Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0717/11
Data do Acordão:11/23/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
ANULABILIDADE
NULIDADE
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
IRS
Sumário:I – A declaração de substituição não é uma circunstância posterior que por si só determine a invalidade da liquidação efectuada com base na primeira declaração de IRS.
II – O que pode originar a invalidade dessa liquidação não é a declaração de substituição em si, mas a decisão que sobre ela for tomada pela administração tributária, pois só com esta decisão é se poderá saber se a liquidação impugnada se deve ou não manter ab initio na ordem jurídica.
III – Não dispondo a LGT e o CPPT regras sobre a invalidade do acto tributário, são de aplicar as normas do CPA, mais especificamente os artigos 133º a 136º, de onde resulta que os actos administrativos só excepcionalmente são nulos.
IV – A ilegalidade por deficiência nos pressupostos de facto da liquidação é cominada com a sanção da anulabilidade.
Nº Convencional:JSTA00067268
Nº do Documento:SA2201111230717
Data de Entrada:07/15/2011
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPA91 ART133 ART134 ART135 ART136
CPPTRIB99 ART102
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. A………., com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional do despacho que, com fundamento na extemporaneidade, indeferiu liminarmente a impugnação que deduziu da liquidação de IRS relativa ao ano 2004, no valor de €153.031,55.
Nas alegações, apresentou as seguintes conclusões:
a) Começa por se relevar o facto de no sistema pdf do serviço de finanças de Lisboa se verificar que à presente data o recorrente apenas é devedor do montante de € 1.430,06, referente ao IRS de 2004, ora impugnado, tudo cfr. documento que se junta e que se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais (doc. nº 1);
b) Bem como na informação obtida junto do SFL do domicilio fiscal do contribuinte, pelo que se requer desde já a clarificação sobre a actualização do montante em divida do IRS de 2004 do recorrente, a requerer junto do RFP junto do STA 2ª secção de contencioso tributário, ou, junto do DRMP junto deste mesmo tribunal.
c) Pois, podendo tratar-se desta actualização de montante em divida de IRS de 2004 da aceitação da declaração de substituição de rendimentos de 2004 do recorrente, cfr. documento que se encontra junto aos autos com a p.i. de impugnação judicial.
d) A douta sentença recorrida erra na apreciação da questão prévia e incidental como seja o prazo de caducidade para apresentação da impugnação judicial em juízo, uma vez que o recurso à impugnação judicial não se esgota nos prazos p. no art. 102º, nº 1, al. a), do CPPT, conforme alega e fundamenta a douta decisão recorrida, a qual se baseou na nulidade da liquidação realizado pelo SFL.
e) Uma vez que “in casu” se trata de um acto nulo, cfr. arts. 133º e 135º do CPA, e sendo um acto tributário uma factispecie do acto administrativo, então temos que o recurso à verificação da nulidade é arguível a todo o tempo, sempre com recurso e respeito pelo prazo geral de prescrição, que no prazo de lei especial tributária, se encontra p. no art. 48 da LGT (8 anos), sendo este o aplicável “in casu”, pelo que a impugnação judicial do recorrente neste caso pode ser acolhida por tempestiva.
f) Relevando-se ainda que o prazo de oito anos conta-se da data do facto gerador, o que sendo o caso dos autos é no exercício de 2004, com notificação ao recorrente para pagamento voluntário pela liquidação notificada e recepcionada em 27.08.2007, o que se pode aceitar por tempestivo.
g) Ora, o recorrente entende estar perante uma causa de nulidade do acto tributário e como tal devia ter sido apreciado pela douta decisão recorrida, e estando perante um caso de nulidade a mesma não preclude o direito de caducidade de recurso judicial à impugnação tributário pelo recorrente.
h) Verifica-se mesmo que se o recorrente entrega uma declaração de substituição dos rendimentos de 2004, cfr. doc. junto aos autos com a p.i. de impugnação judicial, a verdade é que abalou o princípio legal da verdade declarativa do contribuinte, tendo que ser aceite este novo facto tributário, ou, em alternativa, devendo o mesmo ser indeferido pelo competente SFL o que não se verificou “in casu”.
i) Contudo, tal facto não se verificou, a verdade é que o SFL aceitou a declaração de substituição, a qual se encontra ainda em apreciação, do recorrente relativa aos rendimentos declarados no seu IRS de 2004, o que realiza que a declaração fiscal do recorrente se encontra precludida por um facto tributário posterior com as suas inerentes vicissitudes tributárias, mas a sentença recorrida não apreciou estes factos pelo que violou a omissão de pronuncia e assim deve ser revogada.
