Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01144/09
Data do Acordão:01/13/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
DEVEDOR SOLIDÁRIO
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:Na vigência do CPT, na ausência de qualquer norma de teor idêntico ao n.º 2 do artigo 48.º da LGT, as causas de suspensão ou interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produzem efeitos em relação ao devedor solidário por serem pessoais de cada devedor (artigo 521.º do CC).
Nº Convencional:JSTA00066201
Nº do Documento:SA22010011301144
Data de Entrada:11/20/2009
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART34 ART239 N2.
CCIV66 ART12 ART297 ART326 N1 ART327 N1 ART519 ART521.
LGT98 ART48 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC08A1918 DE 2008/09/30.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL VI PAG739.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – O Agente do Ministério Público junto do TAF de Braga, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz daquele tribunal que julgou procedente a oposição deduzida por A…, com os sinais dos autos, à execução fiscal instaurada contra B…, por dívidas de IVA do ano de 1995, e juros compensatórios, declarando prescritas as dívidas exequendas e determinando o arquivamento da execução quanto àquela, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
I- As dívidas exequendas respeitam a IVA do ano de 1995, para cobrança das quais, no dia 10/11/98, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3425199801032011 – cfr. factos provados 1 e 3;
II- A oponente é responsável solidária pelo pagamento da dívida exequenda, por ter sido casada com o executado B…, no regime de comunhão de adquiridos, no período de 8/9/74 até 17/6/2002, nos termos dos art.ºs 1691.º, al. c) e 1695.º do C.Civil – cfr. facto provado sob o n.º 6;
III- A oponente foi citada a 22/2/2008 – cfr. facto provado sob o n.º 9;
IV- O prazo prescricional das dívidas exequendas é de dez anos, contados a partir do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, de acordo com o disposto no art.º 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPT;
V- A instauração da execução interrompe a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação – n.º 3 do dito preceito legal;
VI- No caso dos autos, o processo de execução fiscal n.º 3425199801032011 não esteve parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. Ou seja, desde que foi instaurado, o processo apenas esteve parado durante o período de suspensão, nos termos do art.º 5.º, n.º 5 do DL n.º 124/96, de 10 de Agosto, por facto imputável ao contribuinte, razão pela qual o efeito da interrupção resultante da instauração do processo perdurou até à presente data;
VII- O Mmo. Juiz a quo considerou prescritas as dívidas exequendas, nos termos do disposto no art.º 34.º do CPT, conjugado com o disposto nos art.ºs 12.º e 297.º do C.Civil, por julgar que as causas de interrupção ou suspensão relativas ao executado B… não produzem efeitos relativamente aos responsáveis solidários, como é o caso da ora oponente;
VIII- Por isso, o Mmo. Juiz a quo contabilizou todo o tempo decorrido desde o início da contagem do prazo prescricional – 1/1/96 – até à data da citação da oponente, concluindo que se completou o prazo de dez anos antes da citação desta por antes se não ter verificado qualquer causa de suspensão e/ou interrupção que lhe seja oponível;
IX- Salvo o devido respeito, de acordo com o n.º 3 do art.º 34.º do CPT, a interrupção do prazo de prescrição em relação ao devedor principal produz igualmente os seus efeitos relativamente aos devedores subsidiários e/ou solidários, independentemente da data da notificação destes. Ou seja, a interrupção da prescrição a 10/11/98 por via da instauração da execução inutilizou para a prescrição todo o tempo até então decorrido, começando então a contar-se novo prazo de prescrição de dez anos, nos termos do art.º 326.º, n.º 1 do C.Civil;
X- O efeito interruptivo da prescrição verificou-se no domínio do CPT e manteve-se vigente depois da entrada em vigor da LGT, já que não ocorreu nenhuma causa que o fizesse cessar;
XI- Além disso, nos termos do art.º 5.º, n.º 5 do DL n.º 124/96, de 10 de Agosto, o prazo de prescrição suspendeu-se no período compreendido entre 21/12/1998 e 22/9/2006, ou seja, durante o período destinado ao pagamento em prestações ao abrigo do citado diploma legal (7 anos, 9 meses e 1 dia), conforme se decidiu no Ac. do STA, de 16/1/2008, Proc.º 0416/07, 2.ª Secção. Nesse longo período, o órgão de execução fiscal não podia prosseguir qualquer diligência, relativamente a qualquer devedor (principal, subsidiário ou solidário). Daí que, tal causa de suspensão produza efeitos relativamente ao devedor principal e aos responsáveis solidários e/ou subsidiários;
XII- Parece-nos, por isso, que tendo a citação da oponente ocorrido a 22/2/2008, antes do decurso de dez anos a contar da interrupção da prescrição por via da instauração da execução e antes de dez anos a contar do termo da suspensão por via da adesão ao acordo de pagamento ao abrigo do DL n.º 124/96, de 10 de Agosto, não se consumou a prescrição;
XIII- Decidindo como decidiu, o Mmo. Juiz a quo não aplicou, como devia, o disposto no art.º 34.º do CPT, e fez errada interpretação dos artigos 12.º e 297.º do C.Civil e 5.º, n.º 5, do DL 124/96, de 10/8.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostra-se assente a seguinte factualidade:
1- As dívidas exequendas respeitam a IVA do ano de 1995, o qual resultou do exercício da actividade comercial em nome individual do executado B… .
2- O executado foi notificado das liquidações nos termos do art.º 27.º do CIVA, tendo o prazo de pagamento voluntário terminado a 30/6/1998.
