Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01930/19.1BEPRT
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ATENDIBILIDADE DE FACTO SUPERVENIENTE
Sumário:I - Na decisão do pedido de dispensa da prestação da garantia a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, o órgão decisor deve atender a factos jurídicos supervenientes que relevem para o apuramento da situação económica do requerente;

II - Na reclamação da decisão que indefere o pedido de dispensa de prestação de garantia, o juiz decide da legalidade da decisão reclamada e não da pretensão do requerente à dispensa da garantia.

Nº Convencional:JSTA000P25538
Nº do Documento:SA22020020501930/19
Data de Entrada:12/19/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......... - DECORAÇÕES E CONFORTO, S.A.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA recorreu da sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa de garantia formulado por A………– Decorações e Conforto, S.A., contribuinte fiscal n.º…………, com sede na Zona Industrial ………, Sector…, Lote ……, Maia, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805201701229460, que contra esta foi instaurado no Serviço de Finanças da Maia, para cobrança coerciva de dívida de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas do exercício de 2013, a que se reporta a liquidação n.º 2017.06831002846, no montante de €275.222,66.

Com a interposição do recurso juntou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

a) O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou "(...) procedente a presente reclamação, com a consequente anulação do despacho reclamado, fixando-se o valor da causa em € 275 222,66

b) Uma vez estabilizada a decisão de facto, nos termos acima expostos e constantes da sentença recorrida, e com a qual a RFP concorda, cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional sub judice.

c) Assim, em face do que se acaba de expor e das questões decididas na sentença recorrida, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal,

"Do erro sobre os pressupostos em que assentou o ato reclamado"

d) Ora, quanto à decisão de direito plasmada na sentença recorrida, sob o ponto, "(d)o erro sobre os pressupostos em que assentou o despacho reclamado", o qual encontra-se reproduzido no ponto 18, desta peça, pelo que por razões de economia processual aqui se reproduz para todos os devidos efeitos legais, no que aqui nos interessa, o referido segmento da mesma.

i. Da nulidade da sentença por omissão da fundamentação de direito e por contradição entre a fundamentação e a decisão.

e) A RFP, desde já, considera que a sentença recorrida dá como ilegal a atuação da ATA, no sentido que a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, efetuado em 2017, pela aqui Reclamante, deveria ter tido em conta a informação, referente à situação económica da Reclamante, disponível em 2019.

f) Porém, a sentença recorrida não fundamenta legalmente a ilegalidade apontada, e por isso a RFP defende que a sentença recorrida enferma assim da nulidade invocada, nos termos do n.º1, do artigo 125.º, do CPPT, e por força da alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do atual Código de Processo Civil, ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT.

g) Ou caso, assim, não se entenda, pelo menos há que dar como dar como provado o erro de direito derivado do errado enquadramento jurídico efetuado, pelo Tribunal a quo, no âmbito do segmento aqui controvertido, o que levará revogação da sentença, o que, desde já, se invoca, posto que foram violados o n.º 4, do artigo 52.º, da LGT, o artigo 170.º, do CPPT, bem como o artigo 173.º, do CPTA, ex vi alínea c), do artigo 2.º, do CPPT.

Sem prescindir, e por mera cautela de dever de oficio,

ii. Do erro de julgamento da Decisão de Direito

h) h) Revertendo ao caso sub judice, a decisão do Tribunal a quo deu como assente que, "(…) o indeferimento, em 2019, do pedido de dispensa de prestação de garantia baseou-se, única e exclusivamente, na prova (documental e testemunhal) recolhida em 2016 e 2017, ou seja, na situação económica e patrimonial revelada pela sociedade naquele período".

i) Ora, é aqui que divergimos, com todo o devido respeito por decisão que consciencializamos como proferida por um órgão de soberania, da sentença recorrida.

j) Com todo o devido respeito por perspetiva diferente da nossa alegação, não C deixamos de defender a nossa posição de acordo com os seguintes fundamentos.

k) A AT, ao praticar o ato administrativo despojado dos vícios que lhe foram assacados, teria de o fazer com imputação ao requerimento apresentado pela aqui Reclamante em 2017, o qual teria de respeitar o enquadramento jurídico vigente em que o mesmo foi elaborado e apresentado, aos serviços da AT, pela aqui Reclamante.

l) Ora, a AT, ao ter praticado um renovado ato: ou seja, sem os vícios que lhe foram assacados, considerou a informação que a Reclamante forneceu para solicitar o pedido de dispensa de garantia efetuado em 2017, pois "como como sustenta Aroso de Almeida citando A. M. Sandulli, a decisão judicial anulatória "...elimina directa e imediatamente do mundo jurídico o acto administrativo anulado, repristinando automaticamente ex tunc o statu quo ante, sem que para tal fim ocorra qualquer intervenção da autoridade administrativa... " (in: ob. cit., pág. 225)."

m) Assim sendo, considerar a realidade económica da Reclamante em 2019, estando em causa a prática de um ato administrativo, sindicado por uma sentença judicial, referente ao um determinado pedido de dispensa de garantia, que tinha como pressuposto uma realidade existente à altura da elaboração do mesmo, in casu, 2016 e 2017, é desconsiderar completamente o concreto pedido de dispensa de garantia efetuado, pela aqui Reclamante, em 2017.

n) Ora, independentemente da prática do ato administrativo sub judice tenha, in casu, efeitos ex tunc, ou efeitos ex nunc, certo é que, na PI, da presente Reclamação, a Reclamante volta a não especificar, de modo concreto e factual, os pressupostos de que depende a dispensa de garantia, bastando-se com afirmações meramente conclusivas.

o) Ou seja, a Reclamante, com todo o devido respeito, mas nada provou quanto aos pressupostos de que depende a dispensa de garantia, permanecendo numa situação de non liquet.

