Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01409/11.0BEPRT
Data do Acordão:05/30/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PODERES
TRIBUNAL
APELAÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24617
Nº do Documento:SA12019053001409/11
Data de Entrada:04/23/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTRA DA SAÚDE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A……………, devidamente identificado nos autos, intentou no TAF do Porto, contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE, a presente acção administrativa especial através da qual impugnou o despacho da Ministra da Saúde proferido em 31.01.2011, no âmbito do processo disciplinar nº ………., que lhe aplicou a pena de suspensão, graduada em 20 dias, suspensa na sua execução por um ano, e ordenou a reposição da quantia de 56.582,72€ pedindo a sua anulação

Para tanto, e em síntese, alega que:

· Os factos apurados em sede de procedimento disciplinar não consubstanciam a violação dos deveres de isenção, zelo e lealdade, ao contrário do que se conclui na decisão punitiva, nem tão-pouco a deliberação que votou favoravelmente ofendeu o disposto no art.º 8º, nº 3 do Decreto-Lei nº 188/2003, de 20.08;

· Agiu convencido e na consciência da licitude da sua conduta, e apenas participou na deliberação depois de obter um prévio parecer jurídico que sustentou essa possibilidade;

· Tratando-se a deliberação em questão de um ato administrativo constitutivo de direitos, foi ainda violado o disposto no regime dos artigos 140º e 141º do CPA, no que à reposição das quantias recebidas diz respeito.»


*

O TAF do Porto, por sentença datada de 28 de Agosto de 2017, julgou a acção totalmente improcedente.

*

Inconformado, o Autor interpôs recurso jurisdicional para o TCA Norte que, por Acórdão datado de 28.06.2018 negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

*

É desta decisão que o Autor, ora Recorrente, vem interpor o presente recurso de revista, apresentando para o efeito alegações, em que conclui da seguinte forma:

«I- DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

1. O recorrente arguiu em 23º a 32º das alegações de recurso de apelação a nulidade do procedimento disciplinar que subjaz ao ato administrativo sindicado.

2. Cabia ao tribunal a quo conhecer tal arguição, por força do disposto nos artigos 133º, nº 2, al. b) e 134º, nº 2, ambos do CPA, atuais 161º e 162º do CPA, podendo ser invocada a todo o tempo e em qualquer tribunal.

3. O Tribunal a quo decidiu pela não apreciação da arguida nulidade do processo disciplinar com fundamento de que “... os recursos destinam-se a reapreciar matéria do julgamento que vem sindicado e não de questões novas”.

4. Tal decisão, assim fundamentada, contradiz o disposto nos artigos 133º nº 2, al. b) e 134º nº 2, ambos do CPA, 161º nº 2, al. b) e 162º nº 2 do atual CPA e faz o mesmo acórdão padecer de vício de violação de lei, que importa a sua revogação e consequentemente que seja proferido acórdão que declare a nulidade do ato administrativo sindicado, por efeito da nulidade do procedimento disciplinar que lhe subjaz.

5. O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA, na versão da Lei 15/2002 de 22.02, aplicável à situação sub judicie, destina-se a viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questões que, pela sua relevância jurídica ou social, se revistam de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

6. A questão nuclear que clama pela posição do tribunal ad quem prende-se com a não apreciação pelo Tribunal Central Administrativo da matéria suscitada em 23 a 32 das alegações de recurso de apelação do recorrente, nomeadamente da nulidade do procedimento disciplinar e consequente nulidade do ato administrativo sindicado.

7. Reveste tal questão de importância jurídica de relevo e complexidade. Desde logo, a solução envolve a aplicação e ligação entre o CPA e o CPTA e o CPC e o seu tratamento vem a suscitar dúvidas sérias ao nível da jurisprudência.

8. Entende-se ser a questão em apreço, uma questão pertinente, sobre a qual é importante “... obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão, a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.” Ac. STJ de 22.01.2013 in www.dgsi.pt

9. Assume relevância jurídica porque a questão prende-se com os poderes de cognição do Tribunal Central Administrativo, no âmbito do artigo 149º do CPTA, para apreciar da nulidade prevista no artigo 133º nº 2, al. b), do CPA, atual 161º do CPA, invocada segundo os ditames do artigo 134º nº 2, do CPA, atual 162º nº 2 do CPA, que aquele tribunal não apreciou.

10. Ainda, estamos em presença de uma questão suscetível de se repetir inúmeras vezes, por contender com a definição dos poderes do tribunal de apelação, impondo-se, por isso, a intervenção clarificadora deste STA em área tão importante.

11. É esta a matéria que se pretende submeter e merecer a apreciação do Supremo Tribunal Administrativo e que constitui fundamento do presente recurso de revista excecional!

12. Mostram-se preenchidos os requisitos plasmados no nº 1 do artigo 150º do CPTA, que condicionam a admissão do recurso de revista.

13. O que se requer, de subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.

14. É também fundamento do presente recurso a questão da fixação da remuneração do recorrente pela deliberação do CA do CHVCPV de 24.03.2004;

15. A matéria referida no ponto anterior é matéria de relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito, a qual “(...) ocorre quando se trate de questão manifestamente complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica imponha um largo debate pela doutrina e jurisprudência (…)” Ac. STJ de 22.01.2013 in www.dgsi.pt

16. Perante o “vazio legal” que se instalou com a revogação do artigo 6º nº 2 do Dec. Regulamentar nº 3/88, no que à remuneração dos membros do conselho de administração do CHVCPV concerne, e perante a dúvida instalada quanto à aplicação desta norma e diploma legal, foram vários os jurisconsultos chamados a pronunciar-se sobre o tema e a própria administração pública a manifestar- se sobre o mesmo, por várias formas e procedimentos, contraditórios entre si;

17. São várias e controversas as orientações jurisprudenciais e doutrinais sobre tal matéria, aliás referidas nos autos.

18. A intervenção do STA é assim, nesta matéria claramente reclamada em prol de uma melhor aplicação do direito, sendo manifesto que a intervenção do STA se mostra necessária para dissipar dúvidas sobre o quadro legal aplicável à quaestio sub judicie.

19. Ainda, impõe-se, por necessária para uma melhor aplicação do direito, a intervenção do STA para dissipar dúvidas quanto à competência dos tribunais e que resulta do confronto dos preceitos legais contidos nos artigos 1º nº 1, artigo 5º, n 1, alínea e) e artigo 59º, nº 1, da LOPTC e artigo 4º do ETAF, para julgar da questão inserta no ato administrativo sindicado, relativa à reposição e/ou responsabilidade reintegratória e apreciar da força material do caso julgado, quanto à competência atribuída ao Tribunal de Contas na apreciação de tal matéria, por efeito da sentença do TAF do Porto, proferida no âmbito do Proc. 1590/14.6 BEBRT.

20. É fundamentada a admissibilidade do presente recurso, em conformidade com os pressupostos plasmados no artigo 150º nº 1 do CPTA, na versão da Lei 15/2002 de 22.02, aplicável à situação sub judicie.

21. O que se requer, nos termos e com os efeitos supra invocados!

Sem prescindir,

II - DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

22. O recorrente arguiu em 23 a 32 das alegações de recurso de apelação a nulidade do procedimento disciplinar que subjaz ao ato administrativo sindicado.

23. Cabia ao tribunal a quo conhecer tal arguição, por força do disposto nos artigos 133 nº 2, al. b e 134, nº 2, ambos do CPA, atuais 161 e 162 do CPA, podendo ser invocada a todo o tempo e em qualquer tribunal.

24. Não obstante ser uma das questões a resolver no âmbito da apelação não mereceu no acórdão sub recurso qualquer apreciação;

25. Há omissão de pronúncia no acórdão recorrido!

26. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia resulta da violação do disposto no nº 2 do artigo 608º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

27. Padece, para além do mais alegado, o acórdão sub recurso do vício de nulidade nos termos do artigo 615º nº 1, alínea d) do CPC, e artigo 150, nº 2 do CPTA, na versão da Lei 15/2002 de 22.02, aplicável à situação sub judicie, por omissão pronuncia “... sobre questões que devesse apreciar...” ex vi do artigo 1º do CPTA.