3- No dia 10/11/98, foi instaurado contra o executado B… o processo de execução fiscal acima identificado.
4- O executado foi citado a 25/11/98.
5- Em 21/12/98, o executado aderiu ao plano de pagamento em prestações das dívidas exequendas ao abrigo do DL n.º 124/96, de 10 de Agosto, do qual foi excluído por despacho de 22/9/2006, por não ter cumprido os pagamentos acordados.
6- A oponente foi casada com o executado em regime de comunhão de adquiridos desde 8/9/74 até 17/6/2002, data em que foi decretado o divórcio.
7- Em 17/9/2007, foi efectuada a penhora do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 695, da freguesia de Lomar, concelho de Braga, e descrito na C.R.Predial sob o n.º 219-G, o qual se mostra registado em nome do executado B… desde 6/4/94.
8- Em 15/2/2008, foi emitido o mandado de citação da oponente.
9- A oponente foi citada a 22/2/2008.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmo. Juiz do TAF de Braga que considerou prescritas as dívidas exequendas referentes a IVA de 1995, nos termos do disposto no artigo 34.º do CPT, conjugado com o disposto nos artigos 12.º e 297.º do CC, por julgar que as causas de interrupção ou suspensão relativas ao executado originário não produzem efeitos relativamente aos responsáveis solidários, como é o caso da oponente, ora recorrida.
Vejamos. As dívidas exequendas respeitam a IVA do ano de 1995.
Nos termos do artigo 34.º do CPT, o prazo de prescrição de tais dívidas era, então, de dez anos, contando-se desde o início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, ou seja, neste caso, desde 1/1/1996.
No caso em apreço, o prazo de prescrição iniciado em 1/1/1996 foi interrompido com a instauração da execução, em 10/11/1998, contra o executado originário, por força do que dispunha então o n.º 3 do artigo 34.º do CPT.
Tal efeito só cessaria, porém, nos termos de tal disposição legal, se o processo estivesse parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, nesse caso, o tempo que decorresse após esse período ao que já tivesse decorrido até à data da autuação.
Todavia, o processo de execução fiscal em causa, conforme consta dos autos, não esteve parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
A interrupção da prescrição tem como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente e obstando a decurso do prazo de prescrição durante a pendência do processo que provoca o efeito interruptivo (artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do CC).
Considerou o Mmo. Juiz “a quo”, porém, que, não dispondo o CPT de nenhuma norma de teor idêntico ao n.º 2 do artigo 48.º da LGT (“As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”), se não possa conferir qualquer relevância à apontada causa de interrupção da prescrição relativamente à oponente, devedora solidária, pelo que tendo esta sido citada apenas em 22/02/2008 já nesta data havia decorrido o prazo de prescrição previsto no artigo 34.º do CPT.
É certo que o CPT não continha qualquer regra sobre esta matéria, e se, relativamente aos responsáveis subsidiários, se podia entender que a interrupção da prescrição em relação ao devedor principal interrompia também a prescrição em relação aos responsáveis subsidiários porquanto, na verdade, estes apenas podiam ser demandados quando se constatasse a insuficiência do património do devedor principal (artigo 239.º, n.º 2 do CPT), pelo que a não exigência da dívida em relação aos responsáveis subsidiários não podia ser imputada a negligência do credor, já quanto aos responsáveis solidários isso não sucede pois o credor tem o direito de exigir desde o início de qualquer dos devedores solidários toda a prestação (artigo 519.º do CC), sendo as causas de interrupção ou suspensão da prescrição pessoais de cada devedor, como se infere do artigo 521.º do CC.
E, assim sendo, qualquer dos condevedores pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhes compete ou que forem comuns a todos eles.
Ora, meios pessoais de defesa “são factos que, afastando temporária ou definitivamente a pretensão do credor, se referem apenas a um dos condevedores, só por este podendo ser invocados” (cfr. A. Varela, Das obrigações em geral, I, p. 739).
E entre tais meios conta-se, sem dúvida, a prescrição (v. Ac. STJ de 30/09/2008, no recurso n.º 08A1918).
Daí que, sendo os efeitos dos factos interruptivos da prescrição determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem (artigo 12.º, n.º 2 do CC), se não possa, pois, conferir qualquer relevância interruptiva ou suspensiva da contagem do prazo prescricional relativamente à oponente à supra citada instauração da execução contra o executado originário, face ao regime da solidariedade vigente na altura e à ausência, à data, de norma no CPT, então em vigor e para o efeito aqui efectivamente aplicável, idêntica ao referido n.º 2 do artigo 48.º da LGT, que apenas entrou em vigor em 1/1/1999.
Por outro lado, no âmbito da LGT (artigo 49.º, n.º 1), só a citação e não já a instauração da execução interrompe a prescrição, como sucedia no regime do CPT (artigo 34.º, n.º 2).
Razão por que não tendo ocorrido qualquer outro facto posterior relevante se constata, efectivamente, que à data em que a oponente foi citada (22/2/2008) já havia decorrido o prazo de 10 anos previsto no artigo 34.º do CPT, pelo que a dívida exequenda se mostrava, pois, já prescrita quanto a ela, devendo, por isso, com tal fundamento, a oposição deduzida ser julgada, como foi, procedente, com a consequente extinção da execução quanto àquela.
A decisão recorrida não merece, por isso, qualquer censura.
IV – Termos em que face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o MP.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2010. – António Calhau (relator) – Isabel Marques da Silva – Miranda de Pacheco.