Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01754/13
Data do Acordão:10/09/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EMBARGO DE OBRA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Constitui jurisprudência reiterada deste STA que de acordo com o disposto no art.º 668, n.º 1, alínea d), do CPC (anterior), a sentença só é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
II - Se os Recorrentes assentam o pedido de revisão da matéria de facto em prova testemunhal, sendo que a mesma se mostra contrariada pelos depoimentos de outras testemunhas que o tribunal valorou, em especial os esclarecimento prestados em audiência pelos peritos, faz-se sentir particularmente a falta da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão da 1ª instância e que a leitura dos depoimentos escritos, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou.
III - Apreciada a matéria de facto dada como provada pelo Mmº Juiz “a quo” apresenta-se a mesma racionalmente fundamentada, com apoio em vários documentos constantes do processo, incluindo o depoimento das testemunhas, e peritos, pelo que não existindo nos autos quaisquer elementos fácticos ou quaisquer outros elementos que permitam, com segurança, a sua alteração, a mesma deve manter-se nos seus precisos termos.
Nº Convencional:JSTA00068941
Nº do Documento:SA12014100901754
Data de Entrada:11/15/2013
Recorrente:A..... E MULHER
Recorrido 1:CM DA MARINHA GRANDE
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA TAF COIMBRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N1 D.
CPA91 ART124 N1 C ART125 N1 N2.
RJUE ART102 N1 A C.
DL 555/99 DE 1999 ART4 N1 ART83 N3 ART102.
DL 177/01 DE 2001/06/04.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0641/08 DE 2008/10/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1- A………. e mulher, B………, devidamente identificados nos autos, intentaram, em 15/12/2003, no TAF de Coimbra, recurso contencioso de anulação do Despacho proferido, em 14/10/2003, pelo Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande (CMMG), «que ordenou o embargo [pelo prazo de 18 meses a contar da sua notificação] da obra de construção de um bloco habitacional e comercial que os ora Recorrentes se encontravam a construir.
2- O TAF de Coimbra, por sentença de fls. 540-549, julgou improcedente o recurso contencioso.
3- Não se conformando, os Recorrentes vieram interpor recurso (fls. 554), que foi admitido, fls. 556, como recurso de Agravo, na redacção anterior ao DL nº 303/2007, para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo apresentado as suas alegações, concluindo:
“I. A fundamentação do acto Impugnado não carecendo de ser prolixa terá que «ser suficiente para que o interessado possa ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram a essa decisão de modo a poder conhecer o respectivo “itinerário cognoscitivo e valorativo” e, assim, permitir-lhe o controlo do acto».
II. Tal não aconteceu no acto impugnado, ao menos no que tange ao segmento “outros alinhamentos, lateral e tardoz, não correspondem à Implantação apresentada e aprovada”, como de resto se destacou na PI.
III. O Autor do acto recorrido não externou porque é que os alinhamentos lateral e a tardoz não correspondem à implantação e em que medida, continuando os ora Recorrentes sem saber em que consistia a não correspondência entre a Implantação apresentada/aprovada e a edificada, nos alinhamentos.
IV. Os Recorrentes não ficaram na posse de todos os elementos de facto que lhe permitissem aferir em que medida incorreram em desconformidade entre o projectado e o edificado, ficando impedidos de reagir contra o acto prolatado, mormente invocando, nesta parte, o vício de violação de lei (como fizeram no que diz respeito aos pilares).
V. O conhecimento do “itinerário cognoscitivo e valorativo” que determinou a entidade administrativa recorrida a praticar ao acto só estaria completo se tivesse sido comunicado aos ora Recorrentes em que consistia tal desconformidade entre os alinhamentos projectados/aprovados e edificados, lateral e a tardoz!
VI. A fundamentação do acto recorrido não foi enunciada de forma clara, precisa e completa, mas antes de forma obscura e insuficiente, violando-se o disposto nos artigos 268º - 3 da CRP, 124º-1 c), e 125º, nº 1 e 2 do CPA.
VII. O Tribunal “a quo” não ajuizou o vício de forma, com a configuração que os Recorrentes lhe atribuíram expressamente nos artigos 45º a 49º da Petição Inicial, Incorrendo a douta decisão recorrida em nulidade da Sentença, prevista à data da sua prolação no artigo 668-1 d) do CPC ao tempo vigente.
VIII. Para aferir do vício de violação de lei arguido pelos Recorrentes, que assacavam erro sobre os pressupostos de facto ao acto recorrido e consequente erro de direito (por violação do disposto no artigo 102º- 1 a) a c) do RJUE) é, prima facie, determinante apurar se os Recorrentes se encontravam a executar obras em desacordo com o projecto aprovado pela Câmara Municipal em 15/07/2002 e licenciado, como pretende o acto impugnado.
IX. É também determinante verificar se as alegadas desconformidades encontradas são de tal maneira graves e insuperáveis que exijam a intervenção da Administração para tutela da legalidade urbanística.
X. Em matéria de urbanismo assiste-se hoje a um movimento de superação da rigidez das soluções inerentes ao esquema simplista e binário “cumpre/não cumpre”, pois há situações que exigem soluções contemporizadoras incompatíveis com o tratamento clássico.
XI. Consabido que o presente Processo deu entrada em Juízo em 15 de Dezembro de 2003, antes, portanto, da entrada em vigor da OPTA (em 1 de Janeiro de 2004- artigo 7º da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro) e que, consequentemente, se lhe aplicam a LPTA e o ETAF, este na redacção do DL 129/84, de 27 de Abril (por força do artigo 2º da Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro), o Supremo Tribunal de Justiça conhece de facto e de direito (artigo 21º- 1 do ETAF, na redacção do DL 129/84, de 27 de Abril).
XII. O facto provado em A) da douta Sentença a fl.s 544 (“No momento do embargo estava construída uma área entre 224 e 228 m2, correspondente à cave”), de per si, não afasta o cumprimento do projecto, não permitindo, portanto, concluir que a obra estava a ser executada em desconformidade com o projecto aprovado pela Câmara Municipal em 15/07/2002 e licenciado pelo Alvará de licença de construção nº 193/03, de 18/03/03.
XIII. Em boa verdade, do facto dado como provado, não resulta nem que a obra estivesse a ser executada em conformidade com o projecto, nem que estivesse a ser executada em desconformidade com ele. Só resulta que naquele estádio da obra (no momento do embargo) estavam construídos entre 224 m2 e 228 m2, correspondentes à cave.
XIV. Compulsada a motivação da resposta apresentada pelo Tribunal “a quo”, logo ressalta a tremenda imprecisão no processo de medição, “dado os peritos terem efectuado medidas a fita métrica plástica e procedido à implantação destas mesmas em desenho, por dois métodos diferentes”- cfr. Relatório Pericial inicial, a fls. 265, resposta ao quesito a), e que o intervalo de imprecisão foi de 4 m2 (entre 224 e 228 m2), compatível com alcançar-se uma área de 232 m2, se aplicada a margem de imprecisão ao limite superior encontrado pelos Senhores Peritos – 228 m2 (basta pensar que os peritos erraram na medição - por força do processo de “medição à fita” plástica - nos mesmos 4 m2).
XV. A área construída poderia facilmente chegar aos 234 m2, no desenvolvimento da obra, sendo este segmento da matéria de facto dado como provada insusceptível de conduzir à ideia de incumprimento do projecto, na veste de “não implantação da obra em conformidade com o projecto aprovado”.
XVI. Na alínea C) da matéria de facto provado faz-se uma afirmação em função do projecto, circunscrita à análise do documento de fls. 45. Todavia, este documento quando correlacionado com o documento “Planta de implantação’, de folhas 30, faz preponderar a matéria de facto provada em B), isto é, no projecto, “a fachada principal do edifício confinante a sul é recuada cerca de 1,5 m relativamente ao limite do edifico de construção e objecto do embargo”.
XVII. Ao recolher como provada a matéria constante da alínea D) [“Na planta de implantação do projecto de arquitectura aprovado os limites mais avançados dos edifícios projectado e existente a sul estão alinhados, o que não estava a suceder em construção, pois na realidade o limite do edifício em construção, mostrava-se avançado em relação ao outro cerca de 30 cm.”], a douta Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
XVIII. Interpretando correctamente a planta de implantação de fls. 30 à luz dos esclarecimentos dos Senhores Peritos; dos documentos fotográficos de fls. 58, 59, 60, 61, 62, 196, 214 e 215; do levantamento topográfico de fls. 478 e 479, efectuado pelo próprio Recorrido e por ele junto aos Autos, maxime à luz do traço azul legendado como «lancil”; e da prova testemunhal produzida (excertos transcritos dos depoimentos das testemunhas C…….., a fls. 455; D…….., a fls. 456; E………, a fls. 471 e F………, a fls. 473 e, outrossim, incongruências apontadas aos depoimentos destas últimas testemunhas no que se refere à linha a negro carregado da planta de implantação de folhas 30 e do depoimento da testemunha G……., a folhas 457) resulta que:
• os limites mais avançados do edifício projectado (o dos Recorrentes) e do edifício existente (a sul) estão alinhados se considerarmos a rampa de acesso (incluindo lancil) — a que algumas testemunhas chamam passeio - ao edifício a sul (a famigerada “oficina de óleos e pneus”), que está, naturalmente, para além da fachada deste edifício;
• os limites mais avançados do edifício projectado (o dos Recorrentes) e do edifício existente (a sul) não estão alinhados, se não considerarmos essa rampa de acesso e lancil, havendo cerca de 1,5 m de diferença entre a fachada do prédio da oficina de óleos e pneus e o limite do prédio dos Recorrentes, e 30 cm de diferença se consideramos o limite das varandas do prédio da oficina.
