Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0435/12
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I – A declaração de que a dívida está prescrita, apesar de inserida no documento de notificação, constitui um “acto decisório” praticado em execução fiscal que, por afectar os direitos e interesses legítimos de uma das partes, é passível de reclamação para tribunal, pois, não obstante a sua incorporação no referido ofício, a notificação desse ofício não se funde nem se confunde com o acto nele incorporado.
II – Tendo o exequente constituído mandatário nos autos, as notificações dos actos praticados na execução devem ser feitas na pessoa deste e no seu escritório.
III – As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
IV – Não é válida a notificação feita num funcionário de uma dependência da A……, uma vez que esse não é o local onde normalmente funciona a sua administração.
Nº Convencional:JSTA000P14265
Nº do Documento:SA2201206060435
Data de Entrada:04/20/2012
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. A A…… interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que, por intempestividade, julgou improcedente a reclamação que deduziu do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de São Roque do Pico que indeferiu o pedido de penhora de três prédios rústicos dos executados B…… e esposa C…… no processo executivo nº 588/86 que contra eles aí corre.
Nas alegações, concluem o seguinte:
1. O presente recurso foi interposto da douta sentença proferida pelo M.º Juiz a quo a fls ... do processo, a qual julgou improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal apresentada pela A……, S.A., porquanto a mesma se mostra "manifestamente extemporânea ( ... ), uma vez que foi apresentada em 22.10.2011, mais de três anos após lhe ter sido notificada a decisão que quer pôr em crise".
2. Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o M.º Juiz a quo não fez correcta nem adequada aplicação do direito.
3. A Recorrente está, pois, convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de ordenar a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
4. Com efeito, em Setembro de 2011, a A……, aqui Recorrente, enviou um requerimento ao Serviço de Finanças de São Roque do Pico, tendo em vista o prosseguimento da execução mediante a penhora de três prédios rústicos existentes na esfera jurídica dos Executados B…… e C…….
5. Nesse seguimento, em 17.10.2011, e através do ofício n.2 324, foi a A…… notificada pelo aludido Serviço de Finanças de que, conforme parecer da DSTJ, a dívida se encontra prescrita, logo não haveria lugar à penhora de quaisquer bens imóveis.
6. No mencionado ofício, foi ainda referido que, em resposta a um requerimento enviado pelo anterior mandatário da A…… em 24.06.2008, foram enviadas duas notificações à A……
7. Por um lado, a primeira dessas notificações terá sido remetida no dia 26.03.2008 pela Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças da Horta para o Gerente da A…… da agência situada na …., em Ponta Delgada. Por outro lado, a segunda notificação reporta-se à data de 07.07.2008 e terá alegadamente sido entregue pessoalmente numa dependência da A……
8. Assim sendo, em 24.10.2011 (isto é, dentro do prazo de 10 dias fixado pelo artigo 277.º do CP PT), a A…… apresentou reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276.º do CPPT, a qual foi depois remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada.
9. Posteriormente, em Novembro de 2011, a A…… foi notificada do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, o qual indeferiu liminarmente a reclamação, porquanto, no seu entendimento, “a faculdade concedida pelo artigo 276.º do CPPT apenas pode ser exercida pelo Executado, que não também pelo Exequente".
10. Nessa medida, em 30.11.2011, não se conformando com o despacho supra mencionado, a A…… interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (Proc, n.º 2/12-30).
11. Com efeito, em Janeiro de 2012, foi a A…… notificada da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do referido processo, a qual deu provimento ao recurso, revogou o despacho recorrido e, em consequência, ordenou a remessa do processo à 1ª instância, para que ali fosse proferido novo despacho que não fosse o de rejeição liminar pelos fundamentos considerados.
12. Tendo os autos baixado ao TAF de Ponta Delgada, foi proferida sentença por este Tribunal, a qual julgou pretensão da A…… improcedente por, na sua perspectiva, ter sido apresentada fora do prazo.
