Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0281/12
Data do Acordão:06/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:DIREITOS DE PASSAGEM
TAXA MUNICIPAL
OCUPAÇÃO DA VIA PÚBLICA
COMUNICAÇÕES ELECTRONICAS
DUPLA TRIBUTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
Sumário:I - Para além da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista no artigo 106.º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas) não podem ser cobradas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público quaisquer outras taxas pela instalação de sistemas e equipamentos em terreno do domínio público municipal e que tenham como contrapartida a utilização desse terreno, sob pena de se estar a tributar duplamente a mesma realidade e esta dupla tributação ser inadmissível em matéria de taxas, na medida em que estas constituem, por natureza, a contrapartida pela obtenção de um determinado benefício e não se poder justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício.
II - Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação da Via Pública sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de televisão por cabo.
Nº Convencional:JSTA00067674
Nº do Documento:SA2201206140281
Data de Entrada:03/16/2012
Recorrente:MUNICÍPIO DE AVEIRO
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - TAXAS
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART125 N1
CPC95 ART660 N2 ART668 N1 D ART684-A N1
L 5/2004 DE 20040210 ART5 ART24 ART106
CCIV66 ART8 N3
DL 123/2009 DE 2009/05/21
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 2002/20/CE DE 2002/03/07
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC693/11 DE 2012/05/02; AC STA PROC179/11 DE 2011/06/01; AC STA PROC450/11 DE 2011/06/29
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A CÂMARA MUNICIPAL DE AVEIRO recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença de improcedência da impugnação judicial que a sociedade A……, S.A. deduziu contra o acto expresso de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o acto de liquidação de Taxa de Ocupação da Via Pública efectuada por aquela Câmara Municipal, no valor de € 4.631,79.
Terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões:
A. A Recorrente não se conforma com a interpretação da sentença recorrida, que resumiu a questão dos autos ao artigo 106° da Lei das Comunicações Electrónicas e concluiu que: “Os Município não podem impor a estas entidades, pelo direito de utilização do domínio público para a implementação, passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamento e demais recursos de redes e serviços de comunicações electrónicas, outras imposições tributária que não seja a Taxa Municipal de Direito de Passagem”, entendendo que a mesma incorreu em erro de julgamento, por erro em vários pressupostos legais, verificando-se, por outro lado, omissão completa quanto a questões suscitadas e que deveriam ter sido analisadas, com as legais consequências.

Enquadramento Comunitário:

B. Em matéria de direito comunitário, a sentença recorrida limita-se a referir as directivas, sem explicitar qualquer artigo aplicável ou no qual se suportou para concluir pela ilegalidade da taxa de ocupação por via da aplicação da legislação comunitária, não se encontrando devidamente fundamentada. Na verdade, não se extrai das directivas comunitárias a proibição para os Municípios cobrarem taxas pela ocupação do domínio público municipal ou a violação do direito comunitário pela liquidação das taxas em crise. A indicada Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, estabeleceu um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva-quadro) e apenas prevê sobre o assunto, no seu artigo 11° (direitos de passagem) que se refere aos princípios e garantias. A também citada Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva autorização) prevê no artigo 13°, sob a epigrafe de “Taxas aplicáveis aos direitos de utilização e direitos de instalação de recursos” que: “Os Estados-Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números ou direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflictam a necessidade de garantir a utilização óptima desses recursos”. E apenas dispõe o mesmo artigo que é necessário garantir que “tais taxas sejam objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam e terão em conta os objectivos do artigo 8° da Directiva 2002/21/CE”.

C. Do exposto decorre que caberia ao legislador de cada estado membro a definição e organização das taxas a aplicar em matéria de utilização e direitos de instalação de recursos, como garantia dos princípios indicados, sendo irrelevantes, em nosso entender, os objectivos gerais enunciados na sentença em matéria de telecomunicações (abertura do mercado e redução de preços entre outros), que não fundamentam em matéria de direito a decisão, com as consequências legais previstas na al. b) do n.° 1 do artigo 668° do CPC.

Enquadramento legislativo e caracterização da TMDP: Imposto (?)

