Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0665/09
Data do Acordão:11/04/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
ANULAÇÃO
VÍCIO DE FORMA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
AVALIAÇÃO
Sumário:I - O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal.
II - A anulação de um acto de liquidação baseada apenas em vício de forma por falta de fundamentação não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT.
III - Se o vício que afecta actos de liquidação resulta apenas de vício de falta de fundamentação de um acto de avaliação que aqueles que têm como pressuposto, o vício de que aqueles primeiros actos enferma é também de falta de fundamentação e não erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.
Nº Convencional:JSTA00066073
Nº do Documento:SA2200911040665
Data de Entrada:06/22/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART43 N1.
CPPTRIB99 ART101 ART124.
CCIV66 ART289 N1 N3 ART1270 ART1260.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC5557-A DE 1999/05/05.; AC STA PROC622/08 DE 2008/10/29.
Referência a Doutrina:ESTEVES DE OLIVEIRA - DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI PAG564-566.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que entendeu serem devidos juros indemnizatórios na sequência da anulação judicial de um acto de avaliação por vício de falta de fundamentação, acto esse no qual se baseou uma liquidação de Contribuição Autárquica que é objecto de impugnação no presente processo, em que é Impugnante A…, S.A..
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública apresentou alegações com as seguintes conclusões:
I – O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra as liquidações de Contribuição Autárquica dos anos de 1992 a 1996, no segmento que condena a Fazenda Nacional no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante.
II – Fundamentação da sentença recorrida (síntese): Porque concorda com esta jurisprudência [Ac. do STA de 10/07/2002, no Recurso nº026688] justifica-se a condenação da AT a pagar juros indemnizatórios à Impugnante, desde a data em que ocorreu o pagamento até à data da emissão da nota de crédito a favor da impugnante.
III – No tocante à questão dos juros indemnizatórios, temos que a mais recente jurisprudência Acórdãos do STA proferidos em 01/10/2008 e 29/10/2008 nos processos 0244/08 e 0622/08 respectivamente – tem-se pronunciado no sentido de esse pedido não poder proceder quando a anulação do acto de liquidação impugnado se fundamenta num vício de forma por falta de fundamentação.
IV – Ora no caso dos autos, e tal decorre expressamente do Ac. proferido pelo TCA Sul em 27/05/2008 – cfr. certidão de fls. 169 a 184; que a sentença aí recorrida foi revogada e anulado o acto tributário aí impugnado: a segunda avaliação do edifício do Cascaishoping, por vicio de falta de fundamentação.
V – Na medida em que o acto de avaliação de imóvel é um acto prejudicial do acto de liquidação de CA, pois este tem de se conformar com aquele, a anulação do acto de 2.ª avaliação, como acto prejudicial, acarreta a invalidade do acto de liquidação de CA consequente;
VI – Conclui-se então que os actos impugnados, as liquidações de CA dos anos de 1992 a 1996, também padecem desse mesmo vício de falta de fundamentação.
VII – A douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, na condenação da Fazenda Publica no pagamento de juros indemnizatórios, revela-se desconforme com a mais recente jurisprudência, supra citada.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
A Impugnante contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
1. Ao contrário do entendimento perfilhado pela recorrente, não foi o vício de falta de fundamentação que conduziu à declaração de nulidade dos actos impugnados nos presentes autos e que legitima o pedido de juros indemnizatórios formulado pela recorrida.
2. A sentença recorrida não merece qualquer juízo de censura ou reparo ao julgar procedente o pedido de juros deduzido pela recorrida, na medida em que os actos tributários impugnados nos autos enfermam de erro sobre os seus pressupostos de facto e de direito, porquanto da anulação do acto de 2.ª avaliação resultou a falta um elemento essencial para o cálculo do imposto a cobrar, erro esse imputável aos serviços da Administração Tributária.
