinte continue a manter na sua disponibilidade os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração totalmente incólumes (i. e, não consumidos por consumo algum).
15° Em bom rigor, permitir o contrário, isto é, presumir que a mera disponibilidade de meios financeiros justifica consumos evidenciados sem qualquer prova da efectiva afectação, seria admitir que um ónus de prova - uma presunção legal iuris tantum - pudesse ser afastado por uma outra presunção e não por prova em sentido contrário... assim se esvaziando de qualquer conteúdo útil o prescrito no artigo 89.°-A, n.° 3, da LGT.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser revogada a sentença recorrida por repercutir uma interpretação incorrecta do disposto no artigo 89.°-A, n.° 3, da Lei Geral Tributária e por, no caso, estarem verificados todos os pressupostos da avaliação indirecta e ser legal o acto de fixação recorrido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público junto deste STA reiterou o parecer emitido pelo Mº Pº junto do TCA Norte quanto ao mérito do recurso que se destaca na parte que nos interessa.
“(…) Sobre o mérito do recurso.
Parece-nos que o recurso só parcialmente tem mérito.
Não questiona o ora recorrente que os contribuintes (ora recorridos) dispunham de meios económicos e financeiros para suportar os consumos evidenciados no período de tributação em análise.
Questiona sim é que tenham demonstrado a concreta aplicação desses rendimentos ( não sujeitos a tributação ) na manifestação de fortuna evidenciada.
É entendimento corrente e pacífico que no regime de avaliação indirecta prevista no art. 89.° A, n.° 3, da LGT, cabe ao contribuinte demonstrar os concretos meios financeiros ( não sujeitos a tributação ) que afectou ao consumo ( manifestação de fortuna ) evidenciado, para satisfazer a exigência de justificação prevista no n.° 3, do citado preceito - nesse sentido cf., além de outros, o acórdão do TCAN de 28.10.2010, recurso 00212/10.9BEPNF, no qual se escreve:
Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos suprimentos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses suprimentos, sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf n.° 3 do art. 89.º-A, da LGT, que exige ao contribuinte a comprovação.., de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas”.
do sentido.
Deve, nos sobreditos termos, proceder parcialmente o recurso. Relativamente à avaliação indirecta incidente sobre o ano de 2007, parece-nos que ficou demonstrada a mobilização do concreto meio financeiro para o pagamento do IMT, no montante de 7.328,00 Euros, face ao movimento a crédito desses montante constante da conta …… do BPI, titulada pelo recorrente marido - cf., conjugadamente, os pontos M, N e O do probatório.
E no que tange às despesas declaradas no Anexo H da declaração Modelo 3 do IRS, referente ao mesmo ano, não se vêem razões para exigir a concretização dos meios financeiros para o respectivo suporte, por se tratar de despesas que, normalmente, são pagas em numerário.
Pelo exposto, e no que respeita à avaliação indirecta incidente no ano de 2007, apenas falta a justificação exigida no n.° 3, do citado preceito legal, relativa à aquisição da quota da sociedade “C……, Lda”, devendo confirmar-se a validade da avaliação indirecta do ano de 2007 na parte em que foi relevada por aquela aquisição patrimonial.
Quanto à avaliação indirecta referente ao ano de 2008, o incremento patrimonial não justificado respeita às despesas declaradas no Anexo H do modelo 3 de IRS (16.872,57 Euros) e ao IMI pago, no valor de 1.027,81 Euros.
Pelas mesmas razões já referidas a propósito da avaliação indirecta de 2007, na parte em que foi influenciada pelas despesas do Anexo H, também não se vêem razões para exigir a concretização dos correspondentes meios financeiros para o respectivo suporte.Por conseguinte, carece de suporte legal a avaliação indirecta respeitante a 2008, sendo de confirmar nesta parte o julgado que decidiu no mencionado sentido”.
Há dispensa de vistos atenta a natureza urgente do processo
2-Fundamentação:
A decisão recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
Em face dos elementos existentes nos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa:
A) Em cumprimento das ordens de serviço nos OI200904016 e OI200904427 de 23/07/2009 e 21/08/2009, respectivamente, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças do Porto levaram a cabo uma acção inspectiva interna aos ora recorrentes, relativamente ao IRS dos anos de 2007 e 2008, a qual foi concluída em 17/09/2010, dando origem a um projecto de relatório da inspecção tributária, notificado aos recorrentes através do ofício n.°63512, de 28/09/2010 - cfr. projecto de relatório da inspecção tributária e respectiva notificação incorporados no P.A., não numerado, apenso aos autos.