28. Nulidade, que desde já se invoca, para os devidos efeitos legais!

29. A decisão reintegratória e/ou de reposição in casu, é da competência exclusiva, em razão da matéria, do Tribunal de Contas, afastada, assim, do âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais (artigo 4º do ETAF e artigos 59, nº 1 e artigo 5, nº 1, alínea e) da LOPTC).

30. A incompetência absoluta do TAF tem a natureza de exceção dilatória como prevê o artigo 577, alínea a) CPC, ex vi do artigo 1 do CPTA, pelo que é matéria de conhecimento oficioso, segundo os ditames do artigo 578 do CPC ex vi do artigo 1 do CPTA!

31. Impunha-se, ainda, no caso em apreço a apreciação da força material do caso julgado, quanto à competência atribuída ao Tribunal de Contas na apreciação de tal matéria, por efeito da sentença do TAF do Porto, proferida no âmbito do Proc. 1590/14.6 BEBRT.

32. Cabia ao Tribunal de 1ª instância, conhecer das questões da competência do tribunal e do caso julgado! O que não fez, incorrendo o TCA no mesmo erro de julgamento!

33. Há omissão de pronúncia no acórdão recorrido!

34. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia resulta da violação do disposto no nº 2 do artigo 608, do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”.

35. Padece, para além do mais alegado, o acórdão sub recurso do vício de nulidade nos termos do artigo 615, nº 1, alínea d) do CPC, e artigo 150 nº 2 do CPTA, na versão da Lei 15/2002 de 22.02, aplicável à situação sub judicie por omissão de pronúncia “... sobre questões que devesse apreciar ex vi do artigo 1º do CPTA”.

36. Nulidade, que desde já se invoca, para os devidos efeitos legais!

III — DAS ALEGAÇÕES

37. Impugna-se pelo presente recurso o douto acórdão proferido em apelação que confirmou a sentença proferida em 1ª instância, mantendo o ato impugnado nos termos em que foi praticado.

38. O acórdão do tribunal o quo fez tábua rasa da alegada nulidade do processo disciplinar conducente ao ato administrativo em crise e decidiu pela não apreciação de tal matéria com o fundamento de que “os recursos destinam-se a reapreciar matéria do julgamento que vem sindicado e não de questões novas”.

39. Padece o acórdão em crise do vício de violação de lei, mormente do disposto no artigos 133 nº 2, al. b) e 134 nº 2, ambos do CPA, atuais 161 e 162 do CPA, artigo 149 do CPTA e artigo 608 nº 2, do CPC ex vi do artigo 1 do CPTA, que importa a sua revogação e que seja produzido acórdão que declare a nulidade do ato administrativo em apreço por nulidade do procedimento disciplinar que lhe subjaz.

40. Impugna-se, ainda, pelo presente recurso a decisão e fundamentos que nele pretendem sustentar a nulidade da deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (CA do CHPV/VC) de 24 de Março de 2004, votada favoravelmente pelo Recorrente.

41. Em censura da sentença recorrida, buscou a apelação interposta fundamento na violação da Lei por erro na determinação da norma aplicada e erro de julgamento, por errónea qualificação e subsunção dos factos ao direito! Do mesmo vício padece o acórdão em revista!

42. O inconformismo do recorrente mantêm-se, ora, redobradamente!

43. Ocorre no acórdão sub recurso vício de violação de Lei e erro de julgamento.

-da nulidade do processo disciplinar-

44. À data dos factos em discussão no presente pleito o recorrente exerceu funções de administrador executivo no CHVC/PV, ao tempo, SPA, por nomeação do Conselho de Ministros, sob proposta dos membros do Governo da área das finanças e da saúde para um mandato de 3 anos, funções estas, ao tempo, regidas pelo Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/82, de 9 de Dezembro, que revogou o Dec. Lei nº 831/76 de 25 de Novembro.

45. Do confronto de ambos os diplomas legais ressalta que o Decreto-Lei nº 464/82, de 9 de Dezembro não prevê a cumulação da responsabilidade disciplinar dos gestores públicos com a responsabilidade civil e criminal estabelecida no diploma revogado, dispondo no seu artigo 5º, que o apuramento do motivo justificado para a revogação do mandato pressupõe a prévia audiência do gestor sobre as razões invocadas, mas não implica o estabelecimento ou organização de qualquer processo.”

46. O Regime Jurídico da Gestão Hospitalar (Dec. Lei 188/2003 de 20 de Agosto) é aplicável aos hospitais do sector público administrativo (SPA), pessoas coletivas públicas dotadas de personalidade jurídica, de autonomia administrativa e financeira (artigo 29), ou seja, entidades jurídicas criadas por lei, com gestão e atribuições próprias fixadas pelo legislador, independentes do Estado, sendo que aos membros executivos do conselho de administração nomeados em comissão de serviço por três anos, é aplicável o estatuto de gestor público (artigo 6 e 8).

47. O gestor público definido no artigo 12 do Decreto-Lei nº 464/82, de 9 de dezembro (Estatuto do Gestor Público) atua no âmbito de uma pessoa coletiva, com autonomia própria, (artigo 9º, nº 2), sendo que a aceitação do mandato resulta da simples tomada de posse pelo gestor das funções para que foi nomeado (artigo 3).

48. O gestor público exerce funções, à luz de um estatuto distinto do que resulta da condição de funcionário, na sua categoria de origem e da que decorre da relação jurídica de emprego público, não se encontrando sujeito a qualquer subordinação hierárquica nem aos deveres específicos próprios dessa relação”, com um mandato de atuação decorrente da comissão de serviço (situação funcional distinta de funcionário público), com “pena” prevista de exoneração (atitude discricionária ou fundamentada da tutela) para insuficiência ou violação do contrato de mandato, mas sem dependência de qualquer processo!

49. O desempenho do gestor público não depende de ordens dadas; o gestor compromete-se a prosseguir os fins enunciados para a pessoa coletiva, assegurar a prestação de um serviço público e a seguir as orientações políticas e administrativas, em cada momento, fixadas pela tutela.

50. O artigo 4 do Dec. Lei 464/82 de 29 de Dezembro dispõe que, para o exercício das funções de gestor público podem ser nomeados, em comissão de serviço, funcionários da própria empresa, nos termos do Decreto-Lei nº 729/74, de 20 de dezembro, sem que, tal implique a acumulação de estatutos, ocorre, e pelo tempo de mandato nas novas funções, a suspensão do vínculo hierárquico originário com o empregador Estado, in casu, Ministério da Saúde.

51. O cargo de gestor público vinculado por contrato de mandato (circunstância de nomeação precária - ao abrigo do Decreto-Lei nº 464/82, de 9.12.1982), não se confunde com a do funcionário público (circunstância de nomeação duradoura - ao abrigo do Decreto-Lei nº 35/2014, de 20 de junho) com relação jurídica de emprego público, que coloca um funcionário numa posição subordinada, hierarquicamente dependente do seu empregador.

52. O poder “punitivo” cometido à tutela é apenas o de apreciar o desempenho do gestor, e o de colocar um fim ao seu mandato, exonerando-o, demitindo-o (artigo 9º do Dec. Lei 188/2003 de 20 de agosto e artigo 6º do Dec. Lei 464/82 de 9 de dezembro);

52. O poder “punitivo” cometido à tutela é apenas o de apreciar o desempenho do gestor, e o de colocar um fim ao seu mandato, exonerando-o, demitindo-o (artigo 9 do Dec. Lei 188/2003 de 20 de agosto e artigo 6 do Dec. Lei 464/82 de 9 de dezembro);

53. O artigo 22 da Lei nº 58/2008, de 09 de setembro, à luz do qual foi aberto e efetuado o procedimento disciplinar base do ato administrativo sindicado, que revogou o Dec. Lei 24/84 de 16 de janeiro, mantém os mesmos pressupostos quanto ao âmbito objetivo da sua aplicação, referindo que “O presente Estatuto é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado” (nº 1) mas…

“Não é aplicável às entidades públicas empresariais” (nº5).

54. Esta disciplina é em tudo similar à já consagrada para os hospitais do Setor Público Administrativo (SPA), onde, à data, se inseria o CHPV/VC, ao dispor que, sendo” aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público” (artigo 1 da Lei 58/2008 de 09 de setembro — Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas) exclui do âmbito de aplicação subjetiva os gestores nomeados em comissão de serviço.

