Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0810/08
Data do Acordão:01/21/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IRC
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
RETENÇÃO NA FONTE
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE
DISPENSA
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - As convenções sobre dupla tributação constituem um complexo de normas convencionais que atribuem a competência tributária ao Estado da residência fiscal dos beneficiários dos rendimentos em prejuízo do Estado da fonte.
II - A certificação das residências para efeito do accionamento das Convenções terá de ser feito pelas Autoridades Fiscais do Estado do qual o beneficiário dos rendimentos se considera residente.
III - De harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 90.º do CIRC, quando não seja efectuada até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto a prova da verificação dos pressupostos legais da aplicação da Convenção destinada a evitar a dupla tributação, fica o substituto fiduciário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.
IV - O regime especial de prova e o conceito de tributação sancionatória estabelecidos no artigo 90.º do CIRC não afrontam os princípios constitucionais da legalidade, igualdade, da proporcionalidade, do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, bem como da tributação de acordo com a capacidade contributiva.
Nº Convencional:JSTA00065465
Nº do Documento:SA2200901210810
Data de Entrada:09/26/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Área Temática 2:DIR CONST - DIR FUND.
Legislação Nacional:CIRC88 ART90 ART90-A.
L 32-B/2002 DE 2002/12/30.
L 67-A/2007 DE 2007/12/31 ART48 N4.
DL 105/71 DE 1971/03/26 ART30.
CONST76 ART8 N2 ART13 ART103 N3 ART266 N2 ART104 N2 ART18 N2.
LGT98 ART28.
DPR 14/95 DE 1995/01/28.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 2003/49/CE DE 2003/06/03.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC888/07 DE 2008/01/31.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A… Lda, com os demais sinais dos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2003, no montante global de € 108.650,17, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) A questão decidenda objecto dos presentes autos está directamente relacionada com o poder de tributação do Estado português, o qual necessariamente pressupõe que se atenda ao poder de tributação dos outros Estados e, por conseguinte, às normas convencionais que permitem a conjugação e repartição internacional de tal poder;
B) A eficácia das normas internas foi totalmente sustida pela ocorrência do facto previsto nos artigos 7º, n.º 1, primeira parte, das CEDT’s Portugal/França e Portugal/Espanha, o qual determina a não-sujeição a tributação em território nacional;
C) Em virtude do Estado português ter abdicado do seu poder de tributação, do pagamento dos rendimentos a não residentes não resulta uma relação jurídica tributária que compreenda o dever de entrega de prestação tributária strictu sensu;
D) Deste modo, o único dever que impende sobre a ora Recorrente reconduz-se a uma obrigação acessória de verificação dos pressupostos de aplicação das CEDT’s Portugal/França e Portugal/Espanha, inexistindo qualquer obrigação de retenção na fonte de imposto;
E) Não havendo lugar a tributação das entidades não residentes, por falta de poder tributário por parte do Estado, não há lugar a qualquer obrigação, em sede da função de liquidação e cobrança de impostos alheios, própria dos substitutos tributários;
F) A residência das referidas entidades foi confirmada por certificados de residência fiscal emitidos pelas respectivas autoridades fiscais, os quais, tratando-se de documentos autênticos, fazem prova plena da factualidade que atestam, em conformidade com o disposto no artigo 371.°, n.º 1, do CC;
G) A apresentação tardia da prova de não residência não preclude de forma definitiva e irreparável o direito à aplicação da referidas convenções internacionais, consubstanciando o acto administrativo de passagem de um certificado de residência fiscal um acto de mero reconhecimento de aplicação de convenção internacional, limitando-se as autoridades fiscais francesas e espanholas à confirmação dos respectivos pressupostos, não dispondo neste aspecto de qualquer discricionariedade ou margem de apreciação subjectiva;