p) O que conjugado com o facto de a Reclamante nem sequer ter alegado factos concretos sobre os rendimentos e despesas que tem (o facto de não ter bens não significa que não tenha rendimentos, percetíveis) e, por maioria de razão, de não ter feito a mínima prova da sua concreta situação económica, ter prescindido da testemunha por si arrolada, nem ter protestado juntar qualquer prova ou formulado pedido no sentido de que ela fosse solicitada a alguma entidade oficial, leva a concluir pela legalidade da decisão recorrida ("Acresce que, ainda que a AT apartasse para os autos a prova de «todos» os factos alegados pelo executado, ou que este juntasse prova de «todos» esses factos que alegou (...), tal não significaria (atenta a total ausência de prova quanto aos rendimentos ou proveitos auferidos e encargos suportados) que ficasse desde logo provada a sua concreta situação económica, em termos da eventual prova da «manifesta falta de meios económicos» - vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26-09-2012, proferido no âmbito do processo n.º 0708/12.)

q) Ora, considerando que a Reclamante não provou, na sua PI, factos concretos sobre os rendimentos e despesas que tem, nem sobre os bens móveis ou imóveis que possui, não tendo assim feito a mínima prova da sua concreta situação económica, leva-nos a concluir pela legalidade da decisão reclamada.

r) Assim sendo, os serviços da AT, parece-nos, ao praticar o ato sindicado pela sentença recorrida apenas reconstituiram "a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade".

s) Ora, nessa reconstituição os serviços da AT apenas tinham de considerar a situação económica da aqui Reclamante que existia no ano de 2017, conforme os documentos que por aquela foram fornecidos aos referidos serviços, de acordo com a legislação vigente à data do pedido de dispensa de garantia.

t) Ora, esta parece-nos ser a solução mais adequada e proporcional à defesa dos interesses da Fazenda Pública, vinculada que está, na sua atuação, pelo princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

u) Nesta conformidade, a RFP concluiu que a sentença recorrida incorre também em erro de julgamento por indevido enquadramento legal da questão sub judice, (referente à execução de julgado anulatório, pelo que, neste segmento, deve proceder a pretensão da RFP, posto que foram violados o n.º 4, do artigo 52.º, da LGT, o artigo 170.º, do CPPT, bem como o artigo 173.º, do CPTA, ex vi alínea c), do artigo 2.º, do CPPT. "

iii. Do erro de julgamento por défice instrutório ou por violação do princípio do inquisitório ou da investigação

v) Ora, na situação sub judice, a Reclamante, na sua PI, não deixa de trazer aos autos, a sua alegada atual realidade fenoménica, desvalorizando a anterior realidade económica existente em 2017 que, alegadamente, piorou face à situação atual (vd. Pontos 32 a 55 da PI).

w) Porém, esta alegada realidade de facto, nos termos expostos na sua PI, parece-nos apenas suscetível de informar um novo pedido de dispensa de garantia, este, por sua vez, referente ao ano de 2019.

x) Porém, como já foi pela RFP contestado, in casu, a Reclamante, na sua PI, limita-se a invocar a verificação dos pressupostos legais da isenção da garantia, mas sem que tivesse sido junto qualquer elemento de prova, que lograsse demonstrar com efetividade a verificação de tais pressupostos (A RFP não deixa de defender que cabe ao interessado provar os requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia, devendo o pedido fazer-se acompanhar de toda a prova relativa aos factos relativamente aos quais se exige comprovação para ser possível dispensar a prestação de garantia).

y) Neste contexto, a RFP não deixa de considerar que, até por razões de economia processual e convergentes com a natureza urgente da reclamação dos atos do órgão de execução fiscal (Note-se que o pedido de dispensa de prestação de garantia reveste por lei natureza urgente - cf. o artigo 170.º, n.º 4, do CPPT), sempre caberia ao Tribunal a quo, se considerasse não dispor de todos os elementos necessários à boa decisão da causa, ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material que se encontrava obrigado a observar, ordenar diligências adicionais de prova.

z) Ou seja, seria, ainda, essencial, na análise do alegado pela Reclamante, compulsar os autos, de modo a identificar os documentos que sustentassem o alegado pela Reclamante.

aa) E, na ausência dos mesmos, notificar a Recorrida para apresentar os documentos que efetivamente provassem o alegado na sua PI.

bb) Ora, parece-nos que, não só a Reclamante não juntou os autos prova documental do alegado, bem como prescindiu mesmo da testemunha por si arrolada.

cc) Por outro lado, o Tribunal nada fez para que a Reclamante viesse aos autos juntar elementos de prova bastantes para provar o aí alegado.

dd) Ou seja, a Reclamante acabou por não fazer prova alguma de que a sua situação económica teria piorado face à situação económica que fundamentou o despacho aqui sindicado.

ee) A RFP não deixa de fazer estas alegações com base nas seguintes premissas,

Ø Em primeiro lugar, no caso concreto do n.º 4, do art. 52.º, da LGT, a concessão da isenção pela AT é um poder vinculado, pelo que a AT deve limitar-se a atestar da conformidade da situação concreta com os requisitos legais do n.º 4, do art. 52.º da LGT.

Ø Face à forma de processo dos presentes autos, temos de ter em conta que estamos perante um contencioso de mera legalidade e com natureza urgente (Note-se que a reclamação judicial, constante do artigo 276.°, do CPPT, é um meio processual adequado, no processo de execução fiscal, para aferição de decisões do órgão de execução fiscal. O que já de per si implica uma tramitação célere e urgente de acordo com o artigo 278.°, n.º 6, do CPPT. "A reclamação referida no presente artigo segue as regras dos processos urgentes, tendo a sua apreciação prioridade sobre quaisquer processos que devam ser apreciados no tribunal que não tenham esse carácter" e visa salvaguardar a legalidade das decisões praticadas pelo órgão de execução fiscal e eventuais actos conexos com a execução. Determinando que não só as decisões passem ex ante pelo órgão de execução (que poderá revogar o acto) mas também que possam os autos subir de forma imediata atendendo ao eventual prejuízo irreparável. Entendimento aliás corroborado, entre outros, nos Acórdãos n.º 669/12, de 11.07.2012, n.º 392/13, de 03.04.2013, do Supremo Tribunal Administrativo.).

