Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:085/14
Data do Acordão:02/19/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
MATÉRIA COLECTÁVEL
IRS
MÉTODOS INDIRECTOS
AVALIAÇÃO
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I - Apesar de o contribuinte só poder arredar a determinação indirecta de rendimentos levada a cabo pela Administração Tributária ao abrigo do art. 89º-A da LGT através da justificação total do montante que permitiu a evidenciada manifestação de fortuna, já assim não é no que toca à fixação do rendimento sujeito a tributação, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do acréscimo patrimonial não justificado sujeito a imposto.
II - Tendo o contribuinte demonstrado que recorreu a empréstimo bancário para adquirir o imóvel cujo valor determinou a avaliação indirecta dos seus rendimentos à luz daquele art. 89º- A da LGT, a quantificação do rendimento tributável deve ser igual a 20% do valor de aquisição do imóvel mas deduzido do montante desse empréstimo, já que o montante emprestado não está nem pode ficar sujeito a IRS.
III - Circunscrevendo-se a ilegalidade cometida à desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna no cálculo do rendimento padrão - corrigível mediante mera operação aritmética que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado - haverá lugar à anulação meramente parcial do acto impugnado, que não à sua anulação total.
Nº Convencional:JSTA00068597
Nº do Documento:SA220140219085
Data de Entrada:01/27/2014
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:LGT98 ART89 A.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0734/09 DE 2010/05/19.; AC STAPLENO PROC0358/12 DE 2012/07/05.; AC STAPLENO PROC0761/08 DE 2009/01/28.; AC STAPLENO PROC0298/12 DE 2013/04/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O DIRECTOR DE FINANÇAS DO PORTO recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente o recurso que A……. interpôs da decisão proferida em 22/06/2012 pelo substituto legal do Director de Finanças do Porto, e que lhe fixou, nos termos do art. 89º-A da Lei Geral Tributária, em € 56.000,00 o rendimento líquido a tributar em sede de IRS do ano de 2008.
1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

a) Vem o presente recurso deduzido contra a sentença proferida a 18/09/2013 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que anulou na sua totalidade a decisão do substituto legal do Director de Finanças do Porto que determinou a avaliação indirecta da matéria colectável, referente a IRS de 2008, fixando rendimento líquido a tributar no montante de € 56.000,00, ao abrigo do disposto no art. 89º-A da LGT, por entender que a AT incorreu em erro quanto aos respectivos pressupostos legais e que não cabe aos Tribunais anular o acto sindicado apenas parcialmente.

Objecto do recurso

b) A AT aceita o julgamento do tribunal “a quo” quanto à matéria de facto, considerando assente que o sujeito passivo justificou parcialmente a manifestação de fortuna relativa à aquisição em 2008 de um imóvel pelo valor de € 280.000,00 com o recurso a um crédito bancário de € 250.000,00.

c) A AT não se conforma com o julgamento em matéria de direito, por entender que a desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna, em face da comprovada obtenção da importância de € 250.000.00 com recurso a empréstimo bancário, não determina a ilegalidade do acto sindicado por erro quanto aos pressupostos legais de que depende a avaliação indirecta em causa.

d) Mais pugnando inexistir qualquer ilegalidade por excesso de quantificação da matéria colectável decorrente daquela desconsideração, e ainda, a título subsidiário ou alternativo, que, a considerar-se o acto sindicado ilegal por erro de quantificação, tal ilegalidade não fere o acto no seu todo mas apenas na parte em que este desconsiderou para efeitos do cálculo do rendimento-padrão a justificação alcançada.

Pressupostos legais da avaliação indirecta

e) Desde logo, a sentença recorrida entende que o acto sindicado é ilegal por não estarem reunidos os pressupostos legais que admitem a fixação de um rendimento padrão presumido.

f) Entende o Tribunal “a quo” que a justificação da importância de € 250.000,00 aplicada na aludida aquisição, para efeitos do ónus probatório do nº 3 do art. 89º-A da LGT, “impede a verificação do rendimento padrão presumido, e logo a tipicação material e subjectiva da regra de incidência do art. 89º-A/1 e 4 da LGT”,

g) Julgando improcedente o pedido subsidiário ou alternativo efectuado pela AT de fixação de um rendimento padrão reduzido parcialmente “por consideração da questão dos 30.000,00 restantes (...) pois tal operação viola a norma de incidência do art. 89º/1 e 4 da LGT e 9º/1 do CIRS”, cfr. se lê a fls 3.

