Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01106/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:CITAÇÃO PESSOAL
DOMICÍLIO FISCAL
DEVOLUÇÃO DE CARTA REGISTADA
Sumário:I -A presunção estabelecida no nº 5 do artigo 39º do CPPT, relativa à devolução da carta registada com aviso de recepção, não se aplica à citação pessoal.
II - A presunção de presença no domicílio fiscal em que se funda a cominação da inoponibilidade à administração fiscal da alteração do domicílio prevista no nº 2 do artigo 43º do CPPT, não é incindível da presunção de conhecimento do acto de citação.
III - Sendo devolvida a carta registada com aviso de recepção para citação do executado por reversão, com a indicação de “não reclamada”, o órgão de execução deve efectuar as diligências adequadas é efectivação regular da citação pessoal, não podendo presumir que a citação foi efectuada.
IV - A falta de citação prevista no nº 6 do art. 190º do CPPT pressupõe a que a citação se tenha concretizado, embora o seu destinatário, por razões que não são imputáveis, desconheça o conteúdo do acto de citação.
Nº Convencional:JSTA00067913
Nº do Documento:SA22012110701106
Data de Entrada:10/22/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP - SECÇÃO DE PROCESSOS DE AVEIRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - PROC ESPECIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART38 N1 ART192 N3
CPC ART233 ART239.
LGT98 ART19 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0896/09 DE 2009/11/04; AC STA PROC01199/09 DE 2010/01/27
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO VOLIII 6ED PAG365.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. A………, com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, efectuou da decisão da Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Aveiro do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS) que lhe indeferiu a arguição de nulidade decorrente da falta de citação para o processo de execução nº 0101200601271229 e apensos instaurada contra B………, SA, e contra si revertida.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
a) Contrariamente àquele que foi o entendimento vertido na Sentença recorrida, é manifesto que, no caso sub judice, ocorreu uma nulidade insanável por falta de citação do ora Recorrente.
b) Conforme vem mencionado na Sentença recorrida, estando em causa, no caso em apreço, uma situação de efectivação de responsabilidade subsidiária, a Secção de Processo Executivo de Aveiro do "IGFSS, I.P." deveria ter procedido, por imposição legal, à citação pessoal do ora Recorrente (cfr. art. 191° - 3 do CPPT, aplicável ao caso em apreço ex vi do disposto no art. 6° do Decreto-Lei nº 42/2001, de 09 de Fevereiro).
c) Dispõe o art. 192° - 1 do CPPT (aplicável ao caso em apreço ex vi do disposto no art. 6° do Decreto-Lei nº 42/2001, de 09 de Fevereiro) que "as citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil”.
d) Tendo a Secção de Processo Executivo de Aveiro do "IGFSS, I.P." optado, no caso sub judice, pela citação através de entrega ao citando (ora Recorrente) de carta registada com aviso de recepção (cfr. art. 233°-2/b do CPC), as formalidades a que a mesma deveria obedecer estão estabelecidas, designadamente, nas alíneas do art. 236° do mesmo diploma legal.
e) Uma vez que, conforme vem dado como provado na Sentença recorrida, as cartas através das quais foi tentada a citação do ora Recorrente não foram sequer entregues (tendo sido devolvidas à Secção de Processo Executivo de Aveiro do "IGFSS, I.P." após ter sido deixado aviso ao destinatário), deveriam ter sido oficiosamente promovidas as diligências que se mostrassem adequadas à efectivação da regular citação pessoal do ora Recorrente e à rápida remoção das dificuldades que obstassem à realização desse acto, conforme dispõe o art. 234°-1 do CPC.
f) Todavia, tal não veio a suceder, tendo sido violado, dessa forma, o disposto nos arts. 191° - 3 e 192° - 1 do CPPT (aplicáveis ao caso em apreço ex vi do disposto no art. 6° do Decreto-Lei nº 42/2001, de 09 de Fevereiro), e nos arts. 233°, 234°-1 e 236°-5 do CPC.
