Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03261/11.6BEPRT
Data do Acordão:07/13/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
TAXA
Sumário:I - O pagamento especial por conta (PEC) consubstancia uma entrega pecuniária antecipada de imposto, efectuada pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário (cfr.artº.33, da L.G.T.), tendo sido introduzido no C.I.R.C. pelo dec.lei 44/98, de 3/03, constituindo uma forma de antecipação das receitas por conta de uma tributação final, com o propósito de evitar a evasão fiscal e de garantir o pagamento do imposto pelas empresas em actividade (cfr.artº.87, do C.I.R.C., na redacção em vigor nos anos de 2003 e 2004), mais sendo apurado de acordo com as regras previstas no artº.98, do mesmo diploma, então em vigor.
II - Não é aplicável o regime constante do citado dec.lei 6/99, de 8/01, e, concomitantemente, a tabela de taxas prevista na portaria 923/99, de 20/10, ao reembolso de PEC de I.R.C. É que o dec.lei 6/99, de 8/01, regulamenta um serviço prestado pela administração ao sujeito passivo quando este pretende realizar uma operação ou procurar uma qualquer vantagem, alheia a uma relação tributária preexistente. Já quanto à inspeção feita a "pedido do sujeito passivo" para efeitos de reembolso de PEC de I.R.C., não estão em causa as mesmas finalidades. Não se trata de uma inspecção necessária à obtenção pelo particular de uma qualquer vantagem, mas antes de um procedimento necessário ao exercício de um direito que lhe assiste por lei. Dado ser esse o entendimento, é de concluir pela ilegalidade da taxa liquidada e decorrente da acção inspectiva para obter o reembolso do pagamento especial por conta.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P29726
Nº do Documento:SA22022071303261/11
Data de Entrada:02/20/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, exarada a fls.120 a 129 do processo físico, a qual julgou procedente a presente a impugnação judicial intentada pela sociedade ora recorrida, "A……….., S.A.", visando a liquidação da taxa de Inspecção referente aos pedidos de reembolso do Pagamento Especial por Conta (PEC) de I.R.C., relativo aos exercícios de 2004 e 2005, no montante global de € 18.914,40.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.148 a 154 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-Julgou a sentença recorrida procedente a impugnação deduzida na sequência da liquidação da taxa, no montante de € 18.914,40, calculada nos termos definidos na Portaria 923/99 de 20/10, por remissão do artº 4º do Decreto-Lei nº 6/99, de 08 de Janeiro, e para os efeitos previstos na alínea b) do nº 3 do artigo 93º do Código do IRC (CIRC).
B-O Tribunal a quo considerou que não tem qualquer aplicação ao regime do PEC o previsto no D.L. nº 6/99, por não se tratar da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, mas sim do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei.
C-Considerou ainda o Tribunal a quo que, ainda que se admitisse a aplicação do D.L. nº 6/99 à acção inspectiva prevista para o reembolso do PEC, dificilmente poderia o montante que incumbiria ao sujeito passivo pagar ser classificado como taxa, já que não se vislumbra que serviço ou contraprestação estará a Administração Tributária a prestar ao contribuinte.
D-Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto, considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a ilegalidade da taxa em crise.
E-Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, apesar da ausência de uma remissão expressa do nº 3 do artigo 93º do CIRC para o D.L. nº 6/99, de 8 de Janeiro, não há legitimidade para sustentar que não faria sentido que, ao reembolso do valor do PEC, dependente de acção inspectiva a pedido do sujeito passivo, não fosse aplicado o regime constante do referido Decreto-Lei.
F-Dados os objectivos associados ao estatuído no nº 3 do artigo 93º do CIRC e atendendo ao elemento sistemático e à unidade do sistema jurídico, na determinação do exacto sentido e alcance da norma, e levando em conta que à data da criação deste normativo já se encontrava em vigor o D.L. nº 6/99.
G-Acresce que, a lei (em vigor à data dos factos) não previa qualquer outra possibilidade de o sujeito passivo reaver o montante em excesso dos pagamentos especiais por conta.
H-Para mais, tendo em conta que, nos termos do nº 4 do art. 2º do DL nº 6/99, o deferimento do requerimento depende da invocação da prova do interesse legítimo do requerente na realização da inspecção, e que como decorre do termo “nomeadamente” previsto no nº 6 do mesmo artigo, é meramente exemplificativo o elenco das situações qualificadas como “interesse legítimo”, entende-se, pois, que o pedido de reembolso do pagamento especial por conta, efectuado ao abrigo do nº 3 do art. 93º do CIRC, qualifica-se como “interesse legítimo”, aplicando-se, em consequência, o regime constante do Decreto-Lei nº 6/99.