13. O TAF de Ponta Delgada fundamenta a sua decisão no facto de o despacho relativo à prescrição da dívida ter sido notificado à A…… em 07.07.2008, em resposta a um requerimento de 24.06.2008. Ou seja, considera o Tribunal a quo que a reclamação apresentada pela A…… em Outubro de 2011 é extemporânea por ter sido apresentada mais de três anos após lhe ter sido notificada a decisão em causa.
14. Ora, rigorosamente, a aqui Recorrente somente teve conhecimento de toda esta tramitação processual (isto é, as pretensas notificações enviadas à A…… em 2008) em Outubro de 2011 e não em 2008, como argumenta o Tribunal a quo, como ora se passará a expor.
15. Na verdade, dispõe o n.º 1 do artigo 36.º do CPPT que "Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados", ao passo que o n.º 2 determina que "as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências".
16. Ainda de acordo com artigo 40º, n.º 1 do CPPT, "as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório".
17. Em consonância, dispõe o n.º 1 do artigo 253.º do CPC, aqui aplicável por via do artigo 2.º do CPPT, que "as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais", devendo ser cumpridas as formalidades consagradas no artigo seguinte.
18. Ora, não se compreende como o Serviço de Finanças, em resposta a um requerimento apresentado pelo mandatário constituído nos autos, pretensamente notificou o Gerente da A…… ao invés do seu mandatário, conforme determinado legalmente.
19. Por sua vez, estabelece o artigo 41º do CPPT, o qual determina no seu n.º 1 que "as pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem". Prevê ainda o seu n.º 2 que, "não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade".
20. Com efeito, a omissão de notificação do mandatário constituído pela A…… viola o disposto nos artigos 36.º, 40.º e 41.º do CPPT, artigos 253.º, n.º 1 e 254º do CPC, artigo 59.º n.º 1 e nº 2 do Decreto-lei n.º 48953, de 05.04.1969, artigo 156.º, n.51 1 e nº do Decreto-lei n.2 694/70, de 31 de Dezembro e artigo 9º, nº 5 do Decreto-lei n.º 287/93, de 20 de Agosto.
21. Desta forma, vem a ora Recorrente arguir a nulidade por falta de notificação do então mandatário constituído nos autos, designadamente as nulidades processuais por omissão, nulidades estas que se encontram reguladas nos artigos 195.º alínea a), 194º e 201º nº 1 do CPC, aqui aplicável por força do artigo 2.º do CPPT.
22. De facto, a falta de notificação de tais decisões, na pessoa do mandatário legalmente constituído, acarreta nulidade processual por omissão, uma vez que tais omissões influem no exame ou na decisão da causa, lesam gravemente os interesses da ora Recorrente e privam a mesma do seu direito constitucional de defesa.
23. Isto é, o seu mandatário e o seu administrador não foram regularmente notificados daquela decisão. Mais, não tem a A…… conhecimento de qualquer registo ou aviso de recepção assinado relativamente às ditas notificações enviadas em 2008, não tendo ainda conhecimento de qualquer prova de que as notificações chegaram ao seu destinatário.
24. No entendimento da ora Recorrente, não interessa o facto de se tratar de uma decisão de 2008. O que releva, aqui, é o facto de somente ter tido conhecimento da mesma em 2011! Mais, a A…… reclamou da notificação de 2011 porquanto não conhecia de outra, pelo que a reclamação é, de facto, tempestiva.
25. Com efeito, nos presentes autos, a prescrição não foi invocada pelos Executados, pelo que terá sido o Serviço de Finanças de "per si" que entendeu declarar a dívida prescrita. Ora, tratando-se de uma obrigação civil e não uma obrigação tributária, a prescrição não é de conhecimento oficioso e carecia de ser invocada judicial ou extrajudicialmente.
26. Assim sendo, o Serviço de Finanças não podia suprir oficiosamente a prescrição, carecendo esta, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (artigo 303º do c.c.).
27. O que padece de ilegalidade já que, como se demonstrou, o Serviço de Finanças não pode conhecer oficiosamente de algo que ninguém suscitou no âmbito de uma execução que tem na sua génese uma obrigação civil, embora corra termos no foro fiscal, aliás, em observância à lei.