g) O entendimento que vem vertido na Sentença recorrida, para além de padecer de evidente contradição de termos, está eivado de erros manifestos.
h) Perante a frustração da citação por carta registada com aviso de recepção, deveria a Secção de Processo Executivo de Aveiro do "IGFSS, I.P." ter promovido essa mesma citação através de contacto pessoal de funcionário com o ora Recorrente (cfr. art. 239°-1 do CPC).
i) Se essa citação através de contacto pessoal de funcionário com o ora Recorrente viesse a revelar-se impossível de concretizar em virtude de este se encontrar em parte incerta, a Secção de Processo Executivo de Aveiro do "IGFSS, I.P." deveria então promover a citação edital.
j) Conforme resulta do teor da própria Sentença recorrida, a Secção de Processo Executivo de Aveiro do "IGFSS, I.P." não promoveu nenhuma dessas diligências.
k) Muito embora dê como assente que, nos casos de responsabilidade subsidiária, "a citação será pessoal” e "é feita nos termos do CPC", a Sentença recorrida olvida a obrigatoriedade de realização de todas as supra referidas diligências.
i) Por outro lado, é manifesto que a pretensa falta de comunicação à Segurança Social, por parte do ora Recorrente, da alteração da sua residência, não tem a consequência que lhe é atribuída na Sentença recorrida.
m) Contrariamente ao que sucede relativamente à alteração do domicílio fiscal (em que o não cumprimento da obrigação de participação dessa alteração faz com que não seja oponível à Administração Tributária a não recepção da correspondência enviada para o domicílio fiscal entretanto alterado), não existe qualquer dispositivo legal que, no que respeita à mudança do domicílio "constante da base de dadas da Segurança Social”, preveja a não oponibilidade a esta entidade da não recepção das cartas que para aí sejam eventualmente envidadas.
n) De forma contrária ao que consta na Sentença recorrida, não tinha o ora Recorrente de demonstrar "que não chegou a ter conhecimento do acto por facto que não lhe era imputável”, uma vez que as normas dos arts. 190°- 6 do CPPT e 195°-1/e do CPC não são aplicáveis ao caso em apreço.
o) Essas normas aplicam-se apenas aos casos em que a citação foi efectuada nos termos legalmente previstos, o que manifestamente não sucedeu no caso sub judice.
p) Pelas razões supra expostas, a Sentença recorrida violou as normas dos artigos 191°-3, 192°-1 do CPPT, 233°, 234°-1, 236°-5 e 239°-1 do CPC, as quais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido exposto nas presentes alegações e conclusões.

1.3. Nas contra-alegações, a recorrida conclui o seguinte:

1 - Foi correcto o entendimento vertido na douta sentença ora recorrida, no caso sub judice, não ocorreu nulidade insanável por falta de citação.
2 - Decidiu bem, o tribunal ad quo ao pugnar pela improcedência da reclamação e ao considerar que o ora recorrente não logrou ilidir, como lhe pertencia, a presunção de que não foi por culpa sua, que a citação pessoal expedida através de carta registada com AR, não foi por si recepcionada (cfr. art. 190º nº 6 do CPC e 195.°, n.º 1, alínea e) do CPC).
3 - Motivo pelo qual, a sentença proferida deverá ser mantida e com isso se fará inteira justiça.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso por ocorrer a arguida nulidade por falta de citação.

2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

a) Contra a sociedade "B………, S.A." foram instaurados o processo de execução fiscal n.º 0101200601271229 e apensos nºs 0101200601275801, 0101200701017730, 0101200701102559, 0101200801086057, 0101200801086065 0101200801161547, 0101200801161555, 0101200900029017 e 0101200900029025, por dívidas de Contribuições à Segurança Social dos anos de 2002 a 2008 - cfr. fls. 30 a 34, 47, 48, 54 a 60, 65 a 68, 87 a 91 e 117 a 121 dos autos.
b) As dívidas mencionadas na alínea antecedente, no valor global de € 276 142,15, foram revertidas contra o ora Reclamante - cfr. fls. 108 dos autos.
