Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0946/18.0BELRA
Data do Acordão:03/06/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ACÇÃO ADMINISTRATIVA
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - O erro na forma de processo deve ser aferido pelo pedido concretamente formulado, só devendo julgar-se verificado se o meio processual utilizado for inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo.
II - A Impugnação Judicial é o meio processual adequado á apreciação da legalidade da liquidação, ainda que esta seja interposta na sequência de despacho de indeferimento do meio gracioso e independentemente do fundamento formal ou de mérito em que tal despacho se louvou, desde que, na Impugnação Judicial, seja simultaneamente pedida a apreciação da legalidade do referido despacho e da liquidação.
Nº Convencional:JSTA000P31999
Nº do Documento:SA2202403060946/18
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. BB e AA, intentaram a presente Impugnação Judicial pedindo que sejam anulados os despachos de indeferimento das reclamações graciosas e os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.ºs ...72 e ...58, emitidas em nome dos Impugnantes, com referência aos períodos de tributação de 2013 e 2014, no valor total de € 492.416,98; os despachos de indeferimento das reclamações graciosas de IVA e das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs 112184468037, ...70 e ...80, emitidas em nome do Impugnante e das liquidações de IVA n.ºs ...40, ...20 e ...22, emitidas em nome da Impugnante, com referência aos períodos de tributação de 2013 e 2014, no valor total de € 69.097,75.

1.2. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi julgado que se verificava: (i) erro na forma de processo relativamente ao pedido de anulação dos despachos de rejeição liminar das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IRS e, em consequência, decidido não conhecer o pedido de anulação dos despachos de rejeição liminar das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IRS e o pedido de anulação dessas liquidações; (ii) as excepções dilatórias de coligação ilegal de autores e de cumulação ilegal de pedidos relativamente aos pedidos de anulação dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas de IVA e de anulação das liquidações de IVA e, em consequência, absolver a Fazenda Pública da Instância.

1.3. Inconformados com o julgado na parte em que julgou verificada a existência de erro na forma de processo no que respeita aos despachos de indeferimento das reclamações graciosas e respectivas liquidações em matéria de IRS, recorrem os Impugnantes para este Supremo Tribunal Administrativo, tendo, nas suas conclusões, aduzido:

«EM CONCLUSÃO

«- Contrariamente ao que veio a ser sentenciado pelo Tribunal "a quo", as constatações expostas na presente peça processual, conduzirão julga-se, à revogação da Sentença sob recurso;

- Relativamente à parte das liquidações impugnadas - as em sede de IRS - entendeu o Tribunal recorrido, que ao terem os ora recorrentes deduzido impugnação judicial, teriam cometido erro na forma de processo;

- Isto porque tendo as respectivas reclamações de cujo indeferimento se impugna (2013 e 2014), sido indeferidas por extemporaneidade, e assim traduzindo-se as referidas decisões em actos administrativos em matéria tributável que não apreciaram a legalidade dos autos de liquidação de IRS, se deverá constatar, existir erro na forma de processo quanto ao pedido da respectiva anulação, uma vez que o meio adequado de defesa contra essas decisões não é a impugnação judicial prevista nos arts. 97°, n° 1, al. c), e 99° e seguintes do CPPT, mas sim a acção administrativa, prevista no art. 97°, n°s 1, al. p) e 2, do mesmo compêndio legal, e nos arts. 37° e seguintes do CPTA;

Modesta e diferentemente entendem os recorrentes:

- Por estar especialmente prevista no n° 2 do art.º 102° (in casu 131° do CPPT), a sua impugnabilidade através do processo de impugnação, sem qualquer restrição derivada do conteúdo do acto, o mesmo sucedendo aliás com o disposto na alínea c) do n° 1 artigo 97º ambos do CPPT;

- Por ser esta, crê-se, a jurisprudência que tem vindo a ser perfilhada por esse V. Tribunal;

- E d'estarte, devendo face a todo o exposto, reconhecer-se não existir erro na forma de processo;

- Ao ter decidido como decidiu, a Sentença "sub-judice" peca por erro de julgamento;

- Devendo a mesma ser revogada na parte da Decisão no que ao IRS concerne (alíneas a) e b) da Decisão - IV), por errada aplicação do direito;

- E em consequência, serem conhecidas as questões suscitadas na impugnação:

- anulação dos despachos de rejeição liminar das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IRS;

- A final, mais devendo ordenar-se a anulação integral das liquidações de IRS e dos respectivos juros compensatórios objecto da impugnação;

- E por tudo o exposto, verificando-se erro de direito, por violação das disposições constantes dos normativos dos artºs. 97°, alíneas d) e p) e 2 e n.º 2 do art.º 102°, art.º 125°, art.º 131.º n.º 1 todos do CPPT e art.º 615° do CPC (aplicável ao processo fiscal, "ex-vi" do Art.º 2° do CPPT),

1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira, não obstante ter sido notificada da interposição do recurso e da sua admissão, não contra-alegou.