3. Em situação similar à dos autos, decidiu já o STA que “são devidos juros indemnizatórios, por haver erro imputável aos serviços, se estes procederam à liquidação na sequência de um acto administrativo contido numa portaria que depois veio a ser judicialmente anulada, o que levou a Administração a revogar o acto de liquidação, assim reconhecendo a sua ilegalidade e o erro imputável aos serviços” – cfr. Ac. STA, de 25/06/2003, no Proc. nº 672/03, in www.dgsi.pt.
4. Ainda que se considerasse que na base da declaração de nulidade dos actos impugnados nos autos está um vício de falta de fundamentação – o que não sucedeu, como vimos –, o certo é que tal vício traduz ele mesmo um erro que legitima o pagamento de juros indemnizatórios peticionado pela recorrida.
5. Deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão que condenou a recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que, nos termos do previsto no art. 43.º/1 da LGT, os actos de liquidação padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito, imputável aos serviços da Administração Tributária, pois o reconhecimento judicial da existência de um vício de falta de fundamentação, implica também um juízo sobre o carácter indevido da prestação tributária, na medida em que o acto de liquidação anulado viola de forma inaceitável o previsto nos arts. 268.0/3 da CRP e 77.º da LGT, conferindo direito ao pagamento de juros indemnizatórios – cfr. Acórdão do TCAS, de 25/09/2007, Processo n.º 01304/06, in www.dgsi.pt..
6. Contra o exposto não colhe a argumentação da recorrente, no sentido de restringir o tipo de vícios que podem estar na origem do dever de pagamento de juros indemnizatórios, restrição essa que se reconduziria apenas aos vícios materiais e afastando a aplicação do art. 43.º/1 da LGT nas situações em que o acto de liquidação fosse anulado por vício de forma.
7. A solução normativa expressa no artigo 43.º da LGT, trata, por isso, de estabelecer uma garantia acrescida ao particular (garantindo o pagamento de juros indemnizatórios em qualquer situação de erro) e não de limitar o ressarcimento de danos aos casos em que o vício se reconduza a vícios materiais, o que não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei.
8. Ao contrário do entendimento da recorrente, no caso que ora nos ocupa, estão verificados os requisitos legais, dos quais, o art. 43.º/1 da LGT faz depender o direito da recorrente a juros indemnizatórios, por erro imputável aos serviços da Administração Tributária, pelo que deve ser mantida a decisão recorrida, condenando-se a recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios.
9. O desaparecimento dos actos tributários de liquidação, por força da procedência da impugnação judicial, impõe à Administração Fiscal o dever de reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivessem sido praticados os actos tributários nulos (cfr. art. 173.º/1 do CPTA), o que compreende o pagamento de juros indemnizatórios à recorrida, pela privação de utilização de capital, nos termos do previsto no art. 22.º da CRP.
10. Pelo exposto, concluímos que decidiu bem o Tribunal a quo ao julgar procedente o pedido formulado pela recorrida, condenando a recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, para, desta forma, compensar a recorrida pelos prejuízos que a privação de capital decorrente da liquidação e cobrança ilegal do tributo lhe causou.
NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, com as legais consequências.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
1. A tese da recorrente exprime o entendimento de que não são devidos juros indemnizatórios, por inexistência de erro imputável aos serviços, quando o acto de liquidação foi anulado com exclusivo fundamento em vício de forma (in casu falta de fundamentação do acto de avaliação do imóvel objecto das liquidações de Contribuição Autárquica; cf. acórdão TCA Sul 27.05.2008 certidão fls. 169/183).