28. Por outro lado, ainda que assim se não entendesse e ainda que viesse a ser suscitado pelas partes, é notório que a dívida exequenda não se encontra prescrita. Na verdade, e dado que o instituto da prescrição reveste indubitavelmente natureza substantiva, às dívidas exequendas são aplicáveis as disposições do c.c.
29. O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos, nos termos do artigo 309.º do C.C. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, nos termos previstos no artigo 323.º, nº 1 do mesmo diploma.
30. Mais, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, salvo se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, casos em que o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigos 326.º, nº 1 e 327.º, nº 1, ambos do c.c.).
31. E, no caso concreto, face à interrupção do prazo prescricional, e tendo a interrupção resultado da citação, a prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (arts. 326.º, nº 1 e 327.º, nº 1, ambos do C.C.).
32. Em bom rigor, não pode dizer-se que o novo prazo de prescrição começa a correr logo que decorram os cinco dias posteriores ao pedido de citação, pois que, como o acto que interrompeu foi a própria citação, só poderá iniciar-se a contagem de novo prazo a partir do momento em que transite em julgado a decisão que ponha termo ao processo.
33. Desta feita, a prescrição da dívida nunca ocorreu, na medida em que o prazo se interrompeu.
34. Acresce que, não se concebe como é que o Tribunal a quo inicialmente apenas conheceu da suposta falta de legitimidade da A…… e só agora se pronunciou acerca da extemporaneidade da reclamação. Aliás, caso o Tribunal a quo considerasse que a A…… apresentou a reclamação fora do prazo legal, deveria, outrossim, ter-se pronunciado previamente no que a esta questão concerne.
35. Em síntese, foi no estrito cumprimento e respeito pelos princípios e preceitos legais que a ora Recorrente reclamou de decisão do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276.º do C.P.P.T., por inequivocamente se mostrar que se encontrava dentro do prazo legal previsto para o efeito.
36. Pelo que, ao assim não ter considerado, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação e desadequada aplicação do direito, designadamente das citadas disposições legais, que violou, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que declare que a reclamação de acto do órgão de execução fiscal foi tempestivamente apresentada pela aqui Recorrente.

1.2 Nas contra-alegações, a Fazenda Pública conclui o seguinte:

1. O representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, reitera integralmente o teor da contestação consubstanciada no ofício nº 215, de 22 de Fevereiro de 2012 (Vide sff anexo 6), que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, por não assistir qualquer razão à pretensão da Recorrente;
2. Com o devido respeito, como se comprova, o alegado no recurso, de 30 de Março de 2012, sob o registo n.º 19002, carece de fundamento;
3. Porquanto, no âmbito deste processo, que reporta nada mais nada menos que ao ano de 1986, este sistema de notificações à A…… tem vindo a ser institucionalizado, logo comummente aceite;
4. Um uso que tem vindo a ser reiterado ao longo do tempo, ao qual a lei atribui valor jurídico;
5. Que, no caso em apreço, e salvo opinião melhor fundamentada, não é atentatório aos princípios da boa-fé;
5. Sendo desejo da generalidade de todos quantos se preocupam e dedicam às ciências jurídicas, que a boa fé assuma um peso fundamental em qualquer ambiente colaboratívo;
6. Quanto mais não seja, porque a boa fé tem entre nós uma dupla consagração: - no artigo 266, n.º 2, da Constituição e no artigo 6.º A do Código do Procedimento Administrativo.
7. Razão pela qual, no que ao caso interessa, a alegada nulidade da notificação, entregue em mão, ao Sr. D……, Gerente da dependência da A...... de São Roque do PICO, mas endereçada a Lisboa, não colhe;
8. Tanto mais que a notificação à A……, do despacho de 4 de Março de 2008, do Sr. Subdirector-Geral da Justiça Tributária que considerou prescritos os créditos que a A…… tinha sobre os executados segui a tramitação habitual - Anexo 7;
9. Na sequência do requerimento da A…… de 26 de Outubro de 2007 - Anexos 8 e 9;
10. Daí a dificuldade em se compreender o alegado pedido de nulidade da notificação de 7 de Julho de 2008;
11. Porque esta questão jamais se colocou, atentas as inúmeras notificações que, ao longo destes 26 anos de vida do processo, terão ocorrido;
12. Por conseguinte, não tendo havido problemas com as notificações anteriores, porque haveriam agora de ocorrer com esta?
