Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0930/11
Data do Acordão:05/02/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRC
CUSTO DEDUTIVEL
INFRACÇÕES AOS REGULAMENTOS DESPORTIVOS
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:À data dos factos, a que se reportam os autos, não constituem custo do exercício, nos termos das disposições combinadas dos artºs 23º e 41º nº 1 al. d) do CIRC, as multas e outras penalidades impostas à recorrente por violação de regulamentos desportivos.
Nº Convencional:JSTA00067569
Nº do Documento:SA2201205020930
Data de Entrada:10/20/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Indicações Eventuais:VOTO VENCIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRC88 ART41 N1 ART23
CONST ART79 N1
L 5/2007 DE 2007/01/16
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC026808 DE 2002/04/10
Aditamento:
Texto Integral: 1- Relatório:

A……, contribuinte n° ……, com sede no Estádio ……, Entrada Poente, piso 3, ......, veio apresentar Impugnação Judicial do indeferimento da reclamação graciosa n° 3174-03/4000277, invocando a violação do princípio da capacidade contributiva, por não ter sido considerado pela Administração Fiscal o custo deduzido relativo a encargos suportados com penalidades decorrentes de infracções desportivas.
Por decisão judicial de 16/05/2011 foi a impugnação julgada improcedente.
Não se conformando com a decisão apresentou recurso para este STA no qual formula as seguintes conclusões, sendo os destaques a negrito da nossa autoria, para melhor compreensão do objecto do recurso:

I. O artigo 23° do Código do IRC consagrou uma definição ampla de gasto, considerando como tal os gastos que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora;
II. De acordo com o princípio da capacidade contributiva e do princípio do rendimento liquido, o conceito de rendimento adoptado pelo Código do IRC inclui todas as despesas, gastos e empobrecimento sofrido pela empresa, como exigência dos princípios enumerados;
III. A principal actividade da A…… consiste na participação na l Liga Portuguesa de Futebol Profissional, cuja organização e regulamentação compete em exclusivo à Liga de Futebol;
IV. No exercício da sua actividade, a A…… encontra-se obrigada a cumprir com os Regulamentos da Liga de Futebol, nomeadamente, liquidar os débitos para com a Liga de Futebol;
V. Os encargos incorridos pela A…… com multas e penalidades desportivas Pag. 13 de 15 resultam, conforme acima exposto, do exercício normal da sua actividade e a sua solvência consubstanciam uma necessidade indispensável para a prossecução da mesma;
VI. Sendo a prática de infracções desportivas inerente à natureza intrínseca do exercício da actividade da Recorrente, é, por demais evidente, que se revelam subsumíveis aos seus interesses societários, nos termos acima expostos, tanto mais que o seu pagamento é condição indispensável para o exercício da sua actividade, bem como a sua prática revela-se inevitável e indispensavelmente necessária para a participação na l Liga de Futebol;
VII. E dado que os mesmos não se caracterizam como comportamentos ético-sociais censuráveis, em termos adiante melhor expostos, não podem, por conseguinte, gozar de carácter excepcional à actividade da Recorrente;
VIII. Ao exposto, acresce o facto de que o bem jurídico protegido pelas normas em apreço (cfr. Regulamento Disciplinar e Estatutos) não partilha da intenção do legislador em excluir dos gastos indispensáveis fiscalmente dedutíveis aqueles em que o sujeito passivo incorreu em violação de valores ético-sociais pressupostos em normas legais;
IX. Pelo que não se aplica o teor do n.° 2 do artigo 23° ou da alínea c) do n.° 1 do artigo 45°, ambos do Código do IRC;
X. O Tribunal a quo, na interpretação e aplicação dos artigos 23° e 45°, ambos do Código do IRC, não aferiu das particularidades da actividade exercida pela A…… e da relação de causalidade necessária entre os gastos incorridos em apreço e a actividade desportiva, pelo que não aceitou a dedutibilidade fiscal dos montantes pagos a título de multas e penalidades desportivas, pelo que incorreu em erro de julgamento;
XI. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença do Tribunal a quo, e, em consequência, o pedido subjacente à impugnação judicial interposta pela Recorrente deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais.
PEDIDO
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente, não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada procedente, e, em consequência, ser ordenada a anulação parcial das correcções aritméticas ao lucro tributável respeitante ao ano de 19S9, no sentido de ser considerado como fiscalmente aceite o montante de € 117.905,85, relativo a multas e penalidades pela prática de infracções desportivas, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste STA não emitiu parecer.