H) Uma vez preenchidos os pressupostos exigidos para aplicação das referidas convenções internacionais, qualquer pretensão tributária do Estado português sobre os rendimentos auferidos pelas entidades não residentes em referência - ainda que legalmente prevista na legislação ordinária interna - esbarra inevitavelmente com a exclusão de competência determinada convencionalmente, a qual determina uma situação de não-sujeição, consubstanciando uma inadmissível violação do disposto no artigo 8.°, n.º 2, da CRP;
I) O regime especial de prova previsto no artigo 90.° do CIRC viola de per si as referidas convenções internacionais, na medida em que abdica do mecanismo de troca de informações previsto nos artigos 26.° das referidas convenções internacionais, fazendo ao invés depender a sua aplicação da prática de acto administrativo pelas autoridades fiscais francesas e espanholas;
J) Em face do exposto, dúvidas não podem restar quanto à inadmissibilidade de aplicação do regime postulado pelo artigo 90.°, n.º 4, do CIRC, consubstanciando o mesmo uma derrogação inadmissível dos artigos 7.° e 26.° das referidas convenções internacionais - vedada pelo artigo 8.°, n.º 2, da CRP - do que decorre a anulabilidade da liquidação impugnada nos termos do artigo 135.° do CPA;
K) Não obstante as faculdades decorrentes dos regimes previstos nos artigos 26.° das referidas convenções internacionais e da Directiva n.º 77/799/CEE, a Administração Tributária não encetou qualquer diligência tendente à confirmação da residência das entidades beneficiárias dos rendimentos, o que redunda na ilegalidade da liquidação impugnada, por vício de violação de lei, concretamente dos princípios do inquisitório e da verdade material, desdobramentos dos princípios da legalidade e da igualdade, consagrados, respectivamente, no artigo 103.°, nº 3, e nos artigos 13.° e 266.°, n.º 2, da CRP, e se traduz na sua anulabilidade por força do disposto no artigo 135.° do CPA;
L) Por outro lado, o regime estatuído no artigo 90.° do CIRC, na medida em que assenta num mecanismo de prova necessária - ademais de produção difícil ou mesmo impossível, uma vez que depende da prolação de actos administrativos por Estados estrangeiros - viola o direito da ora Recorrente de acesso ao Direito, bem como o direito a um procedimento ou processo equitativo, conforme ao disposto no artigo 20.° da CRP;
M) Efectivamente, o artigo 90.°, n.º 4, do CIRC acolhe um conceito de tributação sancionatória, não tendo em consideração a existência - ou não - de uma manifestação da capacidade contributiva que deva ser tributada em conformidade com o disposto no artigo 103.° da CRP;
N) Por outro lado, o mecanismo de responsabilidade do substituto tributário, previsto no artigo 90.°, n.º 4, do CIRC, difere daquele que resultaria, prima facie, do artigo 28.° da LGT, decorrendo do n.º 3 desta disposição legal que a responsabilidade do substituto tributário, nos casos em que a substituição determine a retenção na fonte a título definitivo mas não venha a ocorrer, se restringe ao pagamento da quantia que deveria ter sido deduzida e não foi - prevendo-se a responsabilidade subsidiária do substituído por essa dívida;
O) Sendo certo que ao substituto que venha a ser chamado como responsável pelo pagamento do imposto hipoteticamente devido, não assiste qualquer meio de recuperação dos montantes por si a esse título entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, faltando-lhe desde logo legitimidade para solicitar o reembolso nos termos do artigo 90.°, n.º 5, do CIRC;
P) Do regime constante do artigo 90.º, n.º 4, do CIRC decorre uma autonomização da relação jurídica tributária, de tal forma que a obrigação de pagamento da dívida tributária por parte do substituto tributário deixa de decorrer de qualquer manifestação de capacidade contributiva do substituído para ter origem no incumprimento de uma obrigação acessória do substituto;
Q) Em face do exposto, conclui-se pela inadmissibilidade constitucional do regime previsto no artigo 90°, n.º 4, do CIRC, por violação dos fins do sistema fiscal e do princípio da tributação de acordo com a capacidade contributiva da ora Recorrente, consagrados nos artigos 103.°, n.º 1, e 104.°, n.º 2, da CRP, do que decorrerá a anulabilidade da liquidação impugnada nos termos do artigo 135.° do CPA;
