Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03397/22.8BELSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
Sumário:Não se justifica admitir revista se a questão fundamental versada no acórdão recorrido, a da violação das regras específicas do presente procedimento, por a proposta das Recorrentes não ter dado cumprimento ao prescrito na alínea d) do ponto 7.1., do programa do concurso, nos termos do disposto no art. 132º, nº 4 e tendo como consequência a exclusão da proposta, nos termos do art. 146º, nº 2, al. n), ambos do CCP, aparenta ter sido bem decidida pelo TCA, através de uma fundamentação consistente, coerente e plausível, ao entender que a proposta das Recorrentes omitiu a indicação exigida no referido ponto 7.1., alínea d).
Nº Convencional:JSTA000P31934
Nº do Documento:SA12024022103397/22
Recorrente:A..., S.A. E OUTROS
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA (MUNICÍPIO DE LISBOA) E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
B..., SA, (doravante B...) e A..., SA (doravante A...), Autoras na presente acção de contencioso pré-contratual que intentaram contra o Município de Lisboa, indicando, entre outras, como contra-interessadas (CI) C..., SA (doravante C...) e D..., Unipessoal, Lda (doravante D...), interpõem revista, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 09.11.2023, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional das CI, revogando a decisão recorrida que julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada, julgando a acção improcedente.
Fundamentam a admissibilidade da revista na circunstância de se estar perante questão de relevância jurídica e social fundamental, havendo necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações as Contra-interessadas/Recorridas defendem a inadmissibilidade da revista ou a improcedência do recurso.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente acção administrativa de contencioso pré-contratual as Autoras formulam os seguintes pedidos:
- A anulação da deliberação da entidade demandada que excluiu a proposta que apresentaram e que adjudicou a empreitada nº 190/DMMC/DIOA/DGOA/21, “Reabilitação do Túnel da Av. João XXI”, ao agrupamento C... e D..., bem como a anulação do contrato de empreitada que, entretanto, viesse a ser outorgado; e
- a condenação da entidade demandada à prolação do acto de admissão da proposta que apresentaram, com a consequente reordenação das propostas e adjudicação às autoras da referida empreitada.

O TCA de Lisboa por saneador-sentença de 09.03.2023 julgou procedente a acção intentada pelas AA., anulando a deliberação da Câmara Municipal de Lisboa de 03.10.2022 e condenando a Entidade Demandada a admitir a proposta apresentada pelas Autoras e a retomar o procedimento nessa fase.

As CI interpuseram apelação desta decisão, tendo o TCA Sul através do acórdão recorrido concedido provimento ao recurso, revogado a decisão recorrida e julgado improcedente a acção.
Em síntese, considerou o acórdão recorrido, após ter feito referência ao disposto nos art. 57º, nº 2, al. b), conjugado com os arts. 43º, nº 4, al. b) e 361º, nº 1, todos do CCP, que, “In casu, verifica-se que – ao abrigo do art. 132º n.º 4, do CCP – foi definido o nível de detalhe do plano de trabalhos (que inclui o plano de trabalhos, o plano de equipamentos, o plano de mão-de-obra e o plano de pagamentos), dado que na alínea d) do ponto 7.1., do programa do concurso, prescreve-se que, sob pena de exclusão, os documentos que integram o plano de trabalhos, entre os quais se inclui o plano de equipamentos, devem apresentar-se detalhados por todos os artigos da matriz do procedimento, sem excepção.