h) A AT discorda em absoluto deste entendimento, na esteira da jurisprudência do STA vertida no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19/05/2010, no processo nº 0734/09, pugnando pela tese de que a justificação parcial dos rendimentos em causa não é susceptível de afastar a aplicação do método indirecto previsto no art. 89º-A da LGT.

i) Em síntese, conforme referido no aludido acórdão, “Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna” pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna”.

j) Termos em que se conclui que a decisão da Administração Tributária em crise não incorreu em erro quanto aos pressupostos legais da avaliação indirecta prevista no n° 1 e n°4 do art. 89°-A da LGT.

Da quantificação da matéria colectável

k) Não obstante a justificação parcial da manifestação de fortuna em causa, deverá o acto sindicado ser mantido na sua totalidade, por se entender que a justificação meramente parcial não é susceptível de influir na quantificação da matéria colectável a fixar por aplicação da tabela do nº 4 do art. 89º-A da LGT.

l) O método de tributação previsto no art. 89º-A da LGT pressupõe, por definição, a tributação de um rendimento cuja existência é fortemente indiciada, a partir de factos típicos como as manifestações de fortuna, mas cuja fonte ou natureza, assim como a sua quantidade, são desconhecidos.

m) Justamente, importa salientar que as manifestações de fortuna não são factos tributários, ou estaríamos perante uma tributação directa da despesa, o que não é o caso da norma em apreço.

n) As manifestações de fortuna são, isso sim, factos indiciadores de fraude ou evasão fiscais quando se verifica a desproporção com o rendimento declarado nos termos expressamente previstos na lei.

o) Ao justificar parte das manifestações de fortuna, o contribuinte não está a justificar parte do rendimento que se presume a partir da referida tabela, pois muito embora o cálculo do rendimento padrão seja proporcional ao valor das manifestações de fortuna, o objectivo daquele método de tributação é o de tributar ingressos de rendimento que tenham escapado à devida tributação, com vista a uma aproximação da realidade contributiva.

p) Na falta de outros indícios que, nos termos do art. 90º da LGT, permitam à Administração Tributária apurar matéria colectável em montante superior, a situação tributária do contribuinte, no ano em que ocorre a manifestação de fortuna, é apurada exclusivamente com base no rendimento padrão resultante da referida tabela e nunca em montante inferior, ainda que o contribuinte justifique parte da manifestação de fortuna.

q) É que subjacente ao método de tributação previsto no art. 89º-A da LGT está o desconhecimento da real capacidade contributiva do contribuinte,

r) E uma justificação parcial da manifestação de fortuna não afasta o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte para efeitos de IRS, não afastando, por isso, a presunção de fraude e evasão fiscal e a consequente aplicação do padrão de rendimento apurado a partir da tabela do nº 4 do art. 89º-A da LGT, para a qual a lei não prevê qualquer redução.

s) Daí, também, uma certa vocação sancionatória do art. 89º-A da LGT sobre comportamentos que impedem a Administração Tributária de aceder à capacidade contributiva real dos contribuintes, tributando-os pelo rendimento padrão correspondente, fixado na referida tabela, sem mais considerações.

t) Mais, não existe qualquer violação ao princípio da igualdade tributária na interpretação da lei que aqui se advoga, pois das regras da experiência não decorre qualquer relação inversamente proporcional entre o montante de manifestação de fortuna justificado e o montante de rendimento que passa ter escapado à devida tributação, pois quer exista ou não uma justificação parcial, o que persiste é, ainda assim, o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte.

u) A presunção de um rendimento padrão, contida no art. 89º-A da LGT, é claramente uma presunção ilidível, através da prova da origem da totalidade dos fluxos financeiros que suportaram a totalidade do valor da manifestação de fortuna evidenciada, nos termos consignados no n°3 daquele normativo legal.

v) O entendimento que se defende com o presente recurso quanto à interpretação do art. 89º-A da LGT, mais concretamente sobre a quantificação da matéria colectável em face de uma justificação parcial da manifestação de fortuna, tem um relevante apoio quer na doutrina, quer na jurisprudência.