R) É entendimento da ora Recorrente que a consequência da violação da obrigação de manutenção em sua posse de certificados de residência fiscal com data anterior à do termo do prazo de entrega das retenções na fonte, decorrente dos n.ºs 3 e 4 do artigo 90º do CIRC - ou seja, a responsabilização da ora Recorrente pela totalidade do imposto - colide frontalmente com o princípio da proporcionalidade das normas restritivas dos direitos, liberdades e garantias - consagrado no artigo 18.°, n.º 2, da CRP e cujo escopo protector abrange, atento o disposto no artigo 17.° da CRP, o seu direito à propriedade privada, consagrado no artigo 62.°, n.° 1, da CRP;
S) Efectivamente, não se vê a necessidade de manutenção de um certificado de residência fiscal emitido em momento anterior ao do termo do prazo de entrega das retenções na fonte - dando-se por demonstrada a natureza meramente declarativa do mesmo -, podendo até argumentar-se que um certificado emitido em data mais recente, posterior à do momento do pagamento dos rendimentos, se revestiria de tanto maior fiabilidade;
T) Quanto à proporcionalidade em sentido estrito do regime previsto no artigo 90.°, n.°4, do CIRC, parece evidente a desmesura e desajustamento do mesmo, não apenas porque faz incidir decisivamente sobre o momento da prova toda a aferição do cumprimento da obrigação acessória que impende sobre o substituto tributário, mas sobretudo porque determina uma obrigação de suportar imposto precludindo a possibilidade de demonstração, ainda que posterior, da inexistência de qualquer efectiva dívida tributária - ou, se se preferir, de qualquer lesão aos interesses patrimoniais da Fazenda Pública;
U) No caso em apreço, a ora Recorrente submete à apreciação desse Douto Tribunal a manifesta desproporcionalidade decorrente do regime de responsabilidade ínsito no artigo 90.°, n.° 4, do CIRC, pugnando pela desaplicação do mesmo, por violação do disposto no artigo 18. °, n.° 2, da CRP’, do que decorrerá a anulabilidade da liquidação impugnada, nos termos do artigo 135. ° do CPA;
V) A invalidade da liquidação adicional de imposto acima referida - uma vez reconhecida, por esse Douto Tribunal, em sede do presente recurso, com fundamento nos argumentos acima aduzidos - fará despoletar a invalidade da correspectiva liquidação adicional de juros compensatórios, na medida em que a emissão desta tão - somente resulta da posição - perfilhada pela Administração Tributária - propulsora daquela, a qual no presente caso é insusceptível de legitimar a emissão de qualquer liquidação adicional de imposto, ficando a execução de eventual sentença de procedência proferida por esse Douto Tribunal prejudicada com a manutenção na ordem jurídica da referida liquidação adicional de juros compensatórios;
W) Em consequência, uma vez revogada por esse Douto Tribunal a sentença proferida pelo tribunal a quo e, consequentemente, anulada a liquidação adicional de imposto objecto da impugnação judicial acima identificada, não poderá deixar de ser reconhecida a nulidade da correspectiva liquidação adicional de juros compensatórios, nos termos do artigo 133.°, n.º 2, alínea i), do CPA, o que se requer para os devidos efeitos legais;
X) No eventual cenário desse Douto Tribunal não propugnar pela declaração de nulidade da referida liquidação adicional de juros compensatórios - ou mesmo na hipótese de não proceder à revogação do sentido decisório proferido pelo tribunal a quo e, por conseguinte, à anulação da liquidação adicional de imposto objecto da impugnação judicial acima identificada, o que tão-somente se concebe por dever de patrocínio - importa enfatizar depender o eventual direito da Administração Tributária à percepção de juros compensatórios da ocorrência de uma situação de retardamento na liquidação do imposto imputável, a título de culpa, ao contribuinte;
Y) No presente caso, atenta a argumentação jurídica acima aduzida, é de constatar que o elemento objectivo do direito ao pagamento de juros compensatórios - assente no retardamento da entrega do imposto pelo sujeito passivo - não se verifica, tendo a ora Recorrente cumprido integral e tempestivamente as suas obrigações fiscais;