c) A citação do Reclamante para a execução n.º 0101200601271229 e apensos, enviada por carta registada com aviso de recepção, datada de 30/07/2009, remetida para a Rua ………, ………, ……..., no Porto, foi devolvida ao Exequente com a indicação pelos serviços postais de "Objecto não reclamado" - cfr. fls. 111 a 113 dos autos.
d) Foi repetida a citação do Reclamante, por carta datada de 10/12/2009, registada com aviso de recepção, remetida para a mesma morada mencionada na alínea antecedente, carta essa que foi igualmente devolvida ao Exequente com a indicação de "Objecto não reclamado" - cfr. fls. 115 a 123 dos autos.
e) O Banco Santander Totta, por carta registada datada de 03/05/2011, informou o ora Reclamante que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0101200601271229, foi penhorado o seu depósito bancário de € ……… - cfr. fls. 16 dos autos.
f) Em 20/05/2011 o ora Reclamante arguiu perante a Secção de Processo Executivo de Aveiro do IGFSS a nulidade insanável decorrente da sua falta de citação para o processo de execução fiscal nº 0101200601271229 e apensos - cfr. fls. 124 a 129 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
g) A nulidade mencionada na alínea antecedente foi indeferida por despacho da Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Aveiro do IGFSS, datado de 01/02/2012 - despacho reclamado -, que deu por reproduzidos os fundamentos constantes da informação nº 21/2012, da qual se extrai, além do mais, o seguinte:
"(…)
Foram enviadas a A………, em 30/07/2009 e 10/09/2009, citações, para o domicílio constante do cadastro da Segurança Social, dispondo para o efeito o n.º 1 do art. 38º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante designado de CPPT), que a carta a enviar para o efeito será registada com aviso de recepção.
Acrescentando o nº 5 do art. 39º do mesmo diploma legal que: "Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada ... presumindo-se a notificação ...”
Ora foi nestes termos que o mesmo foi citado!
Em consequência do exposto, não ocorre a falta de citação arguida.
Nestes termos e, em face do anteriormente explanado, somos de parecer da regularidade da citação e de os autos deverão prosseguir os seus ulteriores trâmites legais contra A………" - cfr. fls. 131 a 133 dos autos.
h) A presente reclamação deu entrada no órgão de execução fiscal em 29/02/2012 - cfr. carimbo aposto na p.i. a fls. 3 dos autos.
i) A partir de 12/02/2004 o domicílio fiscal do Reclamante constante da base de dados da Direcção Geral dos Impostos passou a ser a Avenida ………, ………, apartado ………, Gafanha da Nazaré - cfr. fls.161 a 166 dos autos.
j) Até 07/01/2010, a morada do ora Reclamante constante da base de dados da Segurança Social era na Rua ………, ………, ……..., no Porto - cfr. fls. 174 dos autos.

3. A execução por dívidas à segurança social da sociedade B………, SA reverteu contra o recorrente, tendo sido remetidas duas cartas registadas com aviso de recepção para a morada que se encontrava registada no sistema informático da Segurança Social, a citá-lo para a execução, as quais foram devolvidas pelo serviços postais com indicação de “objecto não reclamado”.
Tendo conhecimento pelo Banco que a sua conta bancária foi penhorada à ordem do referido processo, arguiu a nulidade por falta de citação, o que foi indeferido com fundamento em que, nos termos do nº 5 do artigo 39º do CPPT, se presume citado.
Dessa decisão deduziu reclamação judicial, tendo a sentença recorrida julgado improcedente a arguida nulidade por falta de citação, com o argumento de que o recorrente “não logrou demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto por facto que não lhe era imputável”. Ou seja, considerou-se que o recorrente não teve conhecimento do acto de citação por motivo que lhe é imputável, uma vez que não comunicou à Segurança Social a alteração do seu domicílio fiscal, omissão que, nos termos do nº 6 do artigo 190º do CPPT e alínea a) do nº 1 do art. 195º do CPC, impede que se considere existir falta de citação.