Ø Por último, tendo em conta as duas últimas premissas, podemos concluir que o controlo jurisdicional será mais/menos forte consoante vá aumentando a medida da vinculação/discricionariedade de um poder.

ff) Nesta conformidade, a RFP concluiu que a sentença recorrida incorre também em erro de julgamento por défice instrutório ou por violação do princípio do inquisitório, ou da investigação, pelo que, também, neste segmento, deve proceder a pretensão da RFP, posto que foram violados o n.º 1, do artigo 13.º, do CPPT, bem como o n.º 1, do artigo 99.º, da LGT.

gg) Por fim, não deixamos de requer a V.as Ex.as, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta o máximo de € 275,000,00, fixado na TABELA I, nos termos dos n.ºs 2 e 7, do artigo 6.º, do Regulamento das Custas Processuais, atenta a simplicidade da causa e, bem assim, a lisura da sua conduta processual nos presentes autos.

Nos termos vindos de expor e nos que V.as Exªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a reclamação judicial improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.»».

Pediu fosse dado provimento ao recurso, fosse revogada a douta decisão recorrida e fosse a mesma substituída por outra que julgasse a reclamação judicial improcedente.

O recurso foi admitido em primeira instância com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Mm.º Juiz a quo lavrou despacho de sustentação.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi aberta vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer e pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso “in totum”.

Com dispensa dos vistos legais (por se tratar de um processo urgente), cumpre decidir.



2. Das questões a decidir

Das conclusões do recurso extraem-se as seguintes questões a decidir:

i) A questão de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão da fundamentação de direito ou por contradição entre a fundamentação e a decisão;

ii) A questão de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao pressupor que a reconstituição do ato anulado passaria pela análise da situação económica da executada à data da sua reformulação [e violou, assim, o disposto nos artigos 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, 170.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário e o artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos];

iii) A questão de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por défice instrutório ou por violação do princípio do inquisitório [e violou, assim, o disposto nos artigos 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 1, do Código de Procedimento e do Processo Tributário].



3. Dos fundamentos de facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

I. Em 12/05/2017, foi instaurado contra a sociedade "A……. - Decoração e Conforto, SA" o processo de execução fiscal n.º 1805201701229460, por divida de IRC, do exercício de 2013, no valor de € 275 222,66 - cfr. fls. 20, 21 e 52 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.

II. Em 09/06/2017, a ora Reclamante apresentou impugnação judicial da liquidação de IRC em cobrança na execução mencionada na alínea antecedente, o que deu lugar à instauração neste Tribunal do processo n.º 1416/17.9BEPRT, pendente de decisão - facto dado como provado face ao teor de fls. 56 do processo físico e, bem assim, através da consulta efetuada, nesta data, ao SITAF.

III. Em 19/06/2017, a ora Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças da Maia a dispensa de prestação de garantia para suspensão dos processos de execução fiscal pendentes, nos seguintes termos (cfr. fls. 20, 21 e 57 a 60 do processo físico):

"(...)

12. Como já referido, a contribuinte, aqui requerente, diligenciou junto da CCAM Paredes no sentido de obter garantia bancária, a fim de suspender as execuções supra identificadas, nos termos dos arts. 169.º e 199.º do CPPT.

13. A referida garantia solicitada rondou o valor aproximado de € 700 000,00 já que, nos termos do art. 199.º, n.º 6 do CPPT, a garantia é prestada pelo valor da quantia exequenda, juros de mora e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma destes valores.


SUCEDE, PORÉM, QUE,

14. A CCAM Paredes não aprovou a garantia bancária solicitada pela contribuinte conforme Doc. 3, dada a sua exígua situação económica, financeira e patrimonial para suportar a garantia nesses valores.

ACONTECE QUE,

15. Conforme bem explanou o Supremo Tribunal Administrativo, citando Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª Edição, 2011, pág. 233, em Acórdão datado de 23 de janeiro de 2013, no Processo 01499/12, "(...) para que possa ser deferida a dispensa de prestação de garantia é necessário que se verifiquem três requisitos, cumulativamente, embora dois deles comportem alternativas:

- que haja uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e acrescido;

- que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado;

- que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos".


ORA,

16. A contribuinte atualmente não dispõe de ativos nem património nem reputação económica para prestar uma garantia.

17. Os valores exigidos são muito superiores à sua capacidade económico-financeira, desde logo porque resultam de tributação indireta.

18. Não é viável que uma empresa comercial, pela sua própria natureza, sem ativos tangíveis nem meios libertos significativos consiga prestar hoje uma garantia nos termos do art. 199.º n.º 6 do CPPT.


ASSIM,

19. Fica provada a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da quantia exequenda e acrescido, não podendo nunca ser imputada à executada qualquer responsabilidade por tal facto.

NESTE SENTIDO,

20. Deve a administração tributária isentar a contribuinte da prestação de garantia, nos termos do art. 52.º, n.º4 da LGT.


AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA, O QUE NÃO SE CONCEBE, E POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO,

21. Na hipótese remota de a executada conseguir, ou por si própria ou por terceiro, prestar uma garantia naquele valor, tal causar-lhe-ia um prejuízo irreparável.

22. Como salienta o Tribunal Central Administrativo Norte em Acórdão datado de 29 de março de 2012, no Processo 00502/10.0BEVIS, “Falando a lei em prejuízo irreparável, apenas haverá lugar à dispensa da prestação de garantia quando esta causa ao executado prejuízos que impeçam o retorno ao status quo ante".


ORA,

23. Na hipótese remota de a contribuinte poder prestar garantia nos termos do art. 199.º, n.º 2 que remete para o art. 195.º, ambos do CPPT - hipótese levantada por mero dever de patrocínio-, a constituição dessa garantia a favor da administração tributária causar-lhe-ia um prejuízo irreparável.

PORQUANTO,

24. A garantia só poderia ser constituída pelo penhor das mercadorias em stock da contribuinte, o seu único património.

25. Nos termos do art. 669.º, n.º 1 do CC, o penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada.


ASSIM,

26. A contribuinte ficaria hoje sem stock de mercadorias, não conseguiria transacionar as mesmas e, consequentemente, não realizaria vendas.

27. Ficava, destarte, impedida de desenvolver a sua atividade comercial, causando-lhe atualmente um prejuízo irreparável facilmente traduzido numa situação de asfixia financeira e consequente insolvência da contribuinte.