w) Sobre o entendimento contido no acórdão do STA de 19/05/2010, importa, ainda, referir que o mesmo não tem aplicabilidade ao caso em presença pois reporta-se a factos tributáveis anteriores à alteração introduzida ao nº 3 do art. 89º-A da LGT pela Lei nº 55-B/2004, de 30/12 (OE 2005).

x) Salvo melhor opinião, afigura-se que o legislador, ao deixar de fazer referência expressa naquele dispositivo legal à herança ou doação, rendimentos que o contribuinte não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, tal como vigorava na redacção anterior àquela alteração, terá pretendido atingir a real capacidade contributiva evidenciada com a aquisição da manifestação de fortuna através da prova de todos os recursos financeiros mobilizados para a aquisição da totalidade da manifestação de fortuna, na base da qual é calculado o rendimento padrão, aprofundando o propósito de combate à evasão e fraude fiscais subjacente ao art. 89º-A da LGT.

y) Termos em que se conclui que a decisão da Administração Tributária em crise, reunidos os pressupostos legais da avaliação indirecta com recurso ao rendimento padrão, não incorre em excesso de quantificação, devendo, como tal, manter-se na íntegra na ordem jurídica.

Anulação parcial do acto controvertido

z) Sem prescindir, caso o Tribunal entenda existir excesso de quantificação da matéria colectável por desconsideração daquela justificação parcial, deverá o acto sindicado ser anulado apenas parcialmente, na parte justificada, e não na sua totalidade, anulando-se o acto de fixação do rendimento tributável na parte em que excede a quantia de 6.000,00 (20% / € 30.000).

aa) Por outras palavras, a considerar-se que o tributo deve incidir apenas sobre a parte da manifestação de fortuna não justificada, no montante de € 30.000,00 (280.000 - 250.000), com a consequente fixação da matéria colectável apenas em € 6.000,00, deve a decisão controvertida ser parcialmente anulada na parte que excede aquele montante.

bb) Na senda do que vem sendo entendido pelo STA relativamente a actos de liquidação, o acto de fixação da matéria colectável, por definir uma quantia, é naturalmente divisível, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles actos, ao prever a procedência parcial de meios processuais impugnatórios.

cc) Sem atender, ainda, ao acto controvertido nos autos, transcreve-se o seguinte excerto do acórdão do STA, de 10/04/2013, no processo nº 298/12, sobre a anulação parcial de um acto tributário, “se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira”.

dd) No caso dos autos, a entender-se que o acto é ilegal por excesso de quantificação, porque este excesso decorre da desconsideração de uma justificação parcial da manifestação de fortuna, afigura-se-nos que a ilegalidade apenas se verifica na medida da não consideração daquela justificação,

ee) " (...) sendo a ilegalidade cometida corrigível mediante mera operação que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado”, conforme entendimento jurisprudencial vertido no aludido acórdão de 10/04/2013 do STA.

ff) Nestes termos, sem prescindir e a título meramente subsidiário, caso venha a prevalecer o entendimento de que o acto sindicado está ferido de ilegalidade por excesso de quantificação, deverá a sentença recorrida ser revogada na parte em que julgou totalmente procedente o recurso, julgando-o ao invés parcialmente procedente e anulando a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável apenas na parte em que a quantificação operada desconsiderou o valor parcialmente justificado.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente,

A) Revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente o recurso deduzido ao abrigo do art. 89º-A da LGT, mantendo-se a decisão de avaliação indirecta na ordem jurídica;

B) Caso assim não se entenda, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente o recurso deduzido ao abrigo do art. 89º-A da LGT na parte justificada, anulando-se parcialmente acto sindicado.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que a sentença devia ser revogada e substituída por outra que, anulando parcialmente o acto de fixação da matéria colectável, fixasse como rendimento tributável presumido o valor de € 6.000,00, expendendo, com fundamento na jurisprudência contida nos acórdãos proferidos pelo Pleno deste STA em 19/05/2010, no proc. nº 734/09, e em 05/07/2012, no proc. nº 358/12, a seguinte argumentação:
«(…) os pressupostos da avaliação indirecta dos rendimentos só são afastados caso o contribuinte justifique totalmente a proveniência dos rendimentos alocados à aquisição do imóvel. Doutra forma seria uma forma de facilitar a evasão fiscal que se pretendeu combater. Mostrando-se reunidos os pressupostos de recurso à avaliação indirecta, apenas há que relevar a justificação parcial.
Voltando ao caso concreto dos autos, tendo o recorrido feito prova do recurso a empréstimo bancário no valor de € 250.000,00 euros, há apenas que considerar, para efeitos de fixação do rendimento padrão, o remanescente de € 30.000,00. Assim há que considerar como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria “G”, o valor de 6.000,00 euros, correspondente a 20% do valor da aquisição cuja proveniência não ficou comprovada.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida padece do vício de erro sobre os pressupostos de direito, motivo pelo qual deve a mesma ser revogada e substituída por outra que anule parcialmente o acto de fixação da matéria tributável e fixe como rendimento tributável presumido o valor de € 6.000,00 euros.».

