Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0320/18
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:Não é de admitir a revista quando as instâncias decidiram, de forma concordante, que o não pagamento ao Recorrente das prestações relativas aos subsídios de férias e de Natal no ano de 2012 ocorreu por força de norma expressamente subtraída à aplicação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade.
Nº Convencional:JSTA000P23171
Nº do Documento:SA1201804120320
Data de Entrada:03/22/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO.

A………… intentou, no TAF do Porto, contra o Estado Português, acção administrativa comum pedindo a sua condenação a pagar-lhe:
“- A importância de € 6.075,14 (seis mil, setenta e cinco euros e catorze cêntimos) a título de indemnização pelo dano patrimonial a ele adequadamente causado pelo seu identificado ato ilícito praticado no âmbito da sua função político-legislativa, ato ilícito, porque inconstitucional, como tal declarado com força obrigatória geral, corporizado no artigo 21.º da Lei n ° 64-B/2011, de 30/12;
- A importância de € 142,15 (cento e quarenta e dois euros e quinze cêntimos), correspondente ao prejuízo sofrido pelo Autor por não ter podido utilizar aquele montante na sua vida privada;”

O TAF julgou improcedente a acção e absolveu o Réu dos pedidos.
E o TCA Norte, para onde o Autor apelou, negou provimento ao recurso.

É desse acórdão que vem a presente revista (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF do Porto julgou improcedente a acção onde o Autor pedia a condenação do Estado a pagar-lhe uma indemnização devida pela prática de um acto no exercício da sua função político-legislativa.
Para assim decidir considerou:
“…..O que está em causa é saber se existe responsabilidade civil do Estado porque a sua actuação está em "(...) desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário ou acto legislativo de valor reforçado(...)" e porque a mesma ocasionou "danos anormais".
Em relação ao primeiro ponto, saber se aqui há um facto ilícito, enquanto actuação praticada em "(…) desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário ou acto legislativo de valor reforçado(...)", atente-se que, se bem que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais os art.°s 21.° e 25.° Lei n° 64-B/2011 (que decretam a suspensão, total ou parcial, do pagamento dos subsídios de férias e de Natal e das prestações remuneratórias equivalentes para trabalhadores de entidades públicas, aposentados e reformados que recebem pelo sistema público de segurança social, por violação do princípio da igualdade), é certo que, tal como defende o D.° Magistrado do MP, na sua douta contestação, o próprio T.C. ressalvou a necessidade de restringir os efeitos de tal decisão, salvaguardando as medidas já adoptadas para o ano de 2012. Ou seja, deixando de fora do seu escrutínio, justamente, as medidas referentes às quantias que o A. ora pretende ver-lhe pagas.
.....
Do que acima se expôs conclui-se, portanto que, neste caso, não foi praticado o propalado facto ilícito, falecendo, por isso, este primeiro pressuposto para accionar o mecanismo da responsabilidade civil.
Ora, sendo a existência de um facto ilícito um pressuposto fulcral do mecanismo da responsabilidade civil teremos de concluir que cai por terra a possibilidade de o Estado Português ser chamado a indemnizar o A. pelos (alegados) prejuízos para si advindos do sucedido.
Ainda que assim não fosse, note-se, neste caso também não estariam verificados, cremos, o requisito da anormalidade dos danos, exigidos por aquele art.° 15° da Lei n° 67/2007.
…..
Assim, não haverá lugar ao pagamento de indemnização se o dano não exceder os encargos normais exigíveis como contrapartida dos benefícios emergentes da existência e funcionamento dos serviços públicos suportados pelo orçamento de Estado.
….
Assim sendo, pelo que se expôs acima, sem necessidade de mais desenvolvimento, improcede a argumentação do Autor e, com ela, a acção, cumprindo absolver o R. /Estado Português dos pedidos formulados.

O TCA manteve essa decisão com o seguinte discurso fundamentador:
“…
O Tribunal Constitucional, tendo-lhe sido requerido a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2012), pelo acórdão nº 353/2012, processo nº 40/12, publicado na 1ª série do DR, nº 140, de 20-07-2012, pronunciou-se assim:
“a) Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (Orçamento do Estado para 2012).
b) Ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determina-se que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.”.

Por juridicamente acertada, jus-axiologicamente justa e intelectualmente arguta e de bom senso, a decisão sob recurso deve ser mantida integralmente.
Na verdade, o que surpreende na alegação de recurso do Recorrente é o absoluto silêncio sobre o pertinente argumento fundamental esgrimido na sentença recorrida. É que o Tribunal Constitucional determinou que «os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012».
Portanto, tendo o não recebimento das prestações atinentes aos subsídios de férias e de Natal no ano de 2012 ocorrido por força de norma legal pontual e expressamente subtraída à aplicação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade, na exacta medida contrária em que o Recorrente aponta a ilicitude com fundamento na declaração de inconstitucionalidade da norma, também na sua inverificação com incidência no ano de 2012 (ano em que os alegados danos se verificaram) é de concluir não existir qualquer ilicitude.
Dito de outra forma: Atendo aos pedidos e matéria de facto provada, no presente caso, se se pretende que a ilicitude decorra, como alegado, da inconstitucionalidade da norma que impôs o não pagamento dos subsídios no ano de 2012, então verificando-se que a declaração de inconstitucionalidade não se aplica à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012, impõe-se a irrefragável conclusão de tal ilicitude não se verifica no caso em presença.
Donde:
(i) Não tendo a norma declarada inconstitucional produzido, enquanto tal, pontuais efeitos na esfera jurídica do Autor, por via da referida restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não ocorre, no caso concreto, a reclamada ilicitude.
(ii) Na verdade, atendendo aos pedidos e causa de pedir, por via de tal restrição de efeitos, impõe-se a conclusão de que o Estado, no exercício da função político-legislativa, não praticou qualquer acto ilícito, por via de norma legal declarada inconstitucional com força obrigatória geral, relativamente ao Autor e ao ano de 2012.
Prejudicado fica o conhecimento de qualquer outra questão ou argumento.
Improcedem totalmente os fundamentos do recurso.”

3. Como se acaba de ver, a questão que os autos colocam é a de saber se o Recorrente tem direito a ser indemnizado por o Governo ter publicado legislação inconstitucional e desta ter causado o dano cujo ressarcimento peticiona.
As instâncias decidiram, de forma concordante e com uma fundamentação muito semelhante, que o Recorrente não tinha o reclamado direito e isto porque o Tribunal Constitucional, apesar de ter declarado inconstitucionais os art.°s 21.° e 25.° Lei n° 64-B/2011 (que suspenderam, total ou parcialmente, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal e das prestações remuneratórias equivalentes para trabalhadores de entidades públicas, aposentados e reformados que recebem pelo sistema público de segurança social) tinha ressalvado a aplicação dos efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade ao ano de 2012.
Com efeito, as instâncias entenderam que o Tribunal Constitucional quando declarou inconstitucionais tais normas afirmou que os efeitos dessa declaração não se aplicavam “à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012», isto é, aos meses referentes às quantias que o Recorrente pretende ver-lhe pagas. Ou seja, o não pagamento ao Recorrente das prestações relativas aos subsídios de férias e de Natal no ano de 2012 ocorreu por força da ressalva expressamente feita pelo Tribunal Constitucional. O que significa que não ocorreu a alegada ilicitude.

Ora, não nos parece que esta decisão mereça censura já que tudo indica que a mesma resultou de um juízo ponderado e rigoroso relativo aos efeitos da mencionada declaração de inconstitucionalidade.
Nesta conformidade, os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 12 de Abril de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.