1.5. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e apresentados com termo de vista ao Ministério Público, foi, pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitido parecer em que, subscrevendo integralmente o julgamento do Tribunal a quo, conclui no sentido de não provimento do recurso jurisdicional.

1.6. Cumpre decidir, o que fazemos submetendo os autos à conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, é apenas uma a questão a decidir, qual seja, a de saber se o Tribunal a quo, ao julgar verificada a existência de erro na forma de processo com fundamento em que, não tendo sido apreciados os vícios imputados aos actos de liquidação no âmbito das reclamações graciosas que antecederam a impugnação das liquidações de IRS, só através da Acção Administrativa podiam os Recorrentes sindicar a legalidade dessa decisão e as respectivas liquidações, por força do preceituado no artigo 97.º, n.º 1, al. p) e n.º 2 do CPPT e artigo 37.º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPTA).

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Pese embora na decisão recorrida não tenha sido fixada de forma autónoma, como devia, a factualidade que determinou o segmento decisório na parte impugnada neste recurso, colhe-se do seu teor o circunstancialismo fáctico e respectiva fundamentação, que aqui se transcreverá na parte pertinente:

«(…)

Do erro parcial na forma de processo

O Tribunal suscitou a excepção dilatória de erro na forma de processo, relativamente às decisões de rejeição liminar das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IRS, com fundamento na respectiva intempestividade, por se entender que o meio adequado de defesa é a acção administrativa.

Regularmente notificados, os Impugnantes e a Fazenda Pública nada vieram dizer aos autos.

Cumpre, por isso, apreciar e decidir.

Sobre a excepção que ora se coloca já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (STA), nomeadamente, no acórdão proferido, em 25 de Junho de 2009, junto do processo n.º 0194/09, cuja jurisprudência aqui se acolhe na íntegra e onde foi sumariado, designadamente, que “I – À face do preceituado no art. 97.º, n.ºs 1, alíneas d) e p), e 2, do CPPT, a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (actualmente acção administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) para impugnar um acto em matéria tributária depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial.” (vide, ainda, acórdãos do STA, 14.05.2015, processo n.º 01958/13, de 25.05.2014, processo n.º 01263, e, de 03.05.2017, processo n.º 035/16).

Ou seja, a impugnação judicial é o meio adequado de defesa quando estejam em causa actos administrativos em matéria tributária que comportam a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

Já o recurso contencioso, actualmente designado por acção administrativa, por força do preceituado no art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10), tem em vista tão-somente actos administrativos em matéria tributária que não comportam a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, conforme se depreende do disposto no art. 97.º, n.º 2, do CPPT.

Posto isto, e de regresso ao caso dos presentes autos, verifica-se que os Impugnantes formularam os seguintes pedidos, a saber:

- A anulação dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas; e,

- A anulação das liquidações de IRS e de IVA, com as devidas consequências legais.

E dos autos extrai-se que as reclamações graciosas apresentadas pelos Impugnantes contra as liquidações de IRS n.ºs ...72, de 06 de Outubro de 2017, e ...58, de 06 de Outubro de 2017, dos períodos de tributação de 2013 e 2014, no valor total de € 492.416,98, foram rejeitadas liminarmente pelo Director de Finanças Adjunto de Lisboa, mediante despachos exarados, em 03 de Maio de 2018, com fundamento na sua intempestividade (cfr. demonstrações das liquidações, de fls. 92 e 93 dos autos, e despachos e informações, de fls. 124 a 126 e 129 a 131 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Por conseguinte, traduzindo-se as referidas decisões em actos administrativos em matéria tributária que não apreciaram a legalidade dos actos de liquidação de IRS, constata-se que há um erro na forma de processo quanto ao pedido da respectiva anulação, uma vez que o meio adequado de defesa contra essas decisões não é a impugnação judicial, prevista nos arts. 97.º, n.º 1, al. c), e 99.º e seguintes do CPPT, mas, outrossim, a acção administrativa, prevista no art. 97.º, n.ºs 1, al. p), e 2, do mesmo compêndio legal, e nos arts. 37.º e seguintes do CPTA (cfr. demonstração da liquidação, de fls. 93 dos autos, e despacho e informação, de fls. 129 a 131 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