28. A própria AT, no seu Ofício n.º 60.077, de 29.07.2010, refere que “O carácter irreparável dos prejuízos deve traduzir-se numa situação de diminuição dos proveitos resultantes da actividade desenvolvida pelo executado. Este, em resultado dos encargos financeiros impostos pela prestação da garantia, deixa de poder fazer face aos compromissos económico-financeiros de que depende a manutenção e desenvolvimento da actividade económica por si levada a cabo, o que ocasiona um dano resultante do decréscimo ou interrupção dessa actividade.",


ASSIM,

29. Fica provada a existência de um prejuízo irreparável, sem retorno ao status quo ante - a impossibilidade de realização de negócios jurídicos sobre as mercadorias empenhadas que paralisaria a atividade comercial conduzindo, inevitavelmente, à insolvência da empresa.

30. Deve, por isso, a administração tributária isentar a contribuinte da prestação de garantia, nos termos do art. 52.º, n.º4 da LGT, dado que não há qualquer responsabilidade a imputar à executada pela insuficiência ou inexistência de bens.

(...). "

IV. Em 10/08/2017, foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, tendo sido apresentada reclamação, nos termos do art.º 276º do CPPT, em 08/09/2017, que deu lugar à instauração neste Tribunal do processo n.º 979/18.6BEPRT - cfr. fls. 61 a 71 e 93 a 95 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.

V. Em 15/02/2018, foi revogado, por falta de fundamentação, o despacho de indeferimento mencionado na alínea antecedente e proferido um novo despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia - cfr. fls. 81 verso a 85 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.

VI. O despacho de revogação mencionado na alínea antecedente foi objeto de reclamação, nos termos do art.º 276º do CPPT, dando lugar à instauração neste Tribunal do processo n.º 980/18.0BEPRT, onde foi proferida sentença, em 17/10/2018, a anular o referido despacho, por violação do prazo estabelecido no art.º 277º, n.º 3, do CPPT, para a revogação do ato - cfr. fls. 87 a 92 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.

VII. Em 18/12/2018, no âmbito do processo n.º 979/18.6BEPRT, foi proferida sentença a anular o despacho de 10/08/2017, mencionado na alínea D) supra, por preterição de formalidade essencial - cfr. fls. 96 a 98 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.

VIII. Em 21/03/2019, a Direção de Finanças do Porto prestou uma informação da qual se extrai, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 23 a 26 do processo físico):

«(...)

3. Para suspensão da execução veio a executada apresentar requerimento solicitando a dispensa de prestação de garantia.

4. Em 10-08-2017, a Sr.ª Chefe de Divisão da DF do Porto (em substituição da Sr. Directora de Finanças Adjunta) proferiu despacho de indeferimento do pedido, dado' ter considerado não estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 4 do art. 52.º da LGT.

5. Não se conformando com esta decisão, em 20-09-2017, a executada apresentou, no SF da Maia, Reclamação das Decisões do Órgão de Execução Fiscal, nos termos do artigo 276.º do CPPT.

6. Por despacho de 15/02/2018 da Sr.ª Diretora de Finanças Adjunta, foi revogado o despacho de 10-08-2017 que indeferiu o pedido de isenção de garantia;

7. Simultaneamente, foi proferido novo despacho de indeferimento sustentado em nova fundamentação;

8. Na sequência da notificação do despacho de 15/02/2018, a executada apresentou nova reclamação nos termos do arfo 276º do CPPT e solicitou que ambas as reclamações apresentadas subissem ao TAF, para decisão.

9. Dando assim origem a dois processos:

9.1. Processo n.º 980/18.0BEPRT - no qual foi apreciada a legalidade do despacho de 15-02-2018 (que revogou o despacho proferido em 10-08-2017).

Por decisão datada de 17/10/2018, já transitada em julgado, esta reclamação foi julgada procedente, e, em consequência, foi anulado o despacho de revogação, dado o mesmo ter sido proferido depois de decorrido o prazo de 30 dias, violando o art.º 277.º, n.º 3 do CPPT.

9.2. Processo n.º 979/18.6BEPRT - no qual foi apreciada a legalidade do despacho proferido em 10-08-2017, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Por sentença de 18 de Dezembro de 2018, já transitada em julgado, foi a reclamação julgada totalmente procedente, anulando o ato reclamado, ou seja, o despacho de indeferimento proferido em 10-08-2017, por preterição de formalidade essencial.

10. Ou seja, com a anulação do despacho de revogação proferido em 15-02-2018, o despacho que ficou vigente na ordem jurídica foi o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, proferido em 10/08/2017.

11. No entanto, no âmbito do processo n.º 979/18.6BEPRT esse despacho foi anulado, por preterição de formalidade essencial, com os fundamentos abaixo transcritos:

"Ora, no caso dos autos, a AT ouviu a testemunha arrolada pela Reclamante e até reproduziu na decisão impugnada uma súmula do depoimento por ela prestado. No entanto, não retirou qualquer consequência ou conclusão desse depoimento, limitando-se a dizer que a Reclamante não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia. Ouvir a testemunha sem emitir qualquer apreciação sobre o seu depoimento, designadamente sobre motivo que levasse à sua não relevação, bem como não extraindo nenhuma consequência desse depoimento, é o mesmo que não ouvir as testemunhas, para efeitos de cumprimento da formalidade essencial, sem embargo de poder constituir também vício de falta de fundamentação formal da decisão impugnada, por não ser possível aferir qual o itinerário cognoscitivo que levou a que se afirme que o ónus da prova não foi cumprido.

E sendo assim, a decisão impugnada terá de ser anulada, por preterição de formalidade essencial.

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo totalmente procedente, por provada, a presente Reclamação, anulando-se o acto reclamado, com as legais consequências."

12. Face ao exposto, terá a AT que substituir o despacho anulado por outro, expurgado dos vícios que inquinam a decisão anterior.