• A nova construção respeita os mesmos limites, avançando o mesmo que no edifício demolido relativamente à fachada do edifício adjacente, e indo até ao limite da rampa de acesso a este edifício, sendo que os pilares da construção edificada estão no alinhamento do tal lancil, nunca excedendo a sua projecção.
XIX. O erro de interpretação da linha a negro carregado na planta de implantação de folhas 30 redundou no entendimento recolhido no acto recorrido, que os pilares da galeria do edifício projectado alinham com o limite das varandas do edifício confinante (subentende-se a parte interior do pilar), estando portanto a parte exterior do pilar fora do alinhamento.
XX- Do acervo probatório já referido resulta ter sida erroneamente apreciada e dada como provada, a matéria de facto provada em D), quando:
• A Câmara Municipal da Marinha Grande tinha, afinal, um desiderato: regularizar os alinhamentos dos edifícios no local da obra, o que verdadeiramente motivou o embargo sub judice;
• o autor do acto administrativo recorrido partiu de um errado pressuposto de facto, que o impeliu a decretar o embargo, qual seja o de que os pilares do edifício em construção (edifício dos Recorrentes) estavam edificados em desconformidade com o projecto aprovado, já que na respectiva planta de implantação (a folhas 30) representavam-se a negrito as varandas do edifício adjacente a Sul (e não, como efectivamente acontecia o limite da respectiva rampa de acesso e lancil), estando os pilares alegadamente construídos à frente das varandas, cerca de 30 a 35 centímetros, correspondentes ao seu diâmetro (sendo que nessa tese, a face interior do pilar estava alinhado pelas varandas, a face exterior do pilar estava implantado na via pública).
XXI. À luz dos depoimentos das testemunhas D…….., inquirido a fls. 456 e C…….., inquirido a fls. 455, dever-se-ia ter dado como provada a seguinte factualidade:
• A obra do Recorrente está no mesmo sítio do prédio antigo, de todos os lados.
• Os pilares estão edificados no sítio da parede do prédio demolido.
• O último pilar a sul está avançado relativamente à varanda do prédio adjacente a sul, na exacta medida do seu diâmetro.
XXII. Infere do depoimento da testemunha C……… que o diâmetro do pilar corresponde ao avanço relativamente à varanda da oficina de pneus, resultando dos elementos desenhados de fls 32 (planta do rés-do-chão), que tais pilares têm 30 cm. Esta matéria deveria, pois, ter sido dada como provada.
XXIII. Compulsando a douta Sentença recorrida, constata-se deficiente fundamentação da matéria provada, incorrendo-se, inclusivamente, em lapso ao atribuir a fundamentação a uma pessoa que não depôs sobre a matéria em questão (alínea D) dos Factos provados).
XXIV. No caso sub judice o autor do Acto recorrido incorreu em erro sobre os pressupostos de facto ao partir de uma realidade que não existia - a de que a obra se encontrava incorrectamente implantada e em desacordo com o projecto aprovado, quando é exactamente o contrário a obra está, em substância, bem implantada, não ofendendo em nada quer a implantação do imóvel demolido, quer o projecto aprovado.
XXV. A desconformidade das cotas indicadas na planta de implantação, mormente em sede de afastamentos relativamente aos edifícios envolventes e ao eixo da via, resulta de claro erro de projecto, explicado pela circunstância de à data a Câmara Municipal da Marinha Grande não exigir ao requerente da operação urbanística um levantamento topográfico do local da implantação.
XXVI. Seja como for, essa desconformidade é, conforme referido em 14º e 15º, algo que em nada afecta a legalidade urbanística, tanto mais que naquele local tudo estava perfeitamente consolidado: as edificações confinantes estão lá, a condicionar o afastamento aos edifícios envolventes e ao eixo da via.
XXVII. As cotas apresentadas no projecto a fls. 30 (isto é 5,15 m e 7,50 m aos edifícios contíguos e 4,00 metros ao eixo de via) enfermam de lapso, assimilável ao lapsus calami, revelado no contexto da declaração, mas tal não pode ser visto como uma desconformidade entre o projectado e o edificado. Uma coisa seria fazer aumentar a construção, daí resultando um encurtamento real das distâncias aos edifícios vizinhos e ao eixo da via. Nessa hipótese, ocorreria uma clara violação do projectado pelo edificado. Coisa diversa é, como in casu, «cumprir a implantação prevista em projecto, mas assinalar medidas erradas na peça desenhada. O projectado está de acordo com o edificado. O edificado não se assenhoreou de qualquer área. O que estava errado era a medida da cota transmitida na peça desenhada.
XXVIII. São estas situações, que nem sequer chegam a merecer tutela da legalidade urbanística, que se resolvem mediante a entrega de “telas finais”, nunca ninguém tendo visto nestas situações motivo de embargo. É um lapso rectificável, que, até em função do princípio da proporcionalidade que deve comandar a actividade da Administração, não poderia dar origem a um embargo de obra.
XXIX. E há que reconhecer que nem era isso que o autor do acto recorrido queria abranger com a expressão “a obra não está implantada em conformidade com o projecto”. O sentido de tal expressão está logo no ponto 2 do documento de fls. 15: “os pilares da fachada principal estão implantados mais para fora em relação à via pública principal, cerca de 30 cm”, o que como já vimos não corresponde à realidade.
XXX. Foi deficientemente valorada a matéria de facto recolhida como provada em F) e G).
XXXI. Ao contrário do que se afirma na douta Sentença recorrida, não acontece, nem tinha que acontecer, “uma solução de continuidade dos alinhamentos, entre o limite do edifício confinante a sul e o limite do edifício projectado, consistente numa saliência do segundo em relação ao primeiro, em 30 centímetros”. A partir do momento em que se representa graficamente o edifício adjacente incluindo a sua rampa e lancil, que fazem parte integrante do prédio, em projecto, só poderia aparecer uma linha de continuidade entre o limite de um e outro prédio, tal qual aconteceu em obra, mediante a implantação dos pilares no alinhamento do lancil da rampa de acesso à oficina de óleos e pneus.
XXXII. Foi também deficientemente apreciada a matéria de facto recolhida como provada em E), isto porque a haver 1,40 cm e não 1,50 cm isto favorece o desiderato pretendido pela entidade recorrida, porquanto o prédio está menos “para dentro da via pública” (ou seja mais para dentro do que estava a parede do prédio demolido).
XXXIII. A obra encontra-se correctamente implantada e de acordo com o projecto aprovado:
• A Câmara Municipal da Marinha Grande aprovou um projecto de arquitectura que previa a implantação do edifício de forma a ocupar a totalidade do terreno, que foi o que os Recorrentes fizeram;
• A fachada principal do imóvel que anteriormente ocupava o terreno agora objecto da construção embargada (prédios dos Recorrentes) avançava cerca de 1,5 m relativamente à fachada do edifício adjacente a Sul, se não contarmos o espaço ocupado pelas varandas do dito prédio confinante, e cerca de 30 cm, se contarmos com o espaço ocupado pelas ditas varandas;
• A fachada principal do imóvel que anteriormente ocupava o terreno agora objecto da construção levada a cabo pelos Recorrentes alinhava com o lancil da rampa de acesso (por vezes também denominada “passeio” ao longo do presente processo) ao edifício adjacente a sul.
• Os pilares da fachada principal não estão implantados mais para fora em relação à via pública principal, cerca de 30 cm. Estão construídos exactamente em alinhamento com o dito lancil da rampa de acesso ao edifício situado a sul do prédio em construção. Estão por isso implantados em terreno dos Recorrentes e não na via pública, ocupando um espaço anteriormente ocupado pelo edifício demolido.
• A Implantação respeita integralmente o projecto de arquitectura aprovado, designadamente o descrito no ponto 2.3 da memória descritiva e a planta de implantação de folhas 30, onde se vê a tracejado, a fachada principal do edifício situado a sul, recuada cerca de 1,5 metros relativamente ao limite do edifício a construir no prédio dos Recorrentes, o qual alinha com o lancil da rampa (ou passeio) do dito edifício adjacente, lancil esse que é representado por uma linha negra carregada, bem como com as demais edificações existentes na mesma rua para sul.
XXXIV. O Tribunal “ad quem” deve ante a matéria assente e a prova produzida, alterar a decisão da matéria de facto, na justa medida do alegado pelos Recorrentes. Quando assim se não entenda, sempre poderá o Tribunal “ad quem” enveredar, mesmo oficiosamente, por uma das soluções previstas no nº 2 do artigo 662º CPC.
XXXV. Destarte, ao contrário do doutamente sentenciado pelo Tribunal “a quo”, estamos perante erro sobre os pressupostos de facto, que inquina o acto recorrido por violação de lei, nos termos do artigo 135º do CPA.
XXXVI. O auto de embargo violou o artigo 102º- 1, alíneas a) e c) do RJUE.
XXXVII- A mais das disposições já referidas como violadas, a douta Sentença recorrida violou ainda o estatuído no artigo 653º-2 do CPC vigente à data da sua prolação, aplicável ex vi do artigo 1º da LPTA.
TERMOS EM QUE COM O DOUTO SUPRIMENTO de Vs. Exas., DEVE O PRESENTE RECURSO OBTER PROVIMENTO, ALTERANDO o TRIBUNAL “AD QUEM” A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, CONFORME O ALEGADO PELOS RECORRENTES, E, A FINAL, ALTERANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA POR OUTRA QUE, DECLARE ANULADO O ACTO RECORRIDO (Despacho do Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande, datado de 14 de Outubro de 2003, que ordenou o Embargo da obra de construção que os Recorrentes se encontravam a executar na Rua ……., no lugar e freguesia de ……, concelho da Marinha Grande, licenciada pelo Alvará de licença de construção nº 193/03, de 18/03/03), COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, MORMENTE EM MATÉRIA DE CUSTAS e PROCURADORIA.
SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”