j) No caso “sub judice” estamos face a uma apelação pois a decisão prolatada no saneador conheceu “de merites”.
k) Quando se conheça directamente do pedido o despacho saneador assume, para todos os efeitos, o valor de uma sentença e como tal é designado.
l) Se é assim, face ao teor do artigo 659°, n.° 2 do C.P.C., deveria o Sr. Juiz “a quo” discriminar os factos que considera provados aplicando, “a posteriori”, as normas jurídicas inerente ao caso “sub judicio”.
m) É que, só perante esta indicação discriminada dos factos provados, este Tribunal de recurso pode entrar na apreciação e julgamento do interposto do saneador — sentença do tribunal requerido.
n) E tal indicação tem de ser explícita.
o) A fixação da matéria de facto, feita a fls. 74 e segs. do saneador — sentença sob censura, não obedece aos termos legalmente exigíveis.
p) E que não é suficiente remeter-se para documentos junto aos autos se nada se explicar quanto ao conteúdo dos mesmos.
q) Para além do mais qualquer documento tem de ser interpretado podendo dele extrair-se, em matéria de facto, elemento ou elementos que não sejam iguais para todos os que se debrucem sobre ele, com escopo de aferir o seu conteúdo.
r) E esta posição dominante que se tem firmado no nosso mais alto Tribunal, na esteira do Ac. do S.T.J. de 31/10/91 dado à estampa no B.M.J. 410/680 e onde ancoram diversos arrestos posteriores daquele tribunal.
s) A sentença enferma de vício que a inquina.
t) Por força do estatuído no art. 712° do C.P.C., deste tribunal de 2ª instância pode anular a decisão da matéria de facto mesmo “ex officio”.
u) Não achando descriminada a factualidade tida por assente, não pode esta Relação exercer esse poder censório.
v) Por outro lado não pode substituir-se à P Instância para declarar quaisquer factos provados — vide nesse sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 19/04/88 no B.M.J. 376/673.
w) Este poder da Relação ancora na impossibilidade do tribunal conhecer o objecto de recurso — erros da decisão da matéria de direito — na ausência dos necessários pressupostos de facto que aqueles vícios se pressupõem — vide Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. 3 pág. 137.
x) Opina no mesmo sentido Rodrigues Bastos nas “Notas ao Vol. 3° pág. 336 onde diz “expressis verbis” — “A razão deste largo poder de conhecimento do tribunal é fácil de se compreender se se tiver em conta que o juízo sobre a correcta aplicação das normas legais se torna impossível de fazer se a matéria de facto não for suficientemente inteligível”
y) Assim, nos termos e pelos fundamentos expendidos deve anular-se o saneador — sentença apelado devendo o M° Juiz “ a quo” elencar (em obediência aos ditames legais), a matéria fáctica e prolatar em conformidade nova decisão que proceda à adequada subsunção “de june” da factualidade elencada.
1.2 Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da incompetência do tribunal em razão da matéria para conhecer do recurso.
2. A sentença deu como assente os seguintes factos:
A) O impugnante foi notificado da liquidação de IRS n° 5003887423, relativa ao ano de 2004, no montante de €153.031,55, e cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 27-8-2007 (cfr. documento de cobrança, certidão de divida e despacho do órgão de execução fiscal, a fls. 27 e 45 a 51 dos autos);
B) Para cobrança coerciva do imposto mencionado na alínea antecedente, o Serviço de Finanças de Lisboa 10 instaurou o processo de execução fiscal n° 3255200701056972, no âmbito do qual foi o ora impugnante citado em 6-11-2007 (cfr. certidão de dívida, despacho, A/R e requerimento do executado, a fls. 47 a 53 dos autos);
C) A petição inicial da presente impugnação judicial deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 10 via fax, ali recebido no dia 10-11-2009 (cfr. folha de rosto da petição inicial, a fls. 4 dos autos).
3. Comecemos pela questão da competência do tribunal levantada pelo Ministério Público.
No seu parecer, o Ministério Público diz que a competência em razão da matéria pertence ao TCAS, porquanto a sentença é totalmente omissa quanto à circunstância de ter sido apresentada uma declaração de substituição, quanto ao facto de contra o impugnante correr uma execução fiscal na fase da venda de bens penhorados e quanto ao valor pela qual corre termos tal execução, que é bastante inferior ao da liquidação impugnada.