B) Os recorrentes não exerceram o direito de audição sobre o projecto de relatório da inspecção tributária - cfr. ponto VIII do relatório da inspecção tributária (RIT) incorporado no P.A., não numerado, apenso aos autos.
C) Em 25/11/2010, foi elaborado o relatório final da inspecção tributária, nos termos que constam do P.A. não numerado apenso aos autos, relatório esse que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e donde, além do mais, consta o seguinte:
“ (...)
IV - MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
-1-
- Os sujeitos passivos A……, contribuinte n° …… e B……. contribuinte n° ……, apresentaram em conjunto, na qualidade de cônjuges, as declarações de rendimentos previstas no artigo 57° do Código do IRS relativas aos exercidos de 2007 e 2008, nas quais, de acordo com consulta à respectiva liquidação de imposto, foram declarados rendimentos brutos de €3.900,00 e € 20.00000, respectivamente.
- Com base nos elementos recolhidos no sistema informático da DGCI detectaram-se os seguintes gastos relativos àqueles sujeitos passivos nos exercícios de 2007 e 2008:
• Aquisição, por parte de A……, contribuinte n° ……, em 2007/01/19, de uma quota no valor de €50.000,00, referente a 20% da empresa “C……, LDA” - NIPC: ……;
• Nos exercícios de 2007 e 2008 efectivou suprimentos à sociedade supra identificada no valor de €2.074,75 e €45.408,76, respectivamente;
• Aquisição, por parte de A……, contribuinte n° ……, em 2007/06/06, do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Lavra, concelho de Matosinhos, sob o artigo 2866. O preço global da aquisição terá ascendido a €225.000,00 e o valor do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis pago em 2007-06-06 referente à mesma aquisição ascendeu a € 7.328,00 euros. Na mesma data foi celebrado um contrato de mútuo com hipoteca sobre o referido imóvel com o mesmo montante e, no mesmo dia, foi ainda realizado um contrato de abertura de crédito no montante de €67.500,00;
• No exercício de 2008 pagou valores referentes a IMI - Imposto Municipal sobre Imóveis no montante de € 1.027,81;
(...)
• As despesas mencionadas por A……, contribuinte n° …… e B…… contribuinte n.° ……, no anexo H das declarações de rendimentos previstas no artigo 57° do Código do lRS relativas aos exercícios de 2007 e 2008 ascendem a € 9.016,35 e € 16.872,57 respectivamente;
Com base nestes elementos calculou-se percentagem de discrepância entre o consumo evidenciado e o conjunto dos rendimentos líquidos das diversas categorias do IRS nos exercidos de 2007 e 2008, a qual se evidencia no quadro seguinte (valores em euros):
Descrição20072008
RENDIMENTO LIQUIDO DAS DIVERSAS CATEGORIAS IRS418,0813.119,36
(...)(...)(...)
CONSUMO E ACRÉSCIMO PATRIMÓNIO68.419,1063.309,14
DIFERENÇA PARA O RENDIMENTO LÍQUIDO68.001,0250.189,78
Desta forma, os sujeitos passivos foram notificados no dia 24 de Maio, data aposta no registo dos CTT, para, no prazo de 10 dias a contar da assinatura do aviso de recepção:
• Apresentar cópia da escritura de aquisição do imóvel atrás mencionado, bem como extractos bancários comprovativos do valor pago pelo mesmo. Exibir elementos comprovativos das despesas mencionadas no anexo H das declarações de IRS relativas aos exercícios de 2007 e 2008. (...);
• Apresentar provas, nos termos do n.° 3 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária, de que correspondem à realidade os rendimentos declarados nas declarações de rendimentos previstas no artigo 57° do Código do IRS relativas aos exercícios de 2007 e 2008 e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.