Foram colhidos os vistos legais

2- FUNDAMENTAÇÃO:
A decisão de 1ª Instância deu como assente a seguinte matéria de facto.

A). Em 18/07/2002 foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária, que consta de fls. 63 a 66 do Processo de Reclamação Graciosa, apenso aos presentes autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando no mesmo, designadamente, o seguinte:
"O clube contabilizou na rubrica "Multas e Outras Penalidades" a totalidade das penalidades aplicadas pela prática de infracções desportivas decorrentes da participação na I Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nos termos do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Ora, face ao disposto no artº 41°, n° 1, alínea d) do Código do IRC, "as multas, coima, e demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza, "não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.
Assim, o clube deveria ter acrescido aquele valor na determinação do lucro tributável do exercício de 1999. Não o tendo feito, contrariou o disposto no referido art° 41° do CIRC”.
(...) Entendemos que, face ao art° 23° do Código do IRC, tais encargos preenchem os requisitos gerais da dedutibilidade, contudo, e atendendo à sua tipicidade, os mesmos são afastados da dedução específica por força do já mencionado art° 41 ° do CIRC."
B). O mesmo relatório foi notificado à Impugnante por ofício datado de 24/07/2002, cf. teor do doc. de fls. 62 do Processo de Reclamação Graciosa, apenso aos presentes autos.
C). A Impugnante, notificada da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1999, n° 8920000044, reclamou graciosamente da mesma, em 31/03/2003, cf. teor dos doc. de fls. 2 e 17 do Processo de Reclamação Graciosa, apenso aos presentes autos.
D). Em 15/02/2007, foi elaborado projecto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa, cf. teor do doc. de fls. 94 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
E). Por despacho datado de 24/04/2007, notificado à Impugnante em 11-05-2007, foi a reclamação graciosa indeferida, cf. teor do doc. de fls. 96 e 97 do Processo de Reclamação Graciosa, apenso aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F). A presente Impugnação deu entrada neste Tribunal 25/05/2007, cf. teor do doc. de fls. 2 dos autos.
IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com relevância para a decisão.
Motivação:
Resultou a convicção do tribunal da análise dos presentes autos, nomeadamente, do processo administrativo a eles apenso e demais documentos juntos pelas partes.