Z) Enquanto as liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios impugnadas não forem anuladas continuarão, ao abrigo do princípio da executoriedade imediata dos actos administrativos previsto no artigo 149.°, n.º 1, do CPA, a produzir efeitos na ordem jurídica, carecendo o presente recurso jurisdicional de efeito suspensivo;
AA) Neste contexto, terá a ora Recorrente direito ao ressarcimento do prejuízo causado pela Administração Tributária, resultante de erro imputável aos seus serviços na emissão das liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios supra referidas, naturalmente equivalente à indisponibilidade dos montantes indevidamente pagos e impugnados;
BB) Assim sendo, reconhecendo esse Douto Tribunal no âmbito do presente recurso padecerem as liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios acima referidas do vício de violação de lei, atenta a errónea interpretação e aplicação, por parte dos serviços da Administração Tributária, da norma ínsita no artigo 90.°, n.° 4, do CIRC, assiste à ora Recorrente o direito ao pagamento de indemnização com fundamento em erro imputável aos referidos serviços da Administração Tributária;
CC) Termos em que se conclui que, na medida do reconhecimento por esse Douto Tribunal do erro imputável aos serviços da Administração Tributária na prolação das liquidações adicionais de imposto impugnadas, terá a ora Recorrente, em conformidade com o disposto no artigo 43°, n.º 1, da LGT, direito ao pagamento de juros indemnizatórios;
DD) Em consequência, requer-se a esse Douto Tribunal o reconhecimento do erro imputável aos serviços da Administração Tributária, o reembolso dos montantes indevidamente pagos e a satisfação do direito da ora Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal de 4% ao ano, computados sobre o montante global a restituir e contabilizados desde as datas do seu pagamento indevido até à emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o disposto nos artigos 43.°, n.º 1, da LGT, 61.°, n.º 3, do CPPT, e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril;
EE) Por último, tendo a ora Recorrente apresentado - ainda que em momento superveniente ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que alegadamente deveria ter sido deduzido - os certificados de residência fiscal das entidades beneficiárias dos rendimentos cuja correspondente liquidação de imposto se pretende ver anulada, dúvidas não podem restar quanto à aplicação ao presente caso do regime de afastamento da responsabilidade do substituto tributário previsto na actual redacção do artigo 90.°-A, n.º 6, do CIRC;
FF) Sendo certo que, perante o preceituado no artigo 48.°, n.º 4, da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, inexistem motivos que possam impedir a aplicação retroactiva do disposto no artigo 90.°-A, n.º 6, do CIRC, na medida em que, não obstante ter havido lugar ao pagamento do imposto, a impugnação judicial acima identificada ainda se encontra pendente de decisão, uma vez que a propositura do presente recurso jurisdicional impediu o seu trânsito em julgado e, por conseguinte, que a mesma se cristalizasse na ordem jurídica;
GG) Em consequência, e independentemente do sentido decisório perfilhado por esse Douto Tribunal no que concerne à argumentação jurídica expendida pela ora Recorrente nos pontos anteriores, dúvidas não podem restar quanto ao facto do normativo acima exposto, introduzido pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, fazer precludir a pretensa responsabilidade tributária da ora Recorrente, na qualidade de substituta tributária das entidades não residentes acima referidas, e, por conseguinte, de implicar a anulabilidade - ainda que a título superveniente - da liquidação de imposto objecto da impugnação judicial supra identificada;
HH) Não obstante o exposto, e caso a liquidação de imposto impugnada venha a ser anulada por esse Douto Tribunal por força das regras introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2008, a argumentação jurídica expendida pela ora Recorrente nos pontos anteriores não perde a sua razão de ser, designadamente para efeitos de apreciação do erro imputável aos serviços da Administração Tributária nos termos do artigo 43° da LGT e, consequentemente, do pagamento dos correspectivos juros indemnizatórios.
