Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0538/14.2BECBR
Data do Acordão:01/11/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IVA
SUJEITO PASSIVO
Sumário:O teor literal do artigo 2.º n.º 1 alínea c) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) não deixa dúvidas, reservas, na afirmação de que são “sujeitos passivos”/devedores do imposto (IVA), entre outras, as pessoas singulares que o mencionem “indevidamente” em fatura (ou documento equivalente), não havendo lugar a, necessidade de, indagar e valorar as casuísticas razões da inclusão, na fatura/documento, de determinado montante a título de IVA, tanto mais que, este, no limite, até pode nem ser devido, por um conjunto lato de circunstâncias, relacionadas com os sujeitos intervenientes e/ou com a atividade económico-jurídica desenvolvida.
Nº Convencional:JSTA000P30405
Nº do Documento:SA2202301110538/14
Data de Entrada:09/29/2022
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

AA, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Coimbra, em 11 de maio de 2022, que julgou improcedente impugnação judicial, apresentada, no seguimento de formação de ato de indeferimento tácito de reclamação graciosa, contra atos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes aos anos de 2012 e 2013, no valor de € 5.665,41.
O recorrente (rte) produziu alegação e concluiu ( Na sequência de convite, do relator, para serem sintetizadas/reduzidas as conclusões, inicialmente, formuladas.): «

a) A sentença recorrida erra ao entender o poder jurisdicional de exercício da imperii jurisdiccio como podendo existir sem que a jurisdição não corresponda a uma concretização funcional do poder de soberania do Estado, atribuído constitucionalmente ao órgão constitucional “Tribunais” e que nenhum outro órgão a pode exercer, nos termos dos art.ºs 110.º e 111.º da CRP;

b) Ao contrário do entendido na sentença recorrida, o objecto da jurisdição exercida pelo órgão de soberania “Tribunais” não constitui a prestação de um qualquer serviço a quem a eles acede, no exercício do seu direito constitucional de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.º 20.º da CRP;

c) A decisão do tribunal externa o exercício do seu poder de soberania e mediante a jurisdiccio ou função jurisdicional administra a justiça do caso, em nome do povo: em ponto algum da sua natureza constitucional é possível vislumbrar que essa função se concretize no exercício de uma qualquer actividade económica ou a título oneroso, mesmo que de tipo subjectivo;

d) A Constituição prevê a existência de diversas categorias de tribunais, no seu artigo 209.º, n.ºs 1 e 2, destrinçados em função da hierarquia dentro da parcela material da jurisdição específica atribuída em cada ordem de tribunais, da natureza da matéria abrangida na jurisdição, do seu carácter institucional, da natureza da sua matéria e do respectivo valor da causa: todos eles são, todavia, órgãos soberanos e independentes e apenas estão sujeitos à lei e julgam segundo a lei (art.º 203.º da CRP), afora a ressalva de a lei, nos tribunais arbitrais voluntários, poder estabelecer que o tribunal arbitral possa julgar a causa com base na equidade (cfr. art.º 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária n.º 63/2011, de 14 de Dezembro);

e) Ao proceder à enunciação das diferentes categorias dos tribunais, a Constituição, nos art.ºs 202.º e 209.º, não estabeleceu qualquer diferença de natureza das parcelas de soberania atribuídas a cada uma dessas categorias de tribunais, sendo todos eles órgãos de soberania com competência para a administrar a justiça em nome do povo sobre as matérias incluídas na sua função jurisdicional específica, ao contrário do que está pressuposto no arrazoado da sentença recorrida;

f) A sentença recorrida incorre em grave erro de interpretação jurídica ao converter os tribunais administrativos e fiscais institucionais do Estado em únicos órgãos de soberania para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas e fiscais (art.º 212.º, n.º 3 da CRP), embora acabe, incongruentemente, por admitir que os tribunais arbitrais em matéria tributária, sobre as matérias sobre as quais podem decidir, se possam considerar como órgãos que exercem a função jurisdicional através dos juízes arbitrais;

g) Este entendimento da sentença recorrida assenta no errado pressuposto de o legislador ordinário - ao exercer a competência legislativa constitucional sobre a organização e competência das categorias dos tribunais competentes para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas e fiscais -, não poder institucionalizar, a título alternativo ou complementar, os tribunais arbitrais em matéria tributária, mas estando antes obrigado a prosseguir um sistema de unicidade de organização da categoria dos tribunais administrativos e fiscais que sejam órgãos titulares de poder de soberania;

h) Ora, o certo é que a previsão dos tribunais administrativos e fiscais enquanto tribunais institucionais do Estado para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas e fiscais apenas obriga a que os mesmos sejam os órgãos preponderantes do sistema dos tribunais para o conhecimento desses litígios;

i) Um dos limites constitucionais objectivos da institucionalização dos tribunais é o de que o poder de soberania, alternativa e subsidiariamente exercido, nunca pode estar enfeudado a qualquer actividade económica, seja ela exercida por quem for, por afrontar directamente os princípios constitucionais da independência e a subordinação imediata à e na aplicação da lei;

j) Sendo a soberania do Estado una e indivisível e residindo a mesma no povo que a exerce segundo as formas previstas na Constituição (art.º 3.º, n.º 1 da CRP), entre as quais se contam os tribunais arbitrais em matéria tributável, não é possível, ao contrário do que aventa a sentença recorrida, ver nos serviços administrativos prestados pelo centro de arbitragem – o CAAD – de apoio logístico ao funcionamento do tribunal arbitral em matéria tributável, a existência de uma qualquer prestação de serviço de administração de justiça entre o juiz árbitro e o referido centro de arbitragem;

k) O CAAD é apenas um órgão, de utilidade pública e sem fins lucrativos, sob a forma de instituto de direito privado, que presta outros serviços aos acedentes à justiça arbitral tributária (que pode ser ele próprio), serviços esses de coadjuvação auxiliar ao funcionamento dos tribunais arbitrais em matéria tributária, nos termos possibilitados pelos art.º 202.º, n.º 3 e 165.º, n.º 1, alínea p) da CRP;

l) Não existe entre o CAAD e os juízes arbitrais em matéria tributária (cfr. art.ºs 6.º e 11.º do RJAT) qualquer relação que traduza a existência entre eles de uma organização ou de actividade económicas, de produção, de comercialização ou de prestação de serviços que seja autónoma ou desconexada da sua função de coadjuvação na administração da justiça;

m) A concepção da actividade dos juízes dos tribunais arbitrais, ao procederem à condução, tramitação e decisão do processo de arbitragem enquanto traduzindo a prestação de um serviço cujo adquirente é o CAAD – como vê a sentença recorrida – equivale a admitir que o CAAD adquire, por força dos honorários que o juiz arbitral recebe e que provêm da taxa de justiça recebida por aquele centro para tal fim, a parcela de soberania decorrente das decisões proferidas por eles, mormente a sua imperatividade e coactividade, mesmo perante o Estado, quando este sai vencido;