1.4. Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

· Por escritura pública de 3 de julho de 2008, a recorrente comprou o prédio urbano em ........, com o artigo matricial 3236, pelo valor de € 280.000, com recurso a crédito bancário no montante de € 250.000, por escritura de mútuo com hipoteca - cfr. teor de fls. 8/11 dos autos.

· A recorrente cidadã nacional residiu e trabalhou na Suíça, onde auferiu no ano de 2008, rendimentos do trabalho dependente - cfr. teor de fls. 69/73 dos autos.

· Por decisão do substituto legal do Diretor de Finanças do Porto, de 21/6/2012, foi determinada a fixação indireta da matéria coletável do ano de 2008, à recorrente, no valor de € 56.000, por aplicação da taxa de 20% ao valor da compra do prédio urbano com o artigo matricial 3236 da freguesia de ........ na Póvoa de Varzim - cfr. teor de fls. 48/49.

· Foi julgada improcedente, na decisão judicial de 7/11/2012, a fls. 82/90, a questão da intempestividade erguida pela AT.


3. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que julgou procedente o recurso judicial deduzido pela ora Recorrida contra a decisão administrativa proferida pelo substituto legal do Director de Finanças do Porto que lhe fixou, nos termos do artigo 89º-A da LGT, por métodos indirectos, o rendimento líquido em sede de IRS do ano de 2008 no montante de € 56.000,00, e que anulou na totalidade essa decisão. Para assim decidir, a sentença esgrimiu com a seguinte argumentação:
«A omissão declarativa dos rendimentos do ano de 2008, pela recorrente, determinou, perante o conhecimento da aquisição do imóvel, pelo valor da compra, que fosse fixada a matéria coletável desse ano de 2008, pelo valor do rendimento presumido, de acordo com a tipificação da tabela do art. 89º/4 da LGT.

Este procedimento mostra-se adequado e legal, pelo que se não verifica qualquer ilegalidade na fixação do rendimento coletável pela presunção do rendimento padrão, verificados os pressupostos respetivos do art. 89º/1, 2-a, e 87º/1-a, da LGT.

Todavia, recolhe-se do processo que a compra foi efetuada com recurso a crédito bancário no valor de € 250.000, documentado por escritura de mútuo bancário com hipoteca, o que altera a justificação do facto base — de facto não justificado, como manifestação de rendimento a tributar, para facto justificado por comprovado, que o valor da aquisição do imóvel, não era valor declarável para tributação em sede de IRS do ano de 2008, por ser valor de empréstimo bancário.

Esta inversão do ónus imposta pelo art. 89º/3 da LGT - da comprovação da fonte do rendimento manifestado na aquisição do imóvel - impede a verificação do rendimento padrão presumido, e logo a tipificação material e subjetiva da regra de incidência do art. 89º-A/1 e 4 da LGT. Não se pode agora fixar qualquer rendimento padrão reduzido parcialmente, por consideração da questão dos € 30.000 restantes, como quer a AT, para a “redução” do valor do rendimento padrão e fixação parcial do rendimento, pois tal operação viola a norma de incidência do art. 89º/1 e 4 da LGT e 9º/1-d do CIRS, por isso o pedido subsidiário ou alternativo formulado pela AT [de redução do valor da matéria coletável, por consideração da quantia “não justificada de € 30.000], não pode ter acolhimento, sendo julgado improcedente.

