Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0473/09
Data do Acordão:09/16/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:IRC
SUSPENSÃO DE PRAZO
ACÇÃO DE INSPECÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
Sumário:I O prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos, que é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário – artigo 45º da LGT –, suspende-se com a notificação ao contribuinte de inicio de acção inspectiva externa, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação;
II - Nos demais casos, isto é, quando a acção inspectiva se conclua antes de decorridos aqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final, notificação que, assim, o legislador elegeu como termo do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo, tudo conforme dispõe o artigo 60º n.º 1 e 2 do RCPIT.
III – O regime simplificado de determinação do lucro tributável previsto no artigo 53º n.º 4 e 5 do CIRC mais não visa do que permitir o cálculo simplificado, mediante aplicação de determinados coeficientes a determinados proveitos, do lucro tributável e a tributar, mas não dispensa o contribuinte de incluir na sua declaração anual de rendimentos qualquer anormal ganho porventura obtido durante o respectivo exercício, nem o isenta da respectiva tributação, nos precisos termos do disposto nos artigos 43º e 44º do CIRC.
IV E a tributação deste eventual e anormal ganho, obtido durante determinado exercício, se o contribuinte se encontrar abrangido pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável – artigo 53º do CIRC -, há-de ficar condicionada/dependente da determinação do lucro tributável alcançado mediante aplicação do coeficiente correspondente – in casu, 0,45, por se tratar de outros ou restantes proveitos.
Nº Convencional:JSTA00065948
Nº do Documento:SA2200909160473
Data de Entrada:05/04/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 ART46.
CIRC88 ART53.
DL 413/98 DE 1998/12/31 ART60 ART61 ART62.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC993/05 DE 2005/12/07.; AC STA PROC695/06 DE 2006/11/29.
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
Inconformada com a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que lhe julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra a liquidação de IRC de 2003, no montante de €396.352,88, dela interpôs recurso para esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo a impugnante A…, nos autos convenientemente identificada.
Apresentou tempestivamente as respectivas alegações de recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. A suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação ocorre entre o início e o termo dos actos de inspecção.
2. Os actos de inspecção ficam concluídos com o envio da nota de diligência ou antes da notificação do direito de audição.
3. Com efeito, da conjugação do nº 1 do artigo 46º com o nº 1 dos artigos 60º e 61º do RCPIT conclui-se que os actos de inspecção abrangem apenas os actos que são praticados fora dos serviços da Administração Fiscal, por contraposição aos actos internos de inspecção.
4. Deste modo, o período da suspensão da caducidade só abrange os actos externos da inspecção tributária.
5. O âmbito de aplicação do regime simplificado de determinação do lucro tributável abrange a totalidade dos proveitos, quer os da actividade normal quer os outros proveitos, incluindo as mais valias.
6. Ou seja, no regime simplificado a aplicação dos coeficiente referidos no n.º 4 do art.º 53.º do CIRC é feita à totalidade dos proveitos obtidos pelo contribuinte, sejam eles obtidos no exercício normal da actividade, sejam outros proveitos extraordinários.
7. Acresce referir que a lei não prevê um regime misto em que a determinação do lucro tributável (directa ou indirecta) depende da natureza dos proveitos.
8. A douta decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 46º da LGT conjugado com o n.º 1 dos artigos 60º e 61º do RCPIT bem como dos n.ºs 3 e 4 do art.º 53º do CIRC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho de sustentação - cfr. fls 168 a 170 - e ordenada a subida dos autos.
Neste Supremo Tribunal Administrativo depois, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer opinando pela confirmação do julgado, com base no sustentado entendimento de que o recurso jurisdicional não merece provimento em qualquer dos dois fundamentos invocados, a saber, quer quanto à alegada caducidade do direito à liquidação, quer no que se refere à também invocada errónea determinação do lucro tributável.
Ali, por entender, com o seu Colega da 1ª Instância e de harmonia com o disposto nos artigos 46º n.º 1 da LGT e 62º n.º 1 e 2 do RCPIT, que a suspensão do prazo de caducidade ocorre entre a notificação ao contribuinte do inicio da acção de inspecção externa e, caso esta se não esgote no prazo legal – seis meses -, a data da notificação do relatório final daquela acção inspectiva; e
Aqui, quanto à errónea determinação do lucro tributável, por entender, tal como se sustentou na sindicada sentença, que “… a venda do terreno não se traduziu na venda de mercadoria comercializada pela recorrente, mas antes venda de um activo imobilizado corpóreo. “
Colhidos os vistos legais e porque nada obsta cumpre apreciar e decidir.