Contra essa decisão insurge-se o recorrente dizendo o seguinte: (i) como as cartas através das quais foi tentada a citação não foram entregues, deveriam ter sido oficiosamente promovidas as diligências que se mostrassem adequadas à efectivação da regular citação do ora recorrente e à rápida remoção das dificuldades que obstassem à realização desse acto, conforme dispõe o art. 234º - 1 do CPC; (ii) deveria ter sido promovida a citação por contacto pessoal, e se esta se revelasse impossível, em virtude de se encontrar em parte incerta, deveria realizar-se a citação edital; (iii) não existe qualquer dispositivo legal que, no que respeita à mudança do domicílio legal constante da base de dados da Segurança Social, preveja a não oponibilidade a esta entidade da não recepção das cartas que para aí sejam eventualmente enviadas (iv) o nº 6 do artigo 196º do CPPT e o al. e) do nº 1 do CPC não se aplicam ao caso, dado a citação não ter sido devidamente efectuada.
Vejamos em que medida tais argumentos convencem.
Prescreve o nº 3 do artigo 191º do CPPT que, nos casos de efectivação da responsabilidade subsidiária, «a citação será pessoal»; o nº 1 do artigo 192º do mesmo código preceitua que «as citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil»; e nos termos do artigo 233º deste código, a citação é feita mediante a «entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção» ou «contacto pessoal do funcionário judicial com o citando», só sendo utilizada esta quando se frustra aquela (art. 239º nº 1). O DL nº 303/2007, de 24/8, aditou uma nova forma de citação pessoal, que é através de transmissão electrónica de dados, mas que para o caso dos autos não é relevante.
A remissão para as regras do processo civil, naquilo que os artigos 190º, 191º e 192º não regulam expressamente, afasta desde logo a possibilidade de se aplicaram as normas dos artigos 37º a 39º do CPPT. A circunstância da citação dos responsáveis subsidiários, a efectuar em processo de execução fiscal, também conter os elementos essenciais da liquidação da dívida exequenda, para efeitos de reclamação ou impugnação, e nessa parte poder valer como «notificação», não significa que, na parte em que cumpre a função de «citação», chamando-os a defender-se na execução revertida, também se apliquem aqueles artigos. É que, as normas daqueles artigos reportam-se exclusivamente aos procedimentos tributários, não abrangendo por isso os processos judiciários tributários (cfr. ac. do STA de 4/11/2009, rec. nº 896/09).
Daí que não tem fundamento a alegação inicial da recorrida de que, por aplicação do nº 5 daquele artigo 39º, após a devolução da segunda carta registada com aviso de recepção, se considera presumida a citação. Mesmo que se verificassem todos os requisitos da presunção estabelecida naquela norma, o não levantamento da carta registada, após ter sido deixado aviso para tal, não poderia valer como «citação pessoal», pois essa presunção é apenas aplicável às notificações em procedimentos tributários.
Mas haverá citação presumida se a carta não for recebida ou levantada pelo facto do citando ter mudado de residência habitual, sem que tal alteração tenha sido comunicada à administração tributária?
O nº 2 do art. 19º da LGT prescreve que é «obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária», estabelecendo o art. 43º do CPPT os termos em que se concretiza essa obrigação, Ou seja, os «interessados que intervenham ou possam intervir» em procedimentos e processos fiscais devem comunicar qualquer alteração do seu domicílio no prazo de 15 dias. E a cominação para o incumprimento dessa obrigação é a «ineficácia» ou «inoponibilidade» (subjectiva) da alteração do domicílio fiscal. Significa isto que, enquanto a alteração do domicílio não for comunicada à administração tributária, não lhe é oponível a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação (notificação ou citação).
Mas esta inoponibilidade, verificada que sejam os respectivos requisitos, não consubstancia uma presunção de comunicação, pois o facto da alteração do domicílio não produzir efeitos nem poder ser invocada perante a administração tributária não dispensa esta de efectuar regularmente tal comunicação. Como resulta da parte final do nº 2 do artigo 43º do CPPT, a inoponibilidade da falta de recebimento da comunicação é cominada «sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas».