2 – A Fazenda Pública não contra-alegou.
3 – O Mmº Juiz do Tribunal Central Administrativo Sul proferiu a fls. 332 despacho nos seguintes termos: “Por manifesto lapso foi ordenada a remessa dos autos a este TCA Sul pelo que se promove sejam ordenadas as necessárias diligências para a respectiva rectificação e subsequente remessa dos autos àquele Venerando STA”.
4 – Notificada do teor desse despacho, a recorrente respondeu nos termos que constam de fls. 335, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
5 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que conclui no sentido do improvimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
6-A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A)
A impugnante desenvolve a actividade de venda e instalação de elevadores e respectiva manutenção, encontrando-se colectada em IRC, no exercício de 2001, pelo regime geral de tributação, e nos exercícios de 2002 e 2003, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades. (Fls. 8 do p.a. em apenso)
B)
A impugnante foi objecto de uma acção inspectiva, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 200400553 de 29.10.2004, tendo início a 16 de Setembro de 2005. (Fls. 8 do p.a. em apenso)
C)
A impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões elaborado pelos serviços de Inspecção Tributária e exerceu tal direito. (Cfr. Docs a fls. 33 e 119 a 134 do p.a. em apenso)
D)
Na sequência da acção inspectiva referida na al. B) do probatório foi elaborado o Relatório Final de Inspecção, do qual destacamos:
«III- FACTOS E FUNDAMENTOS DE CORRECÇÕES MERAMENTE ARITEMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
(...) Analisadas as contas dos fornecedores estrangeiros em que havia divergências por comparação com o VIES, bem como outros com residência fora da comunidade, verificou-se a existência de facturas relativas a aquisição de serviços de subempreitada respeitantes a estudos e projectos de engenharia, estudos e pareceres, serviços de instalação e adaptação de programas informáticos, formação, mão de obra e instalação e montagem de elevadores. Estamos, assim, perante rendimentos derivados de prestações de serviços realizados ou utilizados em território português sujeitos a IRC nos termos do já citado art. 4° do CIRC.
A empresa não fez prova de possuir, à data da colocação à disposição daqueles rendimentos, os competentes certificados de residência fiscal, emitidos e autenticados pelas autoridades fiscais do Estado da residência dos beneficiários dos rendimentos, para efeitos de aplicação das Convenções entre Portugal e os países de residência, para que assim, se pudesse verificar a não sujeição desses rendimentos ao imposto português. (...)
Assim, verificou-se falta de retenção na fonte de IRC sobre rendimentos pagos a não residentes e correspondente falta de entrega nos cofres do Estado, dos seguintes montantes de imposto, conforme apuramento efectuado no Mapa 1 que se anexa:
2001- 36,680,37 €
2002- 48,848,25 €
2003- 101.117,07€». (Cfr.Doc. a fls. 119 a 134 do p.a. em apenso)
E)
No seguimento da acção de fiscalização, a Administração Tributária emitiu as liquidações adicionais de IRC nº das liquidações nºs 2005 00001275596, 2005 00001275597, 2005 00001275599, no total de € 108.650,37, todas com termo de pagamento a 18 de Janeiro de 2006. (Cfr. documentos n° 3 a 5 juntos à p.i.)
F)
A impugnante foi notificada a 16 de Dezembro de 2005 das liquidações adicionais de IRC referidas na al. anterior. (Cfr. documentos nºs 3 a 5 juntos à p.i.)
G)
O imposto foi pago em 23 de Março de 2007. (Cfr. documento n.º 6 junto à p.i.)