REAPRECIAÇÃO DO PEDIDO

B. Causa suspensiva e garantia apresentada

1. Causa suspensiva: Impugnação Judicial 1416/17.9BEPRT

2. Garantia: Solicita a isenção de prestação de garantia.

3. Valor da garantia apurada € 352.710,03 (simulação de 09-08-2017)

4. Valor em dívida € 302.851,10 (em 21-03-2019)

5. Meios de prova juntos ou requeridos: Comprovativos da Impugnação Judicial 1416/17.9BEPRT e comprovativo de recusa de garantia bancária emitido pela instituição bancária Crédito Agrícola. Arrolou uma testemunha.

1. Enquadramento factual do pedido de dispensa de prestação de garantia

No Serviço de Finanças da Maia, corre o processo de execução fiscal 1805201701229460, por dívida de IRC, de 2013.

Não se conformando com a liquidação, em 09-06-2017 apresentou impugnação judicial à qual coube o nº 1416/17.9BEPRT (SICJUT 1805201703000524), que se encontra em fase de contestação.

Em requerimento datado de 19-06-2017, o executado, através de mandatário devidamente constituído, peticionou a dispensa de garantia nos termos do disposto nos art.ºs 169.º e 170º do CPPT, e art.º 52º nº 4 da LGT, e a suspensão dos processos em apreço até à decisão do requerido, e solicitou que fosse ouvida a testemunha "B……." para verificação dos pressupostos de dispensa de garantia.

(...)

2. Do requerido

Peticiona a executada a isenção de prestar garantia nos termos do art.º 52º nº 4 da LGT, alegando: - que não lhe foi aprovado o pedido de garantia bancária que solicitou junto da banca.

- que não dispõe de ativos tangíveis nem património nem reputação económica para prestar uma garantia, reforçando que os valores que lhe são exigidos são muito superiores à sua capacidade económico-financeira. Trata-se de uma empresa comercial, sem ativos tangíveis, que não liberta meios significativos para conseguir prestar uma garantia, nos termos do art. 199.º n.º 6. Ficando assim provada a insuficiência do seu património.

- que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade na insuficiência de património.

- argumenta ainda que na hipótese remota de a executada conseguir, por si própria ou por terceiro, prestar garantia naquele valor, tal causar-lhe-ia um prejuízo irreparável.

- porquanto a garantia só poderia ser constituída pelo penhor das mercadorias em stock, ficando assim impossibilitada de as transacionar e de desenvolver a sua atividade comercial, tendo como consequência a sua insolvência.

Conforme referido na petição efetuada, a executada, em homenagem à descoberta da verdade e dada a importância do depoimento para a verificação dos pressupostos de dispensa de garantia, solicitou que fosse ouvida a testemunha "B……..".

Através do ofício 2017S000187724 de 01-08-2017 foi a mandatária da executada notificada para apresentar a testemunha arrolada "B……..", tendo sido marcado o dia 08-08-2017 pelas 14h30 para a sua audição.

No dia e hora designados, nesta DF, encontrando-se presente a testemunha, foi a mesma ouvida, tendo sido lavrada Ata com o respetivo depoimento que se transcreve.

"B………., residente na Rua …….- …… …., freguesia de……., concelho de Matosinhos, contribuinte nº……., portador do cartão de cidadão nº……., declarou que:

É funcionário administrativo da executada.

A designação comercial da executada é "………….".

Para garantia de pagamento das dívidas à AT, a sociedade solicitou uma garantia bancária à Caixa de Crédito Agrícola de Paredes na ordem dos €600.000,00, que foi recusada por falta de património da empresa para garantir o montante solicitado.

Os contactos para a obtenção da referida garantia foram verbais e tiveram lugar ao balcão da instituição bancária, tendo os contactos sido efetuados maioritariamente pelo administrador Sr………., tendo o mesmo sido ocasionalmente acompanhado pela testemunha.

Relativamente ao património da empresa referiu que a mesma detém stocks, no valor aproximado de €500.000,00 a preços de custo, e que os estabelecimentos são arrendados (14 ou 15 no total), não sabendo o nº de veículos da sociedade, podendo até não ter nenhum, porque normalmente recorrem a transportadoras no exercício da atividade.

Relativamente ao prejuízo irreparável mencionado no ponto 21 da petição inicial, entende que se refere às despesas com a constituição e manutenção da garantia bancária.

É referido na petição que os valores exigidos para garantia são muito superiores à sua capacidade económica e financeira, o que em termos de liquidez é corroborado pela testemunha.

Relativamente à alegada falta de responsabilidade pela insuficiência de bens penhoráveis, foi dito que a empresa nunca possuiu imóveis e relativamente a veículos, supõe que 4 ou 5 foram alienados nos últimos anos. Tratavam-se de viaturas adquiridas no estado de uso e já com bastantes anos."

3. Apreciação

Os pressupostos necessários para a concessão da dispensa de prestação de garantia são os previstos no n.º 4 do art.º 52.º da LGT nomeadamente:

• a prestação de garantia lhe causar prejuízo irreparável

• ou uma manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis

• e desde que, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

Quanto à impossibilidade de prestação de garantia bancária, apresentou um documento bancário evidenciando essa impossibilidade, consubstanciado na recusa da CCAM em lhe prestar uma garantia bancária.

Não obstante tal documento não mencionar qual o valor solicitado ao banco, tal prova é complementada pela prova testemunhal produzida, que refere ter sido pedida uma garantia bancária na ordem dos €600.000.00 e "que foi recusada por falta de património da empresa para garantir o montante solicitado."

Pelo que consideramos suficientemente demonstrada a impossibilidade de prestação de garantia bancária. No ponto 21 e seguintes da petição inicial, é ainda alegado que na hipótese remota de conseguir obter uma garantia de valor necessário, por si ou por terceiro, tal causar-lhe-ia um prejuízo irreparável. E que a garantia só poderia ser constituída pelo penhor das mercadorias em stock, o seu único património, impedindo a sociedade de prosseguir a sua atividade comercial, o que constituiria um prejuízo irreparável.

Relativamente ao prejuízo irreparável referiu a testemunha que o prejuízo "se refere às despesas com a constituição e manutenção da garantia bancária."

Ora, não se compreende esta argumentação, uma vez que foi demonstrado a recusa de prestação de garantia bancária por parte de entidade bancária, pelo que não existem quaisquer custos decorrentes da prestação de garantia bancária, pois a mesma foi recusada.