55. Os gestores públicos nomeados, ainda que funcionários, estão ao abrigo do poder de superintendência e tutela do Ministério da Saúde, mas não ao abrigo do poder hierárquico, de onde decorre a prerrogativa de proceder disciplinarmente.

56. O poder hierárquico tem como objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito da administração direta ou indireta da Administração Pública e com a possibilidade de impor aos órgãos dessas entidades um certo comportamento, a que o dever de obediência, fará aquiescer.

57. O poder disciplinar é exercido no âmbito dos órgãos e serviços da Administração Pública, entidades com a faculdade de punir internamente os seus funcionários e agentes por infrações funcionais, controlando o desempenho funcional e a conduta dos seus servidores.

58. Resulta do disposto no artigo 3º, nº 3 do Decreto-Lei nº 464/82, de 9 de Dezembro que a nomeação do gestor público é diferente da que é feita ao abrigo da Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas.

59. Decorre do Estatuto do Gestor Público a prossecução de um serviço público, com outorga de autoridade e investido de poder público no desempenho do cargo, no âmbito e especificidade de atuação da pessoa coletiva, não está numa relação de serviço e em subordinação jurídica e funcional com a entidade que o nomeia, mas obrigado por mandato a prosseguir certos fins da pessoa coletiva e à obtenção de resultados fixados no contrato de gestão.

60. Os factos objeto de sindicância nos presentes autos foram praticados no exercício daquelas funções de administrador executivo, nomeado, a coberto de um despacho de nomeação e sob a égide do estatuto do gestor público, pelo que, a haver violação dos deveres de gestor, o que não se crê, nem se concede, importaria a exoneração do recorrente, sem estabelecimento ou organização de qualquer processo (artigo 9º do Dec. Lei 188/2003 de 20 de Agosto e artigo 6º do Dec. Lei 464/82 de 29 de dezembro);

61. A falta de observância da lei ou dos estatutos da empresa, ou a violação grave dos deveres de gestor público, quer seja por conveniência de serviço ou motivo fundamentado, a exoneração é a única pena prevista para o gestor (não se pode misturar o estatuto disciplinar dos funcionários, com o de estatuto do gestor público, com subordinações jurídicas distintas e também consequências distintas na apreciação crítica das respetivas atuações).

62. Assim, da conjugação e histórico da disciplina legal da responsabilidade dos gestores públicos, resulta que o procedimento disciplinar instaurado ao recorrente é inválido, por falta de lei que o suporte.

63. Reitere-se que, sendo o CHPV/VC uma pessoa coletiva diferenciada do Estado, não existia nem existe qualquer relação hierárquica com o Ministério da Saúde, mas, de superintendência.

64. Os poderes de superintendência e tutela previstos no Decreto-Lei nº 233/2005 de 29 de dezembro, artigo 6 e 10 à definição dos objetivos e estratégias das entidades autónomas que integram Serviço Nacional de Saúde bem como a emissão de orientações, recomendações e diretivas específicas para prossecução das suas atividades operacionais, não cabendo nos poderes e atribuições do órgão tutelar dar ordens aos gestores que integram os órgãos de administração dessas entidades públicas, como está fora das suas atribuições puni-los por desobediência às ordens dadas;

65. O poder de superintendência tem a natureza de um poder de orientação, difere do poder de direção típico da hierarquia.

66. A hierarquia dos serviços consiste no seu ordenamento em unidades que compreendem subunidades de um ou mais graus e podem agrupar-se em grandes unidades, escalonando-se os poderes dos respectivos chefes de modo a assegurar a harmonia de cada conjunto. “II - Não há relação de hierarquia, em sentido próprio, entre o presidente do conselho de administração de pessoa colectiva pública hospital (ou Centro Hospitalar) e o Ministro da Saúde.” (Ac. STA de 02.11.1993 inwww.dgsi.pt)

67. Por tudo quanto se disse e estando subjacente à sujeição aos ditames do Estatuto do Poder Disciplinar a existência de relação hierárquica entre órgãos ou sujeitos, é de afastar a aplicação ao recorrente do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções Públicas aprovado pela Lei nº 58/2008 de 09 de setembro, no qual se sustenta o aresto em crise! Ainda,

68. Consubstancia, pois, o ato administrativo em crise, além do mais, um ato estranho às atribuições da recorrida!

69. Dispõe o artigo 133º nº 2, al. b) do CPA, atual 161º nº 1 do CPA que “são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa nulidade”. O nº 2, alínea b) do mesmo preceito legal designa por nulos “Os atos estranhos às atribuições dos ministérios...”.

70. Assim, e porque estranho às atribuições da recorrida, é o procedimento disciplinar um ato nulo, incapaz de sustentar o ato administrativo consubstanciado na decisão que aplicou ao recorrente a pena de suspensão graduada em 20 dias com execução suspensa pelo período de 1 ano e a reposição da quantia de 56.582,722€.

71. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal (artigo 134 do CPA, atual 162 do CPA).

72. ln casu, a arguição de nulidade do procedimento disciplinar pelas razões aduzidas supra, não está sujeita à regra de que a alegação do vício do ato deve ser feita na petição inicial, antes a todo o tempo, sendo tal nulidade geradora da nulidade do ato impugnado, esta já invocada em sede de petição inicial.

73. O recorrente arguiu tal matéria perante o TCA!

74. Nos termos do nº 2 do artigo 608 do CPC “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação…”

75. No âmbito do artigo 149 do CPTA, cabe nos poderes de cognição do TCA apreciar da nulidade prevista no artigo 133º nº 1 e 2 al. b) do CPA, atual 161º nº 1 e 2, al. b) do CPA, invocada segundo os ditames do artigo 134 nº 2 do CPA, atual 162 nº 2 do CPA!

76. Invocada a nulidade do procedimento disciplinar em 23 a 32 das alegações de recurso de apelação e perante o Tribunal a quo, impunha-se a sua apreciação e proferida decisão em conformidade!

77. Falha o Tribunal a quo ao não apreciar a matéria aduzida em 23 a 32 das alegações de recurso e, bem assim, ao não declarar a nulidade do procedimento disciplinar e do ato administrativo produzido no âmbito de um procedimento nulo!

78. O ato nulo, não produz quaisquer efeitos jurídicos independentemente da declaração de nulidade (artigo 134 do CPA, atual artigo 162º /1/2 do CPA), sendo que a nulidade do procedimento disciplinar, porque consubstancia um ato estranho às atribuições do recorrido (artigo 133/2/al. b), do CPA, atual artigo 161/2/al. b) do CPA, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal (artigo 134 do CPA, atual 162/2, do CPA).

79. Impõe-se a revogação do acórdão e a sua substituição por outro que declare a nulidade do procedimento disciplinar e do ato administrativo produzido no âmbito de tal procedimento, pois que, o acórdão sub judicie sustenta-se nos “... factos apurados em sede de processo disciplinar e que constam do relatório final do procedimento…”!

80. Viola o acórdão sub judicie o disposto nos artigos 133 b), do CPA, atual artigo 161/2/al. b) do CPA, artigo 134/2, do CPA atual 162/2, do CPA), artigo 149 do CPTA, artigo 608 do CPC ex vi do artigo 1º do CPTA, Dec. Lei nº 464/82, de 9 de Dezembro, artigo do Dec. Lei nº 188/2003 de 20 de Agosto.

- da anulação do ato administrativo sindicado —

81. Ainda, pronunciou-se o tribunal a quo no sentido de que a deliberação sobre a remuneração a pagar ao recorrente constitui um ato nulo, porque incluído nas atribuições dos Senhores Ministros das Finanças e da Saúde e alheio às atribuições do CA do CHPV/VC.

82. Andou mal o acórdão em crise na interpretação da lei e aplicação do direito.

83. O Decreto Regulamentar nº 3/88 de 22 de Janeiro foi expressamente revogado pelo artigo 42º/1 — d) do Dec. Lei nº 188/2003 de 20 de Agosto. Tal revogação, contudo, não significa que a norma do artigo 6 do Decreto Regulamentar nº 3/88 haja sido substituída por outra, designadamente do Dec. Lei nº 188/2003.

84. Dispõe o artigo 89/3 do Dec. Lei nº 188/2003 de 20 de Agosto, que “a remuneração dos membros do conselho de administração do hospital é fixada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde”.

85. Não sobreveio imediato Despacho Conjunto a fixar tal remuneração e o Despacho Conjunto de 17 de Maio de 1988 produzido sobre tal matéria já há muito havia caducado/revogado.