3- DO DIREITO:
Para se decidir pela improcedência da impugnação considerou-se na decisão recorrida o seguinte destacando-se apenas os trechos mais significativos que importam para a avaliação que se impõe:
(…)
A questão em causa nos presentes autos, apontada pela Impugnante é a dedutibilidade ou não dos custos incorridos em sede de IRC com multas e outras penalidades pagas por infracções desportivas.
Vejamos.
Nos termos do art° 23° do CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.
Porém, da necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, resulta claro que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim. Sem embargo da relevância assumida pela realidade jurídico-económica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Para aferição do conceito de indispensabilidade, sendo este um conceito vago necessitado de preenchimento, não existindo, quanto a esse preenchimento qualquer discricionariedade técnica por parte da Administração Fiscal, importa atentar então qual o seu significado preciso.
Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, n° 396, págs. 7 a 177) e confrontando as três interpretações possíveis ali enunciadas em termos da interpretação da regra constante do art. 23° do CIRC (indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade, ou com o significado de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos) nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
(…)
Ainda, citando agora António Moura Portugal (A Dedutibilidade dos Custos em IRC: reflexões sobre custos incorridos em actividades isentas e não tributadas): "(...) para que apenas se tribute o rendimento líquido, ao rendimento total auferido deverão ser deduzidas as despesas específicas para a sua obtenção, pois estes gastos ou despesas constituem uma expressão negativa da capacidade contributiva e, como tal sempre que se revelarem necessários à produção ou obtenção do rendimento devem ser excluídos desse conceito,"
No entanto, além do art° 23° do CIRC, também o art° 41° (à data dos factos), enunciava regras de determinação dos custos admissíveis em sede de IRC, impondo nesse artigo algumas limitações a essas deduções.
Nomeadamente, a alínea d) do n° l, previa que não se considerava dedutíveis:
"d) as multas, coimas, e demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza, que não tenham origem contratual, incluindo os juros compensatórios"
No caso dos autos, se bem entendemos, a Administração Fiscal não põe em causa a verificação dos requisitos previstos no art° 23° do CIRC para a dedutibilidade do custo em causa, alegando apenas que tal dedutibilidade se encontra excluída pela norma do art° 41° do CIRC, encontrando-se, por isso, em litígio nos presentes autos apenas a interpretação da alínea d) do n° l do art° 41° do CIRC, no sentido de se aferir se cabem ou não no âmbito dessa alínea os custos que decorram de multas e outras penalidades praticadas por infracções de natureza desportiva.
Cremos que a resposta terá de ser positiva.
De facto, a norma em causa tem na sua origem a não consideração, em termos fiscais, de custos relacionados com comportamentos ética e socialmente reprováveis, não sendo por isso tais custos considerados como um encargo fiscalmente dedutível, sob pena de se permitir que abatesse ao imposto a pagar, determinado valor, que resultava, não do que seria a normal prossecução do objecto social da empresa, mas de um desvio à mesma, por prática de um ilícito.
Ainda Tomás Castro Tavares, ob. Cit, pág. 107 a 109, refere a este propósito, sugerindo uma alteração legislativa ao CIRC, a distinção criada pela jurisprudência francesa, nestes casos, entre os conceitos de ilicitude e anormalidade: "Este último apõe-se aos actos insubsumíveis no interesse societário (sem perfil lucrativo e/ou não enquadráveis no escopo social) e aquele visa apreender as actuações da organização em desconformidade com normas de conduta.
(...)
Esta autonomia conceitual implica, então, a possível anormalidade de um acto licito como a normalidade de um acto ilícito,"
Dando como assente tratar-se de acto ilícito (1 Embora não punido pelo ordenamento jurídico "stricto sensu", trata-se de um acto violador de um regulamento de uma associação desportiva, e perfeitamente enquadrado no espírito do artº 41°, nº 1 d) do CIRC, que pretende retirar à diminuição do imposto pago, por intermédio dos encargos fiscalmente dedutíveis, todas as penalidades por comportamentos anti-sociais, e nesse sentido, ilícitos, como acima se refere "em função do vector moralista emprestado ao direito fiscal".), resta saber se se trata de acto "normal".
As penalidades pagas pela Impugnante por infracções desportivas não se podem incluir no grupo dos actos subsumíveis ao seu interesse societário.
Estas, como aliás, outras espécies de infracções, não são essenciais à realização do objecto social da empresa, neste caso, a prática de determinada actividade desportiva.
As infracções em causa não são praticadas no próprio interesse da sociedade, nem são subsumíveis no seu escopo lucrativo (2" Para melhor elucidação, veja-se os exemplos enunciados por Tomás Castro Tavares, ob. Cit. Pag. 109), resultando antes, designadamente, de comportamentos individuais de determinadas pessoas ou grupos de pessoas relacionadas com a actividade por si desenvolvida, ou então de actos praticados pelo Clube desportivo violadores do Regulamento da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, mas que não se podem considerar "normais", sob pena de se considerar que as infracções desportivas eram praticadas no interesse dos clubes desportivos, fazendo parte dos objectivos a prosseguir pelos mesmos.
Ora, tais comportamentos violadores de normas desportivas não são imprescindíveis à prática das modalidades em causa, decorrendo antes de "desvios" ao que seria o seu normal desenvolvimento.
Por todo o exposto, não existe fundamento para a desaplicação do artigo 41°, n° l, al. d) do CIRC aos custos incorridos com multas e outras penalidades resultantes de infracções desportivas, em causa nos presentes autos, nem tal entendimento redunda na violação do princípio da capacidade contributiva, por não serem os custos em causa manifestações, concretas e reais, de riqueza económica, como refere a Impugnante.
Não assistindo, em consonância, razão à impugnante.