n) A sentença recorrida deixou-se, erradamente, impressionar com o facto de os honorários dos árbitros lhes serem entregues pelo CAAD, mas desconsiderando totalmente que os mesmos têm por única fonte legal e financeira a taxa de justiça da arbitragem cuja cobrança lhe foi autorizada pelo legislador, no art.º 12.º do RJAT, sendo que “o seu valor, fórmula de cálculo, base de incidência objectiva e montantes mínimo e máximo são definidos nos termos de Regulamento de Custas a aprovar, para o efeito, pelo Centro de Arbitragem Administrativa” e tem por escopo único suportar, sem intenção estatutária da obtenção de quaisquer lucros, os gastos institucionais decorrentes da tramitação do processo arbitral e os honorários dos juízes-árbitros;

o) A taxa de arbitragem cobrada pelo CAAD, a que alude o art.º 12.º do RJAT, só, pode ser entendida, numa parte, enquanto contravalor das prestações prestadas pelo CAAD referentes aos serviços que ele presta directamente no processo arbitral, como sejam os gastos com o seu pessoal, papel, equipamentos, comunicações e notificações, etc. e, noutra parte, como um encargo directamente destinado ao pagamento dos honorários dos juízes-árbitros que compõem o tribunal arbitral;

p) Essa sua natureza está expressa no fato de a taxa de arbitragem apenas ser devida pela constituição do tribunal arbitral (art.º 12.º do RJAT,) e não pela apresentação do pedido de arbitragem no CAAD, e obedecendo a sua fixação aos elementos expressos na lei, resulta evidente que ela tem, directa e imediatamente, em vista o pagamento dos honorários dos juízes-árbitros e dos encargos administrativos ou logísticos que a tramitação institucional do processo arbitral;

q) Ao contrário do suposto pela sentença recorrida, o arrazoado do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86, de 12 de Setembro, publicado no Diário da República n.º 210/1986, Série I, de 12-09-1986, cuja posição foi seguida nos outros arestos identificados, que foi convocado pela sentença recorrida, não nega o fundamento constitucional de que os tribunais arbitrais (em matéria tributária) são órgãos de soberania que administram justiça em nome do povo;

r) A questão a que respondem é outra, qual seja a de saber quais os órgãos de soberania que exercem a função jurisdicional em termos constitucionalmente estatutários, ou seja, quais os tribunais judiciais ou estaduais que existem permanentemente para dar cumprimento à garantia dos cidadãos do acesso aos tribunais e à administração da justiça e a cuja organização e competência se refere a Constituição nos art.ºs 202.º a 214.º e cujo estatuto dos magistrados está também enunciado constitucionalmente;

s) Quando proferem decisões sobre a tramitação do processo arbitral, sobre questões interlocutórias que nele se coloquem ou conhecem do mérito da causa, no processo, os juízes arbitrais em matéria tributável designados nos termos do RJAT não realizam, ao contrário do defendido pela sentença recorrida, uma prestação de serviços, a título oneroso, e na qualidade de sujeito passivo de IVA e agindo como tal, e os honorários que recebem não são um contravalor, mesmo subjectivo, do exercício da jurisdição, na decisão do caso, razão pela qual estes não cabem na incidência objectiva e subjectiva, tal como estão recortadas, respectivamente, no art.º 1.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 1, todos do CIVA;

t) O conceito normativo de sujeito passivo de IVA constante do CIVA deve ser entendido na acepção que lhe é dada pelo artigo 9.º, n.º 1 da Directiva IVA, ou seja, enquanto qualquer pessoa que exerça, de modo independente [no exercício da actividade económica, ou seja de forma não subordinada], e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o resultado dessa actividade, sendo esta definida como qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas, bem como a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência;

u) Mas a autora da sentença recorrida errou ainda no entendimento que conferiu aos fundamentos do Acórdão do TJUE (da Sexta Secção), de 16 de Setembro de 1997, proferido no Processo C-145/96, ao considerá-los na perspectiva de os mesmos reduzirem a sua relevância, apenas, ao conhecimento da questão de saber se a prestação de árbitro está abrangida no conceito das prestações, principal e habitualmente, efectuadas no âmbito das profissões enumeradas no artigo 9.º, n.º 2, alínea c), terceiro travessão, da Directiva 77/388 do Conselho ou em demais prestações similares mencionadas no referido artigo, para o efeito da determinação do lugar em que tais prestações devem considera-se sediadas;

v) Na verdade, a sentença recorrida desconsiderou, por completo, que o Acórdão do TJUE resolveu a questão interpretativa partindo exactamente da consideração da natureza material própria ou similar das prestações de serviços que são efectuadas por cada uma das profissões liberais referidas no preceito, que são sujeitos passivos de IVA, para aferir, então, se a prestação efectuada pelo árbitro teria comparação com qualquer das prestações materiais prestadas nessas profissões liberais ou em prestações que com elas se assemelhassem, tendo chegado à conclusão de que não haveria correspondência, mesmo na dimensão de similar, com nenhuma delas;

w) Ora, se as prestações de serviços e similares, a que alude 9.º, n.º 2, alínea c), terceiro travessão, da Directiva 77/388 do Conselho estão sujeitas a IVA, no exercício de profissões nele referidas, não se vê como não considerar que dele estão excluídas as prestações materiais dos juízes arbitrais em matéria tributária previstos no RJAT;

x) Mas a sentença recorrida enferma, ainda, de outro erro de julgamento, ao considerar que a actividade dos árbitros designados ao abrigo do RJAT envolve a prestação de serviços sujeitos a IVA, por os mesmos consistirem numa operação de execução de um serviço, em virtude de acto das autoridades públicas ou em seu nome ou por força da lei, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, alínea c) da Directiva do IVA;

y) Em primeiro lugar, importa assinalar que o conceito de prestação de serviço que é assumido em tal preceito comunitário não afasta a exigência de que o mesmo ocorra no exercício de uma actividade económica, nos termos estabelecidos pelo art.º 9.º, n.º 1 da Directiva do IVA, ou a assemelhadas a tal no art.º 2.º, n.ºs 3 a 5 do CIVA, em qualquer das situações a que aquele preceito respeita, e a jurisdição ou o exercício da soberania dos tribunais, mesmo sendo eles da categoria institucionalizada no RJAT, não ser vista como consubstanciando qualquer actividade económica, donde não caber na sua qualificação os honorários dos respectivos juízes árbitros;

z) Mas, independentemente de tal aspecto, acontece que não se pode considerar que a “prestação de serviços”, prestada pelos juízes arbitrais em matéria tributária, institucionalizados no RAJT, consista numa operação de execução de um serviço em virtude de acto das autoridades públicas;

aa) Os juízes arbitrais em matéria tributária conhecem, de acordo com o direito instituído, das questões para as quais o RJAT lhes atribui competência (em tanto se traduzindo a sua prestação de serviços), por impulso processual do próprio sujeito passivo, exercido mediante requerimento dirigido ao Presidente do Centro de Arbitragem, e não por virtude de acto praticado por quaisquer autoridades públicas ou em nome das mesmas: eles não dão execução [no exercício de qualquer actividade económica], pelos actos que praticam, ao conteúdo ou efeito constitutivo constante de qualquer acto anterior de qualquer autoridade pública ou praticam actos de execução em nome de qualquer autoridade pública;