D. Entendeu o tribunal a quo que a TMDP é a única taxa passível de cobrança pelos Municípios em matéria de ocupação do domínio público, sem analisar em concreto no que se traduz esta designada “taxa”, sendo, em nosso entender, insuficiente a fundamentação da sentença quanto a esta matéria. O legislador português, quando transpôs para o ordenamento jurídico português as Directivas através da Lei n.º 5/2004 criou o artigo 106° da Lei n.º 5/2004 (Lei das Comunicações electrónicas ou LCE) e decorre da Lei das Comunicações Electrónicas a possibilidade de utilização do domínio público em condições de igualdade e que a as taxas a cobrar pelos direitos de passagem devem observar os princípios referidos na directiva quadro. Mas não se prevê em nenhum artigo que o pagamento da TMDP isente as empresas do pagamento de outras taxas municipais, de entre estas, do pagamento das taxas pela ocupação do domínio público e privado municipal (n.°s 1 e 3 do art. 106° da Lei n.º 5/2004).

E. Ademais, coloca-se em causa a própria natureza da TMDP, qualificada de “taxa”, mas que se afigura um verdadeiro imposto, sendo irrelevante tal designação, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 08/11/2006, proferido no Recurso n.º 0648/06. Na verdade, a TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas, para todos os clientes finais e tal montante será depois cobrado ao cliente na factura mensal, sendo entregue voluntariamente pelas empresas abrangidas (n.º 3 do art. 106° da mesma lei e art. 3° do Regulamento)

F. É entendimento da recorrente, suportado na doutrina e na jurisprudência recentes quanto à distinção entre taxa e imposto que: As taxas assumem três formas principais: Uma resultante de uma concreta relação com um serviço público; Outra de utilização de um bem do domínio público; Uma terceira de remoção, por acto administrativo, de obstáculos jurídicos a um comportamento dos particulares — cfr. art. 4° n.° 2 da LGT. Essencialmente, a taxa distingue-se do imposto pela bilateralidade ou unilateralidade do tributo, respectivamente: aquela, ao contrário deste, supõe a existência de correspectividade entre duas prestações; a primeira a pagar pelo utente do serviço e a deste, a prestar pelo Estado ou outra entidade pública.”- Vejam-se os acórdãos do STA de 30/04/2008, Recurso n.º 206/2008, www.dgsi.pt e o Ac. do TCA Norte de 28/01/2010, no processo n.º 00896/06.2BEBRG, 2ª Secção do Contencioso Tributário, A taxa é uma prestação tributária que pressupõe ou dá origem a uma contraprestação específica, resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e o ente público — Cfr. António Luciano de Sousa Franco, Finanças Públicas, págs. 63-64.

G. Partindo desta distinção e se a denominada “taxa” é a contrapartida da utilização de um bem de domínio público, questiona-se porque motivo são os clientes finais dos serviços das operadoras de telecomunicações os sujeitos passivos, quando são as operadoras de telecomunicações quem efectivamente utiliza o bem do domínio público; Contrariamente ao defendido na sentença, para quem efectivamente suporta a TMDP não existe contrapartida, o que conflitua com a natureza bilateral ou sinalagmática da taxa, que implica uma contraprestação que não existe, não sendo materialmente legítima.

H. Assim, relativamente à TMDP, independentemente da designação dada pelo legislador, falhando o carácter bilateral, inexistindo relação concreta entre o particular e o Município, sendo o seu universo independente de qualquer “medição” da ocupação e afastando-se claramente do regime previsto na Lei das Taxas das Autarquias Locais, sem possibilidade de qualquer controlo ou cobrança coerciva pelos Municípios ou pela entidade reguladora (ICP-ANACOM), entende-se que estão em causa verdadeiros tributos com natureza de impostos que revertem para os Municípios, com todas as características de “prestação coactiva, pecuniária, unilateral, estabelecida pela lei a favor do Estado ou de outro ente público, sem carácter de sanção, com vista à cobertura das despesas públicas e ainda tendo em conta objectivos de ordem económica e social”.

I. Se a TMDP fosse imputada às operadoras, estaria preenchido o conceito de taxa e, aí sim, poderíamos entender que a TMDP e a taxa de ocupação poderiam ter o mesmo âmbito, conforme defendido na sentença recorrida. No entanto tal não se verifica no caso concreto, não podendo a recorrente conformar-se com a interpretação levada a efeito na sentença.