-2-
- Até à data da elaboração do projecto de relatório, os contribuintes não apresentaram quaisquer elementos solicitados através da notificação efectivada. Assim sendo, nos termos do n.º 3 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária, o qual também se refere à situação prevista na alínea f) do artigo 87° do mesmo diploma, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados nas declarações de rendimentos previstas no artigo 57° do Código do IRS, referentes aos

exercícios de 2007 e 2008, e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados. Contudo, conforme se referiu, o sujeito passivo embora notificado para o efeito, não fez a prova legalmente exigida pelo n.º 3 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária.
- O sujeito passivo adquiriu um imóvel no exercício de 2007 cujo valor de aquisição ascendeu a € 225.00000. Como o valor é inferior ao referido na tabela do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária, não lhe é aplicável quer o exposto neste artigo, quer o exposto na alínea f) do n. ° 1 do artigo 87° do mesmo diploma legal.
- O valor relativo a suprimentos efectivados pelo sujeito passivo na sociedade “C……, Lda”, no montante de € 2.074,75 foi desconsiderado porque os suprimentos têm enquadramento próprio no artigo 89°-A da Lei Geral Tributária, pelo que não serão considerados face à aplicação do preceituado na alínea f) do nº 1 do artigo 87° do mesmo diploma legal.
- Pelos motivos expostos no ponto anterior, o valor relativo a suprimentos efectivados pelo sujeito passivo, no exercício de 2008, na sociedade “C……, Lda”, no montante de € 45.408,16 também foi desconsiderado, uma vez que estes últimos têm enquadramento próprio no artigo 89°-A da Lei Geral Tributária, quando ultrapassem o valor de € 50.000,00.
- Em conclusão, considera-se que se encontram reunidos os pressupostos para a realização da avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos da alínea f) do artigo 87.°, uma vez que, conforme atrás se demonstrou, existe uma desproporção injustificada superior a um terço, entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados nos exercícios de 2007 e 2008 e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo nos mesmos períodos de tributação.
V - CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
- O n.° 5 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária refere que “no caso da alínea f) do artigo 87°, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação”.
- Desta forma, e em conformidade com o referido no capítulo IV, o valor do acréscimo de património ou o consumo evidenciados, pelos sujeitos passivos ascendeu a € 66.344,35 e € 17.900,38, nos exercícios de 2007 e 2008, respectivamente, e o rendimento líquido declarado por aqueles, nos mesmos períodos de tributação, foi de € 418,08 e € 13.119,36. Assim sendo, o valor dos acréscimos patrimoniais não justificados previstos na alínea d) do n° 1 do artigo 9° do Código do IRS, determinados por recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos da alínea f) do n. ° 1 do artigo 87° e n. ° 5 do artigo 89°-A, ambos da Lei Geral Tributária, ascendem a € 65.926,17 e a € 4.781,02, com referência aos exercícios de 2007 e 2008, conforme se evidencia no quadro seguinte:


Descrição20072008
RENDIMENTO LIQUIDO DAS DIVERSAS
CATEGORIAS DE IRS
418,0813.119,36
IMT pago na aquisição de imóveis7.328,00-
IMI pago propriedade de imóveis-1.027,81
Aquisição de 20% relativos à sociedade “C……, Lda.”50.000,00-
Despesas declaradas no anexo H do modelo 3 de IRS9.016,3516.872,57
CONSUMO E ACRÉSCIMO PATRIMÓNIO66.344,3517.900,38
ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS NÃO
JUSTIFICADOS (CAT. G DO IRS)
65.926,274.781,02
(...)”
D) Em 09/12/2010, o Director de Finanças do Porto fixou aos recorrentes, com referência aos anos de 2007 e 2008, nos termos dos art.° 87° n.° 1 alínea f) e 89°-A da LGT, um rendimento tributável, a enquadrar na categoria G do IRS, no montante de € 65.926,27 e € 4.871,02, sendo o rendimento total fixado de € 66.344,35 e € 17.900,38, respectivamente, tendo por base a fundamentação constante do RIT - cfr. documentos de fixação incorporados no P.A., não numerado, apenso aos autos.