86. Tal como o artigo 8º/3 do Dec. Lei nº 188/2003 de 20 de Agosto, o nº 1 do artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 3/88 conferia aos Ministros das Finanças e da Saúde, conjuntamente, a competência para a fixação das remunerações dos membros dos conselhos de administração dos hospitais. Ao abrigo deste decreto regulamentar, foi fixada a remuneração pelo Despacho Conjunto de 17 de Maio de 1988, por equiparação às dos gestores públicos.

87. A criação do Novo Sistema Retributivo da Função Pública, através dos Dec. Lei nº 184/89 de 2 de Julho e 353-A/89 de 16 de Outubro para as carreiras médicas, de enfermagem, de técnicos de diagnóstico e terapêutica e, mais tarde, de técnicos superiores de saúde, veio a traduzir-se numa valorização remuneratória significativa destes profissionais, vindo o Decreto-Lei nº 73/90 de 6 de Março a estabelecer, para o pessoal médico, as remunerações mais elevadas de entre todas as fixadas para as várias carreiras profissionais do pessoal dos quadros hospitalares.

88. Por força da referida alteração legal dos regimes das carreiras médicas, passou também a haver médicos nos hospitais a auferirem remunerações mais altas que os respectivos membros dos conselhos de administração, chegando a haver situações em que médicos que integravam os Conselhos de Administração e que tinham optado pela retribuição de origem terem remunerações substancialmente superiores às dos seus pares no mesmo Conselho de Administração, o que configura uma violação superveniente do limite legal estabelecido no nº 2 do artº 6º do Decreto Regulamentar nº 3/88, pelo que “ o Despacho Conjunto de 17 de Maio de 1988 que fixava a remuneração dos administradores dos hospitais públicos em função da tabela aplicável aos gestores públicos, mais do que ficar a padecer de invalidade superveniente, caducou, extinguindo-se automaticamente, por ter deixado de vigorar a situação jurídica (regulamentar) para a qual tinha posto”.

89. “A entrada em vigor do regime das carreiras médicas e do Dec. Lei nº 73/90 elevando o valor das suas remunerações acima das remunerações dos gestores públicos, revogou tacitamente e implicou a cessação automática dos efeitos do referido Despacho Conjunto, que tinha sido posto para regulamentação de uma situação - a de que as remunerações dos gestores eram superiores às das carreiras médicas - agora inexistente.”

90. Não obstante os administradores executivos deverem claro, continuar a ser pagos, no exercício das suas funções, o despacho conjunto — Despacho nº 46/2006 — previsto no Dec. Lei nº 188/2003 de 20 de Agosto, viria apenas a ser publicado em 17 de Janeiro de 2006, resultando do seu preâmbulo que, tendo o Dec. Lei nº 188/2003 remetido “para despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde a fixação das remunerações dos membros dos conselhos de administração dos hospitais do sector público administrativo, em função do nível e da lotação de cada hospital, desde então nunca foi proferido o respectivo despacho conjunto, tendo o Inspecção-Geral da Saúde detectado a existência de várias situações irregulares em diversos estabelecimentos hospitalares do sector público administrativo” e de que era propósito do Despacho Conjunto nº 46/2006 proceder então à regularização dessa situação. (negrito e itálico nosso).

91. Em 24 de Março de 2004 — data da deliberação em causa nos presentes autos — inexistia regra que, em substituição da regra do artigo 6º nº 2 do Decreto Regulamentar nº 3/88 fixasse “a remuneração dos membros do conselho de administração do hospital.”

92. Aliás, atento o “vazio legal” e as dúvidas quanto à aplicação do artigo 6º do Dec. Regulamentar nº 3/88, por diversas vezes, jurisconsultos foram chamados a pronunciar-se sobre o tema e a própria administração pública veio a manifestar-se oficialmente sobre a questão, sustentando que o artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 3/88 estava em vigor e que o seu sentido só podia ser o de que os membros dos conselhos de administração dos hospitais não podiam receber remunerações inferiores à mais alta praticada em cada hospital para as respectivas carreiras (médicas) e que se mostram juntos aos autos e que, diga-se, o Tribunal de 1ª instância mal, não atendeu, julgando mal a causa, vindo o acórdão em crise a padecer do mesmo erro de julgamento!

93. O CA do CHPV/VC ao deliberar mandar processar as suas remunerações por referência ao único critério legal existente - o do artigo 6/2º do citado Decreto Regulamentar nº 3/88 -, não se substituiu nas competências legalmente atribuídas aos Ministros da Saúde e das Finanças, o que é bem diferente de proceder à própria fixação (dos critérios e dos valores) das suas remunerações.

94. O CA do CHPV/VC ao deliberar sobre a remuneração a receber pelos seus membros, praticou um ato próprio e dentro da sua competência. Fê-lo em obediência à lei e dentro dos critérios legais existentes – nº 2 do artigo 6° do Decreto Regulamentar nº 3/88 de 22 de Janeiro - para a fixação das mesmas.

95. Da omissão da prática de um ato político - Despacho Conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde-, não pode resultar o não cumprimento das disposições positivas da lei, mormente do referido nº 2 do artigo 6° do Decreto Regulamentar n°3/88 de 22 de Janeiro.

96. A deliberação em causa nos presentes autos não inquina de vício de incompetência absoluta! Reitere-se que a deliberação do CA em causa limitou-se a aplicar, à falta de outro, o disposto naquele preceito legal.

97. Da leitura do artigo 6º do Dec. Regulamentar nº 3/88 de 22 de Janeiro resulta que o despacho ministerial fixador da remuneração dos membros dos conselhos de administração dos hospitais terá sempre que partir do valor mínimo remuneratório estabelecido no nº 2 do artº 6, ou seja, da “remuneração mais elevada que, nos termos das respectivas carreiras profissionais, seja passível de ser abonado aos funcionários do quadro hospitalar”; (ii) encontrado esse valor mínimo, a remuneração daqueles variará em função do nível e da lotação do Hospital (nº 1 do artº 6).

98. Significa isto que, na ausência de despacho a fixar a remuneração dos membros do conselho de administração (nº 1 do art. 6), estes receberão sempre uma remuneração que não poderá ser inferior “à remuneração mais elevada que, nos termos das respectivas carreiras profissionais, seja passível de ser abonada aos funcionários do quadro hospitalar” (nº 2 do artº 6).

99. Ora o artigo 6º do Dec. Regulamentar nº 3/88 de 22 de Janeiro não carece de qualquer despacho ministerial de fixação de remuneração; este comando normativo é de aplicação automática, não necessitando de qualquer despacho de mediação ou de intermediação.

100. A deliberação em causa nos autos contempla o pagamento ao recorrente de uma remuneração superior à remuneração dos gestores públicos, mas igual (ou, pelo menos, não superior) à remuneração mais elevada que, nos termos das respetivas carreiras profissionais, fosse passível de ser abonada aos funcionários do quadro hospitalar.

101. A deliberação é formal e substancialmente legal!

102. Formalmente legal porque, ao deliberar pagar uma remuneração igual (ou, pelo menos, não superior) à remuneração mais elevada que (...) seja passível de ser abonada aos funcionários do quadro, em cumprimento do disposto no artigo 6º/2 do Dec. Regulamentar 3/88. Aliás, o próprio acórdão recorrido admite por correto o valor da remuneração resultante da deliberação do Conselho de Administração.

103. Substancialmente legal porque, sendo esta a interpretação correta, e tendo os membros do conselho de administração sido pagos de acordo com a mesma, nenhuns pagamentos são devidos pelo recorrente, para efeitos de reposição, já que estes se mostram legais (artigo 6º/2 Dec. Regulamentar nº 3/88 de 22 de Janeiro).

104. Não houve portanto, por parte do, ora, recorrente, qualquer substituição nas competências legalmente atribuídas aos Ministros da Saúde e das Finanças, pelo que não se verifica, in casu, violação de competências!

105. Aliás, é esta a posição expressa pelo então Ministro da Saúde Dr. …………, que no âmbito do processo nº ………. da Inspecção Geral da Saúde, declarou que está em consonância com o entendimento, aliás consensual, de que os Conselhos de Administração têm competência para interpretar uma norma jurídica não regulamentada e deliberarem de acordo com esse entendimento, sendo competentes para esse acto de gestão...”.