O tribunal recorrido deu como assente, fixando, a seguinte matéria de facto:
a) A impugnante é tributada em imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) pelo Serviço de Finanças de Leiria;
b) Em 21/05/2003, por escritura lavrada no Cartório Notarial de Marinha Grande, a aqui impugnante adquiriu a “B…” um prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo 772 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 762, por permuta de um prédio urbano, inscrito sob o nº 257, com aquisição registada a favor da impugnante – cfr. escritura de permuta e compra e venda de fls 90 a 94 do processo administrativo apenso;
c) Aos prédios referidos na alínea b) foi na escritura pública atribuído os seguintes valores: Prédio rústico: seiscentos e vinte e três mil e quinhentos euros. Prédio urbano: Um milhão setenta e dois mil e quinhentos euros (cfr. escritura de permuta e compra e venda);
d) A impugnante recebeu, de acordo com a referida escritura, a importância de quatrocentos e nove mil euros, para igualação de valores;
e) Ainda na mesma escritura identificada na alínea b) a impugnante vende ¼ indiviso do prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo 772, que tinha adquirido pela permuta efectuada, à Junta de Freguesia da Barosa, pelo preço de cento e cinquenta e cinco mil oitocentos e setenta e cinco euros (cfr. escritura de permuta e compra e venda);
f) A impugnante tinha adquirido o prédio urbano referido nas alíneas b) e c) por €3.446,69 através de escritura pública realizada a 21/05/1974, no 1º Cartório Notarial de Leiria (cfr. fls. 72 e 97 a 101 do processo administrativo apenso);
g) Em 14/11/2007, foi a agora impugnante notificada para exibição da escrita e de documentos fiscalmente relevantes (cfr. fls. 142 do processo administrativo);
h) Em resultado da acção de inspecção que teve início em 14/11/2007, foram apuradas as transacções referidas nas supras alíneas b), c), d) e e), as quais não foram declaradas pela impugnante à Administração Fiscal (cfr. relatório da inspecção);
i) Em 22/11/2007, foi a impugnante notificada para proceder à regularização da escrita no prazo de onze dias (cfr. fls. 143 do processo administrativo);
j) Em consequência da referida acção inspectiva, foi em 21/12/2007, a impugnante notificada para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção tributária (cfr. fls. 121 a 129);
k) O relatório final da Inspecção Tributária de fls. 68 a 75 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foi concluído em 08/01/2008 e notificado à impugnante, por carta registada com aviso de recepção, em 21/01/2008, através do ofício nº 1316, de 18/01/2008 (cfr. fls 46 e 47 do processo administrativo);
l) A Administração Tributária apurou no relatório final da acção inspectiva o lucro tributário para o exercício de 2003 do montante total de € 977.991,67;
m) Atenta a matéria de facto apurada em sede de acção inspectiva a Administração Tributária procedeu à liquidação de IRC do ano de 2003, no montante total de €369.352,88, sendo €46.615,63 de juros compensatórios (cfr. fls. 31);
n) Em 11/02/2008, foi a impugnante notificada da liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2003, referidos na alínea anterior (cfr. fls. 21 do processo administrativo);
o) A presente impugnação foi apresentada em 23/05/2008 (cfr. carimbo oposto no rosto da petição inicial a fls. 1 dos autos).
E, com base nesta factualidade, julgou improcedente a impugnação judicial que apreciava, considerando:
Por um lado, não se verificar ocorrer a alegada caducidade do direito de liquidar o IRC de 2003, uma vez que o respectivo prazo de caducidade daquele direito – quatro anos a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário - não tinha ainda decorrido quando, em 14.11.2007, a Impugnante e ora Recorrente foi notificada do inicio da acção inspectiva externa,
E que a suspensão do decurso daquele prazo de caducidade só conheceu termo efectivo com a subsequente notificação do relatório final daquela acção inspectiva, em 21.01.2008, data a partir da qual se reiniciou a contagem do prazo de caducidade entretanto suspenso e que, assim, em 11.02.2007, data da subsequente notificação à impugnante da correspondente liquidação, ainda não conhecera termo final, tudo conforme o disposto nos artigos 45º e 46º da LGT e 62º do RCPIT; e
Por outro lado, no que concerne à questão da alegada errónea tributação do lucro tributado, a sindicada sentença considerou antes que a correcção efectuada à matéria colectável teve apenas em consideração o apurado facto de, no decurso do exercício de 2003, a Impugnante e ora Recorrente haver obtido ganho de €977.991,67 correspondente à venda de prédio urbano pelo valor de €1.072.500,00 que antes, em 21/05/74, adquirira por €3.446,69 que, assim e para o questionado efeito, integrava mais valia que importava tributar.
É contra o assim decidido e nos termos das transcritas conclusões do seu recurso jurisdicional que se insurge a Impugnante e ora Recorrente, pugnando pela revogação do julgado.
Não lhe assiste, porém, qualquer razão.
Com efeito e no que respeita à caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo e à forma de contagem do prazo de suspensão daquele prazo de caducidade em consequência de acção inspectiva determinada e notificada ainda no decurso daquele primeiro prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto, os invocados e aplicáveis preceitos legais – os artigos 45º e 46º da LGT e 60º e 61º do RCPIT - , são bem claros na respectiva estatuição e insusceptíveis de albergar o entendimento propugnado pela Impugnante e ora Recorrente, designadamente o levado às conclusões 1 a 4 das sua alegações.
Na verdade e como bem se acentua na sindicada sentença e nos pareceres dos Ex.mos Magistrados do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal e do Tribunal de 1ª Instância ora recorrido, nada da letra nem do espírito daqueles normativos permite distinguir, com relevo para a contagem do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar, actos internos de inspecção e actos externos de inspecção e muito menos permite se confira apenas a estes últimos a eficácia suspensiva.