E) Em 14/12/2010, os recorrentes foram notificados, dos termos dos art. 77° da LGT e 62° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), das correcções resultantes da acção de inspecção e de que lhes foi fixado um conjunto de rendimentos líquidos, por métodos indirectos, nos termos do art.° 65° n.° 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e art.° 89°-A da LGT, por remissão do art.° 39° do CIRS, de € 66.344,35 e € 17.900,38, para os anos de 2007 e 2008, respectivamente - cfr. ofício da Direcção de Finanças do Porto n.° 81371, de 10/12/2010, incorporado no P.A., não numerado, apenso aos autos.
F) O presente recurso deu entrada neste Tribunal, via correio electrónico, em 21/12/2010 - cfr. fls. 2 dos autos.
Mais se provou que,
G) Nos anos de 2007 e 2008 os recorrentes declararam rendimentos brutos da categoria A de € 3.900,00 e € 20.000,00, a que correspondem rendimentos líquidos de € 418,08 e € 13.119,36, respectivamente - cfr. RIT incorporado no P.A., não numerado, apenso aos autos.
H) Por escritura pública de cessão de quotas, datada de 19/01/2007, o recorrente marido adquiriu, por € 50.000,00, uma quota social - cfr. registo informático da DGCI, respeitante à declaração modelo 11, incorporado no P.A., não numerado, apenso aos autos.
I) Em 06/06/2007, os recorrentes outorgaram uma escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, através da qual adquiriram o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Lavra, sob o art.° 2866, pelo preço de € 225.000,00, tendo-lhes, para esse efeito, sido concedido um empréstimo pelo Banco BPI, S.A. no valor de €225.000,00 - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial, a fls. 66 a 72 dos autos.
J) Em 06/06/2007, os recorrentes e um procurador do Banco BPI, S.A. outorgaram uma escritura pública de abertura de crédito no valor de €67.500,00 - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial, a fls. 80 a 85 dos autos.
L) Por carta datada de 22 de Janeiro de 2007, o Banco Comercial Português, S.A. comunica ao recorrente marido que foi efectuado na sua conta de depósito à ordem o seguinte lançamento: concessão de crédito, empréstimo - 126574341, valor creditado € 50.000,00 - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial, a fls. 92 dos autos.
M) Por comunicação datada de 30/05/2007, o BBVA comunica a D……, pai do recorrente marido, que lhe foi concedido um empréstimo de €28.500,00 - cfr. fls. 148 dos autos.
N) Do extracto integrado mensal da conta …… do BPI, titulada pelo recorrente marido, referente ao mês de Junho de 2007, consta um movimento a crédito lançado a 05/06/2007, no valor de € 28.500,00 - cfr. fls. 149 e 149v. dos autos.
O) Do extracto referido na alínea antecedente consta, igualmente, um movimento a débito lançado a 06/06/2007, no valor de € 7.328,00, com a descrição “Pag. Serv. ATM Ref. DGCI (.. ) “- cfr. fls. 149 e 149v. dos autos.
P) Do extracto referido na alínea N) consta, igualmente, um movimento a crédito lançado a 11/06/2007, no valor de € 67.500,00, com a descrição “Transferência a crédito (...)“- cfr. fls. 149 e 149v. dos autos.
Q) Em 14/03/2008, os recorrentes e um procurador do Banco BPI, S.A. outorgaram uma escritura pública de abertura de crédito no valor de €30.000,00 - cfr. doc. 4 junto com a petição inicial, a fls. 94 a 98 dos autos.
R) Nos anos de 2007 e 2008, o recorrente marido efectuou suprimentos à sociedade C……, Lda. no valor de € 2.074,75 e € 45.408,76, respectivamente - cfr. registos informáticos das declarações anuais, anexo A, da referida sociedade, incorporados no P.A., não numerado, apenso aos autos.
S) Nos anos de 2007 e 2008, os recorrentes declararam nas declarações modelo 3 de IRS despesas com planos poupança-reforma, seguros de vida, seguros de saúde, juros e amortizações de dívida com a aquisição de imóvel, despesas de saúde e despesas de educação, no valor total de €9.016,35 e € 16.872,57, respectivamente - cfr. declarações modelo 3 dos anos de 2007 e 2008, incorporadas no P.A. não numerado, apenso aos autos.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos além dos supra referidos.
