Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0281/12 |
Data do Acordão: | 06/14/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | DIREITOS DE PASSAGEM TAXA MUNICIPAL OCUPAÇÃO DA VIA PÚBLICA COMUNICAÇÕES ELECTRONICAS DUPLA TRIBUTAÇÃO FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA |
Sumário: | I - Para além da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista no artigo 106.º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas) não podem ser cobradas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público quaisquer outras taxas pela instalação de sistemas e equipamentos em terreno do domínio público municipal e que tenham como contrapartida a utilização desse terreno, sob pena de se estar a tributar duplamente a mesma realidade e esta dupla tributação ser inadmissível em matéria de taxas, na medida em que estas constituem, por natureza, a contrapartida pela obtenção de um determinado benefício e não se poder justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício. II - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de televisão por cabo. |
Nº Convencional: | JSTA00067674 |
Nº do Documento: | SA2201206140281 |
Data de Entrada: | 03/16/2012 |
Recorrente: | MUNICÍPIO DE AVEIRO |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF AVEIRO PER SALTUM |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR FISC - TAXAS |
Área Temática 2: | DIR PROC CIV |
Legislação Nacional: | CPPTRIB99 ART125 N1 CPC95 ART660 N2 ART668 N1 D ART684-A N1 L 5/2004 DE 20040210 ART5 ART24 ART106 CCIV66 ART8 N3 DL 123/2009 DE 2009/05/21 |
Legislação Comunitária: | DIR CONS CEE 2002/20/CE DE 2002/03/07 |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC693/11 DE 2012/05/02; AC STA PROC179/11 DE 2011/06/01; AC STA PROC450/11 DE 2011/06/29 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A CÂMARA MUNICIPAL DE AVEIRO recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença de improcedência da impugnação judicial que a sociedade A……, S.A. deduziu contra o acto expresso de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o acto de liquidação de Taxa de Ocupação da Via Pública efectuada por aquela Câmara Municipal, no valor de € 4.631,79. Terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões: A. A Recorrente não se conforma com a interpretação da sentença recorrida, que resumiu a questão dos autos ao artigo 106° da Lei das Comunicações Electrónicas e concluiu que: “Os Município não podem impor a estas entidades, pelo direito de utilização do domínio público para a implementação, passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamento e demais recursos de redes e serviços de comunicações electrónicas, outras imposições tributária que não seja a Taxa Municipal de Direito de Passagem”, entendendo que a mesma incorreu em erro de julgamento, por erro em vários pressupostos legais, verificando-se, por outro lado, omissão completa quanto a questões suscitadas e que deveriam ter sido analisadas, com as legais consequências. Enquadramento Comunitário: B. Em matéria de direito comunitário, a sentença recorrida limita-se a referir as directivas, sem explicitar qualquer artigo aplicável ou no qual se suportou para concluir pela ilegalidade da taxa de ocupação por via da aplicação da legislação comunitária, não se encontrando devidamente fundamentada. Na verdade, não se extrai das directivas comunitárias a proibição para os Municípios cobrarem taxas pela ocupação do domínio público municipal ou a violação do direito comunitário pela liquidação das taxas em crise. A indicada Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, estabeleceu um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva-quadro) e apenas prevê sobre o assunto, no seu artigo 11° (direitos de passagem) que se refere aos princípios e garantias. A também citada Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva autorização) prevê no artigo 13°, sob a epigrafe de “Taxas aplicáveis aos direitos de utilização e direitos de instalação de recursos” que: “Os Estados-Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números ou direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflictam a necessidade de garantir a utilização óptima desses recursos”. E apenas dispõe o mesmo artigo que é necessário garantir que “tais taxas sejam objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam e terão em conta os objectivos do artigo 8° da Directiva 2002/21/CE”. C. Do exposto decorre que caberia ao legislador de cada estado membro a definição e organização das taxas a aplicar em matéria de utilização e direitos de instalação de recursos, como garantia dos princípios indicados, sendo irrelevantes, em nosso entender, os objectivos gerais enunciados na sentença em matéria de telecomunicações (abertura do mercado e redução de preços entre outros), que não fundamentam em matéria de direito a decisão, com as consequências legais previstas na al. b) do n.