Esta tese, merecendo o sufrágio do Ministério Público, alinha com jurisprudência consistente do STA-Secção de Contencioso Tributário (acórdãos 5.05.1999 processo n.º 5557-A;17.11.2004 processo n.º 772/04; 1.10.2008 processo n.º 244/08; 29.10.2008 processo n.º 622/08), cuja argumentação se pode condensar nos tópicos seguintes:
– a utilização da expressão erro e não vício ou ilegalidade inculca a intenção do legislador de eleger como fundamento dos juros indemnizatórios apenas o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (art. 43º nº1 LGT)
– a ocorrência de vício de forma per si, significando a violação de uma norma reguladora da actividade da administração tributária, nada revela sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária, face às normas fiscais substantivas aplicáveis
– a anulação do acto tributário com exclusivo fundamento em vício de forma, permitindo a sua eventual renovação com idêntico conteúdo, não implica uma lesão de um direito ou interesse patrimonial do sujeito passivo que mereça reparação por virtude da atribuição de juros indemnizatórios
2. A circunstância de o vício de forma inquinar o acto preliminar destacável de avaliação do imóvel é irrelevante porque:
a) a invalidade do acto antecedente (avaliação) determina a invalidade do acto consequente (liquidação) (art. 133º n.º 2 al. i) CPA)
b) a invalidade do acto consequente (liquidação) exclusivamente fundada na invalidade do acto antecedente não configura a existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação que confira ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios (art. 43º n.º 1 LGT; acórdão STA 5.05.1999 processo n.º 5557-A).
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A decisão impugnada deve ser revogada
As partes foram notificadas deste douto parecer, apenas se pronunciando a Impugnante concluindo, em suma, que o art. 43.º da LGT permite a atribuição juros indemnizatórios em situações de errada prática conducente a um vício gerador de ilegalidade.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A) Em 04.01.1996, a Impugnante requereu junto do 1 Serviço de Finanças de Cascais a segunda avaliação do prédio urbano denominado Cascaishopping, sito nos limites de Alcoitão, Estrada Nacional n.º 9, freguesia de Alcabideche, concelho de Cascais.
B) Em 17.07.1996, foi lavrado Termo de avaliação, referente ao prédio urbano a que alude a al. A) do probatório, no qual consta:
“(...) A Comissão decidiu por maioria, baseando-se nos seguintes valores de referência relativos à área do total do terreno e à área de construção.
74.571 m2 de construção x 120.000$00 = 9.948.520. 000$00
159.160 m2 de terreno x 2.000$00 = 318.320.000$00
9.266.840.000$00
(nove milhões, duzentos e sessenta e seis mil, oitocentos e quarenta milhões de escudos), valor este o valor total do imóvel (...). (Doc. de fls. 28 dos autos)
C) Mediante ofício datado de 31.07.1996, a Administração do Condomínio do prédio urbano designado por Cascaishopping foi notificada do resultado da segunda avaliação. (Doc. de fls. 27 dos autos)
D) Em 29.10.1996, deu entrada na 1.ª Repartição de Finanças de Cascais Impugnação judicial contra o acto de 2.ª avaliação a que alude a al. C) do probatório. (Doc. art. 43 da contestação e art. 2 do Articulado de fls. 125 e 125 de fls. 53 a 58 dos autos)
E) Em 27.05.2008 foi proferido Acórdão pelo TCA Sul, em sede de recurso jurisdicional no âmbito do processo de Impugnação Judicial a que alude a al. D) do probatório, nos termos do qual foi deliberado revogar a sentença recorrida e anular o acto tributário impugnado. (Certidão de fls. 169 a 183 dos autos)
F) O Acórdão a que alude a al. E) do probatório transitou em julgado em 12.06.2008. (Certidão de fls. 96/500625980/1503/44/7 dos autos)
G) Em 09.04.97, a impugnante foi notificada da nota de cobrança 96/502156252/1503/11/8 referente à liquidação da contribuição autárquica do ano de 1996, das fracções C, F a H, L a AE, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. (Doc. de fls. 15 a 18 dos autos)
H) Em 13.05.97, a impugnante foi notificada das notas de cobrança 96/502156252/1503/44/4, 96/502156252/1503/43/6,
96/502156252/1503/42/8, 96/502156252/1503/41/2 referentes às liquidações da contribuição autárquica dos anos de 1992 a 1995, das fracções C, F a H, L, a Z, e AB a BE, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. (Doc. de fls. 15 a 18 dos autos).
I) A impugnante tomou conhecimento das notas de cobrança
96/500625980/1503/44/7, 96/500625980/1503/43/9,
96/500625980/1503/42/0 e 96/500625980/1503/41/2.
referentes às liquidações da contribuição autárquica dos anos de 1992 a 1995, das fracções AA que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. (Doc. de fls. 19 a 22 dos autos).