bb) Acresce que os mesmos tribunais também não executam um serviço, a cuja execução tenha de corresponder um contravalor, definido ou não em termos de mercado, por força da lei: a decisão do tribunal arbitral não corresponde a uma execução de um serviço por força da lei, mas é, antes, um juízo jurisdicional acerca da consubstanciação/determinação/definição da lei aplicável e aplicada à decisão do caso, da fixação dos factos relevantes para o conhecimento do mérito da causa e da integração ponderativa desses factos no direito definido e expressa-se num dizer a solução do direito para a causa concreta;

cc) Cabe, agora, demonstrar o erro em que a sentença recorrida incorre ao ver “a prestação de serviços” realizada pelos juízes-árbitros, no processo arbitral regulado pelo RJAT, com sendo uma “prestação de serviços” dos juízes efectuada ao centro institucionalizado de arbitragem – o CAAD –, o qual seria o seu adquirente, pelo que os honorários seriam o contravalor directo dessa prestação e como tal sujeitos a IVA;

dd) O CAAD não presta quaisquer serviços de arbitragem decisória jurídico-tributária através dos juízes designados, nem estes estão constituídos em quaisquer deveres com ele (cfr. art.º 9.º do RJAT): eles são totalmente independentes e soberanos no exercício da função jurisdicional, nos processos arbitrais;

ee) Por outro lado, não existe qualquer acto ou relação entre o CAAD e os juízes que possa considerar-se uma prestação se serviços, a título oneroso e no exercício de uma actividade económica, de que os honorários sejam o contravalor directo;

ff) Tão pouco se pode considerar, como raciocina a sentença recorrida, que “os árbitros exercem de forma independente (na acepção de não juridicamente subordinado e sem qualquer vínculo laboral) uma actividade (remunerada) de prestação de serviços, que tem por adquirente o CAAD, actividade essa consubstanciada na condução/tramitação dos referidos processos, e que culminará com a prolacção de uma decisão arbitral”: o que os árbitros praticam, no processo arbitral, são actos de jurisdição e de soberania e não uma actividade económica (remunerada) de prestação de serviços de cujo resultado o CAAD seja o adquirente;

gg) Tanto assim é que a sua prestação de jurisdição não cabe nas prestações próprias ou similares às que são efectuadas no exercício das profissões liberais ou equiparadas a que alude o art.º 9.º, n.º 1 da Directiva do IVA ou nas profissões enumeradas no art.º 9.º, n.º 2, alínea e), terceiro travessão, da Directiva 77/388, do Conselho, como atrás já se demonstrou;

hh) Muito embora os seus honorários lhe sejam pagos pelo CAAD, acontece que este pagamento não é o contravalor de qualquer actividade de prestação de serviços ao CAAD, assumindo este, relativamente aos árbitros e às partes no processo, a natureza de mero cobrador e de pagador ao árbitro da parte da taxa de arbitragem que é paga pela parte no processo e que está consignada legalmente, ab initio, para tal pagamento de honorários [e demais encargos do processo];

ii) Na verdade, o montante dos honorários estão objectivamente definidos e fixados, de forma geral e abstracta, na Tabela anexa ao Regulamento das Custas nos Processos da Arbitragem Tributária;

jj) De qualquer jeito, admite o recorrente que a taxa de arbitragem possa prever a inclusão de IVA, na parte que respeite aos serviços que são prestados directamente pelo CAAD, como, por exemplo, os serviços prestados pelos seus funcionários, equipamento, papel, comunicações e notificações postais;

kk) Na parte da taxa de arbitragem que seja destinada ao pagamento dos honorários dos árbitros, a previsão da inclusão do IVA, nela, é manifestamente ilegal por não estar em causa a existência de qualquer prestação de serviços do CAAD aos devedores da taxa que importe, por sua vez, qualquer prestação dos juízes ao CAAD;

ll) A sentença recorrida incorreu, ainda, em outro erro de julgamento ao considerar que as liquidações impugnadas encontram fundamento legal no art.º 2.º, n.º 2, alínea c) do CIVA, que traduz uma mera transposição do art.º 203.º da Directiva do IVA;

mm) Segundo o entendimento da sentença recorrida, a simples menção formal de IVA indevido, na factura ou documento equivalente, emitido pelo “prestador de serviços” converte, ipso facto e ipso jure, o juiz arbitral tributário em sujeito passivo definitivo do imposto mencionado, para todos os efeitos, haja ou não ocorrido uma prestação de serviços, efectuada a título oneroso;

nn) Segundo esta interpretação, o facto que constitui a causa jurígena do IVA é, em tal situação, simplesmente o facto formal da menção indevida do IVA, na factura ou documento equivalente, independentemente de a operação rotulada de “prestação de serviços” não decorrer do exercício de uma actividade económica e não caber na norma de incidência objectiva do art.º 1.º, n.º 1, alínea a) do CIVA e de a mesma não ter ocorrido no mundo histórico-real, como acontece no caso;

oo) Se a operação material em causa não couber em qualquer regra de incidência objectiva do IVA, como é o caso, ou os factos tributários não tiverem ocorrido, é evidente que o sujeito passivo que tenha pago o imposto poderá impugná-lo, precedendo reclamação administrativa (art.º 131.º do CPPT);

pp) A regra constante do art.º 2.º, n.º 1, alínea c) do CIVA não é uma norma de incidência objectiva do imposto, que pressupõe a existência de factos tributários (económicos), mas antes e apenas uma norma de operatividade do seu sistema de pagamento, na medida em que, ao colocar a pessoa que o menciona na posição de devedor do mesmo, garante o controlo da dedução que o adquirente faça do seu montante, ao apurar o montante de IVA a entregar no período de tributação, assim evitando a evasão fiscal;

qq) Sem embargo, não impede ou priva o mencionante do imposto do direito de impugnar a sua liquidação, cumprido que seja o pressuposto de recorribilidade da dedução prévia da reclamação para o órgão periférico da administração regional, prevista no art.º 131.º do CPPT, como aqui aconteceu;

rr) Anulada que seja judicialmente a liquidação do IVA, e perante a decisão jurisdicional, caberá, então, à AT proceder oficiosamente à revisão da situação tributária do sujeito passivo que tenha, porventura, procedido à dedução indevida do imposto, nos termos do art.º 100.º da Lei Geral Tributária;

ss) O procedimento regulado no art.º 78.º do CIVA visa, apenas, possibilitar a regularização do IVA, em sede da autoliquidação do imposto, “sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo”, rectificação essa que tem a natureza de obrigatória para o contribuinte quando houver imposto liquidado a menos, mas não assume a natureza de pressuposto especial de recorribilidade do acto de autoliquidação, mesmo quando há imposto liquidado a mais;

tt) A interpretação adoptada pela sentença recorrida de o preceito do art.º 2.º, n.º 1, alínea c) do CIVA, na redacção ao tempo, consubstanciar, simultaneamente, uma regra de incidência objectiva e subjectiva autónoma de IVA relativamente às regras de incidência constantes do art.º 1.º, n.º 1, alínea a) e do art.º 2.º, alíneas a) e b) do CIVA, tanto para o efeito da constituição da obrigação de IVA relativamente ao prestador dos serviços, como para efeitos da dedução do mesmo por banda do adquirente, viola os artigos 2.º e 9.º da Sexta Directiva do IVA;

uu) Ao contrário do sustentado na sentença recorrida, os pedidos de reenvio prejudicial para o TJUE, devem ser atendidos: na verdade, qualquer das interpretações dos preceitos de direito comunitário, que de seguida se identificam, com os quais devem ser confrontados os sentidos normativos defendidos pela sentença recorrida, não podem considerar-se como claras, ou excludentes da existência de dúvida razoável do intérprete e dos tribunais sobre eles e sobre a bondade jurídica da solução da causa.

