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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01716/17.8BESNT
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
FUSÃO DE SOCIEDADES POR INCORPORAÇÃO
DEDUÇÃO
Sumário:I - É no artº.17 e seg. do C.I.R.C., que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos (gastos e perdas, nas palavras do legislador) que, como tal, devem ser considerados pela lei.
II - Num primeiro momento e para efeitos de dedutibilidade fiscal em ordem ao apuramento do lucro tributável, os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, terão de passar pelo crivo geral do disposto no citado artº.23, do C.I.R.C. Na nova redacção introduzida no preceito pela Lei 2/2014, de 16/01, são de considerar gastos e perdas para efeitos fiscais todos os que, contabilizados, visam, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto. Ou seja, todos aqueles que não obedeçam ao comando do disposto do nº.1, do artº.23, do C.I.R.C., não serão dedutíveis para efeitos de determinação da matéria colectável.
III - O pagamento especial por conta consubstancia uma entrega pecuniária antecipada de imposto, efectuada pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário (cfr.artº.33, da L.G.T.), tendo sido introduzido no C.I.R.C. pelo dec.lei 44/98, de 3/03, constituindo uma forma de antecipação das receitas por conta de uma tributação, com o propósito de evitar a evasão fiscal e de garantir o pagamento do imposto pelas empresas em actividade (cfr.artº.93, do C.I.R.C., em vigor no ano de 2016), mais sendo apurado de acordo com as regras previstas no artº.106, do mesmo diploma.
IV - A fusão consiste num negócio jurídico através do qual duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, se fundem mediante a sua reunião numa só. Este processo pode ser levado a cabo de três formas distintas, consistindo uma delas na incorporação, por uma sociedade (incorporante), de outra sociedade (fundida/incorporada) de cujas participações aquela seja a única titular. Nesta modalidade de fusão (fusão por incorporação) a sociedade fundida extingue-se e o seu património é integrado na sociedade incorporante (cfr.artº.97 e seg., do C.S.Comerciais; artº.73, nº.1, do C.I.R.C.).
V - Nos termos do artº.93, nº.1, do C.I.R.C., o legislador permite que a dedução consagrada no artº.90, nº.2, al.d), do mesmo diploma, seja efectuada face ao montante apurado na declaração a que se refere o artº.120, do C.I.R.C., no próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao sexto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c), do aludido artº.90, nº.2, mais devendo observar-se o disposto no nº.9, deste último preceito (não pode resultar um valor negativo das deduções operadas, portanto, o total das deduções não pode ser superior ao montante da colecta total, a qual é composta pelo somatório do I.R.C. e da derrama estadual).
VI - Já nos termos do nº.2, do mesmo preceito, em caso de cessação de actividade no próprio período de tributação ou até ao sexto período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte/montante que não seja deduzida nas condições do número anterior, quando existir, pode o sujeito passivo pedir o respectivo reembolso, mediante requerimento a apresentar nos 90 dias seguintes à data da cessação da actividade. Ou seja, em casos de cessação de actividade, o legislador consagra no artº.93, nº.2, do C.I.R.C., o regime do reembolso do PEC, na parcela não passível de dedução nos termos do nº.1 do mesmo preceito.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27495
Nº do Documento:SA22021040701716/17
Data de Entrada:04/05/2019
Recorrente:A............., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"A…………….., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.66 a 68-verso do processo físico, a qual julgou totalmente improcedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrente, tendo por objecto a liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2016 e no valor de € 11.880,93.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.78 a 85-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Está em discussão saber se os créditos de imposto (designadamente de PEC’s) da sociedade incorporada se transmitem ou não para a sociedade incorporante no âmbito de uma operação de fusão e, em caso afirmativo, se a sociedade incorporante pode proceder à sua dedução ou está obrigada a requerer o respectivo reembolso;