106. Ao votar favoravelmente a deliberação em causa nos autos, o recorrente não infringiu qualquer dos deveres do gestor público, nos termos do Dec. Lei 188/2003 de 20 de Agosto, ou incorreu em qualquer infração disciplinar, por violação do dever de isenção, zelo e lealdade previstos no artigo 3º/4º, al. a), b) e d) do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo Dec. Lei 24/84 de 16.01, atual artigo 3º/2, al. a), e) e g), aprovado pela Lei nº 58/2008 de 09 de Setembro, o qual, como se conclui no acórdão sub recurso!

107. Agiu conforme à lei e no uso das suas atribuições e competências, o que importa a anulação do ato administrativo em crise!

108. O aresto em crise fez uma errónea apreciação da lei, nomeadamente do disposto no artigo 6 do Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro, bem como o disposto no Dec. Lei 464/82 de 09 de Dezembro e Dec. Lei 188/2003 de 20 de Abril, o artigo 133º/2 al, b) do CPA, atual artigo 161º/2 al. b) do CPA), artigo 3.º/4.º, al. a), b) e d) do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo Dec. Lei 24/84 de 16.01, atual artigo 3º/2, al. a), e) e g), aprovado pela Lei nº 58/2008 de 09 de Setembro, e artigo 61.º/5 da Lei 98/97 de 26 de Agosto, pelo que errou na aplicação e subsunção do direito à matéria fáctica carreada para os autos, como na interpretação e aplicação da lei!

- da nulidade do ato administrativo na parte em que decide sobra a reposição -

109. O ato administrativo em crise condena, além do mais, o recorrente na reposição da quantia de 56.582,72€. A prática do ato administrativo no que a este aspecto concerne extravasa as competências da recorrida Ministra da Saúde, por ser tal matéria da competência do Tribunal de Contas, o que e também por tal motivo, faz o ato administrativo incorrer em vício de nulidade (artigo 133º nº 2, al. b) do CPA atual artigo 161 nº 2, al. b) do CPA).

110. Nulidade que, ao abrigo do disposto no artigo 134º nº 2 do CPA, atual artigo 162º nº 2 do CPA, desde já se invoca, para os devidos efeitos legais!

111. A decisão reintegratória e/ou de reposição in casu, cabia ao Tribunal de Contas, afastada, assim, do âmbito da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais (artigo 1º, nº 1, 59º, nº 1 e 4, 61º nº 1 e 62º nº 1 e 2 e artigo 5º nº 1, alínea e da LOPTC) e artigo 4º do ETAF).

112. A competência absoluta, em razão da matéria, exclusiva do Tribunal de Contas constitui uma exceção dilatória como prevê o artigo 577º, alínea a) CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, de conhecimento oficioso, segundo os ditames do artigo 578º do CPC ex vi do artigo 1 do CPTA!

113. E nesta senda, cabia ao Tribunal de 1ª instância, desde logo, conhecê-la! O que não fez, incorrendo o TCA no mesmo erro de julgamento!

- do caso julgado —

114. Acresce que, e sobre a matéria da responsabilidade reintegratória no caso dos autos foi chamado a pronunciar-se o TAF do Porto, no âmbito do Proc. 1590/14.6 BEBRT. Julgou-se este Tribunal, por sentença transitada em julgado, incompetente em razão da matéria para a apreciação da obrigação de reposição do valor de 56.582,722€ por parte do recorrente e por competente o Tribunal de Contas, vide sentença, acima junta como doc. 1.

115. A competência material para a efetivação da responsabilidade financeira pertence ao Tribunal de Contas, devendo ser requerida pelo Ministério Público, no exercício de competência diretamente prevista na lei, independentemente de eventuais responsabilidades de outra natureza, emergentes dos mesmos factos...”

116. A sustentação da tese da incompetência do tribunal de 1ª instância e bem assim do tribunal a quo para apreciar a matéria da reposição ou reintegratória, acresce por fundamento à revogação do acórdão sub judice a violação do caso julgado - exceção dilatória prevista no artigo 577º, al. 1) do CPC, ex vi do artigo 1 do CPTA, de conhecimento oficioso (artigo 573º do CPC ex vi do artigo 1º do CPTA)!

117. Neste sentido, vide Ac. STA de 08.10.2014, in www.dgsi.pt , onde se lê: Transitada “... em julgado a decisão nela contida consolidou-se na ordem jurídica com força de caso julgado material.” (vide Ac. STA de 08.10.2014, in www.dgsi.pt)

118. Ora, o Tribunal a quo ao decidir pela manutenção do ato administrativo em crise, vem, também, a violar as regras da competência dos tribunais e a força material do caso julgado!

119. Viola o acórdão sub judice as normas dos artigos 59º, nº 1 e 4, 61º nº 1 e 62º n 1 e 2 e artigo 52º nº 1, alínea e) da LOPTC, 577º, al. i) do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, artigo 578º do CPC ex vi do artigo 1º do CPTA e artigo 4º do ETAF»


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O Ministério da Saúde apresentou contra alegações, tendo concluído o seguinte:

«a) A norma do artigo 150º, nº 1, do CPTA, deve ser interpretada como prevendo não um recurso ordinário de revista, mas uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas, caso se verifiquem os estritos pressupostos que o legislador configurou e caracterizou;

b) No caso dos autos não está em causa a apreciação de qualquer questão que pela sua relevância jurídica e social se revista de uma importância tal que tornaria imprescindível a excecional intervenção do STA;

c) As questões concretamente suscitadas nas alegações de recurso não apresentam relevância superior à comum, não se alcandorando a patamares superiores de importância relativa, nem extravasando dos limites e das singularidades próprias das situações ordinárias;

d) Delas está ausente o carácter especialmente complexo e controvertido suscetível de lhes atribuir uma importância qualificada, tida por fundamental;

e) Por outro lado, a “melhor aplicação do direito” justificar-se-ia caso estivesse em causa, designadamente, a errada aplicação de uma norma legal, ou se a decisão recorrida tivesse sido lavrada contra o direito ou à margem dele — o que não é manifestamente o caso dos autos;

f) Tendo em conta que, na petição inicial, o Autor se abstivera de pôr em causa a factualidade apurada no procedimento disciplinar que lhe fora instaurado, e que a primeira instância havia julgado a ação administrativa intentada “totalmente improcedente”, com a manutenção do ato impugnado nos seus precisos termos, bem entendeu o TCA Norte não fazer sentido vir o Recorrente perante si alegar sobre matéria do julgamento de facto (cfr. conclusões 1ª a 22ª das alegações para aquele Tribunal);

g) Quanto à matéria alegada nas conclusões 23 a 32 das mesmas alegações, bem se posicionou o acórdão recorrido, ao ter exteriorizado o entendimento de que a sentença do TAF do Porto não tratara sequer de tal matéria, pelo que não teria a segunda instância de sobre a mesma se pronunciar;

h) Com exceção daquelas que sejam de conhecimento oficioso, na apreciação de recurso jurisdicional não podem conhecer-se questões novas, que não tenham sido objeto da sentença;

i) Os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões preferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões que, podendo ter sido suscitadas em momento anterior, o não foram;

j) Bem concluiu o TCA Norte pela inexistência de erro de julgamento, e pela não ocorrência de “qualquer das imputadas violações normativas”, tendo negado provimento ao recurso;

k) Não se está perante qualquer omissão de pronúncia que pudesse inquinar o acórdão de que se recorre para o STA, que não incorreu em qualquer erro suscetível de exigir a intervenção do STA como imprescindível para uma “melhor interpretação e aplicação do direito”;

l) Não se encontram preenchidos os pressupostos exigidos no artigo 150º, nº 1, do CPTA, para excecionalmente fazer intervir o terceiro grau de jurisdição do contencioso administrativo, devendo o recurso de revista ser liminarmente rejeitado, por inadmissível;

m) Ainda que a revista fosse admissível, que o não é, nos autos ficou demonstrado — e reconhecido pelo acórdão do TCA Norte — ter o Recorrente, com a ilegalidade da sua atuação, incorrido na violação dos deveres de isenção, zelo e lealdade, por cujo incurso foi condenado disciplinarmente; consequentemente;

n) Deve o Recorrente repor a totalidade dos valores com que indevidamente se locupletou a partir de setembro de 2004, com efeitos retroativos a outubro de 2002, o que totaliza 56.582,72€ visto o seu recebimento ter assentado num ato comprovadamente nulo e de nenhum efeito.