vv) Termos em que deve o Tribunal efectuar, a título incidental e prejudicial, pedido de reenvio interpretativo, nos termos do art.º 267.º do TFUE, ao TJUE, sobre as seguintes questões:

a) O artigo 4.º, n.º s 1 e 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 2006/98/CE do Conselho, de 20 de Novembro de 2006, bem como do artigo 9.º, n.º 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Directiva 2006/138/CE do Conselho, de 19 de Dezembro de 2006 –, opõe-se a uma legislação nacional como a dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º do CIVA, quando entendida no sentido de abranger os honorários/remuneração recebidos por juiz arbitral tributário, pelo exercício das funções de juiz em processo arbitral tributário nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e que são pagos com base na taxa de arbitragem (custas) paga pela parte no processo?
b) Os artigos 2.º e 9.º da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 2006/98/CE do Conselho, de 20 de Novembro de 2006, bem como do artigo 9.º, n.º 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Directiva 2006/138/CE do Conselho, de 19 de Dezembro de 2006, opõem-se a um preceito de direito nacional como o da alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, quando interpretado no sentido de consubstanciar uma regra de incidência objectiva e subjectiva autónomas de IVA relativamente às regras de incidência do imposto constantes do art.º 1.º, n.º 1, alínea a) e do art.º 2.º, alíneas a) e b) do n.º 2, ambos do CIVA?

Normas jurídicas violadas:
- art.ºs 3.º. n.º 1, 110.º, 111.º, 165.º, n.º 1, al. p), 202.º 203.º e 209.º, n.ºs 1 e 2 da CRP;
- art.ºs 6.º, 9.º, 11.º e 12.º do RJAT;
- art.ºs 1.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 2, alínea c), e 4.º, n.º 1 do CIVA;
- art.ºs 4.º, n.º s 1 e 2, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 2006/98/CE do Conselho, de 20 de Novembro de 2006, bem como do artigo 9.º, n.º 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Directiva 2006/138/CE do Conselho, de 19 de Dezembro de 2006;
- art.ºs 2.º e 9.º da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, conforme alterada pela Directiva 2006/98/CE do Conselho, de 20 de Novembro de 2006, bem como do artigo 9.º, n.º 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Directiva 2006/138/CE do Conselho, de 19 de Dezembro de 2006;
- art.º 9.º, n.º 2, alínea c), terceiro travessão, da Directiva 77/388 do Conselho.

E com o douto suprimento de V.ªs Excelências, e em função do julgado pelo TJUE, conceder provimento ao recurso, com todas as consequências legais, assim fazendo JUSTIÇA! »

*

Não aconteceu a formalização de contra-alegações.

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse e bastantes para a decisão, os factos infra indicados:

1. O impugnante foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de tribunais arbitrais coletivos, constituídos ao abrigo do regime constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, nos seguintes processos arbitrais tributários:

- 8/2011-T, intentado por S..., S.A;

- 21/2011-T, intentado por Z..., S.A;

- 10/2012-T, intentado por T..., S.A;

- 11/2012-T, intentado por T..., S.A;

- 19/2012-T, intentado por R..., S.A;

- 65/2012-T, intentado por Vale do L..., Lda;

- 68/2012-T, intentado por BB;

- 72/2012-T, intentado por N..., S.A;

- 73/2012-T, intentado por E…;

- 105/2012-T, intentado por D..., Lda;

- 107/2012-T, intentado por B...;

- 108/2012-T, intentado por CC;

- 137/2012-T, intentado por Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta, S.A;

- 148/2012-T, intentado por Y... S.A;

- 2/2013-T, intentado por C...;

- 10/2013-T, intentado por I..., S.A;

- 31/2013-T, intentado por F... GmbH;

- 34/2013-T, intentado por DD

- cf. doc. 1 junto com a petição inicial e acordo;

2. Uma vez proferidas as decisões arbitrais nos processos supra identificados o Centro de Arbitragem Administrativa informou o impugnante do pagamento da quantia referente aos honorários reportados a cada um deles, tendo solicitado que este remetesse o respetivo recibo – cf. mensagens de correio eletrónico juntas com a petição inicial;

3. Com referência aos honorários recebidos pela atividade mencionada em 1., o ora impugnante emitiu, no Portal das Finanças, os seguintes recibos verdes, figurando como adquirente do serviço o CAAD, contribuinte fiscal n.º 508840309:

- recibo n.º 3, emitido em 2012-06-20, com liquidação de IVA de 328,63 €, de IRS de 307,20 €, valor base de 1.428,83 €, importância recebida 1.450,26 €;

- recibo n.º 4, emitido em 2012-06-21, com IVA de 215,04 €, IRS de 201,02 €, valor base de 934,96 € e recebido de 948,98 €;

- recibo n.º 5, emitido em 2012-09-14, com IVA de 820,44 €, de IRS de 766,93 €, valor base de 3.567,11 € e recebido de 3.620,62 €;

- recibo n.º 6, emitido em 2012-12-04, com IVA de 359,96 €, de IRS de 336,48 €, valor base de 1.565,04 e recebido de 1.588,52 €;

- recibo n.º 7, emitido em 2012-12-04, com IVA de 177,64 €, de IRS de 101,95 €, valor base de 772,36 € e recebido de 783,94 €;

- recibo n.º 8, emitido em 2012-12-04, com IVA de 140,24 €, de IRS de 131,10 €, valor base de 609,76 € e recebido de 618,90 €;

- recibo n.º 9, emitido em 2012-12-14, com IVA de 177,64 €, de IRS de 166,06 €, de valor base de 772,36 € e recebido de 783,94 €;

- recibo n.º 10, emitido em 2013-02-07, com IVA de 741,42 €, de IRS de 805,90 €, valor base de 3.223,58 € e recebido de 3.159,10 €;

- recibo n.º 11, emitido em 2013-04-01, com IVA de 174,08 €, de IRS de 189,22 €, valor base de 756,87 € e recebido de 741,73 €;

- recibo n.º 15, emitido em 2013-05-14, com IVA de 533,51 €, de IRS de 579,90 €, valor base de 2.319,59 € e recebido de 2.273,20 €;

- recibo n.º 16, emitido em 2013-05-15, com IVA de 376,83 €, de IRS de 409,60 €, valor base de 1.638,41 € e recebido de 1.605,64 €;

- recibo n.º 17, emitido em 2013-06-04, com IVA de 153,60 €, de IRS de 166,96 €, valor base de 667, 83 € e recebido de 654,47 €;