2-A Recorrente entende que não existe qualquer regra que impeça ou sequer condicione a transmissão dos créditos e do correspondente direito à dedução dos PEC’s da sociedade incorporada para a sociedade incorporante no âmbito de uma operação de fusão; e que, em consequência, a transferência de tais direitos se rege pelas mesmíssimas normas que se aplicam a todos os outros direitos englobados no património da sociedade incorporada;
3-A sentença recorrida entendeu que a sociedade incorporante não pode deduzir os PEC’s pagos pela incorporada por que não há estatuição legal que lhe atribua tal direito, pelo que o único caminho que pode tomar é pedir o seu reembolso conforme lhe impõe o artigo 93.º, n.º 2 do CIRC, uma vez que a fusão determina a extinção da sociedade incorporada e a cessação da sua actividade;
4-Este entendimento interpreta e, portanto, aplica mal os artigos 93.º, n.º 2 e 8.º, nº 5 do CIRC;
5-Se existisse uma norma que determinasse a intransmissibilidade dos PEC’s da sociedade fundida, então o pedido de reembolso do artigo 93.º, n.º 2 do CIRC seria a única via possível para a recuperação desse crédito. Mas essa norma não existe; bem pelo contrário o que existe é uma norma que determina que a fusão determina a transmissão global do património (e, portanto, de todos os direitos e obrigações não expressamente excepcionados por lei) da incorporada para a incorporante;
6-A solução mais correcta é, a que a Recorrente propugna: o PEC representa um pagamento antecipado por conta de um imposto a gerar por uma actividade económica; se a actividade continua a ser exercida na sociedade incorporante, o crédito de imposto deve ser recuperado por dedução à colecta gerada a partir dessa actividade nos mesmos termos em que a sociedade incorporada o faria se não tivesse ocorrido fusão;
7-O conceito de cessação de actividade aparece no artigo 93.º, n.º 2 do CIRC indissociável da impossibilidade de deduzir os PEC’s. Nos casos em que a cessação de actividade não tem esse efeito impeditivo, a norma não tem aplicabilidade, porque a utilização daquele crédito deve fazer-se de acordo com o princípio-regra da dedução à colecta resultante da actividade em cujo âmbito se gerou a obrigação de pagamento antecipado do imposto;
8-Ora na fusão a actividade é o elemento que permanece e não o que desaparece; o que se extingue é o veículo societário que a suportava. A actividade continua, noutra esfera societária, mas mantendo a utilização de todos os elementos e recursos de que antes se servia para gerar os resultados que, a cada momento, eram e continuarão a ser considerados na base tributável;
9-A sociedade incorporante sucede nos direitos e obrigações da incorporada e prossegue a sua actividade; tem, por isso, a possibilidade de deduzir os créditos de PEC’s acumulados pela incorporada;
10-Tal solução tem justificação no regime geral do CSC que atribui à fusão o efeito de transmissão global do património da sociedade incorporada para a incorporante e é conforme ao regime-regra da dedução dos PEC’s à colecta gerada pela actividade que produziu a obrigação de os realizar;
11-De resto, a Administração Fiscal já segue este entendimento em sede de IVA, reconhecendo à incorporante o direito à dedução do IVA suportado pela incorporada antes da fusão (cfr. Informação Vinculativa nº 13220, homologada por despacho da Directora de Serviços do IVA, de 13/03/2018). Não faz qualquer sentido que a Administração Fiscal siga entendimento diferente no caso do IRC – sendo, como é, por demais evidente que as situações são completamente idênticas;
12-Acresce que o entendimento da sentença recorrida não sobrevive ao teste da razoabilidade, por resultar numa solução que é mais onerosa para o Estado ao permitir à incorporante a antecipação integral do benefício do crédito, ao mesmo tempo que prossegue a actividade que vai gerar o imposto que o deveria compensar. As regras da hermenêutica obrigam o intérprete a procurar sempre a leitura que melhor se adeque ao fim pretendido pelo legislador (CC, artigo 9.º, n.º 3); e não é crível que o legislador tenha pretendido postular uma solução absurda que só lesa o Estado.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.93 e verso do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.96 e 97 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.66-verso a 67-verso do processo físico):