Deste modo, a lei não considera que a presunção de presença no domicílio em que se funda a cominação da inoponibilidade seja indissociável ou incindível da presunção de conhecimento do acto notificando. É que, no iter procedimental de uma comunicação, são vários os elementos que podem distorcer a sua entrega, e um desses motivos é a ausência temporária do interessado do seu domicílio, caso em que não se pode dar a presunção de conhecimento. Por outro lado, a presunção de conhecimento pode dar-se sem se produzir a presunção de permanência do interessado no domicílio, pois são eficazes as notificações ou citações entregues a pessoas distintas do destinatário que encontrem no seu domicílio ou que se desloquem ao serviços postais e que, devidamente identificadas, as recebam ou levantem.
Ora, se relativamente à notificação pode a mesma considerar-se efectuada no caso de devolução da segunda carta registada com aviso de recepção, «sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal» (nº 5 do art. 39º do CPPT), regra geral, tal não acontece com as citações, uma vez que a lei processual civil, que regula os respectivos «termos», não consagra uma solução idêntica. A presunção do conhecimento do acto de citação apenas ocorre nas situações de citação quase pessoal, em que ela se faz na pessoa de um terceiro (cfr. arts. 233º, nº 4 e 238º, nº 1 do CPC) e nas situações de domicílio convencionado, em que o distribuidor postal deixa um aviso para levantamento em oito dias da segunda carta registada (arts. 237º-A nº 5 e 238º, nº 2 do CPC).
No demais, pelo papel fundamental que a citação desempenha na realização do princípio do contraditório, a lei preocupa-se em que o citando tenha conhecimento efectivo do acto de citação. É por isso que a inoponibilidade prevista no artigo 43º do CPPT ajusta-se mais à presunção estabelecida no nº 5 do artigo 39º do CPPT, embora aí, sob pena de inconstitucionalidade (cfr. art. 268º da CRP), se tenha que admitir a prova do “justo impedimento” na recepção ou levantamento da carta ou na impossibilidade de comunicar a alteração do domicílio. Quanto às citações, idêntico regime apenas está previsto para os casos de domicílio convencionado em acordo escrito.
Se a inoponibilidade da alteração do domicílio conduzisse a uma situação de dispensa de citação pessoal ou constituísse uma presunção inilidível de citação, poder-se-ia estar perante uma norma inconstitucional, por se pôr em causa o princípio do contraditório, trave-mestra de todo o sistema processual, sem o qual dificilmente as decisões seriam substancialmente justas.
Sobre a citação pessoal, ou seja, feita na própria pessoa do citando através de carta registada com aviso de recepção, o nº 5 do artigo 236º do CPC estabelece que não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provêm e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade da entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado. Na hipótese do aviso não ser levantado, não existe na lei processual civil qualquer norma idêntica ao nº 5 do artigo 39º do CPPT, em que se determina a repetição da notificação através de nova carta registada com aviso de recepção, «presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada». Como referimos, esta cominação existe, mas apenas para as situações de domicílio convencionado em contrato reduzido a escrito, o que não é o caso do domicílio fiscal.
O que a lei prevê para as situações em que a citação por via postal através de carta com aviso de recepção é inviável, ou seja, «frustrando-se a via postal», é a citação por contacto pessoal do funcionário dos serviços (cfr. art. 239º do CPC e 194º do CPPT) ou, caso o paradeiro do citando seja incerto, a citação edital (cfr. arts. 244º do CPC e nº 2 do art. 192º do CPPT).
Antes de se avançar para estas modalidades de citação, a última de natureza residual, apenas utilizada quando não puder ser utilizada qualquer outra, ainda existe o dever de se efectuarem diligências para encontrar o citando. O nº 1 do artigo 234º do CPC incumbe os serviços de efectuarem oficiosamente as «diligências que se mostrem adequadas à efectivação regular da citação pessoal» e o nº 2 do artigo 192º do CPPT (no mesmo sentido que o nº 1 do art. 244º do CPC), permite ao órgão de execução fiscal que, antes de se proceder à citação edital, solicite às autoridades policiais ou municipais a confirmação de que o citando reside em parte incerta.