° 1 do artigo 668° do CPC. Enquadramento legislativo e caracterização da TMDP: Imposto (?) D. Entendeu o tribunal a quo que a TMDP é a única taxa passível de cobrança pelos Municípios em matéria de ocupação do domínio público, sem analisar em concreto no que se traduz esta designada “taxa”, sendo, em nosso entender, insuficiente a fundamentação da sentença quanto a esta matéria. O legislador português, quando transpôs para o ordenamento jurídico português as Directivas através da Lei n.º 5/2004 criou o artigo 106° da Lei n.º 5/2004 (Lei das Comunicações electrónicas ou LCE) e decorre da Lei das Comunicações Electrónicas a possibilidade de utilização do domínio público em condições de igualdade e que a as taxas a cobrar pelos direitos de passagem devem observar os princípios referidos na directiva quadro. Mas não se prevê em nenhum artigo que o pagamento da TMDP isente as empresas do pagamento de outras taxas municipais, de entre estas, do pagamento das taxas pela ocupação do domínio público e privado municipal (n.°s 1 e 3 do art. 106° da Lei n.º 5/2004). E. Ademais, coloca-se em causa a própria natureza da TMDP, qualificada de “taxa”, mas que se afigura um verdadeiro imposto, sendo irrelevante tal designação, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 08/11/2006, proferido no Recurso n.º 0648/06. Na verdade, a TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas, para todos os clientes finais e tal montante será depois cobrado ao cliente na factura mensal, sendo entregue voluntariamente pelas empresas abrangidas (n.º 3 do art. 106° da mesma lei e art. 3° do Regulamento) F. É entendimento da recorrente, suportado na doutrina e na jurisprudência recentes quanto à distinção entre taxa e imposto que: As taxas assumem três formas principais: Uma resultante de uma concreta relação com um serviço público; Outra de utilização de um bem do domínio público; Uma terceira de remoção, por acto administrativo, de obstáculos jurídicos a um comportamento dos particulares — cfr. art. 4° n.° 2 da LGT. Essencialmente, a taxa distingue-se do imposto pela bilateralidade ou unilateralidade do tributo, respectivamente: aquela, ao contrário deste, supõe a existência de correspectividade entre duas prestações; a primeira a pagar pelo utente do serviço e a deste, a prestar pelo Estado ou outra entidade pública.”- Vejam-se os acórdãos do STA de 30/04/2008, Recurso n.º 206/2008, www.dgsi.pt e o Ac. do TCA Norte de 28/01/2010, no processo n.º 00896/06.2BEBRG, 2ª Secção do Contencioso Tributário, A taxa é uma prestação tributária que pressupõe ou dá origem a uma contraprestação específica, resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e o ente público — Cfr. António Luciano de Sousa Franco, Finanças Públicas, págs. 63-64. G. Partindo desta distinção e se a denominada “taxa” é a contrapartida da utilização de um bem de domínio público, questiona-se porque motivo são os clientes finais dos serviços das operadoras de telecomunicações os sujeitos passivos, quando são as operadoras de telecomunicações quem efectivamente utiliza o bem do domínio público; Contrariamente ao defendido na sentença, para quem efectivamente suporta a TMDP não existe contrapartida, o que conflitua com a natureza bilateral ou sinalagmática da taxa, que implica uma contraprestação que não existe, não sendo materialmente legítima. H. Assim, relativamente à TMDP, independentemente da designação dada pelo legislador, falhando o carácter bilateral, inexistindo relação concreta entre o particular e o Município, sendo o seu universo independente de qualquer “medição” da ocupação e afastando-se claramente do regime previsto na Lei das Taxas das Autarquias Locais, sem possibilidade de qualquer controlo ou cobrança coerciva pelos Municípios ou pela entidade reguladora (ICP-ANACOM), entende-se que estão em causa verdadeiros tributos com natureza de impostos que revertem para os Municípios, com todas as características de “prestação coactiva, pecuniária, unilateral, estabelecida pela lei a favor do Estado ou de outro ente público, sem carácter de sanção, com vista à cobertura das despesas públicas e ainda tendo em conta objectivos de ordem económica e social”. I. Se a TMDP fosse imputada às operadoras, estaria preenchido o conceito de taxa e, aí sim, poderíamos entender que a TMDP e a taxa de ocupação poderiam ter o mesmo âmbito, conforme defendido na sentença recorrida. No entanto tal não se verifica no caso concreto, não