Tal como referido no Acórdão do TCAN proferido no processo 01158/12.1BEPRT em 23-11-2012, disponível em www.dgsi.pt "quanto ao prejuízo irreparável com a prestação da garantia, deve o interessado indicar em que é que ele se concretiza e indicar as razões que o levam a crer que existe uma séria possibilidade de tal prejuízo vir a ocorrer caso a mesma lhe venha a ser exigida. Assim por exemplo, importava que o recorrente demonstrasse que a obtenção de financiamento ou de uma garantia bancária acarretaria custos tais que não eram por si suportáveis, em face do seu rendimento disponível".

Ora, uma vez que foi recusada a prestação de garantia bancária, não existem encargos a assumir pela empresa, não sendo necessário aferir a sua capacidade de constituição e manutenção da referida garantia.

Não resultando daqui qualquer prejuízo irreparável para a executada.

Alega ainda a executada o prejuízo irreparável com a prestação de garantia mediante penhor de mercadorias em stock (que indica ser o seu único património), uma vez que ficaria impedida de desenvolver a sua atividade comercial, por estar impossibilitada de transacionar as mercadorias dadas em garantia.

Ora, a prestação de garantia constituída por stocks não se esgota na constituição de um penhor sobre aqueles, existindo outras formas que não inviabilizam o exercício da atividade pela executada:

- com a constituição penhora ou penhor do estabelecimento comercial, enquanto unidade jurídica, ou, em alternativa,

- com a penhora dos inventários (stocks) efetuada nos termos do n.º 2 do artigo 221.º do CPPT que refere que "A penhora de bens móveis que façam parte do ativo de sujeitos passivos de IVA, ainda que dele isentos, pode ser feita mediante notificação que discrimine os bens penhorados e identifique o fiel depositário." sendo que, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo legal, "A penhora efetuada nos termos do disposto no n.º 2 não obsta a que o executado possa dispor livremente dos bens, desde que se trate de bens de natureza fungível e assegure a sua apresentação, no prazo de cinco dias, quando notificado para o efeito pela administração tributária. ".

No que concerne à penhora do estabelecimento, a base legal emerge dos normativos do art° 862°-A do Código de Processo Civil, tendo sido inclusivamente objeto de instruções administrativas específicas, constantes do Ofício-Circulado 60010, de 22/10/1999 da Direção de Serviços de Justiça Tributária; cuja metodologia nele constante, foi sancionada por Despacho de 12/10/99, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Com efeito, este normativo legal e as instruções administrativas referidas prevêm que a penhora do estabelecimento comercial não obsta à prossecução do seu funcionamento normal, sob gestão da executada. Não obstante a penhora incluir materiais (stocks) ou consumíveis existentes, em virtude de a penhora visar o estabelecimento comercial como unidade jurídica, a executada poderia proceder à sua venda desde que efetuasse a necessária reposição.

Assim sendo, a penhora dos stocks ou do estabelecimento comercial, nos moldes acima referidos não impediria o exercício da atividade da sociedade, conforme alegado, não colhendo o argumento de que a sua penhora/penhor inviabiliza o exercício da atividade pela executada causando-lhe prejuízo irreparável.

Alega ainda a executada que não dispõe de ativos tangíveis nem património nem reputação económica para prestar uma garantia, reforçando que os valores que lhe são exigidos são muito superiores à sua capacidade económico-financeira. Refere ainda que se trata de uma empresa comercial, sem ativos tangíveis, que não liberta meios significativos para conseguir prestar uma garantia, nos termos do art. 199.º n.º 6. Ficando assim provada manifesta insuficiência de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para o pagamento da quantia exequenda e acrescido não podendo ser-lhe imputada qualquer responsabilidade por tal facto.

Relativamente ao património da empresa refere a testemunha que “a mesma detém stocks, no valor aproximado de €500.000,00 a preços de custo, e que os estabelecimentos são arrendados (14 ou 15 no total), não sabendo o nº de veículos da sociedade, podendo até não ter nenhum, porque normalmente recorrem a transportadoras no exercício da atividade." Acrescentou ainda que "a empresa nunca possuiu imóveis e relativamente a veículos, supõe que 4 ou 5 foram alienados nos últimos anos. Tratavam-se de viaturas adquiridas no estado de uso e já com bastantes anos."

Ou seja,

- identifica a executada a existência de stocks;

- confirma a testemunha a existência de stocks cujo valor de aquisição rondará os € 500.000,00

- e acrescenta ainda que existem 14 ou 15 estabelecimentos arrendados.

Por outro lado, da análise efetuada à IES/DA do ano de 2016 apresentada pela executada, constata-se que:

- o resultado liquido do período foi de €332. 616, 55

- o valor total do ativo ascendia à data a €1.915.573,02

- no montante do ativo está incluído o valor de €1.249.418,69 relativo à rúbrica "Caixa e depósitos bancários".

Compondo-se o estabelecimento comercial de um conjunto de elementos patrimoniais que permitem o exercício de uma atividade comercial (comércio, industria ou serviços) afetos a um local detido pelo empresário, estes elementos podem ser corpóreos ou incorpóreos.

Efetivamente, o estabelecimento comercial constitui uma universalidade de bens e direitos abrangendo o conjunto das instalações, utensílios, mercadorias, know-how, relações com clientes e fornecedores ou outros elementos que integram o estabelecimento, inclusivamente o direito ao arrendamento se se tratar de estabelecimento arrendado.

Sendo que, o acórdão de 2011-12-07, do TCA Sul, define o estabelecimento comercial como "uma organização de fatores produtivos, é o conjunto de bens posto à disposição da empresa pelo empresário, entre os quais se costumam destacar, o local, o aviamento, a reputação, as relações com fornecedores, com clientes, direitos de crédito, de débito, contratos de trabalho, contratos de fornecimentos, marcas, o Know-how",

Ou seja,

Dos elementos juntos e da prova testemunhal produzida resulta a existência de bens penhoráveis.

Afigura-se ser possível a prestação de garantia mediante a constituição de penhora sobre o estabelecimento comercial, ou sobre os seus ativos registados na contabilidade, que excedem o valor da garantia a prestar, sem que fosse prejudicada a atividade da executada.