Ademais não cabe ao juiz quaisquer operações para fixar qualquer valor da matéria coletável, não unicamente pela invasão da esfera de competência da AT, como ainda pelo facto de serem necessárias operações de apuramento com base nas regras para prevenir a dupla tributação internacional - pois prova-se terem sido auferidos ela recorrente rendimentos em país estrangeiro, no ano da compra do prédio.

Por entender que se não verifica a hipótese de tributação tipificada pelo art. 89º-A, 1 e 4 da LGT, por referência ao número 1 da tabela, do nº 4, e do art. 9º/l-d, do CIRS, julgo procedente o recurso da decisão de 21/6/2012, do substituto do Diretor de Finanças do Porto de fixação do rendimento tributável presumido do ano de 2008, no montante de € 56.000, por manifestação de fortuna na compra de imóvel pela recorrente A……….».

As questões que o Recorrente coloca à apreciação deste Tribunal são a de saber: (i) se na quantificação da matéria colectável, operada nos termos do art. 89º-A da LGT, devem ser tidos em consideração os montantes obtidos por crédito bancário que justificam parcialmente as manifestações de fortuna evidenciadas com a aquisição do imóvel; (ii) se a justificação parcial dos montantes que evidenciaram as manifestações de fortuna afasta os pressupostos de aplicação do art. 89º-A da LGT; (iii) se o acto que fixou a matéria colectável por aplicação do art. 89º-A, da LGT pode levar a uma mera anulação parcial da decisão administrativa impugnada.
Tanto a primeira como a segunda questão foram por diversas vezes analisadas e debatidas pela jurisprudência, tendo inicialmente obtido respostas divergentes, como se pode ver pela leitura do acórdão proferido em 28/01/2009 pelo Pleno desta Secção do STA no processo nº 0761/08 (no sentido de que na determinação da matéria colectável ao abrigo do art. 89º-A da LGT deve sempre considerar-se como rendimento tributável o rendimento padrão apurado no termos da tabela do nº 4 da citada norma, não havendo que subtrair ao valor de aquisição o valor justificado por outras fontes para calcular o rendimento padrão) e do acórdão proferido em 19/05/2010 pelo Pleno desta mesma Secção no processo nº 0734/09 (no sentido de que embora o contribuinte tenha de justificar a totalidade do valor que permitiu a manifestação de fortuna para afastar a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no art. 89º-A da LGT, a Administração não pode desprezar, a nível da quantificação do rendimento tributável, o montante que o contribuinte logrou justificar, rendimento que deverá, assim, ser calculado apenas sobre o montante não justificado).
Ponderada a fundamentação jurídica que suporta tão distintos entendimentos, aderimos, sem reservas ou hesitações, à que vem explanada neste segundo aresto, dado que na exegese do sistema e atendendo ao espírito da lei é a que melhor se coaduna com os princípios constitucionais e legais conformadores da norma, e que não obstante se referir ao art. 89º-A na redacção anterior às Leis nº 53-A/06, de 29/12, e nº 19/08, de 21/04, se mantém actual no que toca à questão controvertida.
Tal posição foi, aliás, reiterada, agora de forma unânime, pelos Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso Tributário do STA, no acórdão do Pleno proferido em 5/07/2012, no processo nº 0358/12, onde se decidiu, mais uma vez, que embora só a justificação total do montante que permitiu a verificação da “manifestação de fortuna” tenha a virtualidade de afastar a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram a manifestação de fortuna, já assim não é no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto. E que tendo o contribuinte demonstrado que recorreu a empréstimos bancários para adquirir imóveis cujo valor determinou a avaliação indirecta da matéria colectável, nos termos do art. 89º-A da LGT, a quantificação do rendimento tributável assim operado deve ser igual a 20% do valor de aquisição, mas deduzindo-se a este valor de aquisição o montante de tais empréstimos bancários, já que o montante destes não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.
Face à sua proficiente fundamentação, à qual nada se nos oferece acrescentar, limitar-nos-emos a transcrever o que ficou dito neste último acórdão.
«Não se questiona que, impendendo sobre a AT o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, lhe cabe provar que o rendimento líquido declarado pelo sujeito passivo mostra uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão fixado na referida tabela.