Termos em que (…) deve o presente recurso ser rejeitado com os fundamentos expostos, ou, se assim se não entender, deve o mesmo ser o mesmo julgado improcedente, com as legais consequências.».


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O «recurso de revista» foi admitido por Acórdão deste STA [formação a que alude o artigo 150º do CPTA], proferido a 22 de Março de 2019.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu pronúncia.

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Sem vistos.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Nos termos do nº 6 do artº 663º do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido.


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2.2. O DIREITO

Neste recurso de revista intentado pelo recorrente, começa o mesmo por centrar a questão do objecto do recurso, nas nulidades por omissão de pronúncia que alega terem sido comedidas no Acórdão recorrido em sede de recurso de apelação.

E, fá-lo, invocando que o Tribunal de Apelação não está impedido de conhecer de ilegalidades, que mesmo que não tenham sido alegadas no requerimento inicial, possam ser invocadas a todo o tempo, porque geradoras de nulidade, como são as que invocou nas alegações de recurso que apresentou para aquele Tribunal [artºs 134º, nº 2, al. b) e 134º, nº 2 do CPA, actuais 161º e 162º do referido Código].

Em concreto, o recorrente nas alegações que produziu para o TCAN [que reitera agora nas presentes alegações de Revista] invocou nas conclusões 23 a 32 que:

«À data dos factos em discussão (..) o apelante exerceu funções de administrador executivo, por nomeação do Conselho de Ministros, sob proposta dos membros do Governo da área das finanças e da saúde, para um mandato de 3 anos, funções estas regidas pelo Estatuto do gestor Público, aprovado pelo DL nº 464/82 de 09.12, que revogou o DL nº 831/76 de 25.11;

Do confronto de ambos os diplomas legais resulta que o DL nº 464/82 de 09.12 não prevê a cumulação da responsabilidade disciplinar dos gestores públicos com a responsabilidade civil e criminal estabelecida no diploma revogado, prevendo a exoneração fundada em motivo justificado, mormente por violação grave dos deveres do gestor, sem que tal implique o estabelecimento ou organização de qualquer processo;

Os factos objecto de sindicância nos presentes autos, foram praticados pelo apelante no exercício de funções de administrador executivo, nomeado, a coberto de um contrato de mandato e sob a égide do estatuto do gestor público, pelo que a haver violação dos deveres de gestor, o que não se crê, nem se concede, importaria a exoneração do apelante, sem estabelecimento ou organização de qualquer processo [cfr. artº 6º e 3º, nº 3 do DL nº 464/82 de 09.12 e artº 8º e 9º, nº 2 do DL 188/2003 de 20.08 – Regulamento do Regime Jurídico da Gestão Hospitalar];

O estatuto do gestor hospitalar, aprovado pelo DL nº 464/82 de 09.12, em vigor à data dos factos, não previa a responsabilidade disciplinar do apelante ou a sujeição deste ao estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da administração pública, como o não prevê o actual estatuto do gestor público;

Da conjugação e histórico da disciplina legal da responsabilidade dos gestores públicos, resulta que o procedimento disciplinar instaurado ao apelante é inválido, por falta de lei que o suporte, padece, assim, do vício de ilegalidade, o que acarreta a nulidade do procedimento disciplinar e do acto administrativo sub apreciação;

O acto nulo, não produz quaisquer efeitos jurídicos, independente da declaração de nulidade (artº 134, 1,2 3, actual artº 162º, 1,3 do CPA).

Nulidade que se invoca desde já, para os devidos efeitos legais (…)

Andou mal o tribunal a quo ao não declarar a nulidade do procedimento disciplinar e do acto administrativo produzido no âmbito de um procedimento nulo;

Diga-se ainda que, sendo o CHPV/VC uma pessoa colectiva diferenciada do Estado, não existir, nem existe qualquer relação hierárquica com o Ministério da Saúde, mas de superintendência, o que afasta a aplicação ao apelante do estatuto disciplinar invocado; Impõe-se a revogação da sentença e a sua substituição por outra que declare a nulidade do procedimento disciplinar e do acto administrativo produzido no âmbito de tal procedimento».

Mais alega, a nulidade por omissão de pronúncia, relativamente à questão suscitada referente à incompetência da Jurisdição Administrativa, por entender que a decisão reintegratória e/ou de reposição da quantia de 56.582.72€, era questão que materialmente competia ao Tribunal de Contas, questão que não mereceu decisão no Acórdão recorrido.


*

Acerca desta matéria, o TCAN limitou-se a consignar no Acórdão recorrido o seguinte discurso argumentativo:

«E, “como é sabido, os recursos destinam-se a reapreciar a matéria de julgamento que vem sindicado e não de questões novas” (Ac. do STA de 16.11.2007, proc. nº 01216/17).

Pelo que também não há agora que cuidar do que o recorrente suscita de 23ª a 32ª das suas alegações de recurso, que a sentença não tratou».


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E em sede de Acórdão de sustentação das nulidades de omissão de pronúncia arguidas pelo recorrente, limitou-se a dizer que não se verificavam as referidas nulidades por omissão de pronúncia, nos termos dele constantes, sendo que, em relação à questão da incompetência absoluta dos Tribunais Administrativos se limitou a dizer: «Nada foi omitido (...) quando foi o próprio autor/recorrente que se lhes dirigiu revindicando a sua competência para a resolução do pleito».

*

VEJAMOS:

As nulidades da sentença são taxativas e mostram-se elencadas no nº 1, do artº 615º do CPC/Lei 41/2013 de 26.06 [assim como serão todas as referências, sem indicação de norma especial].

No caso em apreço, as nulidades imputadas ao acórdão recorrido enquadram-se na alínea d), do nº 1 do artº 615, onde se refere expressamente que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).

Esta nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no nº 2 do artº 608º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".

A violação daquele dever, torna nula a sentença, consequência que se justifica dado que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça.

Já Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143 indicava que há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão".

Ou seja, questões para este efeito são, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais debatidos nos autos, sendo que, não podem confundir-se aquilo que são questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição nas questões objecto de litígio.

Assim, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que decidir as questões que por aquelas lhe tenham sido postas ou que sejam de conhecimento oficioso.

Ou seja, o que se impõe é que o julgador conheça de todas as questões de fundo que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenham ficado prejudicadas pela solução dada a outras, desde que, não sejam de conhecimento oficioso.

De tal dever, constituindo uma decorrência do princípio da disponibilidade objectiva [cfr. artº 264º, nº 1 e 664º, 2ª parte do CPC], deriva a imposição ao julgador da obrigação de examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e de analisar todos as pretensões/questões formuladas pelas mesmas, com excepção apenas das matérias ou dos pedidos/pretensões que se mostrem como juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.

Com efeito, a dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 608º, nº 2 e, 615º, nº 1, d), do CPC.

Cremos, que a resposta tem de ser indagada na configuração que as partes deram ao litígio, tendo em consideração a causa de pedir, o pedido, bem como, as excepções invocadas pelo réu, o que significa que questões serão apenas, as questões de fundo, ou seja, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter.

E bem assim, quando em cumprimento de um dispositivo legal, como seja, quando a própria lei, obriga a esse conhecimento de forma oficiosa.

Não serão nunca os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e os que venham a surgir no decorrer do processo e sejam de conhecimento oficioso.

Em suma: as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pela relação causa de pedir/pedido, pelo que só existe omissão de pronúncia e, consequentemente, nulidade [artº 615º, nº 1, al. d), 1ª parte], se o tribunal, contrariando o disposto no nº 2 do artº 608º do CPC, proferir uma decisão desfavorável à parte, sem apreciar todos os fundamentos invocados, dado que a pretensão ou a excepção só podem ser julgadas improcedentes se nenhum dos fundamentos puder proceder.

Assim sendo, na parte que ora nos interessa, haverá nulidade de sentença por omissão de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões de fundo que lhe foram colocadas pelas partes, independentemente de, as mesmas apenas terem sido colocadas em sede de alegações para o Tribunal de apelação, como no caso sucedeu, uma vez que se tratavam de imputações ao acto impugnado susceptíveis de gerar a nulidade do mesmo, cujo conhecimento não está sujeito a prazo e é oficioso.