Da interpretação conjugada dos referidos preceitos legais decorre apenas e só, tal como se acolheu na sindicada sentença, que o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos, que é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário – artigo 45º da LGT –, se suspende com a notificação ao contribuinte de inicio de acção inspectiva externa, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação;
Nos demais casos, isto é, quando a acção inspectiva se conclua antes daqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final, notificação que, assim, o legislador elegeu como termo do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo, tudo conforme dispõe o artigo 60º n.º 1 e 2 do RCPIT.
Assim e perante os factos fixados e agora assentes é incontroverso que não se verificou ocorrer a caducidade do direito de liquidar o IRC de 2003.
O respectivo prazo de quatro anos não tinha ainda decorrido quando, em 14.11.2007, a Impugnante foi notificada do inicio da acção inspectiva externa, e a suspensão do decurso daquele prazo de caducidade, assim operada, só conheceu termo efectivo com a subsequente notificação do relatório final e termo daquela acção inspectiva, em 21.01.2008, data a partir da qual se reiniciou a contagem do prazo de caducidade até então suspenso, e que, assim, em 11.02.2008, data da subsequente notificação à impugnante da liquidação respectiva, ainda não conhecera termo final, tudo conforme o disposto nos artigos 45º e 46º da LGT e 62º do RCPIT.
Vai neste sentido também a jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo - vejam-se os acórdãos de 07.12.2005 e 29.11.2006, processos n.º 993/05 e 695/06, respectivamente -.
Já quanto à questão da determinação do lucro tributável emergente do apurado e anormal ganho obtido pela Recorrente durante o questionado exercício e decorrente da apurada e não controvertida venda do referido e convenientemente identificado prédio urbano, cremos não poder deixar de concluir que lhe assiste razão.
Com efeito e tal como se sustenta nas conclusões 5ª a 7ª das alegações da Recorrente, ao contribuinte que esteja sujeito ao regime simplificado de determinação do lucro tributável – cfr. artigo 53º do CIRC -, este lucro tributável haverá de ser sempre determinado mediante aplicação, a todos os proveitos obtidos durante o exercício em causa e, como aqui, mesmo aos ganhos anormalmente conseguidos, mediante aplicação, dizia, do coeficiente respectivo – 0,20 para venda de mercadorias e ou produtos e de 0,45 ao valor dos restantes proveitos.
Ora, compulsados os presentes autos, designadamente o teor da questionada e impugnada liquidação adicional – cfr. fls. 73 demonstração de liquidação – importa concluir que ao apurado ganho com a venda do referido imóvel “ … prédio urbano pelo valor de € 1.072.500,00, o qual foi adquirido em 21/05/1974, por € 3.446,69 (valor actualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda – Portaria n.º 267/2003, de 3 de Abril ) ganho que constituiu uma mais-valia de €977.991,67, … ”
Quiçá por não oportunamente declarado, na liquidação adicional subsequente, não foi aplicado, como deveria – cfr. artigo 53º n.º 4 e 10 do CIRC -, o coeficiente aplicável – 0,45 – pois de outros ou restantes proveitos se tratava, para, assim, se determinar o lucro tributável respectivo e a tributar adicionalmente, uma vez que a Impugnante estava, ao tempo do exercício, abrangida pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável.
E mesmo tratando-se de proveito qualificável como mais valia tal, por si só, não demanda alteração nas regras de determinação do lucro tributável e tributação aplicáveis, no regime pelo qual a Impugnante se encontrava abrangida.
É certo que o invocado artigo 53º do CIRC, no seu número 4º, prevê ainda, salvaguardando, para a determinação do lucro tributável neste regime simplificado, a possibilidade de correcção dos valores de base contabilística necessários pela Direcção Geral dos Impostos, nos termos gerais,
Mas, ainda assim e como aqui, sem prejuízo do disposto no seu número anterior, isto é, “ Cessa a aplicação do regime simplificado …, caso em que o regime geral de determinação do lucro tributável se aplica a partir do exercício seguinte …
Quer dizer, porventura corrigidos os valores contabilísticos a atender no apuramento do lucro tributável, ao contribuinte abrangido pelo regime simplificado de determinação daquele lucro não deixam, nesse exercício, de continuar a ser-lhe aplicáveis as regras antes fixadas – cfr. artigo 53º n.º 4 do CIRC -, a saber: a aplicação do coeficiente respectivo – 0,20 ou 0,45 – aos valores corrigidos ou apurados.
Não pode pois, face ao que exposto fica, manter-se a impugnada liquidação adicional nem a sindicada sentença que lhe deu acolhimento.
Termos em que acordam os Juízes desta secção do Supremo Tribunal Administrativo em, com este fundamento, conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, em revogar a sindicada sentença e em anular a impugnada liquidação adicional.
Sem custas aqui e na 1ª instância.
Lisboa, 16 de Setembro de 2009. – Alfredo Madureira (relator) - António Calhau - Lúcio Barbosa.