I-Em concordância com a conclusão do parecer nº 65/2011 de 27.09.2011 do Centro de Estudos Fiscais (elaborado na sequência de uma exposição da Provedoria da Justiça que suscitou a questão da inspecção a pedido para efeitos de reembolso do PEC), julga-se, pois, que a alínea b) do nº 3 do artigo 93º do Código do IRC estabelece, a partir da verificação dos requisitos nela constantes, uma remissão implícita para o regime constante do Decreto-Lei nº 6/99.
J-Os pagamentos especiais por conta poderão desembocar, quando não haja lugar a reembolso, por falta de preenchimento dos requisitos previstos pelo legislador no CIRC, numa verdadeira colecta mínima de imposto.
K-Ora, a acção de inspecção para efeitos de obtenção do reembolso do PEC visa, objectivamente, a confirmação de que os sujeitos passivos não obtiveram durante os cinco exercícios possíveis, colecta que justifique o pagamento efectuado e, concomitantemente, a restituição do imposto pago e não devido a final.
L-Mais, não faria de todo sentido, que a insuficiência de colecta que dá origem ao reembolso, fosse certificada por outra entidade que não a AT.
M-Logo, sendo a realização da acção inspectiva condição essencial para o reembolso do PEC em excesso, logo no interesse do contribuinte, será justo que os custos dela decorrentes sejam por ele suportados, o que configura um serviço público prestado ao sujeito passivo, daí resultando o pagamento de uma taxa.
N-Classificada a natureza da acção inspectiva, a mesma só poderá ser enquadrada no âmbito do regime especial de inspecção por iniciativa do sujeito passivo, previsto no artº 47 da LGT e regulamentado no Decreto-Lei nº 6/99 de 8 de Janeiro, com as consequências que daí advêm no que se refere ao pagamento da taxa devida pela realização da acção de inspecção.
O-Tal como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 365/03, de 14.07.2003, a criação da taxa assenta numa relação sinalagmática que “há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado.”
P-No caso em apreço, quanto aos pedidos de reembolso dos PEC’s pagos em 2004 e 2005, o DL nº 6/99 de 8 de Janeiro, conjugado com a Portaria nº 923/99, de 20 de Outubro, regula e determina os montantes devidos pela realização de inspecções a pedido do sujeito passivo.
Q-Resulta da aplicação da tabela constante daquela Portaria (convertida para Euros), o pagamento de uma taxa no montante de € 18.914,40, conforme informação da Direcção de Apoio e Planeamento da Inspecção Tributária junta aos autos.
R-Conclui-se assim que se encontra legitimada a previsão da referida taxa e a sua subsequente liquidação impugnada que foi efectuada nos termos da Portaria nº 923/99 de 20/10, pelo que, a mesma não merece censura, uma vez que foi efectuada conforme a legislação vigente e aplicável ao caso concreto.
S-Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por padecer de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a ilegalidade da taxa em crise.
T-A sentença recorrida fez, assim, incorrecta interpretação e consequente aplicação da lei.
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A sociedade impugnante e ora recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.157 a 183 do processo físico) as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
i-Analisada a motivação do recurso (CFR. Art. 639º do CPC, ex vi art. 2º e) do CPPT), verifica-se que a recorrente não indicou os meios de prova cujo exame crítico entende estar viciado, nem invocou meios de prova que entendesse relevarem, na sua perpectiva, para uma correcta decisão – o que implica a rejeição do recurso nesta parte (Cfr. AC, do STJ de 10.01.2007, dado no proc. Nº 06P3518, destaque nosso – Cfr. AC. do TCAN de 31.05.2012, dado no proc. Nº 02324/04.9BEPRT).
ii-Entende a recorrente que ao pedido de reembolso de PEC subjaz uma inspecção tributária nos termos do D.L. nº 6/99, de 08.01 – à qual são aplicáveis as taxas previstas na Portaria nº 023/99, de 20.10 – dado que, por exemplo, exigiu o pagamento de uma “taxa” no valor de € 18.914, 40 para processamento de um reembolso de PEC no montante de € 2.500,00.