Mas, para a questão decidida na sentença recorrida, que foi a extemporaneidade da impugnação, parece que tais factos não se mostram relevantes. Se efectivamente foi apresentada uma declaração de substituição e se a quantia exequenda não é a mesma que a constante da liquidação impugnada, a admitir-se que o facto tributário é o mesmo, então só pode ter havido substituição ou revogação do acto impugnado. Nessa eventualidade, e não tendo sido solicitada a modificação objectiva da instância, o processo de impugnação teria que ser extinto por impossibilidade superveniente da lide.
Portanto, o facto do recorrente continuar a dizer que apresentou uma declaração de substituição, sem provar sequer que sobre ela tenha sido emitido qualquer acto de conteúdo diferente do impugnado, nenhuma relevância tem para o decurso da impugnação. E nem se diga, como sugere o Ministério Público, que essa eventualidade pode ter como consequência a “convolação” da impugnação em reclamação, pois desconhece-se de que acto da administração fiscal irá o recorrente reclamar. Se for o que decidiu a declaração de substituição, pode haver reclamação graciosa, mas não se pode dizer que existiu erro na forma de processo utilizada relativamente à impugnação da primeira liquidação; se pretende reclamar de qualquer acto proferido no processo de execução, os fundamentos da impugnação não se prestam a servir de fundamento a actos dessa natureza.
Daí que, também a questão prévia levantada pelo recorrente não tenha qualquer relevância para o problema da tempestividade da impugnação. O recorrente começa por dizer que no sistema informático dos serviços de finanças apenas é devedor de €1.430,06, o que faz presumir que a declaração de substituição que apresentou terá sido aceite. Como referimos, se tal aconteceu, houve substituição ou revogação parcial da liquidação impugnada. Mas enquanto não se demonstrar no processo que assim ocorreu, o que compete ao recorrente fazer, nenhuma consequência daí se pode extrair.
O recorrente diz também que a sentença padece de omissão de pronúncia pelo facto de não se ter pronunciado sobre os efeitos da apresentação da declaração de substituição da declaração de IRS de 2004. Mas, estando em causa saber se a impugnação foi ou não tempestiva, não se vê qual o interesse em se dar como provado que foi apresentada uma declaração de substituição e apreciar-se os efeitos dessa declaração na relação jurídica tributária. Apenas a decisão que vier a ser tomada sobre essa declaração é que eventualmente poderá ter reflexos na instância impugnatória. Mas para isso é necessário que a impugnação tenha sido tempestivamente interposta, pois se não o é, a procedência dessa excepção prejudica a possibilidade de modificação objectiva da instância em consequência da substituição do acto impugnado.
Para reexaminar a sentença recorria, não há pois necessidade de mexer na matéria de facto dada como assente, e por isso mesmo mantêm-se a competência do STA para apreciar a única questão que foi julgada na sentença recorrida, ou seja, a intempestividade da impugnação.
O recorrente não põe em causa que foi notificado do acto de liquidação de IRS de 2004 e que o prazo de pagamento voluntário terminou em 27/8/2007. Não só aceita esse facto nas conclusões das alegações, como juntou a fls. 27 dos autos documento comprovativo de que foi notificado da liquidação impugnada. De resto, resulta dos autos que o recorrente também foi citado em 6/11/2007 para a execução fiscal da liquidação impugnada, que em 5/12/2007 solicitou o pagamento em prestações, o que foi diferido; que em 25/9/2008 fez pagamentos por conta da dívida exequenda; e que em 28/7/2009 solicitou a reavaliação da sua situação, face ao incumprimento do plano de pagamento em prestações (cfr. doc. de fls. 45 a 63).
A censura que o recorrente faz à sentença recorrida é o facto de não se ter considerado que as ilegalidades imputadas ao acto impugnado são sancionadas com a nulidade e não com a anulabilidade.
E esta é a questão fulcral no processo, sobre a qual importa tomar posição.
Pois bem, lendo a petição inicial não se descortina quais são as ilegalidades que o impugnante imputa ao acto de liquidação. Nenhum dos elementos estruturais do acto tributário impugnado foi posto em causa pelo impugnante. Nenhum “vício” lhe imputou, quer quanto ao procedimento e forma, quer quanto aos pressupostos e respectivo conteúdo. O impugnante apenas invoca que, relativamente ao IRS de 2004 apresentou em 10/11/2009, o mesmo dia em que apresentou em juízo a impugnação judicial, uma “declaração de substituição”, dado ter constado que a declaração anual que apresentara não tinha levado em conta os custos do exercício no valor de 199.104,98€. Como essa declaração altera a realidade subjacente ao acto impugnado, este padece de ilegalidade.