A-A Impte, sociedade “A……………., Ldª”, que exerce a actividade de comércio a retalho de produtos farmacêuticos, enquadrado no regime geral de IRC, através de uma operação de fusão incorporou a sociedade “B…………, S.A.”, tendo procedido ao respectivo registo comercial da operação, em 07.11.2014, tendo-se procedido ao respectivo enquadramento fiscal da Impte como sociedade cessionária da incorporada, na mesma data - cfr Doc. nº 2, da contestação (Doc. nº 00589071) e fls 26 a 35, do P.A. (Proc. Físico);
B-Até à data da fusão referida supra, ambas as sociedades procederam aos pagamentos especiais por conta de IRC, sendo que após a fusão existiam montantes referentes aos PEC`s não utilizados anteriormente pela sociedade incorporada, tendo a incorporante solicitado, em 06.02.2015, a dedução de tais montantes nas respectivas colectas dos anos posteriores, o qual foi convolado em pedido de reembolso de tais pagamentos especiais - cfr doc. nº 3 junto com a p.i.;
C-A pretensão referida supra mereceu decisão de indeferimento com fundamento na extemporaneidade do pedido ao abrigo do disposto no nº2, do artº 93º do CIRC - cfr Doc. nº 4, junto com a p.i.;
D-Não obstante a decisão referida supra, a Impte veio a utilizar, relativamente ao exercício de 2016, os créditos de PEC`s da sociedade incorporada no montante de € 11.783,14, por meio da respectiva dedução à colecta de imposto por si apurado, a qual foi corrigido pela Adm. Fiscal determinando-se um montante de € 11.880,93 de imposto a pagar - cfr Doc. nº 7, junto com a p.i. e fls 40 a 42, do P.A. (Proc. Físico);
E-Não tendo sido pago o imposto assim liquidado, instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva das importâncias em dívida, o mesmo encontra-se suspenso por prestação de garantia bancária, em 10.11.2017 - cfr Doc. nº 8, junto com a p.i. fls 37 a 39 , 41 e 44, do P.A. ( Proc. Físico).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos contam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação judicial, em consequência do que convalidou a liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2016 e identificada na al.D) do probatório supra, mais indeferindo o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a sentença recorrida julgou que a sociedade incorporante não pode deduzir os PEC’s pagos pela empresa incorporada, dado que não há estatuição legal que lhe atribua tal direito, pelo que o único caminho que pode tomar é pedir o reembolso de tais quantias, conforme lhe impõe o artº.93, nº.2, do C.I.R.C., uma vez que a fusão determina a extinção da sociedade incorporada e a cessação da sua actividade. Que este entendimento interpreta e aplica mal o disposto nos artºs.8, nº.5, e 93, nº.2, do C.I.R.C. Que o PEC representa um pagamento antecipado por conta de um imposto a gerar por uma actividade económica. Se a actividade continua a ser exercida na sociedade incorporante, o crédito de imposto deve ser recuperado por dedução à colecta gerada a partir dessa actividade, nos mesmos termos em que a sociedade incorporada o faria se não tivesse ocorrido a fusão. Que a sociedade incorporante sucede nos direitos e obrigações da incorporada e prossegue a sua actividade, assim tendo, em consequência, a possibilidade de deduzir os créditos de PEC’s acumulados pela empresa incorporada. Que tal solução tem justificação no regime geral do C.S.Comerciais que atribui à fusão o efeito de transmissão global do património da sociedade incorporada para a incorporante, mais sendo conforme ao regime-regra da dedução dos PEC’s à colecta gerada pela actividade que produziu a obrigação de os realizar. Que a A. Fiscal já segue este entendimento em sede de I.V.A., reconhecendo à incorporante o direito à dedução do I.V.A. suportado pela incorporada antes da fusão (cfr. conclusões 1 a 12 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
É no artº.17 e seg. do C.I.R.C., que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos (gastos e perdas, nas palavras do legislador) que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Os gastos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico. Por outras palavras, num primeiro momento e para efeitos de dedutibilidade fiscal em ordem ao apuramento do lucro tributável, os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, terão de passar pelo crivo geral do disposto no citado artº.23, do C.I.R.C.