5- A Entidade Recorrida apresentou as Contra-Alegações, fls. 676-693, com as seguintes conclusões:
“1. A Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra traduz a correcta composição dos interesses em litígio, atentos os normativos legais aplicáveis e à matéria de facto provada, constituindo uma impoluta aplicação do Direito ao caso sub iudice, não merecendo qualquer censura.
2. O despacho do Exmº Sr. Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande, datado de 14 de Outubro de 2003, que ordenou o embargo da obra de construção de um bloco habitacional e comercial que os Recorrentes se encontravam a construir na Rua ……, em ………., não padece de qualquer vício de fundamentação ou de violação de lei.
3. Resulta claro que os Recorrentes entenderam o alcance do sentido do despacho de embargo impugnado, tendo que impugnaram o mesmo em sede judicial, argumentando pelo respeito integral do projecto de arquitectura aprovado pela Recorrida (cfr. arts. 16ºa 25º da douta PI).
4. O parecer técnico de 29.09.2003 refere que “deslocaram-se à obra o Sr. Presidente da Câmara, o Arq.º G…….. e o Engº E…….. para se inteirarem das condições de implantação da obra. Estiveram no local por essa ocasião o autor do projecto Arqº H………., que fez entrega de um levantamento do local já previsto na citada reunião, elementos da Junta de Freguesia e o titular da obra. Foi feita uma apreciação cuidada da situação em que se verificou que a obra não está implantada em conformidade com o projecto aprovado: os pilares da fachada principal estão implantados (cerca de 0,30m) mais fora em relação à via publica principal, e outros alinhamentos lateral e tardoz não correspondem à implementação apresentada e aprovada”.
5. Os Recorrentes entenderam na perfeição o sentido do despacho de embargo, nomeadamente porque se considerou que os alinhamentos em questão se encontravam incorrectos, pois também acompanharam e discutiram a análise que os técnicos da Recorrida fizeram da implantação já efectuada pelos Recorrentes.
6. Os Recorrentes confundem a discordância com o despacho de embargo e os fundamentos do mesmo, com sua alegada falta de fundamentação do mesmo
7. Os Recorrentes defenderam a inexistência de qualquer desconformidade, referindo que a obra em causa tem a mesma área do anterior edifício e que apresenta os mesmos limites da fachada lateral e tardoz do edifício anteriormente existente (cfr. arts 25º da PI).
8. A desconformidade em causa vem expressa no acto impugnado, com indicação clara de que o projecto apresentado e aprovado não apresenta os mesmos alinhamentos com a realidade então verificada, bastando um mero exercício de verificação do conteúdo do projecto para concluir pelos vícios apontados à obra executada.
9. Não existe, como ensina a jurisprudência dos tribunais superiores, necessidade de discriminar exaustivamente as irregularidades apontadas, pois bastará a indicação efectuada para se concluir pela irregularidade verificada pelos técnicos da Recorrente,
entendendo cabalmente aqueles o sentido do acto impugnado.
10. O auto embargado indica o local onde os alinhamentos se encontravam incorrectamente efectuados (na parte lateral e tardoz) e que a irregularidade apontada no acto impugnado nasce por verificação do projecto apresentado.
11. A sentença proferida se não encontra inquinada pelo vício da nulidade, nos termos invocados por aqueles, nomeadamente por ausência ou omissão de pronúncia.
12. O Tribunal recorrido é obrigado a pronunciar-se - como aconteceu in casu - sobre a falta de fundamentação do acto, nos termos apresentados pelas partes, tendo aquele de forma clara entendido que o acto impugnado não padece de tal falta ou omissão.
13. Bastará uma leitura atenta à decisão, para concluir que o Tribunal recorrido aprecia a questão em termos de direito, apresentado a temática em termos jurisprudenciais e após isso, enquadra os ensinamentos constantes do texto decisório no caso em apreço, expressamente referindo “considerando o teor do acto administrativo recorrido”, entende que nada será de lhe apontar, considerando-se por isso efectuada uma analise critica do mesmo, em toda a sua extensão, nomeadamente no que respeita aos pontos expressamente invocados pelos Recorridos para afirmar pela omissão de pronúncia (alinhamentos lateral e tardoz).
14. Os Recorrentes apenas discordam do entendimento da decisão recorrida, sendo que o Tribunal recorrido pronunciou-se - e bem! - sobre a falta de fundamentação invocada, nos exactos termos defendidos pelos Recorrentes, sem que, contudo, estes concordem com a posição assumida.
15. Não existe qualquer vício de omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 do CPC aplicável), devendo, por isso, improceder, sem mais considerações, a nulidade invocada.
16. A prova produzida em sede de Inquirição de Testemunhas e ainda, a prova documental e pericial junta aos autos, foi clara e precisa, tendo sido efectuada uma correcta apreciação da mesma e que conduziu, sem qualquer mácula, à resposta dada aos factos controvertidos constantes da Base Instrutória.
17. Os pressupostos em que se baseou a entidade administrativa e que culminaram na decisão de embargo da obra, encontram acolhimento de facto e de direito, não merecendo o acto em causa qualquer censura.
18. No que respeita ao ponto A) do elenco dado como provado, os Srs. Peritos determinaram já um intervalo de imprecisão foi definido em 4 m2, entre duas áreas (224 e 228), sendo que caso aqueles entendessem que a diferença poderia ser maior, também o fariam consignar.
19. A contabilização da área de implementação e provada em sede de item A) foi efectuada considerando a cave do edifício.
20. Do levantamento topográfico mandado executar por técnico da Recorrida, e junto aos autos, consta a área constante do projecto de arquitectura dos Recorrentes (234m2) e a área de implementação actual da obra (225,46m2), pelo que a área de implementação é superior à constante do projecto dos Recorrentes.
21. O ponto B) e ao ponto C) da matéria de facto dada como provada e colocada em crise, não merecem qualquer censura, atendendo que as respostas dadas pelo Tribunal recorrido não apresentam qualquer contradição, reportando-se a dois documentos distintos, e cuja apreciação em sede de relatório pericial foi efectuada sem mácula.
22. A resposta constante ao item D) da matéria de facto, baseou-se no Relatório dos Peritos, que responderam, por unanimidade, à questão levantada em sede de perícia.
23. Afirmam os Srs. Peritos, claramente que “A obra dos recorrentes não está conforme o projecto aprovado no que respeita à planta de implantação”, e que “na planta de implantação, do projecto de arquitectura, o alinhamento das coberturas é coincidente no mesmo ponto, o que se não afigura no local, pois, na realidade, a projecção da cobertura do edifício a Sul é desalinhada com a cobertura do edifício dos recorrentes a construir cerca de 35 cm para dentro do limite do terreno.”