- recibo n.º 18, emitido em 2013-06-28, com IVA de 276,48 €, de IRS de 300,52 €, valor base de 1.202,09 € e recebido de 1.178,05 €;

- recibo n.º 19, emitido em 2013-07-22, com IVA de 359,43 €, de IRS de 390,68 €, valor base de 1.562,72 € e recebido de 1531,47 €;

- recibo n.º 20, emitido em 2013-07-22, com IVA de 276,48 €, de IRS de 300,52 €, valor base de 1.202,09 € e recebido de 1.531,47 €;

- recibo n.º 21, emitido em 2013-11-29, com IVA de 194,56 €, de IRS de 211,48 €, valor base de 845,92 € e recebido de 829,00 €;

Recibo n.º 22, emitido em 2013-11-29, com IVA de 359,43 €, de IRS de 390,68 €, valor base de 1.562,72 € e recebido de 1.531,47 €;

cf. docs. de fls. 41 e 42 do p.a. apenso;

4. Em data concretamente não determinada o impugnante procedeu à entrega dos modelos P2 referentes ao IVA dos exercícios de 2012 e 2013, tendo pago os valores apurados (de 2.285,1 € e 3.445,8 €, respetivamente) em 30.12.2013 – cf. docs. 4 a 6 juntos com a petição inicial;

5. O impugnante apresentou, em 30.01.2014, reclamação graciosa dos “atos de autoliquidação de IVA” supra mencionados – cf. reclamação a fls. 10 e ss. do p.a. apenso cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

6. Em 07.07.2014 foi produzida pela direção de serviços do IVA da AT a Informação de fls. 134 e ss. do p.a. apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e aqui parcialmente se transcreve:

(…)

24. A arbitragem constitui, como já referido, uma forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos, e, embora a decisão proferida tenha o mesmo valor jurídico que as sentenças judiciais, não há qualquer norma que equipare a função de árbitro à de juiz de direito.

25. Tão pouco pode ser feita qualquer equiparação da função de árbitro nos tribunais arbitrais tributários ao Estado e demais pessoas coletivas de direito público, pelo que está afastada a aplicação do artigo 2.° n.° 2 do Código do IVA, na medida em que esta norma tem aplicação exclusiva quando o Estado e demais pessoas coletivas de direito público realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade.

(…)

27. O artigo 1.° n.° 1 alínea a) do Código do IVA (CIVA) estabelece que estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado “(a)s transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal".

28. Com vista ao pleno alcance da incidência objetiva e subjetiva do imposto sobre o valor acrescentado importa precisar os termos utilizados neste artigo 1.° n.° 1 alínea a) do CIVA, designadamente, os de transmissões de bens, de prestação de serviços, bem como de sujeito passivo.

29. Os conceitos de transmissão de bens e de prestação de serviços encontram-se definidos nos artigos 3.° e 4.° do CIVA.

30. Se por um lado, o conceito de transmissão de bens se encontra delimitado no artigo 3.° do CIVA, sendo considerado, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, e sendo, ainda, elencado, no n.° 3 deste artigo, as situações que são consideradas, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, também transmissão de bens.

31. Por outro, o artigo 4.° do CIVA, que se reporta às prestações de serviços, tem um caráter residual, traduzindo, assim, a vocação de universalidade deste imposto.

32. São, deste modo, consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens. Resulta, daqui, que qualquer atribuição patrimonial que não seja contrapartida de uma transmissão de bens tem, em princípio, subjacente uma prestação de serviços. Todavia, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de IVA é imperativo que exista uma atividade económica.

33. A Diretiva 2006/112/CE de 28 de novembro (Diretiva do IVA) define, no seu artigo 9°, «atividade económica» como “qualquer atividade de produção, comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência."

34. Assim, uma pessoa singular que intervém na qualidade de árbitro num tribunal arbitral e que recebe uma atribuição patrimonial como contrapartida da sua atuação realiza, objetivamente e à luz do conceito subjacente ao Código do IVA e à Diretiva 2006/112/CE de 28 de novembro, uma prestação de serviços.

35. O artigo 2.° n.° 1 alínea a) do CIVA refere que são sujeitos passivos de imposto “(a)s pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC)".

36. A Diretiva 2006/112/CE de 28 de novembro define, por seu lado, no seu artigo 9.°, «sujeito passivo» como “qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade”.

37. Atenta a previsão do Código do IVA que estabelece a incidência subjetiva, bem como as definições constantes da Diretiva do IVA, tendo, ainda, presente o conteúdo funcional da atividade de árbitro nos tribunais arbitrais tributários e a forma como os árbitros são escolhidos, considera-se que o reclamante age na qualidade de sujeito passivo.

38. Ademais, a referência à independência na letra do artigo 2.° n.° 1 alínea a) do Código do IVA visa excluir as prestações de assalariados e empregados por conta de outrem, as quais ficam, naturalmente, fora do campo de incidência do imposto.

39. Fica, pois, claro que a atividade desenvolvida pelos árbitros no âmbito do processo de arbitragem tem caráter de independência, não só no sentido jurídico decorrente do RJAMT, mas também no sentido económico, na medida em que não existe qualquer vínculo de natureza laboral entre aqueles e as entidades que os escolhem.

40. Deste modo, consideram-se verificados os requisitos subjetivos e objetivos do artigo 1.° n.° 1 alínea a) do Código do IVA, pelo que a atividade desenvolvida pelos árbitros se encontra sujeita a IVA e dele não isenta.

(…)”;

7. A petição inicial da presente impugnação foi remetida a este Tribunal por via postal em 04.08.2014 – cf. sobrescrito integrante do processo físico;

8. Em 09.09.2014 foi proposto, com fundamento na informação mencionada no ponto 6., o indeferimento da reclamação apresentada pelo impugnante – cf. despacho e informação de fls. 138 e ss. do p.a. apenso;

9. Em 16.09.2014 o procedimento de reclamação graciosa foi remetido ao serviço de finanças para efeitos de apensação aos presentes autos – cf. doc. de fls. 156 do processo administrativo. »


***

Mediante simples análise da respetiva estrutura, a sentença, sob crítica do rte, num primeiro momento, identificou e fixou como questão a decidir a de “saber se as autoliquidações de IVA referentes aos anos de 2012 e 2013 aqui impugnadas devem ser anuladas, sendo o imposto restituído ao impugnante, por os honorários recebidos nos processos arbitrais tributários não corresponderem a quaisquer prestações de serviços sujeitas a IVA, seja à luz do CIVA, seja à luz da Diretiva do IVA, e por a regra de incidência subjetiva constante do art.º 2.º, n.º 1, alínea c), segundo a qual “são sujeitos passivos de IVA as pessoas singulares ou coletivas que, em fatura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA” não consagrar uma regra de incidência objetiva e subjetiva autónoma de IVA relativamente às regras de incidência constantes das alíneas anteriores do mesmo preceito”. Outrossim, ao nível da fundamentação jurídica, com o título “Do Direito”, após coligir diversos argumentos, ostenta o seguinte parágrafo: «