Percebe-se perfeitamente o desígnio do impugnante: perante a eventualidade da venda dos bens penhorados no processo de execução fiscal em curso, impugnou o acto de liquidação, com a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão da execução fiscal. O pedido que faz é isso mesmo: «que se julgue procedente, por provada, a impugnação judicial deduzida pelo ora executado, e a imediata suspensão, provisória, da penhora dos bens realizados, até à liquidação final do imposto de IRS de 2004 através da decisão final da declaração de substituição».
Simplesmente, não é pelo facto de se ter iniciado um novo de procedimento tributário visando alterar o acto impugnado que este deixa de ser um acto legal. A questão central a decidir no processo impugnatório é a validade do acto tributário impugnado, questão esta que deve ser resolvida por referência aos factos existentes e às normas vigentes no momento da sua produção. Se o acto era válido, não se tornou inválido por entretanto ter sido apresentado uma declaração de rendimentos em substituição da que serviu de base ao acto impugnado. Em regra, as superveniências que surjam na pendência do processo impugnatório não são atendíveis, por não influírem sobre a questão da validade do acto impugnado. O que pode acontecer é que a decisão que for tomada sobre a nova declaração ter como efeito a alteração ou revogação do acto impugnado, implicando a modificação ou extinção da instância.
No entender do impugnante, a liquidação de 2004 é um acto nulo, “em virtude do acto superveniente levado ao conhecimento do tribunal, como sendo a declaração de substituição dos rendimentos do recorrente de 2004”. Ou seja, a liquidação não é inválida por circunstâncias contemporâneas com a sua emanação, por vícios originários, mas por factos posteriores que podem influir na sua estrutura a ponto de lhe determinar uma invalidade. A declaração de substituição funcionaria como circunstância posterior que por si só determinaria a invalidade superveniente da anterior liquidação.
Mas não é isso que acontece.
A declaração de substituição dá a conhecer factos novos que não eram conhecidos ou não foram tomados em conta no momento da emanação do acto de liquidação, muito embora já então eram actuais. A administração tributária vai proceder a um novo juízo sobre material de facto que já existia, procurando de novo enquadrá-lo nas normas tributárias. Caso seja dada relevância aos novos factos constantes da declaração de substituição, há efectivamente um “vício originário” da legalidade da liquidação efectuada com base na declaração substituída. Se houver uma nova decisão, ela assentará numa realidade factual que inicialmente não foi considerada, e por isso mesmo pode-se enquadrar tal decisão como revogação de acto ilegal. Mas, o que pode originar a invalidade dessa liquidação não é a declaração de substituição em si, mas a decisão que sobre ela for tomada pela administração tributária. Só com esta decisão é se poderá saber se a liquidação impugnada se deve ou não manter ab initio na ordem jurídica.
Relativamente à liquidação impugnada, o impugnante não identifica qual a parte do acto que se encontra lesada. A declaração de substituição por si só não tem virtualidade para demonstrar a existência de erro nos pressupostos de facto em que assentou a liquidação. Ora, sem a individualização das ilegalidades, não se pode saber que tipo de reacção a ordem jurídica dita para a lesão. Sem se localizar o vício na estrutura do acto, não se pode dizer que a lesão é de tal modo grave que a ordem jurídica se recusa a atribuir-lhe a produtividade imediata dos efeitos desejados.
O impugnante diz que o acto é nulo, mas não explica porquê. Invoca o artigo 133º do CPA, mas não identifica as categorias de discordância com a ordem jurídica que são sancionadas com essa espécie de invalidade. No seu entender, a liquidação de 2004 é um acto nulo, “em virtude do acto superveniente levado ao conhecimento do tribunal, como sendo a declaração de substituição dos rendimentos do recorrente de 2004”. Parece que no seu entender, havendo uma declaração de substituição, há novos factos a ter em conta na matéria colectável, o que significa que a liquidação impugnada é desde logo inválida por insuficiência da matéria de facto.
Mas, a admitir-se que se está perante um erro nos pressupostos de facto, patenteado pela declaração de substituição, a reacção típica em sede de invalidade não é a nulidade, mas a anulabilidade.