3-DO DIREITO:
Tendo por base uma divergência não justificada, de mais de um terço, entre os rendimentos declarados pelos recorrentes e o acréscimo de património e consumo por eles evidenciado, nos anos de 2007 e 2008, a Administração Tributária (AT) decidiu proceder à avaliação indirecta da sua matéria colectável, ao abrigo do disposto no art.° 87° n.° 1 alínea f) da LGT, na redacção da Lei n.° 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Questionaram desde o início, os sujeitos passivos a verificação ou não dos requisitos para a realização da avaliação indirecta ao abrigo desta norma.
A decisão recorrida considerou que estavam justificados os meios com os quais os sujeitos passivos fizeram face aos consumos evidenciados, baseada unicamente na contabilização dos recursos financeiros ou rendimentos não sujeitos a declaração, designadamente por via de empréstimos (vide sentença recorrida a fls. 170 a 172).
Vejamos:
De acordo com o disposto no art.° 89°-A n.° 3 da LGT, na redacção da Lei n.° 55-B/2004, de 30 de Dezembro, verificada a mencionada divergência cabe ao sujeito passivo, por forma a afastar a avaliação indirecta, a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou consumo evidenciados (ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova).
Se o sujeito passivo não conseguir efectuar essa prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação (cfr. art.° 89°A n.° 5 da LGT, na redacção da Lei n.° 55- B/2004, de 30 de Dezembro).
Patenteia-se que o sistema criado de controlo das manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados exige ao sujeito passivo que comprove a realidade dos rendimentos declarados e que é outra a fonte do acréscimo do património ou do consumo efectuado - cfr. art.° 89°-A n.° 3 da LGT. não lhe bastando fazer a demonstração de factos que permitam duvidar da existência do facto tributário ou da sua quantificação.
A especificidade do presente recurso consiste em ter sido levantada a questão pelo recorrente (AT) de que não basta ao sujeito passivo a demonstração de que dispunha de meios financeiros, sua fonte e respectivos quantitativos que no ano civil/fiscal em causa lhe permitiram o acréscimo do património ou do consumo, antes se lhe impondo, na óptica do recorrente, que para além disso demonstre quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração que foram afectos ao consumo evidenciado.
Está, pois em causa a necessidade ou não, de o sujeito passivo efectuar tal demonstração para evitar ou afastar a avaliação indirecta.
A demonstração de que se fala é, pois, a da afectação concreta dos recursos brotados da referida fonte (rendimentos não sujeitos a tributação) ao concreto consumo ou acréscimo patrimonial.
Quid Júris?
Cremos que este Supremo Tribunal ainda não se pronunciou sobre a interpretação específica proposta pelo recorrente do disposto no artº ° 89°A n.° 3 da LGT, na redacção da Lei n.° 55- B/2004, de 30 de Dezembro).
Não obstante, por mais de uma vez se pronunciou sobre o preceito em causa, abordando questões essenciais.
Breve Resenha Jurisprudencial:
Assim, no acórdão de 27/05/2009 rec. 0403/09 sustentou-se:
I - Tem lugar avaliação indirecta da matéria tributável quando o contribuinte evidencie manifestações de fortuna previstas na tabela que consta do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT.
II - Quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos aí previstos, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de IRS.
III - Demonstrando-se que os rendimentos declarados em sede de IRS acrescidos de empréstimos contraídos pelo sujeito passivo totalizam valor superior ao das manifestações de fortuna, deve entender-se que foi feita a prova exigida pelos n.ºs 3 e 4 do art. 89.º-A da LGT e que, por isso, não pode efectuar-se a avaliação indirecta da matéria tributável nos termos aí indicados.
E no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 19/05/2010 tirado no recurso nº 0734/09 sumariou-se na parte que nos interessa:
I (…)
II - Evidenciada a aquisição, pela recorrente, de um imóvel com valor de aquisição superior a 250.000,00 €, quando ela declarara rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição - cfr. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável.
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.
IV - Já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa – concernentes à incidência objectiva do imposto -, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária - que determina que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» -, e bem assim a busca de um cânone interpretativo conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrático, que a solução adoptada no acórdão recorrido não permite alcançar.
V - Assim, embora a justificação parcial não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição, deduzindo-se a este valor de aquisição o montante do empréstimo bancário que a recorrente demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.