Na nova redacção introduzida no preceito pela Lei 2/2014, de 16/01, são de considerar gastos e perdas para efeitos fiscais todos os que, contabilizados, visam, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto. Ou seja, todos aqueles que não obedeçam ao comando do disposto do nº.1, do artº.23, do C.I.R.C., não serão dedutíveis para efeitos de determinação da matéria colectável.
A dedutibilidade fiscal é uma decorrência do princípio da capacidade contributiva do sujeito passivo, mas não é exigido para a relevância dos gastos ou perdas que eles tenham sido geradores de proveitos, sendo bastante que sejam suportados no interesse do sujeito passivo, com a intenção de obter, ou garantir, os rendimentos sujeitos a I.R.C. Bem se compreende que assim seja, em conciliação com o princípio da tributação do rendimento real das empresas, constitucionalmente consagrado (cfr.artº.104, nº.2, da C.R.P.). Apesar do acabado de aludir, sempre se dirá que, contrariamente aos rendimentos, o legislador consagrou, quanto ao conceito/dedutibilidade de gastos e perdas, requisitos para a sua relevância fiscal que não encontram paralelo no que diz respeito aos primeiros (cfr. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.203 e seg., em anotação ao artº.23, do C.I.R.C.; Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, pág.99 e seg.).
"In casu", o que se discute é a possibilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta (PEC`s) já pagos pela empresa incorporada, "B……………, S.A.", após o momento em que se realizou a fusão por incorporação.
O pagamento especial por conta consubstancia uma entrega pecuniária antecipada de imposto, efectuada pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário (cfr. artº.33, da L.G.T.), tendo sido introduzido no C.I.R.C. pelo dec.lei 44/98, de 3/03, constituindo uma forma de antecipação das receitas por conta de uma tributação, com o propósito de evitar a evasão fiscal e de garantir o pagamento do imposto pelas empresas em actividade (cfr.artº.93, do C.I.R.C., em vigor no ano de 2016), mais sendo apurado de acordo com as regras previstas no artº.106, do mesmo diploma (cfr. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.776 e seg., em anotação ao artº.93, do C.I.R.C.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.221 e seg.).
De acordo com a factualidade constante do probatório supra, a sociedade impugnante e ora recorrente, através de uma operação de fusão, incorporou a sociedade "B………., S.A.", mais tendo procedido ao respectivo registo comercial da operação em 07/11/2014 (cfr.al.A) do probatório).
A fusão é um instrumento jurídico que permite a realocação de activos entre sociedades no âmbito de reorganizações empresariais. A mesma fusão consubstancia um negócio jurídico através do qual duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, se fundem mediante a sua reunião numa só. Este processo pode ser levado a cabo de três formas distintas, consistindo uma delas na incorporação, por uma sociedade (incorporante), de outra sociedade (fundida/incorporada) de cujas participações aquela seja a única titular. Nesta modalidade de fusão (fusão por incorporação) a sociedade fundida extingue-se e o seu património é integrado na sociedade incorporante (cfr.artº.97 e seg., do C.S.Comerciais; artº.73, nº.1, do C.I.R.C.; Raúl Ventura, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1990, pág.14 e seg.; António Meneses Cordeiro e Outros, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª. Edição, Almedina, 2020, pág.413 e seg.; António Rocha Mendes, IRC e as Reorganizações Empresariais, Universidade Católica Editora, 2016, pág.251 e seg.).
No caso "sub iudice", estamos face a modalidade de fusão por incorporação como se retira da al.A) do probatório.
Haverá, agora, que saber se a sociedade recorrente, enquanto empresa incorporante no processo de fusão levado a efeito, pode deduzir à colecta os PEC`s já pagos pela empresa incorporada, "B……………, S.A.", após o momento em que se realizou a fusão por incorporação ?