13. Consubstanciada que foi no ofício n° 254, de 7 de Julho de 2008, do Chefe do Serviço de Finanças de São Roque do Pico, tendo o mesmo sido entregue em mão ao Sr. D……, Gerente da dependência local da A…… e devidamente endereçado a Lisboa.

1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da incompetência do STA, em razão da hierarquia, dado ter sido impugnada a data em que o recorrente teve conhecimento do despacho reclamado ou ser dado provimento ao recurso, baixando os autos para conhecimento da reclamação.

2. Na sentença deram-se como assentes os seguintes factos:

a) Correu termos no Serviço de Finanças de São Roque do Pico a execução fiscal nº 588/86, que a A…… moveu contra B…… e esposa C…….
b) Por despacho de 4 de Março de 2008 do Sr. Subdirector-Geral da Justiça Tributária, foram considerados prescritos os créditos que a A…… tinha sobre os executados, em consequência do que foi desatendida a pretensão que essa exequente tinha de que fossem penhorados os prédios em causa.
c) Esse despacho foi notificado à A…… a 7 de Julho de 2008, na sequência de requerimento de 24 de Junho desse ano, através do qual a exequente requerera o prosseguimento da execução para penhora dos mesmos prédios.
d) A 11 de Outubro de 2011, a A…… apresentou novo requerimento pedindo a penhora dos prédios, tendo sido informada, por ofício expedido no dia seguinte, que já em 7 de Julho de 2008 tinha sido notificada da declaração de prescrição dos seus créditos.

3. A A……, exequente no processo de execução por dívidas instaurado em 8/5/1986, reclamou do despacho proferido em 4/3/2008 pelo Subdirector-Geral da Justiça Tributária relativo à prescrita da dívida exequenda, dizendo que apenas teve conhecimento desse despacho através do ofício nº 324 de 12/10/2011.
Fundamenta a reclamação contra a referida prescrição dizendo que: (i) a dívida exequenda é uma obrigação civil e não uma obrigação tributária; (ii) a prescrição de 20 anos não é de conhecimento oficioso; (iii) e que o prazo se interromper com a citação no processo de execução, sem se reiniciar enquanto o processo não findar.
A sentença recorrida, após expor os factos que considerou relevantes, julgou a pretensão do reclamante improcedente com a seguinte fundamentação:
Como bem anota o senhor procurador no seu parecer, a reclamante não vem reclamar da informação de 11 de Outubro de 2011. A qual se limita a constatar que os créditos exequendos tinham sido declarados prescritos por decisão de 4 de Março de 2008, notificada à reclamante a 7 de Julho desse ano. Assim, se a reclamante fundamenta a sua pretensão na discordância quanto ao entendimento relativo à prescrição, e manifestamente extemporânea, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 277° do CPPT, uma vez que só foi apresentada em 22 de Outubro de 2011, mais de três anos após lhe ter sido notificada a decisão que quer pôr em crise”.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da incompetência deste Tribunal, em razão da hierarquia, uma vez que o recurso não se funda exclusivamente em matéria de direito, pois a recorrente alega que só em 2011 teve conhecimento das pretensas notificações enviadas à A…… em 2008, enquanto que na sentença recorrida se considera provado que a recorrente foi notificada do despacho sindicado em 7 de Julho de 2008.