Assim, apenas na eventualidade de a penhora não se afigurar suficiente para garantia da cobrança da dívida, se poderia dar como demonstrada a insuficiência de bens, uma vez que o executado estaria a oferecer todo o seu património, podendo ser dispensada a prestação de garantia pelo remanescente, a existir,

Deste modo, e atendendo à situação concreta, não se pode dar por comprovado o requisito de insuficiência de bens,

O ónus da prova da verificação dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74º, nº 1 da LGT, art. 342º do Código Civil), neste caso sobre o contribuinte executado,

Deste modo, o n.º 3 do art.º 170.º do CPPT, ao estabelecer que o pedido deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária, pressupõe que toda a fundamentação e prova, seja desde logo apresentada pelos executados para ser possível o deferimento da sua pretensão, o que não aconteceu,

Pelos motivos expostos, a executada não logrou demonstrara insuficiência de bens ou o prejuízo irreparável, pelo que se afigura não estarem reunidas as condições necessárias para ser concedida a dispensa de prestação da garantia por não se verificar nenhum dos pressupostos iniciais do n.º 4 do art.º 52.º da LGT, ficando assim prejudicada a apreciação do pressuposto cumulativo de não existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado,

E. CONCLUSÃO

Decorrente do exposto, proponho o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, por falta de verificação dos necessários pressupostos de insuficiência de bens ou prejuízo irreparável»

I) Em 21/03/2019, a Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto, em concordância com a informação vertida na alínea antecedente, indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia mencionado na alínea C) supra - cfr. fls. 23 do processo físico.

J) A ora Reclamante foi notificada do despacho mencionado na alínea antecedente em 05/04/2019 e deduziu a presente reclamação em 12/04/2019 - cfr. fls. 4 a 11, 31 e 32 do processo físico.».



4. Da subsunção jurídica

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a reclamação da decisão da Senhora Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto de 21 de março de 2019, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela ora Recorrida em processo de execução fiscal.

Com o assim decidido não se conforma a Autoridade Tributária e Aduaneira por entender, desde logo, que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de direito. Considera a Recorrente, desde logo, que não foram especificados os fundamentos de direito que suportam a decisão contendida, o que atenta contra o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e do Processo Tributário.

Mas não tem razão. A sentença recorrida não padece de tal nulidade porque resulta da pág. 19 da mesma (fls. 118 do processo físico) que o Mm.º Juiz a quo sustentou no princípio do inquisitório a obrigação da administração verificar a situação económica do requerente na data mais recente que puder ser atendida, tendo invocado o disposto no artigo 58.º da Lei Geral Tributária.

No que a própria Recorrente atentou, de resto. Porque o ponto 28 das doutas alegações de recurso acrescentou que a referência ao princípio do inquisitório não justifica a decisão. Só que essa questão já não tem nada a ver com a de saber se a sentença está fundamentada de direito; tem a ver apenas com o acerto de tal fundamentação, ou seja, com o mérito da decisão.

Mas a Recorrente também aponta à decisão recorrida outra nulidade: a da contradição entre a fundamentação e a decisão. A que parece (o raciocínio não está completo nas doutas alegações), por achar que que existe contradição entre o decidido e o segmento da fundamentação em que diz que «nada impedia a Autoridade Tributária de proferir nova decisão expurgada do vício (formal) que determinou a anulação».

Mas também aqui não tem razão. A afirmação de que a Administração Tributária mantém o poder de decisão não é, obviamente, incompatível com a de atender a factualidade superveniente na elaboração dessa decisão, a coberto do princípio do inquisitório.

Pelo que o recurso não pode merecer provimento na parte em que se suporta nas conclusões “e)” a “f)”.

4.2. A questão que se segue é a de saber se a sentença recorrida interpretou erradamente o artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na parte em que manda que a administração execute a decisão anulatória «por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado».

Também não tem razão nesta parte: a referência à situação de facto e ao quadro jurídico existente no momento em que deveria ter atuado, inserida na parte final do n.º 1 daquele artigo 173.º, tem a ver apenas com um dos deveres que emanam daquele dispositivo legal: o de dar cumprimento aos deveres «que deveria ter atuado [cumprido]» no momento do ato inválido e não cumpriu por causa dele.

A par desde dever, vem o de reconstituir a situação que existiria (atualmente) se o ato anulado não tivesse sido praticado (também consagrado no artigo 100.º da Lei Geral Tributária), o que inclui a alteração das situações de facto entretanto constituídas, como deriva do n.º 2 daquele artigo 173.º. E, naturalmente, o poder/dever de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites do caso julgado.

Do exposto deriva que a redação do artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não suporta a principal conclusão que a Recorrente pretende dele extrair: a de que, na emissão do ato substitutivo do ato anulado, a Autoridade Tributária só podia considerar a situação de facto que existia à data em que o ato anulado foi praticado.

Mas subsiste a questão fundamental de saber se, na prolação da nova decisão, a Autoridade Tributária tinha que se reconduzir à situação económica do contribuinte existente à data do ato anulado (a que existia no ano de 2017) ou tinha o poder/dever de considerar a sua situação económica ulterior. É a questão da atendibilidade dos factos supervenientes que relevem para a situação jurídica dirimida.

Deve observar-se desde já que, se em vez de estar em causa a atendibilidade de factos supervenientes pela Administração, estivesse em causa a atendibilidade desses factos por juiz, em pedido de dispensa que lhe fosse inicialmente dirigido, a resposta não podia deixar de ser afirmativa.

Ou seja, se fosse pedida a dispensa da prestação da garantia ao juiz, em 2017, com base em insuficiência económica que sobreveio posteriormente, mas antes da decisão, o pedido não poderia deixar de ser apreciado com base na factualidade superveniente. Desde logo porque atender a factos supervenientes que atribuem o direito peticionado não implica alteração da causa de pedir. É o que deriva do artigo 611.º do Código de Processo Civil.

Mas é dispositivo que não vale para o caso, visto que a decisão sobre o pedido de dispensa da garantia é – segundo o entendimento firmado nesta Secção, um ato administrativo “tout court” enxertado na execução. A que são aplicáveis, por isso, as regras próprias dos procedimentos administrativos, e não as regras formais dos atos judiciais.