24. A resposta dada pelos Srs. Peritos em sede de relatório pericial em nada colide com os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em sede de audiência de Inquirição de testemunhas, sendo que é notório que a planta de implantação (fls. 30) não está conforme o projecto aprovado, pelas razões ampla e claramente expostas pelos Srs. Peritos em sede de relatório por aqueles apresentados.
25. A “interpretação correcta” da planta de implantação terá de ser conjugada com o projecto e com o que, na realidade, se encontrava no local à data do respectivo embargo, sendo notório que da prova produzida resulta a distonia invocada pela Recorrida para justificar o embargo efectuado.
26. As fotos juntas ao processo, não foram valoradas em sede de decisão e quanto muito serviram para esclarecer o Tribunal em sede de Inquirição de Testemunhas, entendendo-se, salvo melhor entendimento, que a presença dos Srs. Peritos no local e a verificação das peças documentais constantes dos autos em confronto com a realizada construtiva, será o que melhor permite auxiliar o Tribunal recorrido na apreciação das questões.
27. Referiu o Arquitecto F……… que aquando da aprovação do projecto a pretensão da Recorrida sempre passaria pela regularização dos alinhamentos dos edifícios confinantes, o que não foi cumprido pelos Recorrentes.
28. Os Recorridos não lograram provar - que a área coberta do edifício demolido era de 234m2, pois a indicação da referida área resulta de uma formalidade para lograr a aprovação do projecto e não de uma verdadeira verificação.
29. Deve improceder o pedido de alteração da matéria de facto dada como provada e constante do facto indicado na al. D) da Base Instrutória.
30. Insurgem-se os Recorrentes quanto à valoração da matéria de facto recolhida como provada em F) e G), sendo certo que, em bom rigor, o que colocam em causa é a interpretação efectuada pelo Tribunal recorrido, entendendo que o erro de projecto é desculpável, imputando a responsabilidade do mesmo à Recorrida, o que não se afigura ter qualquer sentido, atendo que caberia aos Recorrentes apresentar o projecto correctamente, sem erros ou lapsos,
31. A apreciação da matéria de facto recolhida como prova em E) não merece qualquer censura, atendendo que dela decorre a existência de uma inconformidade entre a planta de RC e a construção embargada, não se podendo concluir que isso significaria apenas que o prédio esta menos para dentro da via publica.
32. A obra em causa encontra-se incorrectamente implantada tendo em consideração o projecto aprovado.
33. A Recorrida aprovou um projecto onde dele constava, na sua memória descritiva e justificativa, que a construção seria implantada de modo a ocupar a totalidade do terreno;
34. Os pilares exteriores estavam assentes em espaço que foi ocupado pelo prédio demolido e os mesmos foram implantados de acordo com a memória descritiva;
35. A memória descritiva não esta de acordo com o projecto desenhado, pois não existe uma implantação correspondente;
36. Em projecto aprovado existe uma solução de continuidade dos alinhamentos, o que não veio a suceder em sede de construção, por existir uma saliência entre o prédio embargado e o contíguo de 30 cm.
37. Existindo divergência entre os elementos do projecto, deverá dar-se primazia às peças desenhadas da implantação, foi estas definem como o imóvel vai ficar, verdadeiramente, implantado.
38. Inexiste erro nos pressupostos do acto impugnado, porquanto o mesmo assentou em premissas correctas, confirmadas nos presentes autos, de onde resulta inequivocamente que os fundamentos invocados pelos Recorridos não podem colher, devendo improceder, sem mais, o recurso apresentado e a que ora se responde.
39. O auto de embargo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente o art. 102º nº 1 al. a) e c) do RJEU, nem se encontra inquinado por violação e lei nos termos do art. 135º do CPA.
40. A sentença recorrida não merece, pelo correcto tratamento das questões suscitadas pelas partes, qualquer censura, no que respeita à apreciação da matéria de facto provada e não provada, e bem assim na sua interpretação e enquadramento em termos de direito.
41. Deve ser julgado totalmente improcedente por não provado o recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exª doutamente suprirá deve ser julgado totalmente improcedente por não provado o Recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto e, em consequência, a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso contencioso,
Tudo com as legais consequências.”
6- Após a notificação, em cumprimento do despacho de fls. 671, da nulidade arguida pelos Recorrentes, a Entidade Recorrida, reiterando o que havia afirmado em sede de contra-alegações, veio apresentar a sua resposta, fls. 699/700, nos termos seguintes:
“(…) notificada para, querendo, se pronunciar sobre a Nulidade invocada pelos Recorrentes em sede de Alegações vem dizer o seguinte:
1. Como já anteriormente foi defendido, os Recorrentes confundem a discordância com o despacho de embargo e os fundamentos do mesmo, com falta de fundamentação do mesmo, que na verdade se revelam situações distintas.
2. Da mesma forma a sentença proferida também se não encontra inquinada pelo vício da nulidade, nos termos invocados por aqueles, nomeadamente por ausência ou omissão de pronúncia.
3. De facto, o tribunal recorrido não omitiu nenhuma pronúncia que conduza à nulidade decisória, pois aquele se não encontra vinculado a apreciar, de forma minuciosa, os argumentos apresentados pelos Recorrentes, nomeadamente nos artigos 45º a 49º da PI, como aqueles invocam.
4. O Tribunal, recorrido é obrigado a pronunciar-se - como aconteceu in casu - sobre a falta de fundamentação do acto, nos termos apresentados pelas partes, tendo aquele de forma clara entendido que o acto impugnado não padece de tal falta ou omissão.
5. Bastará uma leitura atenta á decisão, para concluir que o Tribunal recorrido aprecia a questão em termos de direito, apresentado a temática em termos jurisprudenciais e após isso, enquadra os ensinamentos constantes do texto decisório no caso em apreço, expressamente referindo que “considerando o teor do acto administrativo recorrido”, entende que nada será de lhe apontar, considerando-se por isso efectuada uma analise critica do mesmo, em toda a sua extensão, nomeadamente no que respeita aos pontos expressamente invocados pelos Recorridos para afirmar pela omissão de pronúncia (alinhamentos lateral e tardoz).
6. Entende-se por isso, que face ao texto da sentença recorrida e a apreciação da questão pelo Tribunal, não merece aquela qualquer censura, pois os Recorrentes o que fazem é, apenas, discordar do entendimento da mesma, considerando que não é possível para um destinatário normal conhecer o percurso cognoscitivo e valorativo efectuado pelo autor do acto (ao contrario do entendimento do Tribunal recorrido e também da recorrente!).
7. Ou seja, a sentença pronunciou-se - e bem! - sobre a falta de fundamentação invocada, nos exactos termos defendidos pelos Recorrentes, sem que, contudo, estes concordem com a posição assumida.
8. Tal situação não se enquadra, por isso, no vício de omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 do CPC aplicável), devendo, por isso, improceder, sem mais considerações, a nulidade invocada.”