J. Poderia também entender-se que a contraprestação na TMDP consiste na utilização, pelos clientes finais, dos equipamentos fornecidos pela operadora, equipamentos estes que possibilitam aos mesmos consumir o serviço de comunicação electrónica que lhes é prestado pela operadora através da utilização dos recursos instalados no domínio público, já se verificando o sinalagma. Mas nessa linha a TMDP e a taxa de ocupação não teriam o mesmo âmbito, não se verificando dupla tributação, nem sendo ilegais as liquidações promovidas pelo Município.

L. A douta sentença ignorou a posição do ICP-ANACOM e não considerou os documentos juntos aos autos, mesmo depois de ter sido o tribunal a solicitar novos esclarecimentos, que respondeu mantendo a posição relativamente ao assunto, que se transcreve “(...) a lei não revogou expressamente outras taxas que eventualmente os Municípios tivessem em vigor para os mesmos efeitos (as chamadas taxas de ocupação)” - Doc. n.° 1, junto com a contestação, constante de fls. 41 e 42 do Autos)-, verificando-se também aqui em nosso entender, omissão de pronúncia. Com efeito, a citada Directiva 2002121/CE veio atribuir relevo às autoridades reguladoras nacionais (vide artigo 3°), prevendo um vasto conjunto de funções (artigo 8° e seguintes) de regulação, supervisão, fiscalização e sancionamento no âmbito das redes e serviços de comunicações electrónicas, bem como dos recursos e serviços conexos. E ao Instituto de Comunicações de Portugal - Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM), que estão acometidas tais funções. E o Município sempre pautou a sua actuação em conformidade com os esclarecimentos obtidos, dado que, pelas funções que desempenha, esta seria a única entidade que poderia pronunciar-se sobre a matéria e colaborar para o esclarecimento das dúvidas suscitadas pelo Município.

M. Se a alínea b) do art. 20°, da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (cujo artigo 1° n.° 1 aprovou o Orçamento do Estado para 2005), veio clarificar que: “Durante o ano de 2005, fica o Governo autorizado a legislar, alterando o art. 19.° da Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto, no sentido de ampliar as taxas que os municípios podem cobrar, alargando-as às seguintes situações: (...) b) Ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal e aproveitamento dos bens de utilidade pública, designadamente por empresas e entidades nos domínios das comunicações e distribuição de gás”. Não se vislumbra qual o sentido da ampliação da possibilidade de cobrança de taxas pelos municípios se a Lei n.° 5/2004, de 10/02 e o invocado artigo n.° 106° da LCE são anteriores a esta alteração da então vigente Lei das Finanças Locais.

N. Desde 01/01/2007, com a nova Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15/01) e da Lei n.º 53- E/2006, de 29/12 (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), o regime das taxas passou a estar regulada também expressamente nos artigos 6° e 15° dos diplomas citados, que nem sequer foram referidos na sentença, que não interpretou correctamente os princípios que regem as matérias, tendo-se limitado a resumir a questão controvertida à análise do artigo 106° da LCE; dado que as taxas em causa têm a natureza de taxas; entre muitos outros, vide Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 241/02, de 14/7/03 e 354/2004 e do STA de 17/11/04, in recs. nºs 650/04 e 654/04; de 13/4/05, in rec. n.º 1.339/04 e recentemente de 09/10/2008, in rec. 500/08 e de 10/12/2008, in rec. 735/08) e existe neste âmbito uma contraprestação inequívoca, uni carácter de bilateralidade, em beneficio exclusivo das operadoras de serviços de telecomunicações que beneficiam da ocupação. Refira-se, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 08/11/2006, no Processo 648/06, quanto ao conceito de “contraprestação” que, “... é satisfeita a necessidade individual da recorrente, enquanto entidade organizada com vista à exploração de um ramo de negócio. Por isto, o tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessas ocupações e utilização em benefício da recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás. O que vale por dizer que se trata de uma taxa, e não de um imposto”.