Efectivamente a sentença deu como provado que o despacho do Subdirector Geral da Justiça Tributária, de 4/3/2008, foi notificado à A…… em 7/7/2008 (cfr. al. c) dos factos assentes) e nas conclusões nºs 14 e 23 das alegações a recorrente diz que apenas tomou conhecimento daquele despacho em 2011, não tendo «conhecimento de qualquer registo ou aviso de recepção assinado relativamente às ditas notificações enviadas em 2008, não tendo ainda conhecimento de qualquer prova de que as notificações chegaram ao seu conhecimento».
Simplesmente, o que está em causa é mais o juízo de direito que o juiz a quo efectuou dos factos constantes do processo administrativo, do que a impugnação da matéria de facto considerada. Sem se reportar aos concretos meios de prova, a sentença conclui que o despacho de 4/3/2008 foi notificado à A…… em 7/7/2008, na resposta que foi dada ao requerimento de 24/6/2008. Tendo em conta as alegações das partes, tal juízo só pode ter sido efectuado com base no ofício nº 254 de 7/7/2008 do Chefe de Finanças de S. Roque do Pico, constante de fls. 102 do processo apenso.
Com efeito, a A……, através de requerimento subscrito por advogado, em 24/6/2008 solicitou ao órgão de execução fiscal que fosse dada ordem de pagamento da quantia depositada à ordem da execução, e que fosse ordenada a imediata penhora de três prédios rústicos que já havia sido requerida em 18/2/1998.
E em resposta a esse requerimento, através daquele ofício nº 254, o Chefe de Finanças de S. Roque do Pico disse o seguinte: “Com referência ao processo supra mencionado cumpre-me informar o seguinte: 1- O produto da venda foi de 6.500.000$00 (32.421,86€) resultando da sentença de graduação de créditos de fls. 69 e 70 em 1º Lugar o E……. e em 2° Lugar o crédito exequente, sendo as custas precípuas. Da liquidação de fls. 139 a 140 foi pago ao E……. a importância de 6060091$00 (30.227,60€) e de custas 439.909$00 (2.194,26€) tendo assim sido aplicada a totalidade do produto da venda, não cabendo nada à A……; 2- Conforme parecer, que se anexa, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária encontra-se prescrita a divida, nos termos do artigo 175º do CPPT, logo não há lugar a qualquer penhora de imóveis por parte deste serviço. 3 - Em 2008.03.26 foi dado conhecimento à A…… o referido parecer conforme ofício junto da Direcção de Finanças da Horta”.
O juiz considerou que esse ofício foi notificado à A……., porque na parte superior desse documento, onde se diz “A……. Lisboa”, consta uma assinatura que o Chefe de Finanças de S. Roque do Pico, no ofício nº 324 de 12/10/2011, diz ser do director da dependência da A…… junto ao Serviços de Finanças, onde o ofício foi entregue pessoalmente (doc. de fls. 110).
A recorrente não impugna que o ofício tenha sido entregue pessoalmente na dependência da A…… existente junto dos Serviços de Finanças de S. Roque do Pico, considera apenas que não foi regularmente notificada do conteúdo desse ofício, uma vez que existia mandatário nomeado, o qual não foi notificado.
Por conseguinte, o problema que é preciso resolver é o de saber se a comunicação daquele ofício à A……, nos termos em que foi efectuada, constitui uma notificação válida do acto que declarou prescrita a dívida. E nessa medida é uma questão essencialmente de direito, sem necessidade de se apurar quaisquer outros factos.
A recorrida invoca que a recorrente A…… foi notificada duas vezes do despacho de 4/3/2008, o qual, no seu entender, declarou a dívida prescrita: (i) em 26/3/2008, tal como se informou no ofício nº 875 da mesma data; (ii) em 7/7/2008, através do ofício nº 254, entregue pessoalmente na dependência do banco existente junto o Serviço de Fianças de S. Roque do Pico.
Mas em nenhuma dessas datas se pode considerar que a recorrente foi regularmente notificada do despacho que declarou prescrita a dívida.
Relativamente à primeira data, poderia colocar-se um problema de prova, o que afastava a competência deste tribunal, na medida em que o ofício nº 875 de 26/3/2008, do Director de Finanças da Horta, que remete o processo ao Chefe de Finanças de S. Roque do Pico informa que “Nesta data deu-se conhecimento ao Exmº Senhor Gerente da A……, … nº … – … – … Ponta Delgada” (cfr. fls. 87 do p.a), embora nenhuma prova exista do modo como tal conhecimento foi dado.