Em conclusão, (i) consubstanciando a atividade desenvolvida pelo impugnante, correspondente à condução/tramitação e decisão de processos arbitrais, no entender deste Tribunal, a uma prestação de serviços efetuada no território nacional, a título oneroso, por uma pessoa singular de um modo independente, e (ii) tendo o impugnante mencionado IVA nos recibos que emitiu, sempre será sujeito passivo de IVA, pelo que os atos objeto da presente impugnação não padecem dos vícios que lhe são imputados, o que implica a sua total improcedência.
Assim se decidirá. »

E, imediatamente, antes de inscrever esta conclusão, o julgador expendeu os fundamentos que, também, passamos a reproduzir. «

(…).
De todo o modo, e ainda que se entendesse que a referida atividade não consubstancia uma prestação de serviços e que, por isso, o impugnante não se assume como sujeito passivo à luz do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Código do IVA, certo é que a alínea c) do mesmo preceito define como sujeito passivo a pessoa singular ou coletiva que mencione indevidamente IVA em fatura, e que o impugnante, nos recibos que emitiu, inscreveu o IVA, que lhe foi pago pelo CAAD.
Neste conspecto defende o impugnante que tal regra só pode ser interpretada no sentido de que, quando a operação económica está sujeita a IVA segundo qualquer regra de incidência objetiva, deve considerar-se sujeito passivo do imposto mesmo quem o mencione indevidamente em fatura ou documento equivalente, não consagrando uma regra de incidência objetiva e subjetiva autónoma de IVA relativamente às regras de incidência constantes das alíneas anteriores do mesmo preceito.
Mais defende que uma interpretação do preceito em causa no sentido de consubstanciar uma regra de incidência objetiva e subjetiva autónomas de IVA relativamente às regras de incidência do imposto constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA, a qual só por si converteria o emitente formal do documento e da menção indevida do imposto em devedor do mesmo (sujeito passivo), violaria os artigos 2.º e 9.º da Sexta Diretiva.
Dispunha a al. c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA (na redação prévia ao DL n.º 197/2012, de 24 de agosto) que são sujeitos passivos do imposto, as pessoas singulares ou coletivas que, em fatura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA.
De acordo com a referida disposição legal a simples menção do IVA nos referenciados documentos, mesmo que incorreta, por não haver lugar ao seu pagamento, origina obrigação de imposto. A autonomização, em alínea própria, da referida regra de incidência, conduz inevitavelmente a tal conclusão, não dependendo a obrigação de imposto de se estar perante operação económica sujeita a IVA segundo as regras de incidência constantes das alíneas anteriores do mesmo preceito.
E, como se sublinhou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.2016, proferido no Proc. n.º 0807/15, disponível em www.dgsi.pt, remetendo para jurisprudência prévia do mesmo Tribunal, “(…) este resultado deriva tanto do carácter rígido e formalista do IVA como do facto de o sujeito passivo destinatário da fatura ter o direito de dedução respetivo.
Nas palavras de XAVIER DE BASTO (Cfr. “A harmonização Fiscal na CEE”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 362, p. 44), cada fatura com menção de imposto, constitui “um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, (...) a simples menção do IVA em fatura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um “devedor de imposto”. Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a fatura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fracionados.»
Na verdade, esta disposição constante da al. c) do nº 1 do art. 2º do CIVA, «visa garantir que existe uma correspondência entre a obrigação de pagamento do imposto e o direito à dedução, que resulta da condição de sujeito passivo», sendo que em matéria de imposto indevidamente mencionado e repercutido também a jurisprudência comunitária tem acentuado que «a pessoa que mencione indevidamente IVA numa fatura converte-se em sujeito passivo de imposto [artigo 2°, n.º 1, alínea c)] e consequentemente em devedor do montante em causa. Se tiver atuado de boa fé, deve poder regularizar o montante de imposto indevidamente faturado, procedendo à devolução do montante de imposto em causa. Aquele que suporte um IVA indevido não pode, em qualquer caso, exercer o direito à dedução.» (Patrícia Noiret Cunha, Imposto sobre o Valor Acrescentado: Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transações Intracomunitária, Lisboa, ISG, 2004, pp. 458-459, nota 3 ao artigo 71º.)
Trata-se, portanto, de cautelas assumidas pelo legislador, decorrentes da circunstância de nesses casos se estar «a dar início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes». (Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2005, p. 66.) (…)”.
Por outro lado, ao defender que a interpretação supra explanada viola o disposto nos artigos 2.º e 9.º da Diretiva IVA, o impugnante olvida o seu artigo 203.º, no qual se consagrou que o IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura.
A este respeito, não se vislumbra também existir qualquer necessidade de proceder ao reenvio prejudicial requerido pelo impugnante, porquanto o TJUE precisou já que o IVA mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido, independentemente da existência efetiva de uma operação tributável (v., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2013, Stroy trans, C-642/11, EU:C:2013:54, n.º 38).
O mesmo Tribunal consignou que embora o “(…) sistema comum do IVA garant[a], (…) a perfeita neutralidade da carga fiscal de todas as atividades económicas (…) a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é igualmente um objetivo reconhecido e encorajado pela Diretiva IVA (…). Ora, o risco de perda de receitas fiscais não é, em princípio, completamente eliminado enquanto o destinatário de uma fatura mencionando indevidamente um montante de IVA fosse suscetível de a utilizar para obter a dedução desse imposto (Acórdão de 31 de janeiro de 2013, Stroy trans, C-642/11, EU:C:2013:54, n.º 31). 32 Nesta perspetiva, a obrigação prevista no artigo 203.º desta diretiva visa eliminar o risco de perda de receitas fiscais que pode resultar do direito a dedução (Acórdão de 31 de janeiro de 2013, Stroy trans, C-642/11, EU:C:2013:54, n.º 32).” (Acórdão de 8 de maio de 2019, EN.SA.,C-712/17, EU:C:2019:374, n.º 26).
É certo que a sujeição a IVA de quem o mencionou indevidamente não deve ir para além do que é necessário para eliminar o risco de perda de receitas fiscais e não deve causar um prejuízo excessivo ao princípio da neutralidade do IVA (v., neste sentido, o acórdão supra mencionado).
O respeito pelo princípio da neutralidade, no ordenamento jurídico português, é assegurado, desde logo porque o artigo 78.º do Código do IVA prevê a possibilidade de os sujeitos passivos: (i) alterarem o valor tributável ou o imposto de uma operação, ou (ii) corrigirem uma fatura por qualquer motivo, incluindo inexatidão através da emissão de um documento retificativo de fatura. Assim, quando haja lugar à emissão destes documentos retificativos de faturas, o sujeito passivo tem a obrigação – no caso de ter liquidado imposto a menos –, ou a faculdade – no caso de ter liquidado imposto a mais – de proceder à regularização do imposto entregue ao Estado a menos ou a mais.
No caso que nos ocupa, mesmo que se admitisse que o imposto só seria devido à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. c) do Código do IVA, a retificação só poderia ser efetuada se o impugnante tivesse na sua posse prova de que o adquirente (CAAD) tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto (cf. n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA). Como é expressamente referido na Informação Vinculativa exarada no processo nº 12757, a norma prevista no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA tem por objetivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize a seu favor o imposto inicialmente deduzido pelo adquirente sem que este proceda à correção do correspondente valor a favor do Estado, pelo que “se o fornecedor optar por efetuar a retificação, esta tem de ser operada pelas duas partes intervenientes (fornecedor e adquirente) dentro dos prazos estabelecidos nas respetivas normas (…), sob pena de não poder ser efetuada.”.
E, como resulta do probatório, o impugnante não provou (nem alegou, diga-se), ter efetuado qualquer retificação ou ter reembolsado o imposto ao CAAD, pelo que não se pode dizer que demonstrou a sua boa-fé.
Com efeito, no que se refere concretamente ao reembolso do IVA faturado por erro, o Tribunal de Justiça declarou que, a fim de assegurar a neutralidade do IVA, cabe aos Estados-Membros prever, na sua ordem jurídica interna, a possibilidade de regularização de qualquer imposto indevidamente faturado, desde que o emitente da fatura demonstre a sua boa-fé (Acórdão de 2 de julho de 2020, Terracult, C-835/18, EU:C:2020:520, n.º 27 e jurisprudência referida).
Neste contexto, não pode concluir-se que a não poder o impugnante reclamar do Estado a restituição do IVA que liquidou se distorce, de forma inadmissível, o princípio da neutralidade do IVA.
Outrossim, é possível concluir que, tendo o impugnante mencionado IVA nos recibos verdes que emitiu, e tendo recebido o imposto em causa, é sujeito passivo de IVA, não sendo de admitir, nas concretas circunstâncias do caso, a sua restituição, porquanto não se verificam os pressupostos do artigo 78.º do Código do IVA.
(…). »