O. A articulação da LCE com a legislação em vigor em matéria de poderes, atribuições e competências dos Municípios, Lei das Finanças Locais e Lei das Taxas das Autarquias Locais e respectivas referências e princípios constitucionais, não é sequer abordada na sentença e conduza diversa interpretação da levada a efeito no douto aresto: As estradas municipais pertencem ao domínio público municipal (cfr art. 84° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n.º 2110, de 19/08/1961, com as sucessivas alterações, artigos 13° n.º 1 al. a) e 18° da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais). No âmbito dos direitos de gestão desse domínio cabe, nomeadamente, o poder de cobrar valores pelo uso especial ou uso privativo da coisa pública municipal, calculado em função da ocupação concreta (extensão e volume da ocupação), sendo certo que a A….., além das condutas em subsolo, ocupa o domínio público municipal (solo) com postes, armários e outros elementos, com carácter de permanência e em regime de exclusividade, tendo a sentença considerado legais todas as taxas cobradas, sem qualquer distinção!

P. O princípio geral é o da onerosidade da ocupação do domínio público municipal, conjugado com o princípio da autonomia financeira dos municípios, consagrado no artigo 238° n.º 1 da CRP, na sua vertente de autonomia patrimonial, que encontra concretização, no princípio de que as receitas das autarquias provenientes da gestão do seu património são receitas autárquicas próprias e obrigatórias (cfr. art.º. 238° n.º 3 da CRP), conforme se pronunciou o Prof. Gomes Canotilho Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, Coimbra, 1993, p. 890 e decorria do art. 19° al. c) da Lei das Finanças Locais e do artigo 4°, n.º 2 da Lei Geral Tributária e, desde 01/01/07, com a nova Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15/01), passou a estar regulada expressamente na al. d) n.º 2 do art. 3° (autonomia financeira) e 15° (possibilidade de criação de taxas). Assim, nem por via de lei, nem por Decreto-Lei autorizado, poderia o Estado isentar estas empresas das taxas municipais devidas, ou restringir o seu âmbito à TMDP (clientes), sob pena de violação clara e grave do princípio constitucional da autonomia financeira das autarquias locais e do principio de que as receitas provenientes da gestão do património autárquico são receitas autárquicas obrigatórias,

Q. A interpretação levada a efeito no douto aresto, no sentido que a aplicação de taxas municipais é incompatível” com a TMDP, havendo o mesmo âmbito, encontra outros obstáculos inultrapassáveis quando articulada com a Lei das Finanças Locais e Lei das Taxas das Autarquias Locais, dado que o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais prevê na noção de taxa a referência à utilidade gerada pelo aproveitamento de bens do domínio público e da al. c), do n.º 1 do art. 6°, referente à incidência objectiva (art. 3°). Conforme se retira do Ac. do TCA Norte de 28/01/2010, no processo n.°00896/06.2BEBRG, 2 Secção do Contencioso Tributário: “III O que justifica a exigência da taxa não é o uso de interesse público do subsolo, mas o de interesse privado que, concomitantemente, a Recorrente dele retira. O que faz com que a taxa, ao ser igual para todos os que ocupam o subsolo, sejam ou não concessionários de serviços públicos, não ofenda o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade”. Portanto, a tónica aqui será a do interesse privado que, concomitantemente, as empresas de telecomunicações dele retiram. E a entender-se o contrário, também por aqui o princípio da autonomia do poder local sairia inevitável e injustificadamente ferido, por via de norma que não poderia deixar de ter-se por inconstitucional nessa interpretação concreta.

R. Não houve qualquer reafectação de bens de domínio público municipal ao estatal. Assim, o subsolo em causa mantém-se no domínio público do Município de Aveiro, “o qual, nos termos da lei não podendo evitar o seu uso para a instalação e funcionamento das estruturas a instalar pela recorrente, não ficou, ao contrário do que esta pretende, privado «dos poderes de administração das porções do solo e/ou subsolo da via pública necessárias à instalação da rede de gás))” (Acórdão do STA, de 08-11-2006, no âmbito do Processo 648/06, disponível no sítio www.dgsi.pt, Pelo contrário: continua a ser encargo dos Municípios a gestão, manutenção e conservação do domínio e vias públicas municipais mesmo em matéria de telecomunicações, o que não é salvaguardado ou custeado de mais nenhuma forma, nem foi previsto na LCE. Além do mais, já é concedida pelos Município a dispensa de licenciamento ou autorização para a execução de todas as obras, que também estariam sujeitas a licenciamento! comunicação prévia, nos termos do Decreto-Lei n.º 555/99, com as alterações subsequentes, com consequente pagamento de mais taxas. Donde se conclui que será razoável que, para assegurarem a boa manutenção, os Municípios continuem a cobrar taxas, em função das áreas ocupadas, à empresas beneficiárias desta ocupação, desde que a fixação das taxas cumpram os princípios comunitários e os estabelecidos no artigo 106° da LCE. E a sentença não considerou provado que as taxas concretamente aplicadas violem os princípios da justificação, transparência, não discriminação e proporcionalidade a que se refere o art. 13.° da Directiva n.° 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7-3-2002 de Março de 2002, sendo omissa quanto a esta matéria;