VI - Não tendo a administração tributária efectuado a dedução relativa ao empréstimo bancário na avaliação do rendimento tributável da recorrente a que procedeu, há manifesto excesso na quantificação, o que fere de ilegalidade o acto fixou à ora recorrente o rendimento tributável de €75.000,00 com recurso a avaliação indirecta.
Na linha de interpretação proposta pelo recorrente surpreende-se o Ac. do TCA- Norte de 28/10/2010 tirado no recurso 212/10.9BEPNF, assim sumariado:
I - Evidenciada a realização pelo contribuinte, num determinado ano, de suprimentos de montante superior a € 50.000,00 quando declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela constante do n.º 4 do art.º 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano.
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos suprimentos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses suprimentos, sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf. n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, que exige ao contribuinte a «comprovação […] de que é outra a fonte das manifestações de fortuna» evidenciadas).
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna.
IV - Já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa – concernentes à incidência objectiva do imposto –, a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva, o disposto no art. 73.º da LGT – que determina que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» –, e bem assim a busca de um cânone interpretativo conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrático (cf. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 734/09).
V - Assim, embora a justificação parcial não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no art. 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método (cf. o mesmo acórdão), entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 50% do valor dos suprimentos, deduzindo-se a este valor que se considerou justificado para a realização dos suprimentos, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação
Tendo presente o regime da avaliação indirecta previsto no referido art. 89.º-A e a sua teleologia, parece-nos claro que a lei exige uma relação causal entre os meios financeiros não sujeitos a declaração e à sua afectação à manifestação de fortuna evidenciada. Faz todo o sentido que só os meios financeiros que possam ser causa da manifestação de fortuna devam ser considerados para afastar a possibilidade de avaliação indirecta da matéria colectável prevista na alínea f) do artigo 87º da LGT e também no nº 1 do artº 89º da mesma lei. O primeiro dos acórdãos supra citados deste STA, que é modelar, não chega a debruçar-se sobre a questão, específica, agora colocada. Já o acórdão do TCA- Norte foi chamado a fazê-lo. E, concordamos quando ali se refere que “(…) só a demonstração de quais os concretos meios financeiros não sujeitos a declaração foram afectados à manifestação de fortuna evidenciada permitirá considerar satisfeita a exigência de justificação feita no n.º 3 daquele artigo.
(…)
Só assim se pode considerar que o contribuinte, para evidenciar determinada manifestação de fortuna, não despendeu rendimentos sujeitos a declaração. A não ser assim, bem podia suceder que o contribuinte continuasse a manter na sua disponibilidade os meios financeiros que alegou e demonstrou não estarem sujeitos a declaração totalmente incólumes (i.é, não consumidos por manifestação de fortuna alguma), sendo até que sempre poderia usar os mesmos meios financeiros para justificar diferentes manifestações de fortuna ou, pelo menos, manifestações de fortuna evidenciadas em anos diferentes. Ora, manifestamente, nem pode ser isso que quis o legislador nem esse entendimento colhe apoio na letra da lei”.
Concluímos, pois, que a melhor interpretação do mencionado art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada. E, falamos de relação causal e não de relação directa por não lhes reconhecermos o mesmo significado, mas apenas proximidade. Na relação causal admitimos vias indirectas de prova. Em substância parece-nos que a relação causal tem uma maior correspondência verbal com os termos legais usados no nº 3 do artº 89-A da LGT ao referir-se a “ é outra a fonte das manifestações de fortuna”, o que pode traduzir-se por “é outra a causa das manifestações de fortuna”. Com efeito, tal exigência de relação directa não vem expressa, minimamente, na letra do preceito que vimos analisando.
A exigência de relação causal parece-nos adequada à satisfação dos fins da norma, de prevenção da fraude fiscal e a mesma posiciona-se num nível de exigência de prova perfeitamente realizável e exigível ao sujeito passivo, que pode até ser mais rigorosa/exigente para o contribuinte mas que não lhe coarcta a possibilidade de provar a afectação de certos rendimentos a um determinado consumo por outras vias, para além da directa, conhecidas as características da fungibilidade, transmissibilidade/meio de troca e até geradoras de crédito perante terceiros que o dinheiro possui.