iii-O artigo 93º do CIRC não remete, implícita ou explicitamente, para o regime previsto no D.L, nº 6/99, sendo igualmente notório que, segundo esse regime, para a tramitação de um pedido de inspecção: a mesma deve ser requerida ao director-geral dos impostos (art. 2º nº1); é o requerente (e não a AT) que deve definir o âmbito e extensão da inspecção (art.2º e nº2); o deferimento do requerimento depende da invocação e prova do interesse legítimo na realização da inspecção (art. 2º e nº4).
iv-Ou seja, afigura-se evidente que aquele regime especial tem uma delimitação especifica, nomeadamente quanto ao respectivo âmbito, condições de acesso e efeitos – que o torna absolutamente incompatível com o pedido de reembolso de PEC, como resulta expresso do preambulo do D.L. nº 6/99, ao estabelecer que esse regime foi instituído em favor da “certeza e segurança jurídicas e a necessidade de viabilizar negócios jurídicos relevantes do ponto de vista da reestruturação empresarial e da dinamização da vida económica”.
v-Como resulta da “doutrina administrativa” da AT, junta aos autos, o pedido de inspecção (e pagamento da taxa pela mesma) apenas foi estabelecido para dissuadir o Contribuinte de solicitar o reembolso do que entregou a mais nos cofres do Estado - para, em suma, dificultar ou impossibilitar esse reembolso, na medida em que é a própria AT que confessa que: «(...) com este procedimento quis o legislador, sem dúvida, DISSUADIR O PEDIDO DE REEMBOLSO DOS PAGAMENTOS ESPECIAIS POR CONTA.
vi-Logo, para além de obviamente não existir qualquer “serviço” público susceptível de conduzir ao pagamento de uma taxa, é artificialmente criado um obstáculo, um subterfúgio, para obviar ao reembolso do PEC, para dissuadir o pedido, uma vez que a taxa a pagar é superior ao reembolso a que o Contribuinte tem direito.
vii-Como é sabido, A REGRA é a AT encetar acções inspectivas, por sua própria decisão e iniciativa quando os contribuintes invocam determinados direitos perante a mesma - como é o caso de benefícios fiscais, restituição de IRS, reembolso de IVA, reembolso de IRC etc (Cfr. art.2º nº1 h) RCPIT) sendo que não se vislumbra qualquer fundamento minimamente razoável e coerente para defender que o reembolso de PEC tenha um tratamento diferente nesta matéria.
viii-Na verdade, tratando-se, como se trata, de um adiantamento de IRC não se percebe por que motivo no caso de reembolso de IRC a AT coloca em marcha, motu proprio, a sua faculdade inspectiva e, no caso de reembolso de PEC, o Contribuinte seja compelido a solicitar e pagar uma inspecção.
ix-Ao contrário do pretendido pela Recorrente, no caso do reembolso do IRC adiantado através do PEC, o procedimento inspectivo apenas serve para a AT aferir da legitimidade do solicitado reembolso - tal como sucede com o reembolso de IRC em geral - o que, em última análise, serve os interesses da própria Fazenda Pública e não configura qualquer “serviço público”.
x-Logo: i) SE não há qualquer “serviço público ii) SE não há qualquer correspondência entre o valor pago e o “serviço público” prestado iii) SE não existe qualquer equivalência minimamente razoável entre a taxa paga e o PEC cujo reembolso se pretende iv) SE não está subjacente à cobrança da taxa a preocupação de cobertura de despesa pública, mas apenas a intenção de dissuadir os pedidos de reembolso de PEC v) ENTÃO é patente que a inspecção para reembolso de PEC, nos termos do artigo 93º n.º 3 CIRC, não reveste os formalismos do D.L. n. 6/99.
xi-Daí que, quando formula o pedido de reembolso invocando expressamente o artigo 93.º n.º 3 do CIRC, está implícito o pedido de realização da inspecção que a AT entenda encetar para o efeito - não sendo o contribuinte obrigado a deslindar a interpretação que a AT faz da norma ou a conhecer as orientações administrativas através das quais, ilegalmente, pretende aplicar ao pedido de reembolso de PEC um regime especial de inspecção tributária sujeito a pagamento de uma taxa muito superior ao próprio reembolso.
xii-Como decidido pelo Tribunal a quo, o regime de reembolso de PEC, a ser interpretado como defende a AT, é manifestamente ilegal por errada interpretação e aplicação do regime estabelecido no D.L. n.º 6/99 e art. 93.º n.º 3 CIRC, mas é também violador do princípio da tributação segundo o rendimento real - uma vez que, atenta a “taxa” que tem de pagar - O CONTRIBUINTE SE VÊ TOTALMENTE IMPOSSIBILITADO DE REAVER DO ESTADO O IRC QUE PAGOU EM EXCESSO - em violação do artigo 103.º e 104.º CRP e art. 30.º n.º 2. c) LGT.