S. Reitera-se que no âmbito das telecomunicações estas taxas não configuram a TMDP, dado que as taxas pelo uso especial ou uso privativo da coisa pública são as únicas taxas imputadas aos operadores/empresas de telecomunicações; são as únicas calculadas por referência a um determinado pedido de ocupação e em função da ocupação concreta (extensão e volume da ocupação) e implicam, como é óbvio, exclusividade para a empresa que beneficia da ocupação, o que se traduz necessariamente numa vantagem, logo contrapartida, que, pela sua natureza, se afiguram verdadeiras taxas, logo não se verifica o mesmo âmbito contrariamente ao defendido na sentença recorrida.

T. Com o DL n.º 123/2009, em 22/05/2009, referente às taxas municipais dos direitos de passagem das infra-estruturas de Redes de Nova Geração (RNG) a questão foi clarificada. No entanto, entende-se que não é aplicável este novo enquadramento legal, porque se tratam de taxas referentes a 2007, anteriores à entrada em vigor do diploma, sendo certo que a clarificação apenas poderá operar para o futuro e do diploma não consta norma sobre a sua aplicação retroactiva, com as legais consequências.

Por estes motivos e pelos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se o acto impugnado, assim se fixando a mais sábia jurisprudência, como é apanágio desse Douto Tribunal.


1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações para sustentar a correcção do julgado e requerer, para o caso de tal se vir a mostrar necessário perante uma eventual procedência do recurso, a ampliação do objecto do recurso para apreciação dos fundamentos que não foram conhecidos em 1ª instância face à solução dada à causa.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo não emitiu parecer.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

1. A Impugnante “B……, SA” dedica-se à distribuição de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma;

2. A prossecução da sua actividade implica que a Impugnante possua equipamentos e redes de distribuição por cabo na área geográfica do Município de Aveiro;

3. A Impugnante é titular de licenças para a Ocupação da Via Pública com construções ou instalações no solo em diversos pontos da cidade de Aveiro, emitidas pela Câmara Municipal de Aveiro;

4. A Impugnante foi notificada para proceder ao pagamento da Taxa de Ocupação no valor de € 4.631,79 (quatro mil e seiscentos e trinta e um euros e setenta e nove cêntimos)

5. A Impugnante a 27 de Dezembro de 2006, apresentou pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação referido em 4);

6. A impugnante exerceu o seu direito de audição;

7. A impugnante foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referida em 5);

8. Os presentes autos deram entrada a 26 de Maio de 2007.


3. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentara contra o acto de liquidação de Taxa de Ocupação da Via Pública praticado pela ora Recorrente com referência ao ano de 2006, no valor total de € 4.631,70.

A sentença anulou o acto de liquidação da taxa que constituía o objecto mediato do processo impugnatório, por considerar, em síntese, que “Os municípios não podem impor a estas entidades (empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas), pelo direito de utilização do domínio público para a implantação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos de redes e serviços de comunicações electrónicas, outras imposições tributária que não seja a Taxa Municipal de Direitos de Passagem”.

É contra essa decisão que se insurge a Câmara Municipal de Aveiro, invocando que ela padece de nulidade por falta de fundamentação de direito e por omissão de pronúncia, e que se encontra ferida de erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação da lei.