Em via de regra, o acto tributário é apenas anulável. Não dispondo a LGT e o CPPT regras sobre a invalidade do acto tributário, são de aplicar as normas do CPA, mais especificamente os artigos 133º a 136º, de onde resulta que os actos administrativos só excepcionalmente são nulos. Ora, considerando as categorias de invalidade indicadas naquele artigo 133º, a ilegalidade por deficiência nos pressupostos de facto não é cominada com a sanção da nulidade. Não se trata de um vício que lese de forma particularmente grave e evidente a ordem jurídica, até porque, se houve erro, ele é exclusivamente imputável ao contribuinte que apresentou uma declaração deficiente. De modo que, a existir invalidade por erro nos pressupostos de facto, a sanção seria sempre a anulabilidade.
Tanto basta para se considerar a impugnação judicial foi manifestamente extemporânea, por ter sido deduzida muito para além do prazo de 90 dias mencionado no artigo 102º do CPPT: o prazo de pagamento voluntário ocorreu em 27/8/2007 e a acção impugnatória deu entrada em 10/11/2009.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 23 de Novembro de 2011. – Lino Ribeiro (relator) – Valente Torrão – Dulce Neto.

Segue acórdão de 29 de Fevereiro de 2012:

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

A………, com os demais sinais nos autos, ao abrigo do artigo 669º do CPC, vem solicitar a aclaração do acórdão proferido em 23 de Novembro de 2011, que julgou improcedente o recurso jurisdicional que interpôs do despacho que, com fundamento na extemporaneidade, indeferiu liminarmente a impugnação que deduziu da liquidação de IRS relativa ao ano 2004, no valor de €153.031,55.
Alega, em síntese, que ficou provado que em 2008 entregou uma declaração de substituição do IRS de 2004, e que isso tem influência na contagem do prazo de caducidade da impugnação da liquidação de 2004, tornado o “ prazo muito superior”, pelo que o acórdão é contraditório nesse aspecto. Pretende, pois, “uma clarificação quanto à contagem nestes termos do prazo de caducidade da impugnação”.
A Fazenda Pública não se pronunciou.
Cumpre decidir.
Se bem se percebe o pedido de aclaração, aquilo que o recorrente pretende é que se reconheça que a declaração de substituição do IRS de 2004, efectuada em 2008, teve por efeito imediato a ampliação do prazo de caducidade da impugnação da liquidação de 2004, objecto da impugnação.
Todavia, apesar deste novo argumento não constar das conclusões do recurso que efectuou, o qual se centrou sobretudo na nulidade do acto impugnado, defendendo que o mesmo podia ser impugnado a todo o tempo, o acórdão não deixou se esclarecer suficientemente qual o efeito que a declaração de substituição teve na impugnação.
Com efeito, no acórdão refere-se o seguinte: “Se efectivamente foi apresentada uma declaração de substituição e se a quantia exequenda não é a mesma que a constante da liquidação impugnada, a admitir-se que o facto tributário é o mesmo, então só pode ter havido substituição ou revogação do acto impugnado. Nessa eventualidade, e não tendo sido solicitada a modificação objectiva da instância, o processo de impugnação teria que ser extinto por impossibilidade superveniente da lide. Portanto, o facto do recorrente continuar a dizer que apresentou uma declaração de substituição, sem provar sequer que sobre ela tenha sido emitido qualquer acto de conteúdo diferente do impugnado, nenhuma relevância tem para o decurso da impugnação”.
E noutra passagem diz-se que “estando em causa saber se a impugnação foi ou não tempestiva, não se vê qual o interesse em se dar como provado que foi apresentada uma declaração de substituição e apreciar-se os efeitos dessa declaração na relação jurídica tributária. Apenas a decisão que vier a ser tomada sobre essa declaração é que eventualmente poderá ter reflexos na instância impugnatória. Mas para isso é necessário que a impugnação tenha sido tempestivamente interposta, pois se não o é, a procedência dessa excepção prejudica a possibilidade de modificação objectiva da instância em consequência da substituição do acto impugnado”.
Quer dizer, o acórdão explica qual a posição que tomou quanto aos efeitos de apresentação da declaração de substituindo, de onde facilmente se pode inferir que se considera que não tem por efeito ampliar o prazo de caducidade.
Pelo exposto, acordam em indeferir o pedido de aclaração.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) - Valente Torrão – Ascensão Lopes.