Todavia, mesmo que se provasse que naquela data foi enviado um ofício à A……, dando-lhe conhecimento do despacho de 4/3/2008 do Subdirector Geral da Justiça Tributária, tal como se havia ordenado nesse despacho, ainda assim não se poderia concluir que a exequente foi notificada da decisão que determinou a prescrição da dívida, e por dois motivos.
Em primeiro lugar, ambas as partes e o juiz a quo consideram que foi o despacho do Subdirector Geral da Justiça Tributária de 4/3/2008 que declarou prescrita a dívida, quando tal juízo não está correcto. Os Serviços de Finanças da Horta remeteram o processo de execução para a Direcção de Serviços de Justiça Tributária pedindo esclarecimento sobre a forma como o deveriam tramitar. Sobre esse pedido foi elaborada a Informação nº 1000 de 22/2/2008, onde, além do mais, se analisou a questão da prescrição da dívida, dizendo-se no artigo 21º o seguinte: “o que parece nada impedir que seja reconhecida a prescrição da dívida, pelo órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 175º do CPPT, logo que estejam concluídos os procedimentos antes indicados, relativamente à aplicação do produto da venda”. E nessa informação, o Subdirector Geral da Justiça Tributária em 4/3/2008 exarou o seguinte despacho: “Concordo, acrescentando que será de dar conhecimento à exequente” (cfr. fls. 89 a 94 do p.a).
Ora, o despacho de concordância com a Informação nº 1000 implica que a informação constitui parte integrante do respectivo acto (cfr. nº 1 do art. 125º do CPA). E se assim é, não se pode dizer que aquele despacho decidiu que a dívida estava prescrita. Nesse despacho apenas se esclarece que o órgão de execução fiscal pode, nos termos do artigo 175º do CPPT, declarar prescrita a dívida, o que é coisa bem diferente. Aquele despacho não tem conteúdo decisório quanto à prescrição da dívida, limitando-se a remeter tal decisão para o órgão de execução fiscal.
Portanto, o acto que determinou a prescrição da dívida não foi o despacho de 4/3/2008, mas a declaração do órgão de execução fiscal contida no ofício nº 254 de 7/7/2008, acima transcrito. No ponto 2 desse ofício o órgão de execução fiscal declara que a dívida está prescrita, em conformidade com o parecer da Direcção de Serviços de Justiça Tributária. Tal declaração, apesar de inserida no documento de notificação, constitui um “acto decisório” praticado em execução fiscal que, por afectar os direitos e interesses legítimos de uma das partes, é passível de reclamação para tribunal. Não obstante a sua incorporação no referido ofício, a notificação desse ofício não se funde nem se confunde com o acto nele incorporado.
O acto objecto de reclamação deve ser esse e não o contido no despacho de 4/3/2008, que se limita a propor uma determinada forma de actuação, mas nada decide quanto à prescrição.
E nada obsta que o tribunal proceda à alteração do objecto da reclamação porque, dada a forma como o mesmo foi notificada, pode considerar-se existir “erro desculpável” na identificação do acto reclamado, que legitima a devida correcção (cfr. nº 2 do art. 265º do CPC e nº 1 do art. 88º do CPTA).
Se o acto do órgão de execução fiscal que decidiu a prescrição é o acto contido no ofício nº 254 de 7/7/2008, como não pode deixar de ser, então a ter existido notificação do despacho de 4/3/2008, tal notificação ocorreu muito antes daquele acto, tendo por única função dar a conhecer ao exequente a posição que a Direcção de Serviços da Justiça Tributária tinha sobre o desenvolvimento do processo executivo. Mas, por faltar conteúdo decisório a esse despacho, a notificação que eventualmente tenha ocorrido não pode ser considerada como uma medida destinada a transmitir ao exequente a informação de que a dívida estava prescrita, em termos de lhe permitir uma reacção consciente e eficaz.