3.1 DA NULIDADE DA SENTENÇA

Na tese da Recorrente, a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, dado que interpretou e resumiu a questão dos autos ao artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas (LCE), omitindo por completo as restantes questões suscitadas e que deveriam ter sido analisadas. Por outro lado, a sentença careceria de fundamentação de direito, dado que se limitou a resumir a questão em apreciação ao artigo 106.° da LCE, sem explicitar os preceitos aplicáveis ou as normas em que se apoiou para concluir pela ilegalidade da TOVP por via da aplicação da legislação comunitária. Segundo a Recorrente, “em matéria de direito comunitário, a sentença recorrida limita-se a referir de forma genérica a legislação comunitária subjacente (referência às directivas), sem referir ou explicitar qualquer artigo aplicável ou no qual se suportou para concluir pela ilegalidade da taxa de ocupação por via da aplicação da legislação comunitária, não se encontrando fundamentada”. Para além disso, e não obstante ter julgado que a TMDP é a única taxa passível de cobrança pelos Municípios em matéria de ocupação do domínio público, a sentença não teria analisado em concreto essa taxa.

Vejamos.
3.1.1. Da omissão de pronúncia
Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em consonância, aliás, com o disposto no artigo 668.º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Porém, como tem sido reiteradamente explicado pela doutrina e pela jurisprudência, esta nulidade só se verifica quando o Tribunal omite a resolução das questões cuja solução lhe é pedida pelas partes, e não quando deixa de apreciar argumentos, raciocínios, razões, considerações, fundamentos ou outros elementos aduzidos pelas partes, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença os pleiteantes. Isto é, o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação», não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, tal como não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos. O tribunal, quando fundamenta uma decisão, só tem de dizer porque julga que assim é; não tem de dizer porque não julga de outro modo.
E, assim sendo, também não haverá omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar ou aprecia mal quaisquer elementos que lhe sejam carreados para fundamentar a decisão, quando ignora ou deixa de valorar determinar prova ou quando deixe de considerar como provados determinados factos, casos em que apenas poderá haver erro de julgamento.
No caso vertente, a invocada omissão de pronúncia respeitaria a matéria invocada pela entidade liquidadora – Câmara Municipal de Aveiro – de articulação da Lei das Comunicações Electrónicas com a legislação em matéria de poderes, atribuições e competências dos Municípios, com a Lei das Finanças Locais e com a Lei das Taxas das Autarquias Locais e respectivas referências a princípios constitucionais – [alínea O) das conclusões], bem como à apreciação da posição do ICP-ANACOM e consideração de documentos juntos – [alínea L) das conclusões].
Todavia, como se disse, não obstante incumbir ao julgador a obrigação de apreciar e resolver as questões submetidas à sua apreciação, ele não está obrigado a analisar todos os argumentos que a parte contrária sustentou na defesa da legalidade do acto sindicado e da improcedência da impugnação. O que ele tem de apreciar são os vícios que a impugnante imputou ao acto, e não os elementos discursivos emitidos pela entidade liquidadora para demonstrar a sua legalidade. É certo que a falta de ponderação desse discurso argumentativo pode afectar a convincência da decisão e conduzir, até, a um errado julgamento da questão colocada pela Impugnante, mas tal não é susceptível de afectar a validade formal da decisão.
Neste contexto, visto que a questão suscitada na impugnação consistia, além do mais, na ilegalidade da liquidação da TOVP por virtude de a criação da TMDP ter revogado tacitamente as disposições que permitiam aos Municípios cobrar aquelas taxas de ocupação da via pública, e visto que o Mmº Juiz apreciou essa questão, julgando que «Os Municípios não podem impor a estas entidades, pelo direito de utilização do domínio público para a implementação, passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamento e demais recursos de redes e serviços de comunicações electrónicas, outras imposições tributária que não seja a Taxa Municipal de Direito de Passagem», concluindo, assim, pela ilegalidade da liquidação por violação do artigo 106.º, nº 1, da LCE, e desse modo afastando a argumentação apresentada pela entidade liquidadora, não se pode dar por verificada a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