H)
Sob os documentos n.º 7, 8, 9, 10 juntos à p.i. e n.° 1 junto em 26.03.07, a impugnante juntou aos autos cinco certificados de residência fiscal emitidos pelas autoridades fiscais dos respectivos países relativos às sociedades beneficiárias dos rendimentos.
I)
A impugnante deu entrada da presente impugnação judicial via postal, conforme atesta registo dos CTT expresso de 18.04.2006. (Cfr. Doc. a fls. 117 dos autos).
7- A sentença recorrida vem impugnada no segmento em que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º 200500001275559, relativa ao exercício de 2003, no montante de € 108.650,17 e respectivos juros compensatórios, mantendo na ordem jurídica o acto tributário aí consubstanciado.
Para tanto, ponderou-se na decisão, em suma, que a ora recorrente não fizera a prova da observância do requisito formal traduzido na prévia obtenção dos certificados de residência oficial relativos aos fornecedores estrangeiros para efeitos de aplicação das Convenções celebradas entre Portugal e os países de residência (Espanha e França) destinadas a eliminar a dupla tributação dos rendimentos auferidos (n.º 3 do artigo 90.º do CIRC) e daí que estivesse obrigada a efectuar a retenção respectiva retenção na fonte de IRC.
Concluindo-se nos seguintes termos: “Não se apresentando, efectuada tal prova até ao termo do prazo para entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter deduzidos nos termos da lei, assim decorre do n.º 4 do artigo 90.º do CIRC.”
Na sua alegação de recurso, a recorrente defende, no fundamental, a falta de conformidade constitucional do regime estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 90.º do CIRC (redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro), sem prejuízo do que pugna ainda pela anulação dos juros compensatórios liquidados, o reembolso dos montantes indevidamente pagos e pagamento de juros indemnizatórios, assim como pela aplicação retroactiva do disposto no artigo 90.º, n.º 6 do CIRC (redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro).
Vejamos.
Estabelecem os nºs 2, 3 ,4 e 5 do artigo 90.º do CIRC (redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro) o seguinte:
Artigo 90.°
Dispensa de retenção na fonte
1-…………………………………………………………………………...
2 - Não existe ainda obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no n.° 1 do artigo 88.°, quando os sujeitos passivos beneficiem de isenção total ou parcial ou, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
3 - Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
4 - Quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
5 - O sujeito passivo não residente, quando não tenha efectuado a prova no prazo referido no número anterior, pode requerer à Direcção-Geral dos Impostos o reconhecimento dos benefícios resultantes de convenção destinada a eliminar a dupla tributação e solicitar o reembolso do imposto retido na fonte, no prazo de dois anos a contar da data da verificação do facto gerador do imposto, mediante apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças.
É sabido que as Convenções sobre dupla tributação constituem um complexo de normas convencionais que atribuem a competência tributária ao Estado da residência fiscal dos beneficiários dos rendimentos em prejuízo do Estado da fonte.
No caso, os artigos 7.º das Convenções sobre dupla tributação celebradas entre Portugal e a França (DL n.º 105/71, de 26 de Março) e Portugal e a Espanha (Decreto do PR n.º 14/95, de 28 de Janeiro) dispõem que os lucros de um empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado.
Prevê ainda o artigo 4.º das mesmas Convenções que residente de um país “…significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção, ao local de constituição ou qualquer outro critério de natureza similar…”.
Daí que resulte evidente que a certificação das residências para efeito do accionamento das Convenções terá de ser feito pelas Autoridades Fiscais do Estado do qual o beneficiário dos rendimentos se considera residente.
Por outra parte, não são as Convenções que regulamentam os procedimentos a adoptar para a comprovação dos pressupostos legais para a sua aplicação e de que depende a exclusão da incidência do imposto.
Pelo contrário, são as próprias Convenções que prevêem ser as autoridades competentes dos Estados contratantes que determinam as modalidades de aplicação da Convenção (artigo 30.º da Convenção para evitar Dupla Tributação entre Portugal e França–DL n.º 105/71, de 26/3) estabelecendo uma série de requisitos que devem ser comprovados pelos Estados contratantes.