J) Em 31.07.1997, a Impugnante liquidou o imposto no montante de 62.469.159$00, aposto na nota de cobrança 96/502156252/1503/12/x. (Doc. de fls. 126 dos autos)
L) Em 29.04.1998, a Impugnante liquidou o imposto no montante de 52.858.519$00, aposto na nota de cobrança 96/502156252/1503/42/8. (Doc. de fls. 127 dos autos)
M) Em 02.11.1998, a Impugnante liquidou o imposto no montante de 52.858.519$00, aposto na nota de cobrança 96/502156252/1503/43/6. (Doc. de fls. 128 dos autos).
N) Em 30.04.1999, a Impugnante liquidou o imposto no montante de 52.858.519$00, aposto na nota de cobrança 96/502156252/1503/44/4. (Doc. de fls. 129 dos autos).
O) Em 30.04.1997, a Impugnante liquidou o imposto no montante de 26.644.343$00, aposto na nota de cobrança 96/502156252/1503/12/B. (Doc. de fls. 130 dos autos).
P) Em 30.07.1998, a presente impugnação deu entrada na ia Repartição de Finanças de Cascais. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 nos autos)
3 – Resulta dos autos que foi judicialmente anulado um acto de avaliação de valor patrimonial, que serviu de base à prática dos actos de liquidação que são impugnados no presente processo.
Na sentença recorrida entendeu-se, em suma, que os actos de liquidação impugnados são nulos, por serem actos consequentes do acto de avaliação que foi anulado.
Constata-se pela certidão do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul para que se remete na alínea E) do probatório, que foram julgados improcedentes, além do mais, vícios imputados ao acto de avaliação consubstanciados em erros na aplicação do direito e a anulação se baseou apenas em vício de falta fundamentação.
É controvertido no presente recurso jurisdicional se, nestas condições, são devidos juros indemnizatórios.
4 – As situações em que há lugar a pagamento de juros indemnizatórios são indicadas no art. 43.º da LGT.
Relativamente a anulação de actos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é indicado no n.º 1 deste artigo, nos termos do qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Assim, à face deste n.º 1, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal.
Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito.
Mas, a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. ( ( ) Sobre o uso desta terminologia, consagrada na doutrina e na jurisprudência, pode ver-se MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, volume I, páginas 564-566. )
Na verdade, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» têm um âmbito mais restrito do que a expressão «vício», que é utilizada legislativamente para referenciar qualquer ilegalidade.
Por outro lado, constata-se que no CPPT se utiliza a expressão «vícios» quando se pretende aludir, genericamente, a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença).
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro», tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios.
Esta é, aliás, uma restrição que se compreende.
Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais e formais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade.
Mas, o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, não implica qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Fiscal com base no acto inválido, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou preterição de formalidade legal ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações, não estando em dúvida que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada, através da fixação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte.
Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a ilicitude da relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas.
Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, com base no facto de ter ocorrido a anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.
Por isso se justifica que, nestas situações, não se comprovando a existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, por deixar de existir o suporte jurídico da transferência da quantia paga para o erário público, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária. ( ( ) Esta solução de restituição do recebido sem qualquer outra compensação não é mesmo uma peculiaridade do direito fiscal, sendo a prevista na lei civil para os casos de anulação de actos ou negócios jurídicos em que as partes estão de boa fé (arts. 289.º, n.ºs 1 e 3, e 1270.º do Código Civil), que nos casos da existência de uma acto tributário como suporte da deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Nacional é de presumir (art. 1260.º, n.º 2, do Código Civil). )
Trata-se, assim, de uma solução equilibrada no domínio processual.
Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, essa mesma dúvida será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.
Assim, compreende-se que, nos casos em que há uma anulação de um acto de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, havendo a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, seja atribuída uma indemnização (no caso sob a forma de juros), e não seja feita idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação.