Por outro lado, resulta do disposto no artº 149º do CPTA, que a apelação é um recurso substitutivo e não meramente cassatório, ou seja, «Se o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal superior se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida» – cfr. nº 2 do citado artº 149º do CPTA.

Resulta do exposto que se impõe ao TCA, em sede de Apelação, que substitua a decisão impugnada por aquela que legalmente deveria ter sido logo proferida pelo TAF (cfr. Acs. do STA de 2/8/2006 – proc. nº 571/06 e de 18/6/2015 – proc. nº 90/15), por força do disposto no nº 2 do artº 149º do CPTA.

Por isso, como tem entendido este Supremo, o TCA incorre em omissão de pronúncia quando não conhece de questão que o TAF não chegara a apreciar, mas cuja apreciação se tornou necessária por efeito da decisão revogatória operada no recurso de apelação, ou quando está em causa uma questão de conhecimento oficioso.

Por isso, “está ínsito naquela disposição [nº 2 do art.º 149º] que as questões que não foram objecto de apreciação e cujo conhecimento se torna pertinente em face da procedência da apelação não podem deixar de ser apreciadas”, não estando o dever de cognição imposto por essa norma imperativa sequer dependente da formulação de pedido pelos interessados; igualmente, não pode o Tribunal de Apelação deixar de conhecer de questões suscitadas apenas em sede de alegações recursivas, quando as mesmas respeitam à nulidade assacada ao acto impugnado e à incompetência da jurisdição administrativa para julgar o pleito.

Ou seja, como em abstracto, é possível invocar nas alegações vícios não colocados na petição de recurso e como há outros que são de conhecimento oficioso (o que sucede com os vícios geradores de nulidade) esta omissão é censurável e acarreta a nulidade da decisão.

Assim, na decisão a emitir oportunamente, há que abordar as ilegalidades arguidas em sede de alegações de recurso, e emitir pronúncia sobre as mesmas [pronúncia que não se basta com as palavras consignadas no acórdão recorrido], aliás, ambas, de conhecimento oficioso.

Neste sentido, veja-se, por todos, o Acórdão proferido neste Supremo Tribunal em 29.05.2014, in proc. nº 0502/13, tendo-se nele consignado:

«XII. É que tendo o tribunal “a quo” julgado do mérito da causa mas deixado de conhecer de certas questões [fundamentos de ilegalidade assacados aos atos administrativos impugnados], designadamente, por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal “ad quem”, entendendo que o recurso de apelação procedia, deveria ter passado à apreciação e conhecimento das demais questões suscitadas nos autos, no caso, de todos os outros fundamentos de ilegalidade assacados aos atos impugnados e que ainda não haviam sido objeto de pronúncia, “conhecendo de facto e de direito” como se prevê no art. 149.º do CPTA, salvo se existisse algo que obstasse à apreciação dos demais fundamentos de ilegalidade invocados pelos aqui recorrentes por não estarem reunidos, em concreto, os necessários pressupostos e condições legalmente exigidos.

XIII. Este Supremo Tribunal assim tem vindo a decidir de forma reiterada como se extrai, mormente, dos seus acórdãos de 06.12.2006 [Proc. n.º 0858/06], de 10.03.2011 [Proc. n.º 0641/09] e de 22.03.2011 [Proc. n.º 0916/10] [todos consultáveis in:«www.dgsi.pt/jsta»].

XIV. Assim, pode ler-se, desde logo, no citado acórdão datado de 06.12.2006 que a “… leitura do art. 149.º do CPTA - que estabelece os poderes de cognição do TCA no recurso de apelação - evidencia que o legislador «não quis um modelo de recurso meramente cassatório, isto é, que apenas concede ao tribunal superior o poder de revogar a sentença. Em benefício da celeridade, no âmbito do recurso de apelação, optou por um modelo de matriz substitutiva, investindo o TCA no poder - dever de, julgando procedente o recurso, se necessário com produção de prova nesta sede, substituir a decisão impugnada pela decisão que, no seu juízo, se apresente como aquela que deveria ter sido proferida logo na 1.ª instância» - Acórdão de 2/08/2006, (rec. 572/06). (…) O que significa que o legislador quis que o recurso de apelação fosse um verdadeiro recurso substitutivo, isto é, um recurso em que os poderes do TCA não se restringem à revogação da decisão recorrida e a ordenar que os autos baixem ao Tribunal recorrido para que este decida de novo, uma vez que o obriga a conhecer do mérito sempre que tal seja possível e que, sendo o caso, substitua a decisão impugnada por uma nova e diferente decisão. E, tanto assim, que admitiu, até, a possibilidade desse Tribunal não só reformular o julgamento da matéria de facto feito na instância recorrida aproveitando-se dos elementos probatórios já recolhidos, como também de promover a produção de novas provas em ordem a essa reformulação decisória - Vd. n.º 2 do art. 149.º do CPTA. (…) Ou seja, nesta matéria, o legislador do CPTA inovou e ao fazê-lo foi mais além do que o legislador do CPC pois admitiu a possibilidade do TCA diligenciar, por si ou a requerimento (Vd. arts. 265.º e 645.º do CPC), no sentido do apuramento da verdade material com a realização de novas provas …” [sublinhados nossos].

XV. E, na mesma linha da fundamentação, extrai-se do acórdão deste Supremo de 22.03.2011 [Proc. n.º 0916/10] que “… o Tribunal Central Administrativo, em face da procedência da apelação quanto às questões que tinham sido seu objeto, tinha o dever de, oficiosamente, apreciar a necessidade de tomar conhecimento das questões que tinham sido suscitadas perante a 1.ª instância e não tinham sido por esta apreciadas, designadamente daquelas cujo conhecimento só se tornou pertinente em face da procedência da apelação. (…) Assim, não havia obstáculo quer derivado de caso julgado quer derivado de falta de recurso ou requerimento de ampliação do seu objeto (…). Antes pelo contrário, o Tribunal Central Administrativo, para dar cumprimento à obrigação que lhe impõe a parte final daquela norma, tinha obrigação de verificar se era pertinente a apreciação da questão … e, se entendesse dispor de todos os elementos necessários para a apreciar, tinha de passar à sua apreciação; se concluísse que era pertinente a apreciação dessa questão, mas não dispunha de todos os elementos necessários, o Tribunal Central Administrativo tinha obrigação de determinar que a 1.ª instância a apreciasse, pois está ínsito naquela norma que as questões que não foram objeto de apreciação e cujo conhecimento se torna pertinente em face da procedência da apelação não podem deixar de ser apreciadas. (…) Sendo esta uma norma imperativa que impõe ao tribunal superior, no âmbito do recurso de apelação, nos casos de procedência deste, o conhecimento em substituição de todas as questões que não foram conhecidas pelo tribunal recorrido relativamente às quais não existam obstáculos, o respetivo dever de cognição do tribunal não estava sequer dependente de formulação de pedido pelos interessados, não dependendo, designadamente de ser requerida a ampliação do objeto do recurso. (…)

XVI. Não havendo, assim, procedido em conformidade com o entendimento jurisprudencial acabado de convocar em interpretação daquilo que é o quadro normativo aplicável e que se mostra vertido nos arts. 149.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA, 660.º e 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, temos que o acórdão sob impugnação, procedendo a apelação e julgando improcedente a ação administrativa especial sem, todavia, haver conhecido dos demais fundamentos de ilegalidade que haviam sido invocados pelos aqui recorrentes na petição inicial/alegações mas que não haviam sido objeto ainda de qualquer pronúncia por parte do TAFL, padece de nulidade por omissão de pronúncia (…) o que se impõe declarar e extrair as devidas consequências.

XVII. Chegados aqui e mercê do acabado de julgar importa, então, determinar das implicações que tal juízo acarreta para o demais objeto de pronúncia no âmbito do presente recurso jurisdicional.

XVIII. Cotejando o regime normativo pertinente neste âmbito temos que decorre do art. 150.º do CPTA, naquilo que ora importa, que (…) a “… revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual …” (n.º 2), sendo que aos “… factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado …” (n.º 3), na certeza de que o “… erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova …” (n.º 4).