7- A fls. 702 foi proferido o despacho de sustentação da sentença sob recurso, concluindo que “a mesma não enferma das nulidades arguidas pelos Recorrentes, não se considerando faltarem fundamentos à decisão, estarem aqueles em oposição com o decidido ou que se tenham omitido quaisquer pronúncias face aos fundamentos de facto e de direito alegados e provados pelas partes”.

8- Remetidos os autos ao STA, o Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer, fls. 707/9, no sentido da improcedência do recurso.
9- Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO

1- DE FACTO
A sentença recorrida, fls. 540/549, deu como assentes os seguintes factos:
“Considerando as posições assumidas pelas partes, os documentos juntos e ou integrantes do Processo Administrativo, estão assentes os seguintes factos relevantes para a discussão e a decisão do Recurso Contencioso:
1º Em 18 de Dezembro de 2001, D…….., deu entrada nos serviços competentes da Câmara Municipal da Marinha Grande, de requerimento solicitando o licenciamento de bloco habitacional e comercial, constituído por três pisos e cave, acompanhado do respectivo projecto de arquitectura composto de memória descritiva e justificativa e peças desenhadas – vide documentos n.º3 e 4 juntos com a P.I.;
2º Tal requerimento deu origem ao processo de licenciamento de obras n.º 1193/01.
3º Posteriormente tal processo foi averbado para o nome dos ora recorrentes, com fundamento em escritura pública de permuta celebrada entre os antigos requerentes e comproprietários e os ora recorrentes.
4º No que concerne à implantação do edifício, consta da memória descritiva e justificativa (ponto 2.3) que a construção está implantada de modo a ocupar a totalidade do terreno, sendo que ao nível do rés-do-chão existe uma arcada com 1,50 m de largura, em todas as frentes excepto a Poente e a Sul — vide documento n.º4 junto com a P.I.
5º Em 1 de Abril de 2002, no âmbito da instrução do referido processo de licenciamento, os serviços de fiscalização da autarquia elaboraram um parecer interno do qual consta que a propriedade onde seria implantada a obra objecto dos presentes autos é servida por dois arruamentos públicos, sendo o pavimento de ambos em calçada grossa, no Largo da ................... (nascente), com a largura aproximada de 6 m, e na Travessa da ................... (norte e poente), com a largura aproximada de 5 m, não existindo no local passeios - vide documento n.º5 junto com a PI.
6º Em 15 de Julho de 2002 o projecto de arquitectura supra referenciado foi deferido pela CMMG — vide documento n.º 6 junto com a PI.
7º A obra foi licenciada por despacho do Exm.º Senhor Presidente da CMMG de 18 de Fevereiro de 2003, licenciamento este titulado pelo Alvará de Licença de Obras n.º 193/03 – vide documento n.º 7 junto com a P.I..
8º Em 18 de Setembro de 2003, o Arquitecto G…….., funcionário da Divisão de Ordenamento e Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal da Marinha Grande deslocou-se ao local onde a obra se encontrava a decorrer e elaborou informação na qual descreveu que havia verificado a existência de uma incorrecta implantação do edifício com evidente desrespeito dos alinhamentos - vide documento n.º 8 junto com a P.I..
14º Em 29 de Setembro, foi elaborada uma informação pelos Arquitecto G…….. e Eng. E…….., nos termos da qual, após apreciação cuidada da situação, se verificou que a obra não está em conformidade com o projecto aprovado: os pilares da fachada principal estão implantados (cerca de 0,30 cm) para fora em relação à via pública principal, e outros alinhamentos lateral e tardoz não correspondem à implantação apresentada e aprovada - vide documento n.º 9 junto com a PI.
15º Em 14 de Outubro de 2003, o Exmº Senhor Presidente da Câmara proferiu despacho ordenando o embargo, pelo prazo de 18 meses a contar da data da sua notificação, da obra vinda a referir.
16º Nos termos do sobredito despacho o embargo devia-se ao facto de a obra se não encontrar implantada em conformidade com o projecto aprovado, por os pilares da fachada principal se encontrarem implantados mais para fora em relação à via pública, cerca de 30 cm e outros alinhamentos, lateral e tardoz não corresponderem à implantação apresentada e aprovada - vide documento n.º 1 da PI, cujo teor se dá como reproduzido - pelo que se verificaria a violação das normas constantes dos artigos 4º n.º 1 e 83º n.º3 do DL 555/99, de 16/12, alterado pelo DL 177/01, de 04/06.
17º O despacho supra referenciado foi notificado ao recorrente marido em 14 de Outubro de 2003, tendo o mesmo sido igualmente informado que deveria proceder à suspensão imediata dos trabalhos, bem como de que o incumprimento da ordem de embargo implica a prática de um crime de desobediência, previsto no art. 348º nº 1 al. a) do CP e punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias - vide documento n.º 1.
17º Na mesma data foi elaborado auto de embargo, o qual não contem a identificação das testemunhas nem o estado da obra – vide documento n.º 2.
18º Segundo a licença de construção, de que é cópia o documento nº 3 da PI, a área coberta da construção licenciada seria de 234m2
Resultou ainda, da discussão da produção de prova pericial e seus esclarecimentos e ou da inquirição de testemunhas, como a seguir se discrimina, a prova dos seguintes factos relevantes para a discussão da causa:
A
No momento do embargo estava construída uma área entre 224 e 228m2. correspondente à da cave.
(Resposta ao quesito a) no relatório pericial inicial (fs. 265 e sgs).
B
Medindo à escala na planta de implantação, a fachada principal do edifício confinante a sul é recuada cerca de 1,5 m relativamente ao limite do edifício em construção e objecto do embargo.
(Resposta ao quesito b) no relatório pericial inicial).
C
No alçado de conjunto do projecto aprovado não é perceptível o avanço ou o recuo entre aqueles dois imóveis, porque a projecção perpendicular às fachadas não o permite.
(Resposta ao quesito c) no relatório inicial).
D
Na planta de implantação do projecto de arquitectura aprovado os limites mais avançados dos edifícios projectado e do existente a sul estão alinhados, o que não estava suceder em construção, pois na realidade o limite do edifício em construção mostrava-se avançado em relação ao outro cerca de 30 cm.
(Resposta ao quesito d) no relatório vindo a considerar e depoimento da testemunha arquitecto I……….. e esclarecimentos verbais dos peritos em audiência, dados também por unanimidade).
E
A planta do RC indica que a face exterior dos pilares exteriores que compõe a fachada nascente com galeria exterior, do imóvel dos recorrentes, está 1,5 avançada relativamente à fachada do edifício contíguo a Sul (sem contar com as varandas deste), mas na realidade o avanço é só de 1 ,40m.
(Resposta ao quesito d) do relatório inicial).
F
As cotas indicadas na planta de implantação, mencionando os afastamentos relativamente aos edifícios envolventes e ao eixo da via, estão em desconformidade com a realidade, o que se pode dever ao facto de as primeiras resultarem da mera ampliação de uma planta fotogramétrica e não de um levantamento topográfico, que permitiria maior rigor mas que a Câmara ao tempo não exigia.
(Resposta ao quesito d) no relatório inicial e ao esclarecimento 4 no relatório complementar: fs. 346 e sgs; e depoimentos das testemunhas E……. e F……., técnicos - engenheiro e arquitecto - da Câmara).
G
Os outros alinhamentos não correspondem à implantação projectada e aprovada porque as cotas previstas no projecto divergem da realidade, conforme artigo antecedente.
(Resposta ao pedido de esclarecimento 7 no relatório complementar).
H
Os pilares da fachada principal do edifício dos recorrentes ocupam o espaço que era anteriormente ocupado pelo edifício demolido.
Tendo para a prova deste facto, em face dos depoimentos das testemunhas D…….. (embora este seja interessado na sorte do processo) e, sobretudo, C………, que disse ter presenciado a abertura de um sulco na calçada da via pública, designado como “testemunho”, na continuidade da parede do edifício demolido, e J………., que disse ter visto os sulcos aberto em ambas as extremidades da fachada principal do edifício antigo, na continuidade desta, estando a mesma ainda erecta, tudo isso conjugado com as fotos que são documentos 19, 11 e 16 da P.I.
I
A fachada principal do edifício que anteriormente ocupava o terreno onde foi construída a obra embargada avançava pelo menos 1,40 m relativamente à fachada do edifício confinante a sul.
Este facto resulta da prova do facto H em conjugação com a prova do facto da parte final da alínea E supra.
Quanto ao mais que se quesitava (30 cm para lá da varanda do edifício a Sul) não foi feita prova alguma.
Não se provou:
- Que 234m2 fosse a área coberta do edifício anterior.
Decorre dos documentos e do depoimento do arquitecto I…….. que a área de 234 m2 resulta de uma formalidade praticada como meio de obter a aprovação do projecto e não de uma verificação. Além disso a resposta dos peritos a esta questão foi rotundamente negativa.”