Isto não significa, que, na sequência de uma anulação judicial originada em vício de forma ou incompetência, o contribuinte que se sinta lesado nos seus direitos patrimoniais esteja legalmente impedido de exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição (art. 22.º da CRP), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, e, anteriormente, DL n.º 48051, de 21-11-67, diplomas estes em que se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude, como se vê pelos seus arts. 9.º e 6.º, respectivamente). Porém, para obter esta reparação, o contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios. ( ( ) Esta questão foi já apreciada, neste sentido, por este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 5-5-1999, recurso n.º 5557-A, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 487, página 181, relativamente ao regime de juros indemnizatórios previsto no art. 24.º do CPT, que é, no que releva para apreciação do recurso, essencialmente idêntico ao previsto no art. 43.º da LGT.
Esta jurisprudência foi reafirmada no acórdão de 29-10-2008, recurso n.º 622/08, relativamente ao art. 43.º da LGT. )
5 – No caso em apreço, os actos de liquidação impugnados não foram declarados nulos por qualquer vício próprio, mas sim, como reflexo do vício de falta de fundamentação do acto de avaliação que tiveram como pressuposto.
Mas, a situação não se altera substancialmente, pois a invalidade dos actos de liquidação resulta apenas do vício do anterior acto de avaliação que neles se repercute, ao ser tomado como seu pressuposto.
Trata-se de situação perfeitamente equiparável, a nível da causa de invalidade, àquelas em que os actos de avaliação anteriores a actos de liquidação não são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma (como é regra para os actos de avaliação indirecta, nos termos do art. 86.º, n.º 3, da LGT), em que é patente, nos casos em que a invalidade apenas afecta o acto de avaliação que antecede a liquidação, que a anulação desta resulta apenas do vício que afecta aquele anterior acto.
Por isso, também nos casos em há autonomização da impugnação contenciosa do acto de avaliação, quando a invalidade de um acto de liquidação deriva exclusivamente da invalidade daquele anterior acto, a natureza do vício que afecta o acto consequente é a mesma do vício que afecta o acto pressuposto.
Assim, é de concluir que a nulidade dos actos de liquidação impugnados no presente processo resulta apenas de vício de falta de fundamentação que inquina o acto de avaliação e não qualquer erro de facto ou de direito, que a anulação com fundamento naquele vício não revela.
Consequentemente, à face das considerações que antecedem, está-se perante uma situação em que não se demonstra ter ocorrido erro de facto ou de direito, em que não está demonstrada antijuricidade a nível da relação tributária substantiva subjacente aos actos de liquidação impugnados e em que, por isso, não se justifica a aplicação da presunção de prejuízos ínsita no n.º 1 do art. 43.º da LGT.
Como se referiu, isto não significa que a Impugnante não tenha direito a ser indemnizada pelos eventuais prejuízos que lhe advieram dos actos de liquidação impugnados, que podem mesmo ser superiores ao montante dos juros indemnizatórios, pois tal direito é-lhe reconhecido pela Constituição e pelas normas que estabelecem a responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Mas, o que a Impugnante não tem é direito a que se presuma ter prejuízo, necessitando, para ver reconhecido esse eventual direito de indemnização, de efectuar a demonstração da verificação pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, como é exigido à generalidade dos lesados por actos de gestão pública, nos casos em que não beneficiam de presunções.
Conclui-se, assim, que, não tendo os actos de liquidação que são objecto da presente impugnação sido anulados por qualquer vício qualificável como «erro» para efeitos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, não há suporte legal para a atribuição de juros indemnizatórios à Impugnante.
Por isso, justifica-se a revogação da decisão recorrida, nessa parte.
Nestes termos, acordam neste Supremo Tribunal Administrativo em
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– revogar a sentença recorrida na parte em que reconheceu o direito da Impugnante a juros indemnizatórios, que não são devidos.
Custas pela Impugnante.
Lisboa, 4 de Novembro de 2009. – Jorge de Sousa (relator) – Brandão de Pinho – Lúcio Barbosa.