O rendimento padrão serve assim, numa primeira fase, para verificar se ocorrem os pressupostos legais para o recurso a métodos indirectos de determinação do rendimento tributável. E uma vez provados esses pressupostos, passa a competir ao sujeito passivo o ónus de prova da ilegitimidade do acto de avaliação indirecta, por erro nos respectivos pressupostos, pela demonstração de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito - nº 3 do art. 89º-A da LGT (ou seja, o valor justificado por outras fontes de rendimento ou património pode relevar para a demonstração de que, apesar da verificação em abstracto dos pressupostos legais da avaliação indirecta, esta não deve ocorrer porque as manifestações de fortuna evidenciadas foram adquiridas com aquele valor justificado).
Daí que, para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deva dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, e que a justificação meramente parcial não afaste a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos globais que permitiram tal manifestação de fortuna.(Note-se que, tendo a jurisprudência considerado que o rendimento para efeitos de comparação, a que se refere o nº 1 do art. 89º-A da LGT, era o rendimento bruto (v., por exemplo, o ac. do STA, de 28/6/2006, proc. nº 486/06, onde se considerou que o rendimento para efeitos de tal comparação, era o rendimento bruto e não o rendimento líquido – após as deduções específicas) a Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (OE de 2007), veio a clarificar tal conceito, estabelecendo que os rendimentos a comparar com os valores decorrentes da tabela prevista no nº 4 do art. 89º-A, são os rendimentos líquidos (mas porque esta alteração não tem carácter interpretativo, ela só será de aplicar a rendimentos do ano de 2007 e seguintes).)
No caso presente, porém, não se questiona a verificação dos pressupostos legais para essa avaliação indirecta do rendimento tributável dos recorridos. Aliás, evidenciada a aquisição, pelos recorridos, de imóveis com valor de aquisição superior a 249.398,95 €, quando declararam rendimentos líquidos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padrão (fixado em 20% do valor da aquisição - cfr. tabela constante do nº 4 do art. 89º-A da LGT), têm de considerar-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável.
4.4. Mas, como de forma clara se exara no citado acórdão do Pleno de 19/5/2010 (proc. nº 0734/09) a que o acórdão recorrido faz apelo «já assim não é no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
Embora se tenha presente (…) que a solução perfilhada é a que resulta literalmente da letra do nº 4 do artigo 89º-A da LGT, que apenas prevê de forma expressa a possibilidade de afastamento do valor determinado tendo por referência o “rendimento padrão” quando a administração tributária fixar rendimento superior, de acordo com os critérios fixados no artigo 90º, entende-se, contudo, ser outra a solução imposta pelo espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes atendendo à natureza das normas em causa.
Assim, no que à natureza das normas em causa respeita, parece dever entender-se que as normas previstas no nº 4 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária são, nesta segunda fase (em que em causa está a determinação e quantificação do rendimento sujeito a IRS), normas de incidência objectiva de IRS, integrantes da norma contida na alínea d) do nº 1 do artigo 9º do respectivo Código (neste sentido, JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, “IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra, 2007, pp. 368/369, nota 415), ou, pelo menos, normas que densificam e concretizam aquelas e, como tais, sujeitas a idênticas regras e princípios.
Ora, se assim é, então ter-se-á de considerar ser-lhes aplicável a proibição de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva (neste sentido, JOSÉ CASALTA NABAIS, “O Dever Fundamental de Pagar Impostos”, Coimbra, Almedina, 1998, em especial pp. 497/498), que, no plano da lei ordinária, o artigo 73º da LGT, ao dispor que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário», expressamente consagra.
Não pode, pois, deixar de ser reconhecido ao contribuinte o direito de provar o manifesto excesso dessa quantificação, pela demonstração de que o seu rendimento tributável não pode ser igual ao rendimento padrão que a lei fixa ou presume, na medida em que logrou demonstrar a proveniência de parte do montante que permitiu a manifestação de fortuna e esse montante não está sujeito a declaração e tributação como rendimento para efeitos de IRS. Impedir o contribuinte de fazer essa prova ou defender que não se pode dar qualquer relevância à demonstração da proveniência parcial do rendimento utilizado na manifestação da fortuna, argumentando que a quantificação tem, necessariamente, de ser aquela que resulta da aplicação de um critério estritamente legal e que parte de uma ficção ou presunção de um determinado rendimento sujeito a tributação (rendimento padrão), constituiria, desde logo, uma clara e directa violação do artigo 73º da LGT, pois que sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência objectiva de IRS, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário (nº 2 do artigo 350º do Código Civil).