2- DE DIREITO

2-1-Das questões a apreciar e decidir

Resulta do probatório que os Recorrentes intentaram no TAF de Coimbra, em 15/12/2003, recurso contencioso de anulação contra o despacho de 14 de Outubro de 2003 do Presidente da CMMG ordenando o embargo, pelo prazo de 18 meses a contar da data da sua notificação, da obra que se encontravam a construir, na Rua ……, em …….., cujo projecto de arquitectura foi aprovado pela CMMG, em 15 de Julho de 2002, e licenciada por despacho de 18 de Fevereiro de 2003, titulada pelo alvará de licença de construção nº 193/2003, de 18 de Março de 2003 (processo de obras nº 1193/01).
Nos termos do mencionado despacho, o embargo devia-se ao facto de a obra se não encontrar implantada em conformidade com o projecto aprovado, por os pilares da fachada principal se encontrarem implantados mais para fora em relação à via pública, cerca de 30 cm e outros alinhamentos, lateral e tardoz não corresponderem à implantação apresentada e aprovada.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra, em 17/5/2013, foi negado provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, julgando-se improcedentes os alegados vícios de falta de fundamentação, de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, concluindo-se, entre o mais, que “Toda a arguição de violação de Lei feita pelos Recorrente assentava neste indemonstrado erro nos pressupostos de facto do acto impugnado, pelo que fica arredada a verificação de erro de direito, por invocada violação do disposto no art. 102º, nº 1, alíneas a) a c), do RJUE. Demonstrada a execução da obra em desconformidade com o projecto aprovado, torna-se manifesto que a ordem de embargo, enquanto um acto com carácter vinculado (como os próprios recorrentes o referem a fls. 11), se mostra conforme o disposto no art. 102º, nº 1º, alínea b), do RJUE.”
Contra este entendimento, alegam os Recorrentes, em síntese, que:
Os pilares da fachada principal não estão implantados mais para fora em relação à via pública principal, cerca de 30 cm. Estão construídos exactamente em alinhamento com o dito lancil da rampa de acesso ao edifício situado a sul do prédio em construção. Estão por isso implantados em terreno dos Recorrentes e não na via pública, ocupando um espaço anteriormente ocupado pelo edifício demolido.
• A Implantação respeita integralmente o projecto de arquitectura aprovado, designadamente o descrito no ponto 2.3 da memória descritiva e a planta de implantação de folhas 30, onde se vê a tracejado, a fachada principal do edifício situado a sul, recuada cerca de 1,5 metros relativamente ao limite do edifício a construir no prédio dos Recorrentes, o qual alinha com o lancil da rampa (ou passeio) do dito edifício adjacente, lancil esse que é representado por uma linha negra carregada, bem como com as demais edificações existentes na mesma rua para sul.”
“- A fundamentação do acto recorrido não foi enunciada de forma clara, precisa e completa, mas antes de forma obscura e insuficiente, violando-se o disposto nos artigos 268º- 3 da CRP, 124º-1 c), e 125º, nº 1 e 2 do CPA.
“O Tribunal “a quo” não ajuizou o vício de forma, com a configuração que os Recorrentes lhe atribuíram expressamente nos artigos 45ºa 49º da Petição Inicial, Incorrendo a douta decisão recorrida em nulidade da Sentença, prevista à data da sua prolação no artigo 668-1 d) do CPC ao tempo vigente.”
- Invocam erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada em : A), C), D), E) F) e G), bem como deficiente fundamentação da matéria provada;
- Invocam erro de julgamento quanto ao facto da sentença recorrida não ter dado provimento à alegada violação pelo auto de embargo do art. 102º, nº 1, alíneas a) e c), do RJUE.
Em face do exposto, importa, em síntese, averiguar se a sentença recorrida:
· Enferma de nulidade por omissão de pronúncia;
· Incorre em erro de julgamento da matéria de facto (pontos A), C), D), E) F) e G), e deficiente fundamentação da matéria de facto dada como provada;
· Incorre em erro de julgamento quando não dá como verificado o vício de violação de lei por erro nos pressupostos e violação do art. 102º, nº 1, alíneas a) e c), do RJUE.

3. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia

3.1. No que concerne à omissão de pronúncia, alegam os Recorrentes, em síntese, que como a fundamentação do acto recorrido não foi enunciada de forma clara, precisa e completa, designadamente porque “o acto recorrido não externou porque é que os alinhamentos lateral e a tardoz não correspondem à implantação e em que medida, continuando os ora Recorrentes sem saber em que consistia a não correspondência entre a Implantação apresentada/aprovada e a edificada, nos alinhamentos”(ponto III das Conclusões das alegações), o tribunal recorrido não ajuizou o vício de forma com a configuração que os Recorrentes lhe atribuíram incorrendo a sentença recorrida em omissão de pronúncia.
Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação, pode ler-se na sentença recorrida, entre o mais, que “(…) no caso em apreço, considerando o teor do acto administrativo recorrido (v. fls. 15), que, para além do mais, expressamente referencia o disposto nos artigos 4º, nº 1, 83º, nº3, e 102º, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 177/01, de 04/06, e refere a execução de obras em desacordo com o projecto aprovado e licenciado pela Câmara (cujos elementos identificadores também indica), especificando, sob os pontos 1. a 3., em que consiste a desconformidade do executado em obra com o respectivo projecto (a obra não está implantada em conformidade com o projecto aprovado; os pilares da fachada principal estão implantados mais para fora em relação à via pública, cerca de 30 cm; outros alinhamentos, lateral e tardoz, não correspondem à implantação apresentada e aprovada), afigura-se-me que o mesmo se encontra suficientemente fundamentado, de facto e de direito, em termos que permitem a um destinatário normal compreender o sentido da decisão e as respectivas razões, tal como o permitiram aos ora recorrentes.
Assim, improcede também a alegação do vício de falta de fundamentação.”
Ora, em face do exposto, afigura-se claro que os Recorrentes entenderam bem o alcance e sentido do despacho de embargo impugnado e que o tribunal recorrido analisou a questão nos precisos termos em que é colocada pelos Recorrentes, tanto assim que estes a compreenderam, como resulta da extensa argumentação que desenvolvem a este propósito, com reflexos nas conclusões das alegações.
Por outro lado, os Recorrentes alegam que a sentença recorrida incorre em omissão de pronúncia, mas da leitura da mesma fica-se sem se perceber que questões colocadas pelos mesmos ficaram por resolver, nomeadamente as relativas à falta de fundamentação do acto impugnado.
Com efeito, constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal vazada, entre outros, no Ac. deste STA de 30/10/008, proc nº 0641/08 que “De acordo com o disposto no art.º 668, n.º 1, alínea d), do CPC é nula a sentença “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
No caso dos autos, como se pode ler no douto parecer do Ministério Público, que se acompanha, “(…) basta ler a sentença recorrida para constatar que na mesma se resolveram todas as questões que foram colocadas pelos ora recorrentes, nomeadamente, a questão da fundamentação ou não do acto do Sr. Presidente da Câmara da Marinha Grande que ordenou o embargo da obra e que está na génese do presente processo (cfr. fls. 533/35).”
Podem os Recorrentes não concordar com a fundamentação constante da sentença recorrida, mas tal configura erro de julgamento, igualmente invocado, e não nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Improcedem, nesta sede, as alegações e respectivas conclusões dos Recorrentes.