Conforme decorre da factualidade dada como provada o plano apresentado pelas autoras é omisso quanto aos artigos 1.8., 1.8.1., 1.8.1.1. e 1.8.1.2., 1.8.2., 1.8.2.1. e 1.8.2.2., 1.9.1., 1.9.1.1. e 1.9.1.2., 1.10.3., 1.10.3.1., 1.10.3.2. e 1.10.3.3., 1.10.7., 1.12.2, 1.12.3. e 1.12.4., 1.13.1.1., 1.13.1.2., e 1.13.1.3., 1.13.2.1. e 1. 13.2.2., 1.13.3.1., 1.13.3.2, 1.13.3.3., 1.13.3.4., 1.13.3.5. e 1.13.3.6, 4.12.3.3.1.2., 4.14.1.1.3. e 4.14.1.1.4, 4.14.2.1.2.1, 4.14.2.1.2.2., 4.14.2.1.3.1. e 4.14.2.1.3.2., da matriz do procedimento, ou seja, nesse plano não serem identificados os equipamentos necessários para a execução dos trabalhos previstos nesses artigos, nem aí se afirma que tais trabalhos não exigem a utilização de qualquer equipamento, pelo que, como defendem as ora recorrentes, é correcta a exclusão da proposta das autoras determinada no acto impugnado, atento o prescrito na alínea d) do ponto 7.1, do programa do concurso, conjugado com o estatuído nos arts. 132º n.º 4 e 146º n.º 2, al. n), ambos do CCP.
Argumentam, no entanto, as autoras, ora recorridas que tal omissão de que padece o respectivo plano de equipamentos é suprida pelo teor do plano de afectação de recursos por actividade - já que neste último plano estão devidamente detelhados os artigos da matriz do procedimento que se encontram omissos no plano de equipamentos, dos mesmos resultando que nestes artigos apenas é utilizada mão-de-obra para a sua realização, não pressupondo a utilização de qualquer equipamento, razão pela qual não foram incluídos no plano de equipamentos -, mas sem razão, como se passa a demonstrar.
As autoras além de apresentarem o plano de equipamentos e o plano de mão-de-obra - os quais eram de apresentação obrigatória (nos termos da alínea d) do ponto 7.1., do programa do concurso) -, também juntaram à respectiva proposta o plano de afectação de recursos por actividade – cuja junção decorreu da sua iniciativa, ou seja, não era obrigatória a sua junção -, o qual constitui uma síntese do plano de mão-de-obra e do plano de equipamentos.
Ora, neste plano de afectação de recursos por actividade (constante de págs. 824 a 888, do processo administrativo), verifica-se que os artigos da matriz do procedimento que se encontram omissos no plano de equipamentos (artigos 1.8., 1.8.1., 1.8.1.1. e 1.8.1.2., 1.8.2., 1.8.2.1. e 1.8.2.2., 1.9.1., 1.9.1.1. e 1.9.1.2., 1.10.3., 1.10.3.1., 1.10.3.2. e 1.10.3.3., 1.10.7., 1.12.2, 1.12.3. e 1.12.4., 1.13.1.1., 1.13.1.2., e 1.13.1.3., 1.13.2.1. e 1. 13.2.2., 1.13.3.1., 1.13.3.2, 1.13.3.3., 1.13.3.4., 1.13.3.5. e 1.13.3.6, 4.12.3.3.1.2., 4.14.1.1.3. e 4.14.1.1.4, 4.14.2.1.2.1, 4.14.2.1.2.2., 4.14.2.1.3.1. e 4.14.2.1.3.2.) nele são referidos, mas a referência que se contém nesses artigos respeita unicamente à mão-de-obra utilizada, dado que nesses artigos não consta qualquer menção à utilização (ou à não utilização) de equipamentos, e sendo certo que desta falta de menção à utilização de equipamentos não se pode tirar a ilação de que os trabalhos em causa dispensam a utilização de qualquer equipamento, bem pelo contrário.”.
Referiu seguidamente o acórdão, a título exemplificativo, diversos trabalhos constantes daqueles pontos que necessitam de equipamentos, designadamente ferramentas.
Concluiu o acórdão a este propósito que, “Assim, não têm as autoras razão quando defendem que a omissão de que padece o respectivo plano de equipamentos por não inclusão dos artigos da matriz do procedimento elencados em G), dos factos assentes – pode ser suprida pelo teor do plano de afectação de recursos por actividade (já que alegadamente deste último plano resultaria que os trabalhos em causa nesses artigos não implicavam a utilização de qualquer equipamento), dado que neste último plano – no segmento relativo aos artigos da matriz do procedimento que se encontram omissos no plano de equipamentos – nada resulta no sentido de que não há lugar à utilização de equipamentos, pois, por um lado, nada é dito nesse sentido e, por outro lado, não se pode presumir que, face à falta de menção à utilização de equipamentos, os trabalhos em causa dispensam a utilização de qualquer equipamento.”