APRECIANDO NESTE STA
A primeira questão a decidir é a de saber se este STA é competente em razão da hierarquia para conhecer do recurso.
Por despacho judicial do Sr. Juiz Conselheiro Relator (nosso antecessor) de 17/01/2012 foi suscitada essa questão e determinada a notificação das partes para se pronunciarem querendo, o que a recorrente fez sustentando a competência deste STA por o recurso não envolver apreciação da matéria de facto. Concorda-se que o recurso apenas versa matéria de direito pois que apesar de o probatório não o referir, ninguém minimamente atento às vivencias sociais, neste País desconhece a participação da sociedade recorrente nas actividades desportivas da 1ª Liga Portuguesa de Futebol Profissional. É um facto público e a decisão recorrida não duvida dessa participação (que aliás foi ponderada e reconhecida pela Administração Fiscal) quando aborda a questão de saber se as multas pelas infracções em causa nos autos são passíveis de dedução como custos. Também a questão da inerência da prática de infracções desportivas à natureza do exercício da actividade desportiva da recorrente afirmada pela própria recorrente não constitui matéria de facto em sentido estrito que determine a remessa dos autos ao TCA norte. Aqui a fronteira entre o que é facto e direito não se define exactamente com absoluta clareza, mas a nosso ver essa afirmada inerência integra-se mais no âmbito da análise da causalidade necessária ou não à actividade da sociedade recorrente o que implica o trabalho de interpretação jurídica das normas substantivas que permitem a dedutibilidade de custos. Facto sem dúvida é a prática de uma infracção aos regulamentos desportivos. Mas já não afirmamos essa certeza em relação à falada inerência. Por tudo quanto ficou dito entende-se competente este Supremo Tribunal para conhecer do recurso. E, conhecendo:

Em litígio nos presentes autos está a melhor interpretação a dar à alínea d) do n° l do art° 41° do CIRC, na redacção à data dos factos tributários, no sentido de se aferir se cabem ou não no âmbito dessa alínea os custos que decorram de multas e outras penalidades praticadas por infracções de natureza desportiva.
A única questão a decidir é, pois, a de saber se são dedutíveis como custo os pagamentos efectuados pela recorrente no período em causa nos autos, para satisfazer tais multas.
A resposta não pode deixar de ser negativa. Mostra-se acertada a fundamentação da sentença recorrida, na qual nos revemos.
É que o artº 23º do CIRC, considera custos ou perdas apenas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e nos termos da então al. d) do n° 1 do artº 41° do CIRC, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, "as multas, coimas e demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza, que não tenham origem contratual, incluindo os juros compensatórios."
E, tem-se aqui em vista qualquer ilícito, o que resulta tanto da expressão "de qualquer natureza", como da referência aos juros compensatórios. (neste sentido o ac. deste STA de 10/04/2002 tirado no recurso 026808 disponível na base de dados da dgsi)
Não era necessária a pratica de tais irregularidades desportivas geradoras das penalidades que a recorrente pretende levar a custos e que de todo o modo a lei exclui, expressamente, da generalidade de despesas que admite poderem ser consideradas como custos. Nesta linha de entendimento e interpretação não se aceita que a actividade de uma empresa e a prossecução do seu objecto social e manutenção da fonte produtora possa ser feita com base no cometimento de irregularidades ou ilegalidades. Admitir ou interpretar de modo diferente as normas referidas seria contrariar a própria lei expressa e conduziria um resultado não querido pelo legislador e absolutamente inaceitável. Seja-nos permitido efectuar a transposição para uma situação fáctica, hipotética, que só se enuncia para melhor se evidenciar o absurdo de uma tal, eventual, interpretação. Assim, no caso de uma empresa de transportes seria acolher a prática de excesso de velocidade dos seus camiões como essencial ou inerente à prossecução do seu objectivo social, o que está fora de causa, por evidente absurdo, não querido pela lei.