podendo a recorrente conformar-se com a interpretação levada a efeito na sentença. J. Poderia também entender-se que a contraprestação na TMDP consiste na utilização, pelos clientes finais, dos equipamentos fornecidos pela operadora, equipamentos estes que possibilitam aos mesmos consumir o serviço de comunicação electrónica que lhes é prestado pela operadora através da utilização dos recursos instalados no domínio público, já se verificando o sinalagma. Mas nessa linha a TMDP e a taxa de ocupação não teriam o mesmo âmbito, não se verificando dupla tributação, nem sendo ilegais as liquidações promovidas pelo Município. L. A douta sentença ignorou a posição do ICP-ANACOM e não considerou os documentos juntos aos autos, mesmo depois de ter sido o tribunal a solicitar novos esclarecimentos, que respondeu mantendo a posição relativamente ao assunto, que se transcreve “(...) a lei não revogou expressamente outras taxas que eventualmente os Municípios tivessem em vigor para os mesmos efeitos (as chamadas taxas de ocupação)” - Doc. n.° 1, junto com a contestação, constante de fls. 41 e 42 do Autos)-, verificando-se também aqui em nosso entender, omissão de pronúncia. Com efeito, a citada Directiva 2002121/CE veio atribuir relevo às autoridades reguladoras nacionais (vide artigo 3°), prevendo um vasto conjunto de funções (artigo 8° e seguintes) de regulação, supervisão, fiscalização e sancionamento no âmbito das redes e serviços de comunicações electrónicas, bem como dos recursos e serviços conexos. E ao Instituto de Comunicações de Portugal - Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM), que estão acometidas tais funções. E o Município sempre pautou a sua actuação em conformidade com os esclarecimentos obtidos, dado que, pelas funções que desempenha, esta seria a única entidade que poderia pronunciar-se sobre a matéria e colaborar para o esclarecimento das dúvidas suscitadas pelo Município. M. Se a alínea b) do art. 20°, da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (cujo artigo 1° n.° 1 aprovou o Orçamento do Estado para 2005), veio clarificar que: “Durante o ano de 2005, fica o Governo autorizado a legislar, alterando o art. 19.° da Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto, no sentido de ampliar as taxas que os municípios podem cobrar, alargando-as às seguintes situações: (...) b) Ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal e aproveitamento dos bens de utilidade pública, designadamente por empresas e entidades nos domínios das comunicações e distribuição de gás”. Não se vislumbra qual o sentido da ampliação da possibilidade de cobrança de taxas pelos municípios se a Lei n.° 5/2004, de 10/02 e o invocado artigo n.° 106° da LCE são anteriores a esta alteração da então vigente Lei das Finanças Locais. N. Desde 01/01/2007, com a nova Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15/01) e da Lei n.º 53- E/2006, de 29/12 (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), o regime das taxas passou a estar regulada também expressamente nos artigos 6° e 15° dos diplomas citados, que nem sequer foram referidos na sentença, que não interpretou correctamente os princípios que regem as matérias, tendo-se limitado a resumir a questão controvertida à análise do artigo 106° da LCE; dado que as taxas em causa têm a natureza de taxas; entre muitos outros, vide Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 241/02, de 14/7/03 e 354/2004 e do STA de 17/11/04, in recs. nºs 650/04 e 654/04; de 13/4/05, in rec. n.º 1.339/04 e recentemente de 09/10/2008, in rec. 500/08 e de 10/12/2008, in rec. 735/08) e existe neste âmbito uma contraprestação inequívoca, uni carácter de bilateralidade, em beneficio exclusivo das operadoras de serviços de telecomunicações que beneficiam da ocupação. Refira-se, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 08/11/2006, no Processo 648/06, quanto ao conceito de “contraprestação” que, “... é satisfeita a necessidade individual da recorrente, enquanto entidade organizada com vista à exploração de um ramo de negócio. Por isto, o tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessas ocupações e utilização em benefício da recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás. O que vale por dizer que se trata de uma taxa, e não de um imposto”. O. A articulação da LCE com a legislação em vigor em matéria de poderes, atribuições e competências dos Municípios, Lei das Finanças Locais e Lei das Taxas das Autarquias Locais e respectivas referências e princípios constitucionais, não é sequer abordada na sentença e conduza diversa interpretação da levada a efeito no douto aresto: As estradas municipais pertencem ao domínio público municipal (cfr art. 84° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n.