Acresce que a solução a que conduziria o não relevo da justificação parcial da manifestação de fortuna, levaria a tributar de forma igual situações diversas e para as quais a Constituição parece impor tratamento tributário diverso, em conformidade com os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais.
De facto, mal se compreenderia, à luz dos referidos princípios, que, perante contribuintes relativamente aos quais se verificassem os pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta por “sinais exteriores de riqueza” e que tivessem adquirido imóveis de valor idêntico, o contribuinte que nada justificou fosse tributado em sede de categoria G de IRS por montante exactamente igual ao contribuinte que justificou que parte significativa da fonte do acréscimo patrimonial não justificado lhe adveio do recurso a um empréstimo bancário, acrescendo, ainda que o montante obtido por via do empréstimo bancário acabaria também por ser tributado, não obstante tratar-se comprovadamente de montante não sujeito a tributação em sede de IRS.»
Ora, a interpretação sustentada, no caso presente, pela recorrente Fazenda Pública, conduziria, inevitavelmente, a um tratamento grosseiramente igualitário de situações diversas e bem assim autorizaria e validaria «a tributação de rendimentos que, comprovadamente, não estão sujeitos a tributação em sede de IRS, razões pelas quais deve ser rejeitada sob pena de afronta aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais (Cfr., o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 348/97, de 29 de Abril de 1997, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, a norma do § 2 do artigo 14º do Código do Imposto de Capitais, na parte em que não permite a elisão de onerosidade dos mútuos efectuados pelas sociedades a favor dos respectivos sócios e respectiva anotação de CASALTA NABAIS, que convoca também o princípio da capacidade contributiva para defesa de que a predita norma também é inconstitucional em si mesma, na medida em que permite a tributação de situações sem qualquer suporte na capacidade contributiva - «Presunções Inilidíveis e Princípio da Capacidade Contributiva: Acórdão nº 348/97, processo nº 63/96», Fisco, nº 84/85, Setembro/ Outubro 1998, ano IX, pp. 85/95).
Tenha-se finalmente em conta que a natureza subsidiária da avaliação indirecta (artigo 85º, nº 1 da LGT) - de que, ao menos na perspectiva do legislador (cfr. a alínea d) do nº 1 do artigo 87º da LGT), a avaliação por sinais exteriores de riqueza comunga -, e bem assim a regra segundo a qual à avaliação directa se aplicam, sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85º nº 2 da LGT) parecem igualmente militar no sentido de que a justificação parcial feita pelo contribuinte do acréscimo patrimonial há-de reflectir-se na fixação do rendimento a sujeitar a imposto, tanto mais que o nº 4 do artigo 89º-A da LGT expressamente admite o afastamento da tributação do montante determinado pelo “rendimento padrão” quando existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o que permite afirmar o carácter supletivo do recurso ao rendimento padrão, ao menos na perspectiva da Administração tributária.
Ora, se assim é para a Administração tributária, perante meros indícios, embora fundados e consonantes com critérios legalmente definidos, não se vê que deva ser de outro modo quando a situação seja a inversa e o contribuinte disso faça prova.
É que, julgamos que também no plano procedimental tributário, o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da Constituição da República) postula esse justo equilíbrio, essa paridade de posições jurídicas recíprocas, nas situações em que não se vislumbra que um interesse público de especial relevo imponha solução diversa (cfr., sobre o tema em geral, PEDRO MACHETE, Estado de Direito Democrático e Administração Paritária, (…)).
Diga-se finalmente que a solução propugnada é a sustentada pela mais recente doutrina que ex professo tratou a questão (cfr. JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, “A Tributação Presuntiva do Rendimento: Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável”, Coimbra, Almedina, Abril 2010, pp. 301/305), o que não deve deixar de ser salientado.
Os argumentos supra expostos conduzem, assim, a que se entenda que a justificação parcial, embora não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição deduzido do montante do empréstimo bancário que demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel em questão, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.».
(…)».