Revertendo, agora, para o nosso caso em que está em causa uma sociedade desportiva, do mesmo modo, a sua acção tem de compaginar-se com o respeito pelas normas desportivas. Qualquer infracção praticada a tais normativos que depois dê lugar a multa ou outra penalidade não pode ter-se como inerência, fatal, à prática da actividade desportiva e daí que os respectivos encargos não sejam dedutíveis como custo para efeitos de IRC, obviamente. É oportuno no entanto expressar que é inquestionável o papel importantíssimo das sociedades/clubes desportivas(os) na prossecução do desporto e bem estar geral numa sociedade onde se encara o desporto como veículo de obtenção da felicidade individual, através da interação entre o culto da beleza, da saúde e do bem estar físico, por um lado, a emotividade que a competição proporciona e as técnicas e instrumentos aptas a obter os melhores resultados, por outro, passa a ser olhado como uma forma de satisfação de necessidades colectivas, justificativas da sua consagração como um direito universal, tal como é reconhecido no art.º 79.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que proclama que “todos têm direito à Cultura Física e ao Desporto”, princípio que a Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto), veio a acolher no seu artigo 2.º n.º 1, afirmando que “todos têm direito à actividade física e desportiva, independentemente da sua ascendência, sexo, raça, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação”.
O tratamento fiscal do tipo de custos em análise implica sempre uma opção do legislador. Mas atendendo ao probatório e, como bem decidiu a decisão recorrida “tais comportamentos violadores de normas desportivas não são imprescindíveis à prática das modalidades em causa, decorrendo antes de "desvios" ao que seria o seu normal desenvolvimento.
Por todo o exposto, não existe fundamento para a desaplicação do artigo 41°, n° l, al. d) do CIRC aos custos incorridos com multas e outras penalidades resultantes de infracções desportivas, em causa nos presentes autos, nem tal entendimento redunda na violação do princípio da capacidade contributiva, por não serem os custos em causa manifestações, concretas e reais, de riqueza económica, como refere a Impugnante”.

Acresce referir que não afirmando a recorrente a origem contratual das multas ou penalidades referidas no sobredito artº 41º nº 1 al. d) do CIRC e não fazendo a sentença, igualmente, qualquer referência a tal origem, entendemos que, tal eventual questão, não constitui objecto do recurso, não devendo, por isso, ser objecto de indagação/pronúncia por parte deste Tribunal.
De facto a recorrente apenas suscita as questões da:
1) indispensabilidade dos custos com as infracções desportivas praticadas
2) Da inerência da prática de infracções desportivas à natureza intrínseca do exercício da actividade da Recorrente
3) Da prática das infracções em causa não se caracterizarem como comportamentos ético-sociais censuráveis.
As duas primeiras questões merecem a resposta já supra exposta. E, a terceira questão que se reporta a um determinado qualificativo do comportamento que representa a prática de tais infracções não é exigido pela norma de exclusão da elegibilidade de tais encargos como custos dedutíveis. De facto, a al. d) do n° 1 do artº 41° do CIRC, determina que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, "as multas, coimas e demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza…” (destaque nosso). Não importa pois o qualificativo proposto pela recorrente como sendo aquele, e parece que apenas aquele, que no seu modo de ver, faria funcionar a exclusão de dedutibilidade.
Uma última palavra para analisar a expressão constante do relatório/conclusões do Procedimento Interno de Inspecção que consta de fls. 63 a 66 do processo de reclamação graciosa apenso (...) Entendemos que, face ao art° 23° do Código do IRC, tais encargos preenchem os requisitos gerais da dedutibitidade, contudo, e atendendo à sua tipicidade, os mesmos são afastados da dedução específica por força do já mencionado art° 41 ° do CIRC."
Esta expressão limita-se a confirmar em sede geral a existência do custo e até a sua indispensabilidade (análise do IT 2) mas ainda assim afasta a possibilidade de dedução o que se mostra acertado. As referências que atrás fizemos sobre a indispensabilidade ou não do custo foram suscitadas apenas porque a recorrente não obstante a posição da Fazenda Pública voltou a colocar no recurso tal questão importando responder sob pena de omissão de pronúncia. Certo é que, a certa ou errada análise do “SR. Técnico IT2” não confere, no caso concreto, quaisquer direitos à recorrente susceptíveis de alterar o sentido da presente decisão em que se mostra essencial a interpretação do artº 41º do CIRC em vigor à data dos factos, a qual na forma como foi feita pela Fazenda Pública e pela sentença recorrida se mostra acertada.
Assim sendo o recurso não logra provimento devendo ser mantida a sentença na ordem jurídica.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 2 de Maio de 2012. - Ascensão Lopes (relator) - Francisco Rothes (vencido, nos termos do voto anexo) - Valente Torrão.