Já a exigência, unicamente, da falada relação directa de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna pode conduzir a situações de prova muito difícil, que poderia obstar à elisão da presunção que o sujeito passivo contribuinte tem todo o direito de concretizar.
Afirmada a necessidade de demonstração dos concretos meios financeiros não sujeitos a tributação que foram causa do consumo evidenciado vejamos no caso concreto se o sujeito passivo logrou efectuar tal comprovação.
No nosso caso, face ao probatório fixado cremos que deve ser seguido o bem fundamentado parecer do Mº Pº quanto se refere á parcial demonstração da afectação de meios financeiros não sujeitos a declaração no ano de 2007 por atenção aos pontos M),N) e O) do probatório e por as despesas declaradas no Anexo H da declaração modelo 3 do IRS referente, serem normalmente pagas em numerário, (As despesas declaradas no anexo pelo montante total de 9.016,35 Euros, como se destaca em s) do probatório, respeitam a deduções à colecta quer por benefícios fiscais quer por estarem previstas no CIRS respeitam aos códigos 701, 729, 730 e 731 figurando sempre o número fiscal do gestor/donatário e respeitam ainda a despesas de saúde e de educação e de formação profissional dos sujeitos passivos e dependentes) faltando no entanto justificação dos concretos meios financeiros que estiveram na base da aquisição da quota do “C……, Lda” o que implica que se confirme a validade da avaliação indirecta no ano de 2007 na parte em que foi relevada por aquela aquisição patrimonial.
Com efeito, muito embora os sujeitos passivos afirmem que a aquisição da participação social foi efectuada com recurso a um crédito no valor de 50.000 Euros obtido junto do Banco Millenium BCP, em 22 de Janeiro de 2007, (vide articulado 22 da sua petição de recurso) a verdade é que apenas conseguem provar a obtenção do empréstimo (vide fls. 46 e ponto 19 do probatório) tendo ficado por demonstrar se foi esse crédito causal da aquisição da referida participação social.
Já no que respeita à avaliação indirecta que foi feita relativamente a 2008 em que o incremento patrimonial não justificado respeita às despesas declaradas no Anexo H do modelo 3 de IRS 16.872,57 Euros, como se destaca em s) do probatório (as quais respeitam, também, a deduções à colecta quer por benefícios fiscais quer por estarem previstas no CIRS respeitam aos códigos 701, 729, 730 e 731 figurando sempre o número fiscal do gestor/donatário e respeitam ainda a despesas de saúde e de educação e de formação profissional dos sujeitos passivos e dependentes ) e ao IMI pago, no valor de 1.027,81 Euros. Na parte em que foi influenciada pelas despesas do Anexo H, pelas razões acabadas de destacar quanto ao ano de 2007, também não se vêem motivos para exigir a concretização dos correspondentes meios financeiros para o respectivo suporte, através de uma relação directa de afectação carecendo, em consequência, de suporte legal a avaliação indirecta respeitante a 2008.
Preparando a decisão formulamos as seguintes proposições:
I - Tem lugar avaliação indirecta da matéria tributável quando o contribuinte evidencie manifestações de fortuna previstas na tabela que consta do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT.
II - Quando se prova a existência de uma das manifestações de fortuna dos tipos aí previstos, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas não é rendimentos sujeitos a declaração em sede de IRS.
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais consumos sendo a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
IV - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna, sem prejuízo desta justificação relevar para efeitos da fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
A terminar cumpre deixar expresso o seguinte: no entendimento de que no pedido do recurso dos contribuintes se questiona a quantificação dos rendimentos a que chegou a Administração Fiscal em relação ao ano de 2007, esta se bem que alicerçada em avaliação indirecta que, como vimos se justificava, tem como limitação e deve cingir-se ao valor de aquisição da participação social do C……, LDA” referida em H) do probatório.
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida na parte em que considerou indevida a avaliação indirecta que foi feita relativamente a 2007 a qual é de confirmar com as limitações, em matéria de quantificação de rendimentos, supra expressas e, confirmando-a quanto ao mais.
Custas neste STA a cargo do recorrente por atenção à improcedência parcial do seu recurso e na 1ª Instância por ambas as partes atento o seu decaimento.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2012. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.