No caso vertente, também a ora Recorrida logrou demonstrar que contraiu um empréstimo bancário, no montante de € 250.000,00, que destinou à aquisição do imóvel em causa, pelo preço € 280.000,00, justificando, assim, parcialmente, o montante que indiciou a manifestação de fortuna. Pelo que não pode deixar de se atender, na quantificação do rendimento, ao valor que foi justificado. E ao desconsiderar-se esse valor ocorreu, nessa parte, excesso na quantificação da matéria tributável.
Todavia, como se viu, este facto não tem a virtualidade de afastar os pressupostos de aplicação do art. 89º-A, que legitimaram o recurso a métodos indirectos de determinação do rendimento tributável e que se mantém incólumes no que se refere à parte do montante não justificado, ou seja, in casu, de € 30.000,00.
E nem sequer se coloca aqui a questão de inversão do ónus da prova a que se refere a sentença recorrida. Com efeito, ante os fundados indícios de manifestações de fortuna que não encontram explicação nas declarações de rendimentos apresentadas pelo contribuinte, nos moldes definidos no art. 89º-A, não era à Administração Tributária que incumbia demonstrar a falta de justificação dessa desproporção – que é legalmente definida e sancionada – mas era à contribuinte que cabia ilidir a presunção que decorre da lei, através da justificação dos valores em causa.
Como não se coloca a questão da interferência do tribunal na esfera de competência da Administração para liquidar tributos, visto que, do que se trata, é da aplicação das regras do ónus da prova, que é da competência do tribunal. O que significa que, ante a justificação parcial do rendimento, o tribunal, aplicando a lei de conformidade com as regras do ónus da prova, não podia deixar de considerar como injustificado, nos termos e para os efeitos do art. 89º-A da LGT, o montante remanescente.
E esta conclusão contende, necessariamente, com a terceira questão colocada neste recurso, que é a de saber, afinal, se no descrito circunstancialismo era vedado ao tribunal anular o acto recorrido apenas no que se refere ao quantum da matéria tributável que se mostra excessiva.
Com efeito, tal como se deixou explicado no acórdão proferido pelo Pleno desta Secção em 10/04/2013, no processo nº 0298/12, independentemente de saber se a anulação parcial do acto sindicado é ou não a solução que se impõe em casos como o dos autos, o certo é que a «anulação meramente parcial não se consubstancia na prática, pelo tribunal, de qualquer acto tributário, razão pela qual carece de fundamento a invocação neste contexto do princípio da separação de poderes. A anulação parcial do acto tributário, em si mesma, nada tem de inédito ou de estranho, pois que como ainda recentemente reafirmou este Supremo Tribunal (cfr. Acórdão de 12 de Janeiro de 2012, rec. 965/10), «(…) o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.). (…)
O critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado (como nos casos julgados por Acórdãos deste Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, rec. nº 533/12, de 12 de Janeiro de 2012, rec. nº 583/12 ou de 26 de Março de 2003, rec. nº 1973/02) ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.».
No caso vertente, tal como acontecia no aresto que acabámos de citar, é inegável a legalidade do recurso ao método indirecto previsto no nº 4 do art. 89º-A da LGT, ocorrendo a ilegalidade unicamente na parte tocante à quantificação operada, por desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna. Dito de outro modo, a ilegalidade verifica-se somente na medida da não justificação, que não no demais, e essa ilegalidade é corrigível mediante mera operação aritmética que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado.
Ora, como se deixou explicado no citado acórdão do Pleno, «Não parece, pois, que a ilegalidade cometida fira de ilegalidade o acto no seu todo, a impor a sua total anulação, antes mais curial se afigura a anulação meramente parcial (na parte em que desconsiderou para efeitos de cálculo do rendimento-padrão a justificação lograda pelo contribuinte) da decisão sindicada.».
Em suma, circunscrevendo-se a ilegalidade à desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna no cálculo do rendimento padrão - corrigível mediante mera operação aritmética que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado - haverá lugar à anulação meramente parcial do acto sindicado, que não à sua anulação total.
Será, pois, nestes termos e com este único fundamento, que se irá conceder provimento ao presente recurso jurisdicional.

4. Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e em revogar a sentença recorrida na parte em que julgou totalmente procedente o recurso judicial deduzido contra o acto que fixou o rendimento líquido da contribuinte para efeitos de IRS do ano de 2008, e que, em consequência, anulou esse acto tributário na sua totalidade, julgando, ao invés, parcialmente procedente esse recurso judicial e anulando o acto impugnado somente na parte em que na quantificação operada se desconsiderou o valor parcialmente justificado.

Sem custas.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Casimiro Gonçalves.