3.1.2. Da falta de fundamentação
Segundo o disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no análogo artigo 668.º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Como é sabido e constitui jurisprudência assente, esta nulidade só opera quando haja total omissão dos fundamentos, de facto ou de direito, em que assenta a decisão, isto é, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão. Como explicava já o Prof. ALBERTO DOS REIS, no “Código de Processo Civil Anotado”, e tem sido entendido de forma pacífica e uniforme pela doutrina e pela jurisprudência, a falta de fundamentação prevista no preceito é a falta absoluta, dela se subtraindo as situações de fundamentação insuficiente ou errada, quer a nível factual, quer jurídico. «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.º do art. 668.º» - obra citada, vol. V, pág. 140.
No caso vertente, a sentença contém a motivação factual e jurídica que levou o tribunal a julgar verificada a ilegalidade assacada ao acto de liquidação, e que consiste na invocação do regime introduzido pela LCE, aprovado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mais concretamente, nos artigos 5.º, 24.° e 106.° deste Diploma Legal, com expressa referências às Directivas nºs 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE, 2002/22/CE e 2002/77/CE e aos objectivos e princípios subjacentes as estas Directivas, cuja transposição a LCE visou garantir. Além de que contém, na sua fundamentação jurídica, os princípios interpretativos que norteiam o ordenamento jurídico nacional, com referência expressa ao artigo 9°, n.º 3 do Código Civil.
Assim, e independentemente da questão de saber se essa fundamentação é ou não convincente e se está certa ou errada (questão que se situa já no domínio da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não pode dizer-se que ocorre a invocada nulidade.

3.1.3. DO ERRO DE JULGAMENTO
A questão que se coloca neste recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar ilegal a liquidação da Taxa de Ocupação da Via Pública efectuada pela Câmara Municipal de Aveiro e que tem como facto gerador a instalação, pela Impugnante, de equipamento subterrâneo em terreno do domínio público municipal para construção da rede de TV por cabo, tendo em conta o direito comunitário, o regime jurídico da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro) e a criação da Taxa Municipal de Direito de Passagem para as empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações pelo direito de instalação dos seus recursos e equipamentos no domínio público e privado municipal.
Sobre a questão pronunciou-se já por diversas vezes esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos acórdãos proferidos em 6/10/2010, em 30/11/2010, em 12/01/2012, em 29/06/2011, em 1/06/2011 e em 2/05/2012, nos recursos nºs 363/10, 513/10, 751/10, 450/11, 179/11 e 693/11, respectivamente, sustentando, em todos eles, idêntica posição doutrinária e que igualmente sufragamos face à sua proficiente fundamentação e à qual nada se nos oferece acrescentar.
Razão por que nos limitaremos a transcrever o que ali foi dito, tendo, aliás, em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.
Neste último aresto, proferido no recurso nº 693/11, decidiu-se que não merecia censura a decisão que julgara ilegal e anulara a liquidação da TOVP por sobreposição de normas de incidência, com a seguinte motivação:
«(...) dispõe o art. 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro) o seguinte:
«1 - As taxas pelos direitos de passagem devem reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima dos recursos e ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo, ainda, ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5.º.
2 - Os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (TMDP), a qual obedece aos seguintes princípios:
a) A TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município;
b) O percentual referido na alínea anterior é aprovado anualmente por cada município até ao fim do mês de Dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode ultrapassar os 0,25%;
3 - Nos municípios em que seja cobrada a TMDP, as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo incluem nas facturas dos clientes finais de comunicações electrónicas acessíveis ao público em local fixo, e de forma expressa, o valor da taxa a pagar.
4 - O Estado e as Regiões Autónomas não cobram às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público taxas ou quaisquer outros encargos pela implantação, passagem ou atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos físicos necessários à sua actividade, à superfície ou no subsolo, dos domínios público e privado do Estado e das Regiões Autónomas.
Como se constata do nº 2 do normativo atrás referido, e também do estatuído no artº 24º da Lei 5/2004, a Taxa Municipal de Direitos de Passagem tem como contrapartida o direito de acesso e utilização do domínio público para a implementação, a passagem e o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.
Por outro lado o facto gerador da Taxa de Ocupação da Via Pública liquidada é precisamente a ocupação da via pública com a instalação de a instalação de postos de transferência /cabines eléctricas e tubos e condutas para distribuição de TV por cabo (Vide, com referência ao facto gerador da taxa devida pela ocupação da via pública, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.11.2009, recurso 670/09.), equipamentos esses que se incluem no conceito de «equipamentos e demais recursos das empresas que fornecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público» adoptado no referido nº 2 do artº 106º da Lei 5/2004.
Verifica-se assim a sobreposição de normas de incidência em causa poderá integrar uma situação de dupla tributação.
É certo que a dupla tributação não integra em si mesmo um vício do acto tributário.
Trata-se de situações em que legislativamente se pretendeu que o mesmo facto tributário fosse objecto de incidência de mais do que um tributo (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag.396).
Como sublinha o Prof. JOSÉ CASALTA NOVAIS, DIREITO FISCAL, 2ª edição, pág. 230/231 a dupla tributação “configura uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias”.
Porém, no caso subjudice estão em causa taxas.
Ora, em matéria de taxas devidas pela ocupação de bens de domínio público é de excluir a admissibilidade de dupla tributação, pois sendo aquelas a contrapartida do benefício obtido, não se pode justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício - cf. Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2010, recurso 513/10, in www.dgsi.pt.
Tendo em conta esta realidade e a possibilidade de sobreposição de normas de incidência que visam a tributação do mesmo facto e com idêntica finalidade, parece claro poder concluir-se, até com recurso ao elemento sistemático, que o legislador expressou intenção de obviar a que o acesso e utilização do domínio público para a implementação de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público fosse objecto de incidência de mais do que um tributo.
Isto mesmo foi sublinhado no DL 123/2009 de 21 de Maio, que define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, e em cujo artº 12º do refere expressamente que «pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento».
Sendo que tal intuito do legislador é também patente nos arts. 13º, nº 4 e 34º do mesmo diploma legal e ainda o respectivo preâmbulo, onde expressamente se refere que «no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto».
Pese embora o referido diploma só tenha entrado em vigor em Maio de 2009, será pertinente invocá-lo na apreciação do caso subjudice pois que na análise dos preceitos legais aplicáveis forçoso é recorrer ao subsídio interpretativos do elementos sistemático e também à ratio legis, tendo sempre como presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.
Acresce dizer que esta questão foi já objecto de jurisprudência consolidada deste secção do Supremo Tribunal Administrativo a qual vem decidindo, de forma unânime, que a partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza (...)».