É neste contexto que surge a previsão normativa constante do n.º 4 do artigo 90.º do CIRC, na redacção então em vigor (Lei n.º 32-B/2002, de 30/12), a estabelecer que, quando não seja efectuada até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto a prova da verificação dos pressuposto legais da aplicação da Convenção destinada a eliminar a dupla tributação, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido.
Como assim, a apresentação no prazo aí cominado da prova da não residência configura um pressuposto essencial para a aplicação das aludidas Convenções, só então se podendo afirmar que o Estado português abdica do seu poder de tributação e, nessa medida, dispensa a retenção na fonte do IRC devido por parte da entidade que, em princípio, estava obrigada e efectua-la.
Torna-se, deste modo, legítimo à AT exigir tal imposto ao substituto tributário, enquanto responsável pela retenção que não foi efectuada, sem que tal actuação viole as convenções internacionais e, muito menos, o disposto no artigo 8.º, n.º 2 da CRP-cfr. acórdão de 31-01-08, no processo n.º 888/07.
Por outra parte, esse inciso constitucional também não resulta violado em face do regime especial de prova previsto no artigo 90.º do CIRC, ao invés do que defende a recorrente.
Na verdade, pese embora o mecanismo de troca de informações previsto nos artigos 7.º e 26.º das referidas Convenções Internacionais, de resto apenas aplicável no caso de resultarem dúvidas quanto aos certificados apresentados pelo contribuinte e nunca à míngua total da respectiva apresentação, o certo é que o legislador interno se encontrava legitimado para exigir a certificação dos requisitos exigíveis à aplicação do regime aí previsto, mormente da residência do beneficiário, como decorre da Directiva n.º 2003/49/CE, do Conselho, de 3 Junho (cfr. 11 a 13/a), constituindo ainda uma decorrência do já acima citado artigo 4.º das Convenções em causa.
Nessa medida, não se vê que esse regime de prova revista uma dimensão violadora dos princípios da legalidade e da igualdade consagrados nos artigos 13.º 103.º, n.º 3 e 266.º, n.º 2 da CRP, tão pouco se podendo afirmar que ponha em crise o direito a um processo equitativo com reflexos obstaculizantes no acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, tanto mais que a certificação exigida não se pode qualificar de difícil obtenção tendo em conta que provem de um Estado contratante, donde decorre uma natural reciprocidade dos procedimentos exigidos.
Defende ainda a recorrente que o regime previsto no n.º 4 do artigo 90.º do CIRC, acolhendo um conceito de tributação sancionatória sem ter em conta a existência de capacidade contributiva, viola os artigos 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2 da CRP.
A este propósito aceita-se a afirmação de que do regime previsto no n.º 4 do artigo 90.º do CIRC decorre uma autonomização da relação tributário em resultado da responsabilização do substituto tributário pelo pagamento da totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido, sendo certo que a este falece legitimidade para solicitar o reembolso nos termos do n.º 5 do mesmo normativo.
Trata-se de uma responsabilização com afinidades com a prevista no artigo 28.º da LGT, uma vez que em ambos os casos se reporta a uma situação de incumprimento da obrigação de retenção na fonte de importâncias e posterior entrega nos Cofres do Estado.
Todavia, daí não decorre que ocorra um afrontamento a princípios constitucionalmente consagrados a respeito do sistema fiscal, nomeadamente os previstos no n.º 1 do artigo 103.º e n.º 2 do artigo 104.º da CRP.
Entende ainda a recorrente que o regime previsto no n.º 4 do artigo 90.º do CIRC, por desmesura e desajustamento do mesmo, viola o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da CRP.
Não se acompanha esse entendimento.