3. Quanto ao alegado erro de julgamento da matéria de facto

Os Recorrentes impugnam a decisão sobre o julgamento da matéria de facto, quanto ao fixado nos pontos, A), C), D), E), F) e G) .
A resposta constante do ponto A) da matéria de facto baseou-se no Relatório do Peritos, correspondendo ao quesito a), que tem o seguinte conteúdo: “Actualmente estão construídos 234 m2, que correspondem exactamente à área de construção coberta do prédio demolido?”
Na resposta ficou consignado: “Não estão construídos 234,0m2.”
“Está construída, actualmente, uma área, correspondente à da cave, compreendida entre 224, m2 e 228,0m2 (intervalo admissível, dado os peritos terem efectuado as medidas a fita métrica plástica e procedido à implantação destas mesmas em desenho, por dois métodos diferentes).
Não há elementos desenhados no processo que permitam aos peritos determinar se os 234,0 m2 correspondem à área coberta do edifício anterior.
Contudo, a licença de construção, documento nº 3, refere como área coberta de construção os 234,0 m2.”
De acordo com o decidido pelo Mmº Juiz “a quo” ficou dado como provado quanto ao ponto A) que: “No momento do embargo estava construída uma área entre 224 e 228m2. correspondente à da cave (Resposta ao quesito a) no relatório pericial inicial (fs. 265 e sgs).
A fundamentar a matéria fixada ponderou o Mmº Juiz “a quo”: “Resultou ainda, da discussão da produção de prova pericial e seus esclarecimentos e ou da inquirição de testemunhas (…)”.
Em face do exposto, considerando essencialmente a prova pericial, bem como a leitura dos depoimentos pertinentes das testemunhas, o facto A), dado como provado, é de manter, não se tendo detectado qualquer elemento que o pudesse contrariar.
A resposta constante do ponto C) da matéria de facto baseou-se no Relatório dos Peritos, correspondendo ao quesito c) no relatório inicial, que tem o seguinte conteúdo: “Na planta do alçado do conjunto aprovada pela CMMG o edifício a construir pelos recorrentes figura avançado relativamente ao edifício que com ele confronta a sul?”
“Resposta – No alçado de conjunto do projecto não é perceptível o avanço ou o recuo entre os dois imóveis, pois a projecção é perpendicular às fachadas dos edifícios.”
De acordo com o decidido pelo Mº Juiz “a quo”, ficou dado como provado em C):
“No alçado de conjunto do projecto aprovado não é perceptível o avanço ou o recuo entre aqueles dois imóveis, porque a projecção perpendicular às fachadas não o permite.”
O tribunal recorrido julgou provado o facto C) em resultado da discussão da produção da prova pericial e seus esclarecimentos e ou da inquirição de testemunhas.
Compulsados os autos e a prova produzida, em especial a pericial, incluindo os esclarecimentos complementares escritos dos peritos, bem como os orais prestados em audiência, o facto C) afigura-se de manter, nos seus precisos termos.
A resposta constante do ponto D) da matéria de facto baseou-se no Relatório dos Peritos, correspondendo ao quesito d) no relatório inicial, que tem o seguinte conteúdo: “Qualquer que seja a resposta aos quesitos anteriores e aos da Base instrutória, a obra dos recorrentes está ou não está conforme o projecto de arquitectura aprovado, no que respeita à implantação? Se não, porquê?”
Resposta – A obra dos recorrentes não está conforme o projecto aprovado no que respeita à implantação.
Na planta de implantação do projecto de arquitectura aprovado os limites mais avançados dos edifícios projectados e do existente a sul estão alinhados, o que não estava suceder em construção, pois na realidade o limite do edifício em construção mostrava-se avançado em relação ao outro em cerca de 30 cm.(…).
De acordo com o decidido pelo Mº Juiz “a quo” ficou dado como provado quanto ao facto D):
“Na planta de implantação do projecto de arquitectura aprovado os limites mais avançados dos edifícios projectado e do existente a sul estão alinhados, o que não estava suceder em construção, pois na realidade o limite do edifício em construção mostrava-se avançado em relação ao outro cerca de 30 cm.”
A fundamentar a matéria fixada, ponderou o Mmº Juiz “a quo” (…) o depoimento da testemunha arquitecto I…….. e esclarecimentos verbais dos peritos em audiência, dados também por unanimidade”.
Na verdade, revisitando os depoimentos orais dos peritos, verifica-se que nos esclarecimentos orais que prestaram ficou consignado por unanimidade: “(…) os pilares no projecto não são cilíndricos mas em paralelepípedo mas estão no limite para dentro do passeio do edifício. Assim no projecto não existe nenhum lancil à frente dos pilares. Quanto ao ponto seis do mesmo Relatório Complementar a linha carregada a fls. 30 representa a linha mais avançada do edifico adjacente. (…) no local o limite da cobertura do prédio adjacente a Sul, que alinha com as varandas do mesmo, estará cerca de 30 centímetros mais para dentro do que o limite da cobertura do prédio dos Recorrentes…”
Também do depoimento da testemunha arquitecto F……… resulta que “(…) os pilares estão cerca de 30/35 cm à frente das varandas do prédio adjacente.”
Em suma, o facto D) é de manter, não se tendo detectado qualquer elemento que o pudesse contrariar, devendo, assim, improceder o pedido de alteração da matéria de facto dada como provada e constante deste facto.
Quanto à valoração da matéria de facto recolhida como provada em E), a mesma tem o seguinte conteúdo :“A planta do RC indica que a face exterior dos pilares exteriores que compõe a fachada nascente com galeria exterior, do imóvel dos recorrentes, está 1,5 avançada relativamente à fachada do edifício contíguo a Sul (sem contar com as varandas deste), mas na realidade o avanço é só de 1 ,40m.”
Esta matéria foi dada como provada tendo em conta a resposta dada ao quesito d) do relatório inicial, onde ficou consignado que:
(…) Por outro lado, a planta do R/c indica (medido à escala) que a fachada nascente do imóvel dos recorrentes deveria estar avançada, face à fachada do edifício situado a Sul, 1,5m (não contando com as varandas). Actualmente, está avançada 1,40m (medido da fachada do edifício a Sul até à face exterior dos pilares do edifício dos recorrentes.
Na fundamentação do facto E) o Mmº Juiz “a quo” considerou a discussão da produção de prova pericial e seus esclarecimentos e ou da inquirição de testemunhas.
A resposta apresenta-se devidamente suportada, pelo que a apreciação da matéria de facto recolhida como provada em E), não merece qualquer censura, devendo manter-se nos seus precisos termos.
No que se refere ao facto F), de acordo com o decidido pelo Mº Juiz “a quo”, ficou dado como provado:
“As cotas indicadas na planta de implantação, mencionando os afastamentos relativamente aos edifícios envolventes e ao eixo da via, estão em desconformidade com a realidade, o que se pode dever ao facto de as primeiras resultarem da mera ampliação de uma planta fotogramétrica e não de um levantamento topográfico, que permitiria maior rigor mas que a Câmara ao tempo não exigia.”
Na fundamentação, ponderou o Mmº Juiz “a quo”, referindo-se à “resposta ao quesito d) do relatório inicial e ao esclarecimento 4 no relatório complementar: fs. 346 e sgs; e depoimentos das testemunhas E…… e F…….., técnicos - engenheiro e arquitecto - da Câmara).
Por sua vez, na resposta ao quesito d) pode ler-se o seguinte:
“Também as cotas indicadas na planta de implantação, mencionando os afastamentos aos edifícios envolventes e eixo da via, estão em desconformidade com o existente no local, como se pode verificar na planta de implantação anexa ao relatório, com as cotas rectificadas pelos peritos, resultantes de medições efectuadas.”
E no esclarecimento 4) temos a seguinte pergunta: “As diferenças entre as cotas indicadas na planta de implantação e as rectificadas no local poderão dever-se ao facto de as primeiras resultarem da ampliação de uma planta fotogramétrica fornecida pela CM MG e não de um levantamento topográfico rigoroso ?”
Resposta – Podem”.
Em face do exposto, a apreciação da matéria de facto recolhida como provada em F) não merece qualquer censura, devendo manter-se nos seus precisos termos.
No que se refere ao facto G), de acordo com o decidido pelo Mmº Juiz “a quo”, o mesmo tem o seguinte conteúdo:
“Os outros alinhamentos não correspondem à implantação projectada e aprovada porque as cotas previstas no projecto divergem da realidade, conforme artigo antecedente.”
Na fundamentação, o Mmº Juiz “a quo” remete para a resposta ao pedido de esclarecimento 7), no relatório complementar (fls. 347) que tem o seguinte conteúdo: “Outros alinhamentos - que não os das frentes com galerias - também não correspondem à implantação projectada e licenciada ? Porque?
Resposta- Os alinhamentos não correspondem à implantação projectada e licenciada porque as cotas previstas na implantação aprovada estão em desacordo com as cotas existentes no local.”
Também aqui não se vislumbra que a matéria de facto tenha sido deficientemente valorada, pelo que o conteúdo do facto G) é de manter nos seus precisos termos
Em suma, tendo em conta a fundamentação e da conjugação da prova produzida nos autos (documental, pericial e testemunhal), a matéria de facto fixada resultante da valoração da prova produzida é de manter nos mesmos termos, na medida em que não se detectou qualquer elemento que a pudesse contrariar.
Compulsando os autos, verifica-se que em resultado de reclamação dos Recorrentes do Despacho Saneador (fls. 234/5), o tribunal recorrido, após a resposta da Entidade Recorrida, alterou aquele despacho e redefiniu o objecto da perícia, formulando quatro quesitos. Em resultado de nova reclamação, a resposta dos peritos foi ainda objecto de esclarecimentos complementares escritos (fls. 346 a 348). Por outro lado, os peritos apresentaram ainda esclarecimentos em audiência sempre por unanimidade.
Os Recorrentes assentam o pedido de revisão da matéria de facto [em especial quanto ao facto D)] designadamente na prova testemunhal (depoimentos das testemunhas C……. e D………, por exemplo), sendo que a mesma se mostra contrariada pelos depoimentos de outras testemunhas que o tribunal valorou, em especial os esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos, pelo que se faz sentir particularmente aqui a falta da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão da 1ª instância e que a simples leitura dos depoimentos escritos, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou.
Em suma, da leitura dos depoimentos escritos e apreciação da demais documentação, bem como o relatório inicial e complementar dos peritos e os esclarecimentos prestados por estes em audiência, sempre por unanimidade, afigura-se não haver razões para modificar o decidido, porquanto as respostas aos quesitos são claras.
Por outro lado, a matéria de facto dada como provada pelo Mmº Juiz “a quo” apresenta-se racionalmente fundamentada, com apoio em vários documentos constantes do processo, incluindo o depoimento das testemunhas, e peritos, pelo que não existindo nos autos quaisquer elementos fácticos ou quaisquer outros elementos que permitam, com segurança, a sua alteração, a mesma deve manter-se nos seus precisos termos.
Improcedem também por aqui as alegações dos Recorrentes.