XIX. E deriva, por seu turno, do art. 731.º do CPC, aplicável “ex vi” art. 140.º do CPTA, que quando “… for julgada procedente alguma das nulidades previstas nas alíneas c) e e) e na segunda parte da alínea d) do artigo 668.º (…) o Supremo suprirá a nulidade, declarará em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhecerá dos outros fundamentos do recurso …” (n.º 1) e se “… proceder alguma das restantes nulidades do acórdão, mandar-se-á baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, pelos mesmos juízes quando possível …” (n.º 2), sendo que a “… nova decisão que vier a ser proferida, de harmonia com o disposto no número anterior, admite recurso de revista nos mesmos termos que a primeira …” (n.º 3).

XX. Presentes os comandos legais acabados de enunciar temos que este Tribunal está, no caso concreto, limitado nos seus poderes de conhecimento quanto ao demais objeto do presente recurso tanto para mais que os poderes de cognição no julgamento do recurso de revista previsto no art. 150.º do CPTA não são os mesmos, nem correspondem a uma mera transposição daquilo que são os poderes do TCA no quadro do recurso de apelação previsto no art. 149.º do mesmo Código.

XXI. É que o recurso de revista rege-se por normas próprias das quais deriva, por um lado, o seu caráter excecional com regras e pressupostos próprios de admissibilidade tal como resultam não só dos próprios termos do art. 150.º do CPTA mas também do que se mostra escrito em sede da Exposição de Motivos do CPTA a propósito deste recurso, na certeza, ainda, de que o mesmo está sujeito a um regime similar ao que se mostra previsto no processo civil, quer quanto aos fundamentos do recurso, quer quanto aos poderes de cognição do tribunal, aplicando-se-lhe, devidamente adaptadas, as regras previstas nos arts. 726.º a 732.º do CPC e salvo o que se mostre especialmente regulado [cfr. M. Aroso Almeida e Carlos A. F. Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, pág. 982].

XXII. Temos, por outro lado, que sendo, por via de regra, um recurso de reexame, ou seja, “cujo fundamento específico é a violação da lei substantiva ou processual e cujo objeto é a questão ou relação jurídica objeto da pronúncia no Tribunal recorrido”, resulta, porém, que, por exceção, o mesmo pode assumir “natureza de recurso rescindente ou cassatório, isto é, de recurso onde se revoga a decisão recorrida e se ordena a remessa dos autos ao Tribunal recorrido a fim de se proceder a novo julgamento, tanto da matéria de facto como de direito” [cfr. o supra citado acórdão deste Supremo de 06.12.2006 - Proc. n.º 0858/06].

XXIII. Refere-se na argumentação expendida no acórdão acabado de aludir que o “… recurso de revista obedece a normas próprias (Vd. arts. 721.º a 733.º do CPC) e delas resulta que, por via de regra, o mesmo é um recurso de reexame, isto é, um recurso que tem por fundamento específico a violação da lei substantiva, cujo objeto é a questão ou relação jurídica objeto da pronúncia no Tribunal recorrido e que, por isso, se destina a manter a decisão recorrida ou a substitui-la por uma nova e diferente decisão - vd. art. 721.º, n.ºs 1 e 2 do CPC - e que só por exceção é que assume a natureza de recurso rescindente ou cassatório, isto é, de recurso onde se revoga a decisão recorrida para que se remetam os autos ao Tribunal recorrido a fim de se proceder a novo julgamento, tanto da matéria de facto como de direito - vd. n.ºs 1, 2 e 3 do art. 729.º do CPC (…) O recurso de revista só é, assim, «rescindente ou cassatório quando se verifique alguma das nulidades previstas no art. 731.º, n.º 1, do CPC, ou quando se justifique a ampliação da matéria de facto ou a eliminação de contradições na decisão de facto. No primeiro caso, o legislador entendeu que a garantia do duplo grau de jurisdição, particularmente evidente no caso de omissão de pronúncia ou falta de fundamentação, deve continuar a prevalecer sobre as exigências de celeridade que estão subjacentes à regra de substituição do Tribunal recorrido; no segundo caso, o regime cassatório é justificado pelas limitações inerentes à intervenção de um Tribunal de revista no que concerne à fixação da matéria de facto. No mais, a revista configura-se como um recurso de reexame ou substitutivo …» (…). (…) E tanto assim é que, em contraponto com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 149.º do CPTA, o n.º 3 do art. 150.º do mesmo código se limita a prescrever que «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado» não lhe concedendo a amplitude de poderes atribuídos ao TCA no recurso de apelação, designadamente no tocante ao julgamento da matéria de facto …” [sublinhados nossos].

XXIV. Com efeito, importa ter presente que o art. 726.º do CPC exclui do âmbito da revista a regra de substituição ao tribunal recorrido que se encontra prevista para o recurso de apelação nos arts. 715.º do CPC e 149.º, n.º 1 do CPTA.

XXV. Revestindo o recurso de revista desta natureza e caraterísticas o STA, numa situação em que ocorre nulidade não abrangida pelo n.º 1 do art. 731.º do CPC, como é o caso vertente, apenas se poderá pronunciar nesta sede quando todo o objeto de litígio se mostre fixado e sobre o mesmo se hajam pronunciado as instâncias, não lhe cabendo emitir decisão, mormente, quanto a questões suscitadas nos autos mas não apreciadas pelo TAF e/ou pelo TCA, substituindo-se a estas instâncias nos seus deveres de pronúncia e suprindo, desta forma, tais deveres, tanto para mais que o recurso de revista reveste, nesse caso, de natureza meramente rescindente ou cassatória e não de reexame.

XXV. Tal como se sustentou no acórdão deste Supremo de 30.09.2009 [Proc. n.º 0703/09 consultável no mesmo sítio] “… no âmbito do recurso excecional de revista, cabe … apenas apreciar se, no acórdão recorrido, se cometeu a violação da lei substantiva ou processual que lhe é imputada pelo recorrente, como se infere do preceituado no n.º 2 do art. 150.º do CPTA (…). (…) Neste recurso, ao contrário do que sucede nos recursos de apelação (art. 149.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPTA), o Tribunal de recurso não pode substituir-se às instâncias na apreciação em primeiro grau de jurisdição das questões que são colocadas na ação …” [sublinhados nossos] [cfr., neste mesmo sentido, Ac. do STA de 22.03.2011 - Proc. n.º 0916/10 in: «www.dgsi.pt/jsta»], resultando, ainda, do acórdão deste mesmo Tribunal de 10.03.2011 [Proc. n.º 0641/09] que “… importa notar que, conforme resulta das disposições dos arts. 736.º e 731.º, n.ºs 1 e 2, do CP Civil, aqui aplicáveis por força do já citado art. 140.º, do CPTA, está excluída do âmbito da revista essa regra de substituição, quando ocorra nulidade da decisão recorrida, por virtude de omissão de pronúncia, caso em que, de acordo com as regras específicas daquele art. 731.º, n.ºs 1 e 2, deve o processo baixar ao tribunal a quo, para reforma da decisão anulada. (…) Pelo que se justifica que … o presente recurso de revista se mantenha como rescindente ou cassatório, por serem aqui inteiramente válidas as razões que levaram o legislador, no caso de verdadeira omissão de pronúncia, a entender «que a garantia do duplo grau de jurisdição … deve continuar a prevalecer sobre as exigências de celeridade que estão subjacentes à regra da substituição do tribunal recorrido» …” [sublinhados nossos]»

Atento tudo quanto se deixou exposto, importa concluir pela procedência das nulidades, por omissão de pronúncia arguidas pelo recorrente, o que implica a baixa dos autos ao tribunal a quo, dado que, como tem entendido este Supremo Tribunal, os artºs 662º e 665º do CPC, sendo excepcionais, aplicam-se às decisões da Relação, mas não às decisões proferidas em Revista – cfr. artº 679º do CPC.

Face ao exposto, procede a presente revista, devendo ser declarada a nulidade do acórdão recorrido, com a baixa dos autos ao TCA-Norte para, nos termos do artº 684º, nº 2, do CPC, aí se proceder à reforma da decisão, atento o disposto no artº 679º.


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3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso, declarando a nulidade do acórdão recorrido e ordenando a baixa dos autos ao TCA-Norte, para nos termos do artº 684º, nº 2 do CPC, aí se proceder à reforma da decisão, atento que o artº 679º, do mesmo diploma, exclui a aplicação ao recurso de revista do disposto no nº 2 do artº 665º.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Maio de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.