Mais se entendeu que não tinham razão as Autoras ao invocar que o júri do concurso não procedeu à distinção entre equipamentos e ferramentas, devendo tê-lo feito, já que, de acordo com o disposto no art. 361º, nº 1 do CCP, no plano de equipamentos têm que constar os “meios com que o empreiteiro se propõe” executar os trabalhos, ou seja, todos os meios, o que inclui equipamentos pesados e equipamentos ligeiros (ferramentas).
Mais entendeu o acórdão que, contrariamente ao invocado pelas Recorrida, no caso não havia lugar à solicitação de prestação de esclarecimentos por parte do júri, nos termos do nº 1 do art. 72º do CCP, já que nos termos do nº 2 deste preceito os esclarecimentos não podem visar suprir omissões que determinem a exclusão da proposta apresentada.
Procedeu igualmente o acórdão à análise da invocada violação dos princípios jurídicos da igualdade, da concorrência e da prossecução do interesse público, bem como da proporcionalidade, da transparência e da irrelevância dos vícios procedimentais, tendo julgado que esses princípios não se mostravam violados.

Na presente revista as Recorrentes alegam que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quanto às consequências, no que toca às omissões no Plano de Equipamento de determinados elementos, à luz do disposto nos arts. 43º, nº 4, al. b), 70º, nº 2, al. a), 146º, nº 2, als. d) e o) e 361º, todos do CCP.
Mas a argumentação das Recorrentes não é convincente, tendo estas pretendido descentrar o objecto da revista da questão em causa nos autos.
De facto, a questão fundamental versada nos autos e, portanto, no acórdão recorrido, é a da violação das regras específicas do presente procedimento, por a proposta das Recorrentes não ter dado cumprimento ao prescrito na alínea d) do ponto 7.1., do programa do concurso, nos termos do disposto no art. 132º, nº 4 e tendo como consequência a exclusão da proposta, nos termos do art. 146º, nº 2, al. n), ambos do CCP.
Ora, esta questão (tal como as restantes submetidas à apreciação do Tribunal recorrido) aparenta ter sido bem decidida pelo TCA, através de uma fundamentação consistente, coerente e plausível, ao entender que a proposta das Recorrentes omitiu a indicação dos equipamentos a que se referia o ponto 7.1., do programa do procedimento (que exigia tal indicação), o que determinava a exclusão da proposta apresentada pelas Autoras.
Como igualmente não se afigura, no juízo sumário que a esta Formação cabe fazer, que tenha incorrido em qualquer erro, muito menos ostensivo, quanto ao que decidiu sobre a interpretação dos princípios jurídicos que as Recorrentes consideravam ter sido violados no caso concreto e à aplicação do art. 72º, nºs 1 e 2 do CCP.
Aliás, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência deste STA que cita [a qual referindo-se mais concretamente à aplicação do art. 72º do CCP, tem igualmente relevância para a solução da questão essencial dos autos], bem como com a doutrina, pelo que não se justifica a reapreciação por este Supremo Tribunal.
É certo que as instâncias decidiram as questões em discussão de forma dissonante, quanto à interpretação dos pertinentes normativos do CCP e das normas do concurso (programa do procedimento) mas, tudo indicando que o acórdão recorrido decidiu com acerto, está excluída a necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito.
Ao que acresce que as concretas questões, pelos termos como as mesmas se mostram enunciadas, não possuem um grau de dificuldade superior ao normal para este tipo de controvérsia, não se afigurando com particular relevância jurídica e social ou especial complexidade, sem que a possibilidade de replicação justifique postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelas Recorrentes, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos constantes do acórdão recorrido.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.