De facto, perante a necessidade de salvaguardar o direito do Estado a uma eficaz cobrança dos impostos, nada justificando, no caso, o incumprimento da obrigação de retenção na fonte do IRC devido pelos beneficiários dos rendimentos, posto que estes não tinham comprovado ser fiscalmente não residentes, a medida de responsabilização do substituto tributário perfilhado no n.º 4 do artigo 90.º do CIRC apresenta-se como adequada e ajustada.
Na verdade, a entidade obrigada a efectuar a retenção na fonte só deve eximir-se a tal obrigação no caso do beneficiário comprovar ser fiscalmente não residente, muito embora essa prova possa ser feita até ao termo do prazo do pagamento do imposto, daí se compreendendo a sua responsabilização pelo pagamento do imposto devido.
Improcedem, deste modo, as conclusões A) a U).
A recorrente, em seguida, vem questionar a legalidade da liquidação dos juros compensatórios, argumentando para tanto que o eventual direito da AT à percepção desses juros dependeria da ocorrência de uma situação de retardamento da liquidação do imposto imputável, a título de culpa, ao contribuinte.
Acontece que a questão da liquidação dos juros compensatórios exorbita do objecto do presente recurso jurisdicional, já que se trata de questão que não foi apreciada na sentença recorrida e não é de conhecimento oficioso.
Daí que, não devendo essa questão ser objecto de conhecimento nesta instância de recurso, improcedam as conclusões V) a BB).
O conhecimento da questão relativa aos juros indemnizatórios suscitada pela recorrente nas conclusões CC) e DD) encontra-se prejudicado pela posição que antes se tomou a respeito das restantes questões já conhecidas, da qual resulta necessariamente a inexistência por parte da Administração Tributária de qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito no acto de liquidação adicional impugnado.
Por último, a recorrente vem defender a aplicação ao presente caso do regime de afastamento da responsabilidade do substituto tributário previsto na actual redacção do artigo 90.º-A, n.º 6 do CIRC (introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro), alegando para tanto que, ainda que em momento superveniente ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que alegadamente deveria ter sido deduzido, apresentara os certificados de residência fiscal das entidades beneficiárias dos rendimento cuja correspondente liquidação de imposto pretende ver anulada.
Dispõem os n.ºs 5 e 6 do artigo 90.º-A do CIRC (redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro) o seguinte:
Artigo 90.º-A
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos n° 3 e seguintes do artigo 14.°, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
6 - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.° 2 do presente artigo e os n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.°, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.
Prevê, por outra parte, o n.º 4 do artigo 48.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro:
Artigo 48.º
4 - O afastamento da responsabilidade prevista no n.º 4 do artigo 90.° e no n.° 6 do artigo 90.°-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.
Certo é que no caso “sub judicio” deu-se como provado que a impugnante juntou aos autos cinco certificados de residência fiscal emitidos pela autoridades fiscais dos respectivos países relativos às sociedades beneficiárias dos rendimentos e que, muito embora o imposto tenha sido pago, se encontra pendente a presente impugnação judicial relativamente ao exercício de 2003 (G), H) e I) do probatório).
Isto significa que a recorrente, como defende, reúne os requisitos previstos nos citados incisos normativos para afastar a sua responsabilidade, enquanto substituto tributário, pela entrega da totalidade do imposto que deveria ter deduzido nos termos legais.
Como assim, em razão de estatuição normativa superveniente, desaparece da ordem jurídica o pressuposto de responsabilidade jurídico-tributária que conferiu legalidade à liquidação adicional impugnada, pelo que se impõe a respectiva anulação.
Por outra parte, como resulta ainda do que acima se disse a respeito da argumentação jurídica produzida pela recorrente, torna-se manifesto que aos serviços da AT nenhum erro pode ser assacado na liquidação do imposto objecto da presente impugnação, donde que não lhe assista o direito a que se arroga de atribuição de juros indemnizatórios.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e assim se julgando procedente a impugnação, anulando-se, em consequência a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2003.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2009. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do Vale - Lúcio Barbosa.