A isto acresce que, ocorrendo um erro na forma de processo relativamente aos pedidos supramencionados, fica inviabilizada a apreciação do pedido de anulação das liquidações de IRS, na medida em que só a tempestividade das reclamações graciosas é que abre aos Impugnantes a possibilidade de discutir a legalidade dessas liquidações em sede de impugnação judicial, sob pena do pedido ser manifestamente improcedente (vide acórdão do TCAN, de 11.10.2017, processo n.º 01584/09).

Diferentemente sucede, porém, com o pedido de anulação dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IVA n.ºs ...37, ...70, ...80, ...40, ...20 e ...22, de 27 de Setembro de 2017, com referência aos períodos de tributação de 2013 e 2014, no valor total de € 69.097,75 (cfr. liquidações, de fls. 98 a 122 dos autos e despachos e informações, de fls. 134 a 142, 144 a 149, 151 a 157 e 159 a 164 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Com efeito, dos autos resulta que tais reclamações foram indeferidas pelo Chefe do Serviço de Finanças de Bombarral, mediante despachos exarados, em 03 de Julho de 2018, com fundamento na falta de provimento dos pedidos formulados por cada um dos Impugnantes, o que significa que procedeu-se à apreciação da legalidade dos actos de liquidação em causa (cfr. liquidações, de fls. 98 a 122 dos autos e despachos e informações, de fls. 134 a 142, 144 a 148, 151 a 157 e 159 a 164 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Consequentemente, a impugnação judicial é o meio adequado de defesa quanto ao pedido de anulação destes despachos e, por inerência, quanto ao pedido de anulação das liquidações de IVA que lhes estão subjacentes, em conformidade com o disposto no art. 97.º, n.º 1, al. a), e c), do CPPT (cfr. liquidações, de fls. 98 a 122 dos autos e despachos e informações, de fls. 134 a 142, 144 a 149, 151 a 157 e 159 a 164 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Aqui chegados, resta somente referir que, verificando-se um erro parcial na forma de processo, fica inviabilizada a convolação na forma de processo adequada, em cumprimento do disposto no art. 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e no art. 98.º, n.º 4, do CPPT.

Desde logo, porque não é possível cindir a petição inicial em duas, de modo a que cada um dos pedidos siga a forma de processo adequada para o conhecimento do respectivo mérito.

Termos em que se dá sem efeito o pedido de anulação dos despachos que rejeitaram liminarmente as reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IRS, prosseguindo-se os presentes autos apenas para a apreciação do pedido de anulação dos despachos que indeferiram as reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IVA e, por inerência, o pedido de anulação das liquidações de IVA, em conformidade com o disposto nos arts. 186.º, n.º 4, e 193.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT (vide Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. II, 2011, 6.ª edição, Áreas Editora, págs. 92 e 93; acórdãos do STA, de 05.11.2014, processo n.º 01015/14, e, de 07.01.2016, processo n.º 01265/13; e, acórdão do TCAS, de 12.12.2013, processo n.º 07103/13).».

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, após ter julgado que se verificava nos autos «erro na forma de processo relativamente ao pedido de anulação dos despachos de rejeição liminar das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IRS», decidiu, “em consequêncianão conhecer o pedido de anulação dos despachos de rejeição liminar das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações de IRS e, por inerência, o pedido de anulação dessas liquidações.

3.2.2. O dissídio dos Recorrentes com o julgamento louva-se, nuclearmente, no entendimento de que, nas circunstâncias concretas, independentemente do teor dos despachos de indeferimento das reclamações em sede de IRS se terem quedado pela apreciação da tempestividade, o meio processual próprio, face ao disposto nos artigos 102.º, n.º 2 e 97.º, n.º 1 al. c), ambos do CPPT, é a Impugnação Judicial e não a Acção Administrativa.