Em suma, para além da TMDP não podem ser cobradas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público quaisquer outras taxas pela instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos em terrenos do domínio público municipal e que tenham como contrapartida a utilização desses terrenos, sob pena de se estar a tributar duplamente a mesma realidade. Dupla tributação que é inadmissível em matéria de taxas, na medida em que elas constituem, por natureza, a contrapartida pela obtenção de um determinado benefício (relação de bilateralidade ou de sinalagmaticidade que caracteriza as taxas) e não se poder justificar um duplo pagamento pelo mesmo benefício.
Uma nota final para dizer que, ao contrário do que sustenta a Recorrente, a Taxa Municipal de Direitos de Passagem não reveste a natureza de imposto, pois como resulta, desde logo, do disposto no artigo 13.° da Directiva n.° 2002/20/CE, de 7 de Março de 2002 “Os Estados-Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os (...) direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflictam a necessidade de garantir a utilização óptima desses recursos”, sendo esses os únicos tributos (taxas) que os Municípios se encontram habilitados a cobrar em contrapartida dos referidos direitos de instalação conforme decorre do considerando (3) da citada directiva autorização E tendo essa Taxa Municipal sido criada pela Lei das Comunicações Electrónicas em concretização das aludidas directivas comunitárias, não podia vingar outra interpretação da que foi adoptada pela sentença recorrida, sob pena de violação do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa e do princípio do primado do direito comunitário sobre o direito interno.
Aliás, o Dec.Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio, que aprovou o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas também veio esclarecer no seu Preâmbulo que “nos termos da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, o direito de utilização do domínio público para a implantação, passagem ou atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos, através de procedimentos transparentes, céleres e não discriminatórios e adequadamente publicitados (...) No que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.° 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto” (sublinhado nosso).
Tanto basta para que a liquidação padeça da ilegalidade que lhe é imputada, não merecendo, por isso, censura a decisão recorrida.

3.1.4. Ampliação do objecto do recurso
Nas suas contra-alegações, a Recorrida pediu a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 684.º-A, nº 1, do CPC, para o caso de tal se mostrar necessário face a uma eventual procedência do recurso, com vista ao conhecimento, por este Tribunal, dos restantes vícios que imputara ao acto impugnado.
Tal pedido está, porém, inexoravelmente prejudicado pelo facto de o recurso não ter alcançado provimento.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 14 de Junho de 2012. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Ascensão LopesPedro Delgado.