Desta exposição decorre que o interveniente julgador, confrontado com o pedido de anulação de determinados atos de autoliquidação de IVA, identificou (na alegação e pretendido pelo impugnante) duas potenciais razões/fundamentos, capazes de, se verificadas/os, conduzirem ao resultado peticionado, as/os quais versou, isoladamente, tendo concluído, transversalmente, não só pelo respetivo desatendimento, mas, sem dúvidas, que a alínea (al.) c) do n.º 1, artigo (art.) 2.º, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) define como sujeito passivo a pessoa singular ou coletiva que mencione indevidamente IVA em fatura, e que o impugnante, nos recibos que emitiu, inscreveu o IVA, que lhe foi pago pelo CAAD”. Acresce, ser inequívoco que assumiu a virtualidade, singular, exclusiva, deste fundamento, para apoiar a, final, decisão de julgar improcedente esta impugnação judicial; “De todo o modo, e ainda que se entendesse que a referida atividade não consubstancia uma prestação de serviços e que, por isso, o impugnante não se assume como sujeito passivo à luz do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Código do IVA, …”. E, este tratamento dual foi, também, sem dúvidas, identificado pelo rte, detetando-se, entre outros, o apontamento, à sentença recorrida, de erróneo julgamento, com os contornos sintetizados nas conclusões ll) a tt), da matéria envolvendo a aplicação, neste caso, do conteúdo normativo inscrito no art. 2.º n.º 1 al. c) do CIVA ( Que nas redações vigentes em 2012 e 2013, estabelecia, respetivamente:


Artigo 2.º
Incidência subjectiva
1 - São sujeitos passivos do imposto:
(…).
c) As pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA;
Artigo 2.º
Incidência subjectiva
1 - São sujeitos passivos do imposto:
(…).
c) As pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente IVA em fatura;).
Em função destes contornos, no pressuposto, incontornável, de que a apreciação do, acabado de identificar, erro de julgamento irá, necessariamente, desembocar na disponibilização de motivos suficientes, só por si, para fundamentarmos um veredicto de provimento ou não provimento do corrente apelo, a matéria das coligidas conclusões e correspondente alegação será o mote, único, da atividade jurisdicional sequente.

Segundo Xavier de Basto ( In A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional, Lições sobre a Harmonização Fiscal na Comunidade Europeia, pág. 44.), “A não existência na linguagem jurídico fiscal portuguesa, de uma base para a distinção entre sujeitos passivos (assujettis) e devedores do imposto (redevables), pois que estes últimos na nossa terminologia não deixam de ser sujeitos passivos, conduzem o legislador do Código do imposto sobre o valor acrescentado português a englobar na definição de sujeitos passivos do seu artigo 2º as duas noções do sistema comum, tendo o cuidado, todavia, de separar por alíneas os vários tipos de devedores do imposto na acepção do artigo 4º da 6ª Directiva”. Equivale isto a dizer que o legislador luso, em cédula de IVA, positivou “um conceito jurídico e não económico de sujeito passivo”. Concretizando, no art. 2.º n.º 1 al. a) do CIVA, o conceito de sujeito passivo surge ligado ao desenvolvimento de uma atividade económica, correspondendo à definição de assujetti da Diretiva, enquanto, nas demais alíneas, v.g., na al. c), os “nossos sujeitos passivos” mais não são que os redevables (devedores do imposto) da Diretiva.

Outrossim, a jurisprudência dos tribunais tributários portugueses, superiores, destacadamente do STA, já, afirmou ( Cf., entre outros, acórdão de 27 de janeiro de 2016, processo n.º 0807/15 (convocado pela sentença recorrida).) e não encontramos motivos (particularmente, como veremos de seguida, os coligidos pelo rte) para não continuar a entender/defender, em função do estatuído no art. 2.º n.º 1 al. c) do CIVA ( Cuja redação, na atualidade, é igual à vigente no ano de 2013.), que “de acordo com esta disposição legal, a simples menção do IVA nos referenciados documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto”. Por outras palavras, o teor literal do normativo em apreço não deixa dúvidas, reservas, na afirmação de que são “sujeitos passivos”/devedores do imposto (IVA), entre outras, as pessoas singulares que o mencionem “indevidamente” em fatura (ou documento equivalente), não havendo lugar a, necessidade de, indagar e valorar as casuísticas razões da inclusão, na fatura/documento, de determinado montante a título de IVA, tanto mais que, este, no limite, até pode nem ser devido, por um conjunto lato de circunstâncias, relacionadas com os sujeitos intervenientes e/ou com a atividade económico-jurídica desenvolvida. Determinante e exclusivo, é, portanto, a menção, inscrição, de certa e determinada importância, sob o descritivo de IVA (ou equivalente), para que o emitente de uma fatura seja tido como sujeito passivo/devedor do imposto respetivo, isto é, se constitua, além do mais, na obrigação de o entregar ao Estado ( Art. 27.º do CIVA.).

Resta aludir que a singularidade (e possíveis perplexidades) deste regime/dispositivo legal tem sido justificada, nos vários quadrantes, com a necessidade de garantir “uma correspondência entre a obrigação de pagamento do imposto e o direito à dedução, que resulta da condição de sujeito passivo”, o que se conecta com a circunstância de toda e qualquer fatura com menção de IVA constituir “um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido”; não se olvide, ainda, o, assumido por todos, carácter rígido e formalista do imposto em apreço, bem como, o objetivo nuclear de, com a respetiva operação, se alcançar a “perfeita neutralidade da carga fiscal de todas as atividades económicas” (princípio da neutralidade do IVA), promovendo, na medida necessária e em vários aspetos, a luta contra fraudes e evasão fiscal.