Processo n.° 930/11
VOTO DE VENCIDO
A única questão que cumpre apreciar e decidir nos presentes autos é a de saber se as penalidades que o Recorrente - sociedade anónima desportiva - suportou no exercício de 1999 estão excluídas da possibilidade de dedução como custos para efeitos de tributação em IRC pelo art. 41.°, n.° 1, alínea d), do Código deste imposto. Foi com este exclusivo fundamento que a AT recusou a sua dedutibilidade, não estando em causa a indispensabilidade dessas despesas (nem sequer a sua imprescindibilidade ou necessidade para a actividade do Recorrente, questões abordadas pelo acórdão) como requisito para a sua dedução.
Em face desta norma legal não são dedutíveis «as multas, coimas e demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza, que não tenham origem contratual, incluindo os juros compensatórios».
A meu ver, como bem se referiu na sentença recorrida, «a norma em causa tem na sua origem a não consideração, em termos fiscais, de custos relacionados com comportamentos ética e socialmente reprováveis, não sendo por isso tais custos considerados como um encargo fiscalmente dedutível, sob pena de se permitir que abatesse ao imposto a pagar determinado valor que resultava, não do que seria a normal prossecução do objecto social da empresa, mas um desvio à mesma, por prática de um ilícito». Assim, bem se compreende que o legislador tenha excluído a dedutibilidade das multas e coimas, sanções reservadas aos ilícitos de natureza penal e contra-ordenacional, de qualquer natureza, bem como os encargos que estão associados aos respectivos processos; como bem se compreende que tenha ressalvado as sanções que tenham origem contratual, por estas não revelarem a censurabilidade ético-social que justifica o tratamento dado àquelas.
Dito isto, impunha-se, a meu ver, apurar qual a natureza das “penalidades decorrentes de infracções desportivas” que deram origem à despesa cuja dedutibilidade foi recusada pela AT: decorrem da prática de ilícitos de natureza penal ou contra-ordenacional, ainda que praticados no âmbito da actividade desportiva, ou da violação de regras relativas à estrita prática desportiva? e estas regras, são de carácter público ou foram assumidas pelo Recorrente no âmbito da sua liberdade contratual?
Salvo o devido respeito, a estas questões, que tenho como decisivas para a solução a dar à causa, o acórdão não dá resposta.
Repescando o exemplo do acórdão, direi que o tratamento a dar em termos fiscais à multa decorrente do excesso de velocidade dos camiões será obviamente diferente daquele a dar às penalidades decorrentes do atraso na entrega das mercadorias ou dos palavrões proferidos pelos camionistas durante o acto de descarga, desde que uma e outra situação tenham sido consideradas como infracções a sancionar com quantias pecuniárias no âmbito do contrato celebrado entre a empresa de camionagem e um seu cliente.
Sempre salvo o devido respeito, o acórdão não esclarece qual a natureza das normas desportivas cuja violação diz estar na origem das penalidades cuja dedução está em causa.
Por isso, não posso acompanhar a decisão que fez vencimento.
Francisco Rothes