º 2110, de 19/08/1961, com as sucessivas alterações, artigos 13° n.º 1 al. a) e 18° da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais). No âmbito dos direitos de gestão desse domínio cabe, nomeadamente, o poder de cobrar valores pelo uso especial ou uso privativo da coisa pública municipal, calculado em função da ocupação concreta (extensão e volume da ocupação), sendo certo que a A….., além das condutas em subsolo, ocupa o domínio público municipal (solo) com postes, armários e outros elementos, com carácter de permanência e em regime de exclusividade, tendo a sentença considerado legais todas as taxas cobradas, sem qualquer distinção! P. O princípio geral é o da onerosidade da ocupação do domínio público municipal, conjugado com o princípio da autonomia financeira dos municípios, consagrado no artigo 238° n.º 1 da CRP, na sua vertente de autonomia patrimonial, que encontra concretização, no princípio de que as receitas das autarquias provenientes da gestão do seu património são receitas autárquicas próprias e obrigatórias (cfr. art.º. 238° n.º 3 da CRP), conforme se pronunciou o Prof. Gomes Canotilho Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, Coimbra, 1993, p. 890 e decorria do art. 19° al. c) da Lei das Finanças Locais e do artigo 4°, n.º 2 da Lei Geral Tributária e, desde 01/01/07, com a nova Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15/01), passou a estar regulada expressamente na al. d) n.º 2 do art. 3° (autonomia financeira) e 15° (possibilidade de criação de taxas). Assim, nem por via de lei, nem por Decreto-Lei autorizado, poderia o Estado isentar estas empresas das taxas municipais devidas, ou restringir o seu âmbito à TMDP (clientes), sob pena de violação clara e grave do princípio constitucional da autonomia financeira das autarquias locais e do principio de que as receitas provenientes da gestão do património autárquico são receitas autárquicas obrigatórias, Q. A interpretação levada a efeito no douto aresto, no sentido que a aplicação de taxas municipais é incompatível” com a TMDP, havendo o mesmo âmbito, encontra outros obstáculos inultrapassáveis quando articulada com a Lei das Finanças Locais e Lei das Taxas das Autarquias Locais, dado que o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais prevê na noção de taxa a referência à utilidade gerada pelo aproveitamento de bens do domínio público e da al. c), do n.º 1 do art. 6°, referente à incidência objectiva (art. 3°). Conforme se retira do Ac. do TCA Norte de 28/01/2010, no processo n.°00896/06.2BEBRG, 2 Secção do Contencioso Tributário: “III O que justifica a exigência da taxa não é o uso de interesse público do subsolo, mas o de interesse privado que, concomitantemente, a Recorrente dele retira. O que faz com que a taxa, ao ser igual para todos os que ocupam o subsolo, sejam ou não concessionários de serviços públicos, não ofenda o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade”. Portanto, a tónica aqui será a do interesse privado que, concomitantemente, as empresas de telecomunicações dele retiram. E a entender-se o contrário, também por aqui o princípio da autonomia do poder local sairia inevitável e injustificadamente ferido, por via de norma que não poderia deixar de ter-se por inconstitucional nessa interpretação concreta. R. Não houve qualquer reafectação de bens de domínio público municipal ao estatal. Assim, o subsolo em causa mantém-se no domínio público do Município de Aveiro, “o qual, nos termos da lei não podendo evitar o seu uso para a instalação e funcionamento das estruturas a instalar pela recorrente, não ficou, ao contrário do que esta pretende, privado «dos poderes de administração das porções do solo e/ou subsolo da via pública necessárias à instalação da rede de gás))” (Acórdão do STA, de 08-11-2006, no âmbito do Processo 648/06, disponível no sítio www.dgsi.pt, Pelo contrário: continua a ser encargo dos Municípios a gestão, manutenção e conservação do domínio e vias públicas municipais mesmo em matéria de telecomunicações, o que não é salvaguardado ou custeado de mais nenhuma forma, nem foi previsto na LCE. Além do mais, já é concedida pelos Município a dispensa de licenciamento ou autorização para a execução de todas as obras, que também estariam sujeitas a licenciamento! comunicação prévia, nos termos do Decreto-Lei n.º 555/99, com as alterações subsequentes, com consequente pagamento de mais taxas. Donde se conclui que será razoável que, para assegurarem a boa manutenção, os Municípios continuem a cobrar taxas, em função das áreas ocupadas, à empresas beneficiárias desta ocupação, desde que a fixação das taxas cumpram os princípios comunitários e os estabelecidos no artigo 106° da LCE. E a sentença não considerou provado que as taxas concretamente aplicadas violem os princípios da justificação, transparência, não discriminação e proporcionalidade a que se refere o art. 13.