xiii-O artigo 93º n.º 3 do CIRC, na interpretação segundo a qual a obtenção do reembolso do PEC, nas condições nele referidas, depende fiscalização paga pelo Contribuinte, padece de inconstitucionalidade material - quer por violação do princípio fundamental do acesso ao direito quer por violação do princípio fundamental da proporcionalidade - ambos expressões do princípio elementar do Estado de direito democrático.
xiv-A lei só pode restringir direitos nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo essas restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18º nº2 CRP) não se vislumbrando, in casu, quaisquer outros direitos ou interesses que legitimem a restrição ao direito de reembolso dos PEC’s constante da aI. b) do n.º 3 do artigo 93º CIRC e artigo 30.º n.º 1 c) da LGT, muito menos na interpretação pretendida pela Recorrente.
xv-Parafraseando o Tribunal Constitucional (acórdão nº 494/2009, publicado no Diário da Republica, 1ª serie – nº 206 – 23.10.2009)
- « a medida legislativa em apreço não passa no teste da proporcionalidade (...) em duas das suas três vertentes ou dimensões concretizadoras (adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito) em que o princípio se analisa.)»
- «Efectivamente, ainda que se demonstre que não está completamente posta de parte a garantia do reembolso total do PEC, a verdade é que não tem razoabilidade obrigar uma entidade a entregar um determinado montante a título de PEC, quando se sabe, no momento em que o pagamento é exigido, que será ulteriormente reembolsado na sua totalidade, desde que seja solicitada uma acção de inspecção pelo sujeito passivo. Esta solução apresenta-se manifestamente desproporcionada, consubstanciando uma medida excessiva na medida em que é, certamente, demasiado onerosa para o destinatário.»
xvi-Assim, a al. b) do n.º 3 do artigo 93º do CIRC, na interpretação segundo a qual só há direito ao reembolso dos PEC’s se o contribuinte pedir e pagar uma fiscalização, nos termos do D.L. n.º 6/99, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade da capacidade contributiva e tributação das empresas pelo seu rendimento real.
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O TCA Norte, através de decisão sumária (cfr.fls.213 a 221 do processo físico), julgou procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.231 a 234 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.121 e 122 do processo físico):
1-Por requerimentos apresentados em 20.08.2009 e 13.08.2010 a impugnante solicitou à Administração Tributária o reembolso dos montantes de Pagamento Especial por Conta do Imposto entregues e relativos aos exercícios de 2004 e 2005, no montante de €1.250,00 cada – fls. 36 e ss., do PA;
2-Tendo aí invocado que não logrou deduzir aqueles PEC à colecta desse exercício nem à colecta dos quatro exercícios seguintes – fls. 36 e ss., do PA;
3-A AT notificou a impugnante de que a possibilidade de requerer a acção de inspecção tributária implicava o pagamento de uma taxa, pelo que deveria confirmar o interesse no pedido de acção de inspecção assumindo os respectivos custos – fls. 69 e ss., do PA;
4-A impugnante apresentou requerimento, que se considera aqui integralmente reproduzido, no qual informa a Direcção de Finanças do Porto que não se opunha a que a Administração Fiscal procedesse a qualquer inspecção, mas que não estaria disposta a pagar qualquer quantia – fls. 58 e ss., do PA;
5-A impugnante foi notificada pela AT de que foi autorizada a realização da inspecção aos exercícios de 2004 e 2005 e que foi fixada a taxa provisória, no valor de €18.914,40 – fls. 50 e ss.;
6-Tais taxas deveriam ser pagas no Serviço de Finanças do Marco de Canavezes, no prazo de cinco dias, findo o qual, e não se verificando o referido pagamento, ficariam os pedidos de reembolso sem efeito – fls. 50 e ss.;
7-A impugnante dirigiu requerimento à AT solicitando que fosse notificada dos meios de reacção contra a decisão administrativa em causa e os prazos em que poderia exercer os mesmos – fls. 48 e ss., do PA;
8-A impugnante foi notificada de que poderia deduzir acção administrativa especial no prazo de três meses – fls. 46 e ss., do PA.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Com relevância para a decisão da causa, não se apuraram factos não provados …".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes, não impugnada, para a qual se remete em cada facto.