Destas normas, resulta que a não recepção da carta registada com aviso de recepção não tem o efeito presuntivo da citação. Sendo o objectivo primário da citação a produção da certeza do conhecimento do acto (no caso, do acto de reversão e da execução), a devolução da carta só pode significar que o acto não foi conhecido pelo citando. Portanto, regra geral, a devolução da carta tem o efeito negativo de não se considerar efectuada a citação e não o efeito positivo de citação presumida. Só assim não seria se a devolução da carta registada ocorresse pelo facto do citando se recusar a recebê-la. Nesta hipótese, pode afirmar-se, com toda a segurança, que o citando tem efectivamente conhecimento da existência da comunicação, mas que se desinteressa do seu real conteúdo, atitude que, por aplicação do princípio venire contra factum próprio, naturalmente joga contra si.
No caso dos autos, se estas diligências tivessem sido efectuadas facilmente o órgão de execução teria detectado que o domicílio do revertido já não era o que constava do seu cadastro. Está demonstrado na alínea i) do probatório, que a partir de 12/2/2004 o domicílio fiscal do recorrente constante da base de dados da DGI passou a ser a Avenida ………, ………, Apartado ………, Gafanha da Nazaré. Frustrada a citação por via postal, perante a inexistência de presunção do conhecimento do acto de citação, deveriam ter sido efectuadas diligências para encontrar o revertido, seja através do contacto pessoal, seja através de informações junto de outros serviços e, na hipótese da sua residência ser desconhecia, utilizar a citação edital (cfr. ac. do STA de 27/1/2010, rec. nº 1199/09).
A sentença recorrida invoca a regra do nº 6 do artigo 190º do CPPT e do artigo 195º, nº 1, alínea e) do CPC para concluir que, pelo facto do recorrente não ter comunicado a alteração do domicílio, o não conhecimento do acto de citação é-lhe imputável, e por conseguinte, não há falta de citação.
Mas, a falta de citação prevista nessa disposição pressupõe a que a citação se tenha concretizado, embora o seu destinatário, por razões que não são imputáveis, desconheça o conteúdo do acto de citação. Quando a norma diz «sem prejuízo do disposto nos números anteriores», está a pressupor que houve uma citação regularmente efectuada e que, por isso, incumbe ao seu destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento dos factos que a citação visou comunicar. Como refere Jorge de Sousa, «esta disposição do CPPT supõe que tenha sido praticado um acto de citação, com observância dos requisitos previstos na lei, sendo à administração tributária, naturalmente, que incumbe demonstrar que ele foi praticado. O ónus de alegação e prova de que não teve conhecimento do acto, que é imposto ao citando no nº 6 do presente art. 190º (nº 5º da redacção inicial), incide apenas sobre o não conhecimento do teor do acto, e não sobre a sua efectivação ou não. Têm-se em vista, assim, situações em que o acto foi efectivamente praticado, em conformidade com o preceituado na lei para o tipo de citação e de situação em que ela é efectuada, mas não foi praticado na própria pessoa do citando ou, tendo-se sido este não tomou conhecimento do acto» (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. III, 6ª pág. 365).
Assim sendo, como não houve citação efectiva, mas apenas uma tentativa de citação, e como não se pode presumir que o recorrente teve conhecimento do acto citando, não interessa saber se o desconhecimento desse acto ocorreu por motivo que lhe foi ou não imputável. Haverá sempre falta de citação, porque, frustrada que foi a expedição da carta registada com aviso de recepção, impunha-se tentar outras modalidades de citação, até à citação edital, se fosse caso disso.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação, declarando-se a arguida nulidade por falta de citação, com a consequente anulação de todos os actos subsequentes praticados na execução.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 7 de Novembro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.