Em segundo lugar, e mais uma vez admitindo-se por certa a informação de que a A…… foi notificada do despacho de 4/3/2008, não se pode considerar que tal notificação tenha sido validamente efectuada, por dois motivos: (i) nem foi feita na pessoa do mandatário constituído; (ii) nem na pessoa de um dos administradores da A…….
A A……, em 8/10/1998, juntou ao processo executivo uma procuração emitida a favor do advogado F…… (cfr. fls. 76 do p.a). O nº 1 do artigo 40º do CPPT, aplicável à execução fiscal, estabelece a obrigatoriedade das notificações aos interessados que tenha constituído mandatário serem feitas na pessoa deste e no seu escritório; e o nº 1 do artigo 41º do CPPT prescreve que a notificação das pessoas colectivas e sociedades é efectuada na pessoas de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na sua residência, ou em qualquer lugar que se encontrem.
Mas, no caso concreto, nenhuma destas normas foi observadas porque, segundo a informação exarada no ofício nº 875 de 26/3/2008, o despacho do Subdirector Geral da Justiça Tributária foi notificado ao gerente da A…… em Ponta Delgada e não a um dos administradores, na sede em Lisboa, ou ao mandatário constituído os autos.
Relativamente à notificação do ofício nº 254 de 7/7/2008, também não se pode concluir que tenha sido regularmente notificado. A informação que existe é que o conteúdo desse ofício, onde está incorporada a declaração do órgão de execução fiscal de que a dívida está prescrita, foi entregue pessoalmente na dependência da A…… existente junto do Serviço de Finanças de S. Roque do Pico. Mas, para além do gerente dessa instituição não ser administrador da A……., havendo mandatário constituído nos autos, o mesmo deveria ter sido obrigatoriamente notificado, tal como se impõe no nº 1 do artigo 40º do CPPT.
A nulidade do acto de citação, por não ter sido efectuada no modo previsto no artigo 40º do CPPT, podia ser solicitada ao órgão de execução fiscal no prazo referido no artigo 205º do CPC, ou seja, a partir da data em que se presume que a recorrente dela teve conhecimento. Todavia, a data em que a recorrente teve conhecimento da nulidade coincide com a data em que a nulidade se deve considerar sanada.
Na verdade, através do ofício nº 324 de 12/10/2011 (fls. 110 do p.a), o órgão de execução fiscal indeferiu o requerimento da recorrente a solicitar a penhora de três prédios rústicos nos seguintes termos: “Com referência ao processo supra mencionado e ao requerimento apresentado por VExª cumpre-me informar o seguinte: 1° A A…… através de exposição/requerimento entrada neste serviço em 2008.06.24, veio expor a situação tendo este serviço respondido através do ofício nº. 254 de 2008.07.07, entregue pessoalmente na dependência da A…… junto a este serviço de finanças; 2° Conforme parecer da DSJT a dívida encontra-se prescrita, logo não há lugar à penhora de quaisquer imóveis por parte deste serviço; 3° Em 2008.03.26 através do oficio n°. 875 a DFH deu conhecimento do referido parecer ao Exmº Senhor Gerente da A……, …, n…-…-… Ponta Delgada. Logo a A……, ao contrário do exposto, já obteve duas respostas relativas ao processo supra referenciado. Junto cópias dos ofícios deste serviço bem como do da DFH, do requerimento da A…… de 2008.06.24 e do parecer da DSJT”.
Só a partir desta data é que o mandatário da recorrente é formal e validamente notificado de que a dívida se encontra prescrita através de decisão que foi tomada em 7/7/2008, cuja cópia lhe foi remetida. Portanto, contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida, a recorrente estava em tempo para reclamar da referida decisão.
Os autos devem baixar ao tribunal recorrido para aí se conhecer da prescrição, após selecção dos factos juridicamente relevantes, segundo as várias soluções plausíveis de direito.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos para conhecer da prescrição.
Lisboa, 6 de Junho de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.