° da Directiva n.° 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7-3-2002 de Março de 2002, sendo omissa quanto a esta matéria; S. Reitera-se que no âmbito das telecomunicações estas taxas não configuram a TMDP, dado que as taxas pelo uso especial ou uso privativo da coisa pública são as únicas taxas imputadas aos operadores/empresas de telecomunicações; são as únicas calculadas por referência a um determinado pedido de ocupação e em função da ocupação concreta (extensão e volume da ocupação) e implicam, como é óbvio, exclusividade para a empresa que beneficia da ocupação, o que se traduz necessariamente numa vantagem, logo contrapartida, que, pela sua natureza, se afiguram verdadeiras taxas, logo não se verifica o mesmo âmbito contrariamente ao defendido na sentença recorrida. T. Com o DL n.º 123/2009, em 22/05/2009, referente às taxas municipais dos direitos de passagem das infra-estruturas de Redes de Nova Geração (RNG) a questão foi clarificada. No entanto, entende-se que não é aplicável este novo enquadramento legal, porque se tratam de taxas referentes a 2007, anteriores à entrada em vigor do diploma, sendo certo que a clarificação apenas poderá operar para o futuro e do diploma não consta norma sobre a sua aplicação retroactiva, com as legais consequências. Por estes motivos e pelos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se o acto impugnado, assim se fixando a mais sábia jurisprudência, como é apanágio desse Douto Tribunal.
1. A Impugnante “B……, SA” dedica-se à distribuição de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma; 2. A prossecução da sua actividade implica que a Impugnante possua equipamentos e redes de distribuição por cabo na área geográfica do Município de Aveiro; 3. A Impugnante é titular de licenças para a Ocupação da Via Pública com construções ou instalações no solo em diversos pontos da cidade de Aveiro, emitidas pela Câmara Municipal de Aveiro; 4. A Impugnante foi notificada para proceder ao pagamento da Taxa de Ocupação no valor de € 4.631,79 (quatro mil e seiscentos e trinta e um euros e setenta e nove cêntimos) 5. A Impugnante a 27 de Dezembro de 2006, apresentou pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação referido em 4); 6. A impugnante exerceu o seu direito de audição; 7. A impugnante foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referida em 5); 8. Os presentes autos deram entrada a 26 de Maio de 2007.
A sentença anulou o acto de liquidação da taxa que constituía o objecto mediato do processo impugnatório, por considerar, em síntese, que “Os municípios não podem impor a estas entidades (empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas), pelo direito de utilização do domínio público para a implantação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos de redes e serviços de comunicações electrónicas, outras imposições tributária que não seja a Taxa Municipal de Direitos de Passagem”. É contra essa decisão que se insurge a Câmara Municipal de Aveiro, invocando que ela padece de nulidade por falta de fundamentação de direito e por omissão de pronúncia, e que se encontra ferida de erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação da lei.
3.1 DA NULIDADE DA SENTENÇA Na tese da Recorrente, a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, dado que interpretou e resumiu a questão dos autos ao artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas (LCE), omitindo por completo as restantes questões suscitadas e que deveriam ter sido analisadas. Por outro lado, a sentença careceria de fundamentação de direito, dado que se limitou a resumir a questão em apreciação ao artigo 106.° da LCE, sem explicitar os preceitos aplicáveis ou as normas em que se apoiou para concluir pela ilegalidade da TOVP por via da aplicação da legislação comunitária. Segundo a Recorrente, “em matéria de direito comunitário, a sentença recorrida limita-se a referir de forma genérica a legislação comunitária subjacente (referência às directivas), sem referir ou explicitar qualquer artigo aplicável ou no qual se suportou para concluir pela ilegalidade da taxa de ocupação por via da aplicação da legislação comunitária, não se encontrando fundamentada”. Para além disso, e não obstante ter julgado que a TMDP é a única taxa passível de cobrança pelos Municípios em matéria de ocupação do domínio público, a sentença não teria analisado em concreto essa taxa. Vejamos. |