Versando os argumentos, do rte, opostos a esta forma de entender e operar o disposto no art. 2.º n.º 1 al. c) do CIVA, não podemos, em primeira linha, concordar com a assunção de que este só pode ser considerado no pressuposto de, no caso concreto, estar preenchida a norma de incidência objetiva do art. 1.º n.º 1 al. a) do CIVA ( Na redação vigente em 2012 e 2013;


Artigo 1.º
Incidência objectiva
1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
(…).) e, ainda, sob a condição da sua aplicação ficar dependente do funcionamento das regras inscritas nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 2.º do mesmo compêndio legal – cf. conclusões nn) e tt).
Além de estarem em causa normas de incidência de diversa natureza, objetiva vs. subjetiva, portanto, suscetíveis de funcionarem na estrita medida do preenchimento das respetivas previsões normativas, tendencialmente (pelos elementos que têm na base), diferentes, nada na letra, nem no espírito, do CIVA, aponta no sentido da existência/exigência da apontada dependência, sendo, ao invés, percetível que, havendo alguma proximidade/interconexão entre as regras de incidência dos arts. 1.º n.º 1 al. a) e 2.º n.º 1 al. a) (bem como, dos arts. 1.º n.º 1 al. b), c) e 2.º n.º 1 als. b) e d)) do CIVA, aquela que encontramos traduzida no versado art. 2.º n.º 1 al. c) apresenta uma nítida, evidente, individualidade, no sentido de que, objetiva e exclusivamente, visa constituir, como sujeitos passivos/devedores do imposto (IVA), pessoas em função, apenas, de utilização que façam de faturas (ou documentos equivalentes), com menção de IVA, quando esta, por qualquer razão, seja, se mostre, indevida; sendo, por isso, além do mais, indiferente que tal documento tenha (ou não) subjacente o exercício de uma atividade económica. Com este segmento normativo, sem qualquer condicionamento literal ou semântico, o legislador pretendeu intervir e regular situações específicas, capazes de fugirem ao figurino, comum/habitual, da prática, indiscutível, de transmissões de bens, prestações de serviços, importações de bens e operações intracomunitárias, sem prejuízo de, no âmbito destas, também, poder a menção indevida de IVA, na documentação utilizada.

Em suma, rejeitamos a pretensão, do rte, de afastamento do funcionamento, in casu, do estatuído no art. 2.º n.º 1 al. c) do CIVA, porque os recibos verdes (faturas) que emitiu, com inclusão/liquidação de IVA – ponto 3. dos factos provados, não dizem respeito a “uma actividade económica (remunerada) de prestação de serviços …”, circunstância que, para si, implicando não ser devido o imposto, sem mais, linearmente, legitima o respetivo reembolso.

Ao invés, nada temos a opor à defesa que faz do direito de impugnar, por exemplo, nas condições eleitas nas conclusões oo) e qq), por parte de qualquer “sujeito passivo” que pague IVA; porém, diferentemente, do, aí, pressuposto, o exercício desse direito não garante, em todas as situações, ganho de causa ao respetivo impugnante…

Presente, agora, o conteúdo da conclusão ss), também, aceitamos que o regime decorrente do art. 78.º do CIVA pode não assumir “a natureza de pressuposto especial de recorribilidade do acto de autoliquidação”, mas, como, acertadamente, se sustentou, na sentença recorrida: «

(…).
É certo que a sujeição a IVA de quem o mencionou indevidamente não deve ir para além do que é necessário para eliminar o risco de perda de receitas fiscais e não deve causar um prejuízo excessivo ao princípio da neutralidade do IVA (v., neste sentido, o acórdão supra mencionado).
O respeito pelo princípio da neutralidade, no ordenamento jurídico português, é assegurado, desde logo porque o artigo 78.º do Código do IVA prevê a possibilidade de os sujeitos passivos: (i) alterarem o valor tributável ou o imposto de uma operação, ou (ii) corrigirem uma fatura por qualquer motivo, incluindo inexatidão através da emissão de um documento retificativo de fatura. Assim, quando haja lugar à emissão destes documentos retificativos de faturas, o sujeito passivo tem a obrigação – no caso de ter liquidado imposto a menos –, ou a faculdade – no caso de ter liquidado imposto a mais – de proceder à regularização do imposto entregue ao Estado a menos ou a mais.
No caso que nos ocupa, mesmo que se admitisse que o imposto só seria devido à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. c) do Código do IVA, a retificação só poderia ser efetuada se o impugnante tivesse na sua posse prova de que o adquirente (CAAD) tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto (cf. n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA). Como é expressamente referido na Informação Vinculativa exarada no processo nº 12757, a norma prevista no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA tem por objetivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize a seu favor o imposto inicialmente deduzido pelo adquirente sem que este proceda à correção do correspondente valor a favor do Estado, pelo que “se o fornecedor optar por efetuar a retificação, esta tem de ser operada pelas duas partes intervenientes (fornecedor e adquirente) dentro dos prazos estabelecidos nas respetivas normas (…), sob pena de não poder ser efetuada.”.
E, como resulta do probatório, o impugnante não provou (nem alegou, diga-se), ter efetuado qualquer retificação ou ter reembolsado o imposto ao CAAD, pelo que não se pode dizer que demonstrou a sua boa-fé.

(…). »

Mais uma vez, julgamos, nada obstando a que um sujeito passivo de IVA possa impugnar um ato de autoliquidação, que tenha promovido, sem proceder a qualquer das regularizações previstas no art. 78.º do CIVA, é evidente, obrigatório, por imperativo legal, concluindo-se que alguma delas deveria ter ocorrido, desatender a sua pretensão, judicial.

Derradeiramente, como, também, sustentou o tribunal recorrido, apoiado em pertinente jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), o art. 203.º ( Precedido, na mesma tónica, entre outros, pelo art. 21.º 1. 1. c) da Sexta (6.ª) Directiva: «


ARTIGO 21.º
Devedores do imposto perante o Fisco
1. O imposto sobre o valor acrescentado é devido:
1. No regime interno:
(…)
c) Por todas as pessoas que mencionem o imposto sobre o valor acrescentado numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua;
(…). ») da Diretiva IVA ( «DIRECTIVA 2006/112/CE DO CONSELHO de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado»; com entrada em vigor no dia 1 de janeiro de 2007, tendo, além do mais, revogado, expressamente, a 6.ª Directiva (Directiva 77/388/CEE).), estatuindo que “O IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa factura”, constitui, para nós, um substrato, literal, objetivo, sólido e inequívoco, claro, de que a interpretação, consumada nestes autos, do art. 2.º n.º 1 al. c) do CIVA, não encerra violação do direito comunitário, harmonizador, pelo que, nenhuma dúvida nos assalta e justifique o pedido, pelo rte, reenvio prejudicial.
*******

# III.

Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos não prover este recurso.


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Custas pelo recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 11 de janeiro de 2023. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.