O Tribunal "a quo" decidiu que não, dado que não há estatuição legal que lhe atribua tal direito, pelo que o único caminho que podia tomar era pedir o reembolso de tais quantias, conforme lhe prescrevia o artº.93, nº.2, do C.I.R.C.
Pelo contrário, a recorrente defende que sim, desde logo, porque a sociedade incorporante sucede nos direitos e obrigações da incorporada e prossegue a sua actividade, assim tendo, em consequência, a possibilidade de deduzir os créditos de PEC’s acumulados pela empresa incorporada.
Vejamos quem tem razão.
Comecemos por examinar o regime do Pagamento Especial por Conta (PEC) aplicável ao caso vertente, mais exactamente, o previsto no citado artº.93, do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano fiscal de 2016.
Artigo 93º.
"Pagamento especial por conta"
1 - A dedução a que se refere a alínea d) do nº. 2 do artigo 90º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120 do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao 6º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c) do nº. 2 e com observância do nº. 9, ambos do artigo 90º.
2 - Em caso de cessação de atividade no próprio período de tributação ou até ao 6º período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter sido deduzida nos termos do número anterior, quando existir, é reembolsada mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar da data da cessação da atividade.
3 - Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no nº. 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito no final do período aí estabelecido, mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período.

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Nos termos do nº.1 do preceito, o legislador permite que a dedução consagrada no artº.90, nº.2, al.d), do C.I.R.C., seja efectuada face ao montante apurado na declaração a que se refere o artº.120, do mesmo diploma, no próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao sexto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c), do aludido artº.90, nº.2, mais devendo observar-se o disposto no nº.9, deste último preceito (não pode resultar um valor negativo das deduções operadas, portanto, o total das deduções não pode ser superior ao montante da colecta total, a qual é composta pelo somatório do I.R.C. e da derrama estadual - cfr. Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.758 e seg., em anotação ao artº.90, do C.I.R.C.).
A regra consagrada pelo legislador no examinado artº.93, nº.1, do C.I.R.C., consiste no princípio da dedução, ou seja, o primeiro caminho consagrado na lei é o da dedução. Por outras palavras, num primeiro momento, deve o sujeito passivo operar a dedução do PEC no próprio período de tributação a que respeita. Num segundo momento, se for insuficiente, a dedução pode ser realizada até ao 6º período de tributação subsequente.
Já nos termos do nº.2, do mesmo preceito, em caso de cessação de actividade no próprio período de tributação ou até ao sexto período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte/montante que não seja deduzida nas condições do número anterior, quando existir, pode o sujeito passivo pedir o respectivo reembolso, mediante requerimento a apresentar nos 90 dias seguintes à data da cessação da actividade.
Ou seja, em casos de cessação de actividade, o legislador consagra no artº.93, nº.2, do C.I.R.C., o regime do reembolso do PEC, na parcela não passível de dedução nos termos do nº.1 do mesmo preceito.
O nº.3, do artº.93, do C.I.R.C., consagra, igualmente, a regra do reembolso, para determinados casos.
Haverá, agora, que saber, no caso dos autos, se a fusão por incorporação operada face à empresa "B………, S.A." configura, para efeitos do C.I.R.C., uma cessação de actividade, com vista ao posterior enquadramento na previsão do citado artº.93, nº.2, do diploma.
Pensamos que não. Desde logo, da matéria de facto nada se retira sobre a alegada cessação de actividade. E não será a inscrição da fusão no registo comercial (registo com natureza constitutiva), nos termos do artº.112, al.a), do C.S.Comerciais, através da qual apenas se opera a extinção da sociedade incorporada, que nos leva à conclusão de que se verificou a dita cessação de actividade. Recorde-se que o mesmo artº.112, al.a), se refere à transmissão dos direitos e obrigações para a sociedade incorporante. Fala a doutrina numa situação de extinção, visando a substituição ou renovação, embora sem dissolução nem liquidação das sociedades incorporadas ou fundidas, podendo ser relevante, igualmente em termos fiscais, o momento em que a fusão produz os seus efeitos (cfr.v.g.artºs.75 e 75-A, do C.I.R.C.; António Meneses Cordeiro e Outros, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª. Edição, Almedina, 2020, pág.501, em anotação ao artº.112; Raúl Ventura, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1990, pág.222 e seg., em anotação ao artº.112).