Mas a atendibilidade de factos supervenientes no procedimento é um reflexo do princípio do inquisitório (que domina todo o procedimento) na própria decisão: se nos termos do artigo 58.º da Lei Geral Tributária, o órgão decisor está obrigado a trazer ao processo tudo o que releva para uma decisão que se conforme com a verdade material do sujeito passivo (não estando sequer subordinado à iniciativa do autor do pedido), isso só pode significar que está obrigado também a apurar os factos supervenientes, desde que concorram para a descoberta da verdade material. E a considerar esses factos na decisão a proferir.

Porque só faz sentido impor o apuramento da verdade material na instrução se a verdade material apurada for o suporte da decisão.

Ora, a modificação da situação económica do requerente no decurso do procedimento não pode deixar de relevar para a decisão da dispensa da garantia. Fundamentalmente porque deriva do regime legal e do artigo 52.º da Lei Geral Tributária em particular que se pretende que a situação económica do requerente seja sempre atualizada e periodicamente monitorizada.

E, como é óbvio, de um tal regime nunca podem advir prejuízos para a garantia dos créditos do Estado. Muito pelo contrário! Uma decisão que tome por base a verdadeira situação económica do requerente, no período mais recente que puder ser atendido é também a que garante melhor os créditos fiscais. A degradação do património na pendência do procedimento também pode despoletar o reforço de uma garantia inicialmente prestada. E uma significativa melhoria pode suportar o indeferimento de uma dispensa que até podia ser inicialmente justificada.

Do exposto deriva que a decisão também não merece censura nesta parte. E que o recurso também não merece provimento na parte a que se reportam as conclusões “h” a “u”.

4.3. O último vício imputado à decisão recorrida diz respeito à inobservância pelo próprio tribunal a quo dos seus deveres inquisitórios. Considera o Ex.mo Representante da Fazenda Pública – na essência – que o incumprimento pelo órgão decisor dos seus deveres inquisitórios deveria ter sido suplantado pelo juiz com base nos seus próprios poderes inquisitórios.

Também se não pode acordar com tal argumentação.

É claro que um tal entendimento implicaria que a inobservância pelo órgão decisor dos seus próprios deveres de direção e de instrução do procedimento, em ver de afetar a validade da decisão respetiva, ia onerar o tribunal com os deveres que aquele declinou cumprir.

Mas não é só essa a objeção que, no caso, se levanta: é que a reclamação de uma decisão administrativa do órgão de execução fiscal é uma verdadeira impugnação de atos administrativos. E não impugnação de atos administrativos a função do tribunal tributário é a de aferir a legalidade da atuação administrativa, e não a de se lhe substituir no exercício da função administrativa.

Na impugnação da decisão que indefere o pedido de dispensa de garantia o juiz decide se o ato de indeferimento está suportado na lei. Não decide em primeira mão se o requerente tem direito a ser dispensado da prestação da garantia.

Pelo que ao recurso deve ser negado provimento, na totalidade.




5. Conclusões

5.1. Na decisão do pedido de dispensa da prestação da garantia a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, o órgão decisor deve atender a factos jurídicos supervenientes que relevem para o apuramento da situação económica do requerente;

5.2. Na reclamação da decisão que indefere o pedido de dispensa de prestação de garantia, o juiz decide da legalidade da decisão reclamada e não da pretensão do requerente à dispensa da garantia.



6. Decisão


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta sobretudo a simplicidade da causa, suportada também na qualidade técnica das alegações de recurso, que favoreceu uma rápida delimitação do objeto do litígio – artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.

D.n.

Lisboa, 5 de fevereiro de 2020. – Nuno Bastos (relator) – José Gomes Correia – Gustavo Lopes Courinha. (vencido, conforme declaração que junto).


Declaração de Voto

A possibilidade de dispensa de garantia, prevista nos n.ºs 4 e seguintes do artigo 52.º da LGT, configura uma solução absolutamente excecional de tutela dos interesses do executado e com forte prejuízo das garantias do crédito fiscal.
É esta manifesta excecionalidade que justifica os únicos dois fundamentos em que a mesma pode assentar: "risco irreparável (com a prestação de garantia)" e "manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis".
É, igualmente, esta excecionalidade que fundamenta a natureza temporária - de apenas 1 ano e não automaticamente renovável - de tal dispensa (n.ºs 5 e 6 do artigo 52.º da LGT).
Sendo a regra no processo de execução fiscal a da prestação obrigatória de garantia como única forma de obstar à execução de uma dívida contestada - que só excecionalmente pode ser reduzida ou substituída, como se extrai dos n.ºs 8 e 9 daquele artigo 52.º (embora, pelo contrário, já possa, a qualquer momento, ser exigido o seu reforço pela AT, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º da LGT) - julgamos serem de interpretar restritivamente as possibilidades de concessão de dispensas de garantia.
Ora, vertendo o exposto aos factos, e tendo a AT promovido as diligências de inquisitório à data da formulação do pedido de dispensa - nisto suprindo a insuficiência factual carreada pela Executada para aquele procedimento - não é exigível que tais diligências devam ser constantemente atualizadas à medida em que o procedimento, por causas várias, se vai arrastando: foi o que fez em 2017, à data da solicitação de dispensa formulada pela Executada, não se vendo justificação para o ter de fazer ainda em 2019.
Aliás, a ter interesse nisso, sempre a Executada poderia solicitar uma reapreciação do seu pedido de dispensa de garantia com base na nova factualidade, nos termos do n.º 2 do artigo 170.º do CPPT, no prazo de 30 dias dos factos supervenientes, sem qualquer prejuízo para a tutela dos seus interesses.
Em nossa opinião, não viola, por isso, o princípio do inquisitório e da busca da verdade material, previsto no artigo 58.º da LGT, a atuação administrativa que fundamenta a sua decisão com base na factualidade existente à data em que o pedido original – o ato primário – foi solicitado.
Assim sendo, a este respeito, não daria provimento ao recurso.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020
Gustavo Lopes Courinha