Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01574/10.3BEBRG
Data do Acordão:02/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24208
Nº do Documento:SA12019021101574/10
Data de Entrada:01/29/2019
Recorrente:ACLEM – ARTE, CULTURA E LAZER, EMPRESA MUNICIPAL, EM.
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do STA:

I. RELATÓRIO
A……………., SA intentou, no TAF de Braga, contra ACLEM – Arte, Cultura e Lazer, Empresa Municipal, EM, acção administrativa comum pedindo a sua condenação:
....
6 - Ao pagamento do acréscimo de custos suportados pela Autora em resultado da alteração do prazo de execução, no montante de € 270.736,46;
7 - Ao pagamento dos juros de mora, por atraso no pagamento do valor devido em consequência da alteração ao prazo de execução do Contrato de Empreitada. Os juros vencidos à data da presente ação ascendem a € 18.098,55, sendo que a estes deverão acrescer os juros de mora que se vençam até integral pagamento da divida.”

Mais tarde, por acordo, a Ré assumiu o pagamento de determinadas verbas que haviam sido peticionadas e a Autora reduziu os seus pedidos, tendo a acção prosseguido apenas no tocante aos pedidos identificados sob os números 6 e 7.
O TAF julgou a acção procedente, condenando a Ré ao pagamento à Autora do valor de 270.736,46 €, acrescido dos juros vencidos até à entrada da presente acção, que atingiam 18.098,55 €, e dos juros vincendos até integral pagamento.

A Ré apelou para o TCA Norte e este, concedendo provimento ao recurso, julgou a acção improcedente.

É desse Aresto que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Autora e Ré na sequência de procedimento concursal celebraram, em 04/12/2008, contrato de empreitada onde se acordou que o prazo da sua execução terminava no dia 04/12/2009.
Alegando que, posteriormente à sua celebração, a Ré lhe solicitou um adiantamento na conclusão das obras, assegurando-lhe o pagamento dos custos inerentes a esse adiantamento, que a conclusão da obra ocorreu na data aprazada e que a Ré não tinha honrado o seu compromisso, a Autora instaurou a presente acção. Acção que, em virtude de posterior acordo entre as partes, prosseguiu apenas no tocante aos pedidos acima identificados sob os números 6 e 7.

O TAF julgou a acção procedente, com a seguinte fundamentação:
“Desde logo, resultou provado que havia sido estipulado um prazo de 360 dias para a conclusão da obra, o qual, decorrendo dentro da normalidade, atingiria o seu término em 04.12.2009. ...
Por outro lado, verificou-se que, no decurso do cumprimento contratual, mormente em julho de 2009, foi solicitado, por parte da Ré, que a obra contratada tivesse o seu fim antes do prazo estipulado. ...
Da diversa factualidade dada como assente resulta ter havido uma nova negociação, no decurso do contrato, em que se alteraram as regras inicialmente estipuladas, sendo que a Ré ... soube e aceitou sempre as condições em que tal estava a ser feito. Ou seja, a Ré solicitou um adiantamento da conclusão da obra, sabendo e assumindo que tal alteração de prazo implicava custos, sabendo e assumindo que esses custos se cifravam no valor ora peticionado (270.736,46€).
...
De maneira que a presente ação deve proceder, devendo a Ré ser condenada a pagar à Autora o valor de 270.736,46€, acrescido dos juros vencidos até à entrada da presente ação e que se cifram em 18.098,55€ e dos juros vincendos até integral pagamento.”

A Ré apelou para o TCA Norte e este concedeu provimento ao recurso. Fê-lo, fundamentalmente, em resultado da alteração da M.F. que o TAF havia julgado provada, decisão que foi assim fundamentada:
“Redacção do quesito 1º: “Em Julho de 2009, a Ré solicitou à Autora que o prazo de conclusão da empreitada fosse antecipado, de forma a permitir a realização de um evento com vista à sua pré-inauguração?”
A matéria deste quesito foi julgada provada...
.........
Em qualquer caso, não fica demonstrado, minimamente sequer, que a Ré ... tenha solicitado à Autora ... que o prazo de conclusão da empreitada fosse antecipado, mas, perante a prova produzida, apenas se vislumbra como possível ter acontecido que, numa reunião entre B………… e “C………….”, como por este identificada, na presença de vereador executivo de nome ……….., “C………….. lhe referiu para quantificar os custos e para lhos transmitir”.
Por tais motivos, a resposta ao quesito 1º deve ser, e é, “não provado”.