Revertendo ao caso dos autos, a actividade da sociedade incorporada, "B………….., S.A.", foi continuada após o registo da fusão pela sociedade incorporante, "A…………., L.da.", conforme se retira do probatório (cfr.al.A) da matéria de facto), dado se ter verificado a transferência global do património (activos e passivos) para a última empresa (cfr. documentos juntos a fls.10 a 21 do processo físico). Em rigor, há uma continuidade subjacente à operação de fusão por incorporação, uma vez que a sociedade incorporante continuou a exercer a actividade da sociedade incorporada, assumindo, por isso, os direitos e obrigações desta.
O conceito utilizado pela lei para exigência de reembolso é, como vimos, o da cessação de actividade (cfr.artº.93, nº.2, do C.I.R.C.), situação que no caso dos autos não se verificou, porquanto, a actividade da sociedade incorporada continuou na sociedade incorporante, como acabámos de concluir.
E tal conclusão não é abalada pelo teor do artº.8, nº.5, al.a), do C.I.R.C., norma que estabelece que a fusão, para efeitos de I.R.C., implica a cessação de actividade, para a sociedade incorporada e em sede de delimitação do período de tributação.
É que a exegese do artº.93, nº.2, do C.I.R.C., deve fazer-se à luz dos elementos teleológico e sistemático. Na verdade, a "ratio" subjacente à solução consagrada nesta norma consiste na circunstância de, por via da cessação de actividade, o sujeito passivo em causa não poder já efectuar a dedução à colecta, conforme acima se referiu. Esta situação, em rigor, não se verifica no caso da fusão por incorporação, uma vez que, o titular do direito em causa - a sociedade incorporante - continua, após reunião com a incorporada, a exercer actividade (diga-se, a sua actividade e a actividade que era da incorporada) e, consequentemente, pode exercitar o direito através do mecanismo da dedução à colecta.
Mais, a norma permite assinalar uma vontade do legislador em não prejudicar o sujeito passivo que não conseguiu deduzir o PEC. Permite-lhe, em caso de cessação da actividade, solicitar o reembolso, cumprindo-se, assim, o princípio constitucional da tributação do lucro real, previsto no artº.104, nº.2, do Diploma Fundamental.
Por último, também o elemento sistemático aponta no mesmo sentido, dado que os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos aos lucros tributáveis da sociedade incorporante (cfr.artº.75, nº.1, do C.I.R.C.), assim como, nos termos do artº.75-A, do C.I.R.C., se verifica a transmissão dos benefícios fiscais para sociedade incorporante, os quais poderão ser deduzidos à colecta nos termos do artº.90, nº.2, do mesmo diploma, conforme supra se apurou. Existiria, assim, uma contradição sistemática se os PECs suportados pela sociedade incorporada não pudessem ser, também eles, deduzidos pela sociedade incorporante.
Com estes pressupostos, enferma o acto de liquidação objecto do processo (cfr.al.D) do probatório) de erro nos pressupostos de direito o que tem como consequência a sua anulação na parcela impugnada, contrariamente ao decidido pelo Tribunal "a quo".
Sem necessidade de mais amplas considerações, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, mais devendo os autos baixar ao Tribunal "a quo" para exame do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida (face ao qual não foi produzida qualquer prova), ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, ANULAR O ACTO DE LIQUIDAÇÃO NA PARCELA OBJECTO DO PRESENTE PROCESSO e ordenar o regresso dos autos ao T.A.F. de Sintra, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, se a tal nada mais obstar.
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Condena-se a entidade recorrida em custas, embora a dispensando do pagamento da taxa de justiça nesta instância de recurso, visto não ter contra-alegado.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 7 de Abril de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Paulo José Rodrigues Antunes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.