Acresce que, as partes estão de acordo no essencial quanto aos factos, sendo que a divergência que as opõe resulta da sua interpretação jurídica…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente procedente a presente impugnação judicial, em consequência do que anulou a liquidação de taxa objecto do processo (cfr.nº.5 do probatório supra).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que apesar da ausência de uma remissão expressa do artº.93, nº.3, do C.I.R.C., para o dec.lei 6/99, de 8/01, não há legitimidade para sustentar que não faria sentido que, ao reembolso do valor do pagamento especial por conta (PEC), dependente de acção inspectiva a pedido do sujeito passivo, não fosse aplicado o regime constante do referido Decreto-Lei. Que sendo a realização da acção inspectiva, condição essencial para o reembolso do PEC em excesso, logo no interesse do contribuinte, será justo que os custos da mesma decorrentes sejam por ele suportados, o que configura um serviço público prestado ao sujeito passivo, daí resultando o pagamento de uma taxa. Que atenta a natureza da acção inspectiva em causa nos autos, a mesma só poderá ser enquadrada no âmbito do regime especial de inspecção por iniciativa do sujeito passivo, previsto no artº.47, da L.G.T., e regulamentado no citado dec.lei 6/99, de 8/01, com as consequências que daí advêm no que se refere ao pagamento da taxa devida pela realização da mesma acção de inspecção. Que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a ilegalidade da taxa em crise (cfr.conclusões A) a T) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O pagamento especial por conta (PEC) consubstancia uma entrega pecuniária antecipada de imposto, efectuada pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário (cfr.artº.33, da L.G.T.), tendo sido introduzido no C.I.R.C. pelo dec.lei 44/98, de 3/03, constituindo uma forma de antecipação das receitas por conta da tributação final, com o propósito de evitar a evasão fiscal e de garantir o pagamento do imposto pelas empresas em actividade (cfr.artº.87, do C.I.R.C., na redacção em vigor nos anos de 2003 e 2004), mais sendo apurado de acordo com as regras previstas no artº.98, do mesmo diploma, então em vigor (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec.1716/17.8BESNT; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.776 e seg., em anotação ao artº.93, do C.I.R.C.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.221 e seg.).
O presente recurso não abarca os pressupostos de natureza substantiva do PEC, ou do seu reembolso, antes tendo por objecto somente o exame da legalidade da taxa cobrada pela A. Fiscal em sede de inspecção tributária pedida pelo sujeito passivo, cobrada ao abrigo do dec.lei 6/99, de 8/01, e da portaria 923/99, de 20/10.
Nesta sede, a doutrina conhecida defende que, dada a verdadeira natureza do procedimento em causa, não parece que se aplique ao mesmo o regime de inspecção por iniciativa do contribuinte previsto no citado dec.lei 6/99, de 8/01, designadamente em matéria de custas. Com efeito, seria constitucionalmente chocante admitir que o sujeito passivo teria que pagar para ser, como é seu direito, tributado segundo o seu lucro real (cfr.J. L. Saldanha Sanches e André Salgado de Matos, "O pagamento especial por conta de lRC: questões de conformidade constitucional", in Fiscalidade, nº.15, Julho 2003, pág.17, nota 33).
Por sua vez, a jurisprudência deste Tribunal e Secção, que sufragamos, vai no mesmo sentido, ao concluir, ao contrário do defendido pela Administração Tributária, que não é aplicável o regime constante do citado dec.lei 6/99, de 8/01, e, concomitantemente, a tabela de taxas prevista na portaria 923/99, de 20/10, ao reembolso de PEC de I.R.C. É que o dec.lei 6/99, de 8/01, regulamenta um serviço prestado pela administração ao sujeito passivo quando este pretende realizar uma operação ou procurar uma qualquer vantagem, alheia a uma relação tributária preexistente. Já quanto à inspeção feita a "pedido do sujeito passivo" para efeitos de reembolso de PEC de I.R.C., não estão em causa as mesmas finalidades. Não se trata de uma inspecção necessária à obtenção pelo particular de uma qualquer vantagem, mas antes de um procedimento necessário ao exercício de um direito que lhe assiste por lei. Dado ser esse o entendimento, é de concluir pela ilegalidade da taxa liquidada e decorrente da acção inspectiva para obter o reembolso do pagamento especial por conta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 31/05/2017, rec.072/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/2017, rec.0581/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/11/2019, rec.03265/11.9BEPRT).
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento à apelação e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação, desnecessário se tornando o exame dos alegados vícios de inconstitucionalidade invocados pela sociedade impugnante e ora recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas, na presente instância de recurso (cfr.artº.527, do C.P.Civil).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Julho de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.