Quesito 3º: “Dos cenários apresentados pela autora à Ré pela sua carta datada de 29 de Julho de 2009, a Ré optou pelo segundo?”
Quesito 5º: “A Ré aprovou a alteração do prazo de execução do contrato para o dia 31 de Outubro de 2009, bem como do respectivo custo?”.
Quesito 6º: “A Ré transmitiu à Autora que tinha aceitado a antecipação do prazo, mediante o pagamento de € 270.736,46, a título de reequilíbrio financeiro?”.
Aos quesitos 3º e 5º foi respondido “Provado”.
Ao quesito 6º foi respondido: “Provado apenas que, a Presidente da Ré, C…………, aceitou a antecipação do prazo, mediante o pagamento de € 270.736,46, que era a verba atinente ao cenário 2 constante da carta datada de 29 de Julho de 2009.”.
A Recorrente entende que essas respostas devem ser alteradas para «NÃO PROVADO» ...
...
Isto significa e confirma .... que, se antecipação efectiva do prazo de conclusão da empreitada ocorreu, não foi por decisão imputável à pessoa colectiva ACLEM.
Não se vislumbram quaisquer sinais ou tomadas de decisão pelos competentes órgãos da empresa local Ré que, no âmbito das suas competências, permitam corporizar um nexo de imputação à pessoa colectiva Ré da questionada decisão de antecipação do termo de conclusão da empreitada com prémio ou custo de 270.736,46 €. .....
Por tais motivos, a resposta a cada um dos quesitos 3º, 5º e 6º é, necessariamente, negativa ...
O quesito 9º tem o seguinte teor: “A Autora finalizou a empreitada em Outubro de 2009, e a tempo da realização do evento na semana 39?”.
Em julgamento, a resposta do Tribunal a quo foi: “Provado apenas que, a Autora, por si, deu a empreitada por finalizada em finais de Outubro de 2009, e que no dia 24 de Setembro de 2004 foi realizado o evento perspectivado realizar pela Ré.".
...
Ora, não se acompanha a Recorrente, quando alega que “apesar de na resposta que lhe foi dada ter sido considerado como não provado que a Autora tenha finalizado a obra em Outubro de 2009, a sentença «sub judice» incorreu em erro de julgamento, ao considerar que não tendo a ora Recorrente provado que a empreitada não tinha ficado concluída nesse mês, deu como provado que a empreitada ficou concluída em Outubro de 2009”, na medida em que a sentença não deu como provado que a empreitada ficou concluída em Outubro de 2009, mas restritivamente deu como provado que, a Autora, por si, deu a empreitada por finalizada em finais de Outubro de 2009.
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Improcedem os fundamentos do recurso nesta matéria.
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O quesito 11º verte: “Em 14 de Outubro de 2009, a Ré estava a apreciar uma nova proposta de trabalhos a mais apresentada pela Autora?”.
Foi julgado “não provado”.
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Não se mostra, pois, difícil alcançar uma convicção e, pelo contrário, na conjugação do depoimento da testemunha B…………, nesta matéria, em conjugação com o teor do referido documento, ficamos com a convicção de que a matéria do quesito 11º deve ser considerada provada.
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Conclui a Recorrente que não tendo a empreitada ficado concluída em Outubro de 2009, nem tendo ficado sequer concluída dentro do prazo contratual, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao condenar a ora Recorrente a pagar à Autora 270.736,46 €, a titulo de antecipação onerosa da conclusão da empreitada ...
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Com prejuízo do conhecimento dos demais argumentos, não é possível, como os factos provados e não provados o demonstram à saciedade, imputar à pessoa colectiva ACLEM a referida antecipação do prazo de conclusão da empreitada, porque foi a própria Presidente do Conselho de Administração, convocada a manifestar-se nessa qualidade pela informação técnica sobre a qual exarou o seu despacho, a indeferir expressamente tal proposta formulada pela empreiteira, invocando, bem ou mal - não está em causa - a norma regulamentar do ponto 5.4 do respectivo caderno de encargos que impõe “em caso algum haverá lugar à atribuição de prémios”.
E não se verificando o facto jurídico decisivo ordenado à constituição do direito invocado, tudo o mais que lhe é subjacente cai pela base.
A decisão recorrida deve ser revogada, substituindo-se por decisão que julgue a acção improcedente e absolva o Réu dos remanescentes pedidos em causa, vertidos na petição inicial sob os nºs 6 e 7.”

3. Resulta do anterior relato que Autora e Ré celebraram, em 04/12/2008, contrato de empreitada onde acordaram que o termo da sua execução ocorreria no dia 04/12/2009 e que, com fundamento na antecipação da conclusão dessa empreitada, solicitada pela Ré, assumindo o pagamento dos custos inerentes, a Autora instaurou esta acção peticionando o pagamento desses custos.
O TAF julgou a acção procedente por considerar provado que a Ré “solicitou um adiantamento da conclusão da obra, sabendo e assumindo que tal alteração de prazo implicava custos, sabendo e assumindo que esses custos se cifravam no valor ora peticionado (270.736,46€)” a que acresciam os devidos juros de mora.
O TCA alterou a M.F. que o TAF julgou provada daí resultando que inexistiam “quaisquer sinais ou tomadas de decisão pelos competentes órgãos da empresa local Ré que, no âmbito das suas competências, permitam corporizar um nexo de imputação à pessoa colectiva Ré da questionada decisão de antecipação do termo de conclusão da empreitada com prémio ou custo de 270.736,46 €”. Ou seja, considerou que se não provara que a Ré tivesse solicitado à Autora a antecipação do prazo de conclusão da empreitada e tivesse assumido que os custos dessa antecipação.
A Autora não se conforma com essa decisão sustentando que TCA não só fizera um errado julgamento da M.F. como a factualidade que julgara provada era contraditória.
Ora, o “erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (art.º 150.º/4 do CPTA), pelo que a pretendida reapreciação do julgamento da M.F. é improcedente por, como vimos, essa pretensão não caber nas finalidades para que a revista foi desenhada.
E o Acórdão também não é nulo por os seus fundamentos não estarem em oposição com a decisão nem ocorrer ambiguidade ou obscuridade que o torne ininteligível. - art.º 615/1/c) do CPC.
Nesta conformidade, não estando em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental nem sendo a revista necessária para uma melhor aplicação do direito não se justifica a sua admissão.

DECISÃO.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Porto, 11 de Fevereiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.