4. Quanto ao alegado erro de julgamento por a sentença recorrida não dar provimento à alegada violação do art. 102º, nº 1, alíneas a) a c), do RJUE.

O referido preceito confere competência ao presidente da câmara municipal para embargar obras de urbanização, de edificação ou de demolição, designadamente, quando estejam a ser executadas em desconformidade com o respectivo projecto [alínea b)] e violação de normas legais e regulamentares aplicáveis [alínea c)].
Consideram os Recorrentes que, no caso sub judice, o autor do acto recorrido partiu de uma realidade que não existia, ou seja, a de que a obra se encontra incorrectamente implantada e em desacordo com o projecto aprovado e licenciado, quando é exactamente ao contrário: “a obra está em substância, bem implantada, não ofendendo em nada quer a implantação do imóvel demolido, quer o projecto aprovado”, pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao não dar como verificada a violação das normas mencionadas.
Acontece que a alegada violação das normas questionadas pressupunha que se concluísse pela existência de erro nos pressupostos de facto do acto impugnado, o que vimos não acontecer.
A este propósito, pode ler-se na sentença recorrida:
“No caso vertente consideram os recorrentes que, contrariamente ao que consta e foi pressuposto no acto recorrido, a obra se encontra correctamente implantada e de acordo com o projecto aprovado, nos termos e pelas razões que alegam na sua petição inicial. Todavia, os recorrentes não lograram fazer disso prova.
Pelo contrário, como se conclui da alínea D da fundamentação de facto desta peça, na planta de implantação do lado poente do edifício projectado os limites exteriores deste e do preexistente confinante a sul era alinhados, não haveria saliência do novo em relação ao já existente, mas na realidade os limites exteriores dos pilares exteriores e da cobertura do edifício dos Recorrentes avançam cerca de 30 cm, na direcção da via pública (O que não é o mesmo que dizer que estes 30 cm são espaço da via pública, note-se, mas não é isso que está em causa), em relação ao limite exterior do prédio confinante a sul. Além disso, conforme as alíneas F) e G), “as cotas indicadas na planta de implantação, mencionando os afastamentos relativamente aos edifícios envolventes e ao eixo da via, estão em desconformidade com a realidade”, pelo que tão pouco os outros alinhamentos correspondem à implantação projectada e aprovada.
Tudo isto constitui inelutáveis divergências com o projecto aprovado, embora seja possível, mas não certo, que as referidas nas alíneas F e G sejam devidas ao facto de não se ter feito - a Câmara não o exigia, em ordem ao licenciamento - um levantamento topográfico do local de implantação.
É certo que se provou que os pilares exteriores vindos a referir estavam assentes em espaço que fora ocupado pelo edifício anteriormente existente no local e demolido para a construção do embargado. E que está assente que segundo a memória descritiva, integrante, também ela, do projecto de arquitectura, o edifício estava projectado de modo a ocupar a totalidade do terreno (artigo 4º da fundamentação de facto), o que permite concluir que os pilares vindos a referir foram implantados conforme a memória descritiva.
Porém, neste aspecto, a memória descritiva não está de acordo com o projecto desenhado, pois para o estar deveria o projecto representar uma implantação correspondente, o que não acontecia. Designadamente, deveria representar, a nascente, uma solução de continuidade nos alinhamentos, a nascente, do limite do edifício confinante a sul e do limite do edifício projectado, solução de continuidade, essa, consistente numa saliência do segundo em relação ao primeiro, em 30 cm, o que, como se viu, não acontece: pelo contrário, o que se representa em projecto é um alinhamento em continuidade.
Nesta divergência entre elementos do projecto não se pode deixar de dar primazia à peça desenhada da implantação, pois esta é que em concreto define como e onde vai o edifício ficar implantado. Aliás, a memória descritiva, nesta parte, não é mais do que um comentário, uma afirmação conclusiva — e errada, como se vê — relativamente aos factos que resultam, isso, sim, das peças desenhadas.
“(…).
Em suma, os Recorrentes sustentam a alegada ilegalidade em pressupostos de facto que não são os que presidiram à decisão de embargo, tendo ficado provado que a obra em causa estava a ser implantada em desconformidade com o projecto aprovado e licenciado.
Não podemos, desta forma, deixar de acompanhar a sentença recorrida quando conclui que “(…) Demonstrada a execução da obra em desconformidade com o projecto aprovado, torna-se manifesto que a ordem de embargo, enquanto um acto com carácter vinculado (…) se mostra conforme o disposto no art. 102º, nº 1, alínea b), do RJUE.”
Improcedem, pois, as alegações dos Recorrentes.
Em face do exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, improcedendo o recurso, com a consequente manutenção do despacho do Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande, de 14 de Outubro de 2003, que ordenou o embargo impugnado.

III- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida e, nesta sequência, mantendo a decisão impugnada.

Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 9 de Outubro de 2014. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs(relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.