3.2.3. Assim se não entendeu na decisão recorrida, resultando claramente da sua leitura que o Tribunal a quo perfilhou o entendimento de que, não tendo sido apreciados nas reclamações graciosas os vícios imputados aos actos de liquidação, por terem sido indeferidas com fundamento na extemporaneidade da sua apresentação, o meio processual a utilizar pelo interessado teria de ser a Acção Administrativa e não a Impugnação Judicial.

3.2.4. Não cremos que este julgamento deva subsistir na ordem jurídica.

3.2.5. Senão, vejamos. O ordenamento jurídico português garante a todos os interessados o direito de impugnar ou recorrer dos actos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, direito que, todavia, como é pacifico, deve ser exercido sob a forma processual e no tempo que legalmente estejam reconhecidos para esse efeito, devendo o Tribunal proceder à convolação dos autos para a forma processual correcta, inexistindo a tanto qualquer obstáculo, designadamente no que se refere à tempestividade da sua apresentação, conforme resulta dos artigos 20.º e 268.º da CRP e 95.°, n.º 1 e 97.º, n.º 2 e 3 da LGT.

3.2.6. No que respeita à forma como deve ser aferida a idoneidade do meio processual, há muito que este Supremo Tribunal explicita que deve ser aferida pelo pedido concretamente formulado. E que só existe erro na forma do processo se o meio processual utilizado for inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, e que, se perante o pedido formulado, subsistirem dúvidas ao intérprete e aplicador do direito, deve socorrer-se da real pretensão do autor, ou seja, recorrer à causa de pedir invocada para total compreensão da real vontade, do fim que a parte pretende alcançar com a instauração da concreta acção em presença, assim se alcançando uma justiça efectiva e não meramente formal (vide, entre outros, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-5-2014, proferido no processo n.º 1086/13 e de 13-1-2021, proferido no processo n.º 129/18.9BEAVR, bem como os demais aí citados).

3.2.7. Sobre a questão concretamente suscitada nestes autos, isto é, sobre a questão de saber qual o meio processual adequado para sindicar as liquidações nas situações em que a Impugnação Judicial foi precedida de recurso a meios graciosos no âmbito dos quais o mérito dos actos de liquidação não chegou a ser apreciado, também este Supremo Tribunal vem há muito julgando de forma reiterada e uniforme que a Impugnação Judicial é o meio próprio de reacção processual desde que no seu âmbito seja pedida a apreciação quer da legalidade da decisão administrativa quer da liquidação, independentemente de a decisão administrativa que constitui o objecto imediato da Impugnação Judicial versar sobre questão meramente formal (designadamente o acto administrativo de indeferimento ter por fundamento a ilegitimidade ou intempestividade da Reclamação Graciosa) quer o indeferimento se funde no mérito ou não acolhimento dos vícios de mérito imputados à liquidação [neste sentido, vide, entre outros, os nossos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18-11-2021 (proferido no processo n.º 698/13.4BEALM), de 13-10-2021 (proferido no processo n.º 129/18.9BEAVR) e de 2-2-2022 (proferido no processo n.º 848/14.9BEAVR), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt].

3.2.8. Em suma, e como se sumariou nos arestos a que vimos fazendo referência, a Impugnação Judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do fundamento formal ou de mérito, desde que na Impugnação Judicial essa ampla pretensão seja requerida, ou seja, desde que tal pedido seja formulado ao Tribunal.

3.2.9. Foi, precisamente, o que sucedeu no caso concreto, uma vez que os Recorrentes na petição inicial peticionaram simultânea e expressamente que fossem anuladas as decisões de indeferimento das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações e a anulação destas liquidações, sendo, pois, neste circunstancialismo, indiscutível a propriedade do meio processual – Impugnação Judicial – de que os Recorrentes lançaram mão.

3.2.10. Face a tudo quanto ficou exposto, é, pois, de concluir que a sentença que assim não decidiu errou na interpretação e aplicação do direito, impondo-se, em conformidade, a sua revogação na parte recorrida, e a baixa dos autos ao Tribunal a quo para aí prosseguir para conhecimento do mérito, se a tal nada mais obstar.

IV- DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para aí prosseguir os seus trâmites legais na parte relativa à apreciação da legalidade das liquidações de IRS impugnadas.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de Março de 2024. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Joaquim Manuel Charneca Condesso - José Gomes Correia.